Como fica o Irã após a morte do presidente Raisi?

As circunstâncias da morte do presidente iraniano Ebrahim Raisi ainda são misteriosas. Os iranianos devem observar atentos os próximos dias e semanas, no aguardo de explicações sobre o acidente com o helicóptero presidencial que, além dele, levava o ministro das Relações Exteriores Hussein Amirabdollahian e outras nove pessoas – todas mortas ao regressarem de uma viagem neste domingo (19/05) à província iraniana do Azerbaijão Oriental.

Até lá, é provável que surjam muitas especulações no Irã sobre o tema, afirma Sara Bazoobandi, do Instituto Alemão de Estudos Globais e de Área (Giga) em Hamburgo. "Pode ter sido um acidente ou falha mecânica, ou também sabotagem, possivelmente do entorno de Raisi. Nada pode ser descartado, tudo é possível."

Uma mulher com lenço na cabeça lendo um jornal
Mulher iraniana lê jornal que traz reportagem na primeira página sobre morte de presidentenull ATTA KENARE/AFP/Getty Images

Regime do aiatolá quer transmitir imagem de ordem e normalidade

Enquanto isso, o regime do aiatolá Ali Khamenei se esforça para manter a ordem e a normalidade no país. "Garantimos que não haverá o menor problema na administração do país", consta de declaração do gabinete emitida na manhã desta segunda-feira.

Mensagem semelhante veio do Conselho dos Guardiões, encarregado de zelar pela Constituição e a sharia, a lei islâmica: "Com a ajuda de Deus, os assuntos da nação e do povo continuarão sem interrupção."

Os negócios do governo serão agora conduzidos pelo primeiro vice de Raisi, Mohammad Mokhber. De Khamenei, clérigo e líder supremo do país, ele já foi encarregado de organizar novas eleições dentro de 50 dias.

Homem sentado à mesa ao lado de um porta-retrato e uma cadeira vazia com uma faixa preta de luto
Vice-presidente do Irã, Mohammad Mokhber, assume após a morte de Ebrahim Raisi; político tem laços com a Guarda Revolucionárianull Iranian Presidency/Handout/Anadolu Agency/picture alliance

A nomeação de Mokhber, que tem bom relacionamento com a Guarda Revolucionária – instituição militar mais poderosa do regime –, pode significar que ela aumentará ainda mais seu raio de influência sobre o governo, opina Hamidreza Azizi, cientista político do think tank berlinense Fundação Ciência e Política (SWP), em publicação no X (antigo Twitter).

Novas eleições no horizonte, mas sem surpresas

Bazoobandi aposta em novas eleições dentro do prazo de 50 dias como o cenário mais provável. "No entanto, é provável que, mais uma vez, não sejam eleições legítimas, que reflitam a decisão da população. Farão eleições de fachada."

As eleições acontecem em um momento muito conturbado para o regime e o país. O desemprego deve superar os 10% e a inflação deve chegar a 40%, segundo estimativas da GTAI, entidade alemã que reúne informações sobre comércio e investimento. O regime recorre cada vez mais à pena de morte: 835 vezes só no ano passado, de acordo com a ONG de direitos humanos Anistia Internacional, a maioria relacionada a drogas. A Anistia, porém, lista seis homens executados no contexto dos protestos de 2022 contra a morte de Mahsa Amini e um homem pelos protestos de novembro de 2019. Mulheres que se opõem ao governo também são duramente reprimidas.

Tudo isso deve contribuir para que poucas pessoas participem das eleições, diz Bazoobandi. "Eles não confiam no regime e têm pouca esperança de mudança. Além disso, muitos acreditam que o resultado já está decidido antes das eleições."

Azizi, da SWP, faz avaliação semelhante no X. Segundo ele, é difícil mobilizar o eleitorado em 50 dias. Ele lembra que nas últimas eleições ao Parlamento, há poucos dias, apenas 8% votaram. Ele, assim como o cientista político Karim Sadjadpour, da Fundação Carnegie, não descarta que a morte de Raisi possa deflagrar uma crise de sucessão.

Para Bazoobandi, a presidência pode acabar ficando com o vice Mokhber.

Nenhuma grande mudança esperada

Analistas também consideram improvável que a morte do presidente leve o regime a mudar seu curso. "Raisi recebeu suas instruções de Khamenei", diz Bazoobandi. "Ele era uma marionete. E o próximo presidente não será significativamente diferente."

Dois homens em roupa de clérigos muçulmanos, de barba branca e turbante, sorrindo um para o outro
O líder supremo do Irã, Ali Khamenei (esq.), e o presidente Ebrahim Raisi (foto de arquivo)null leader.ir

Editor do site Amwaj.media, que monitora a situação no Irã, Mohammad Ali Shabani concorda. "Eleições presidenciais antecipadas poderiam dar a Khamenei e às altas esferas do Estado a oportunidade de fazer uma mudança de curso digna e abrir um caminho de volta ao processo político para eleitores desiludidos", diz. "Isso, no entanto, exigiria uma decisão estratégica para fazer uma reviravolta e expandir um círculo político que se tornou cada vez menor. Até agora, o establishment político tende a dobrar a aposta no controle conservador."

"A orientação básica da política iraniana permanecerá inalterada", reforçou o porta-voz de política externa do partido social-democrata alemão, Nils Schmid. "O sistema autoritário é estável o suficiente para lidar com a morte do presidente", disse, acrescentando que nada mudará na falta de legitimidade e incapacidade de reforma do regime em Teerã.

Reação da população a um novo aiatolá é incerta

Já que o presidente Raisi também era visto como sucessor do líder supremo Ali Khamenei, de 85 anos, a morte dele provavelmente também reacenderá o debate sobre a ocupação deste cargo. Um possível candidato é o filho de Khamenei, Mojtaba Khamenei, mas Sadjadpour diz que ele deve ser rejeitado por grande parte da população e sua nomeação pode, até mesmo, ensejar protestos. "A falta de legitimidade e popularidade dele significa que ele dependeria totalmente da Guarda Revolucionária para manter a ordem. Isso poderia apressar a transição para um regime militar ou levar [o governo] ao colapso", escreveu Sadjadpour no X.

Já Bazoobandi, do Giga, diz ser improvável que haja novos protestos. "Os protestos após a morte de Jina Mahsa Amini há dois anos foram reprimidos com tanta brutalidade pelo regime que a população oposicionista está em grande parte desmotivada."

 

Promotor do TPI pede prisão de Netanyahu e líderes do Hamas

O promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, anunciou nesta segunda-feira (20/05) que pediu a expedição de mandados internacionais de prisão contra líderes de Israel e do Hamas, por acreditar que eles são responsáveis por crimes de guerra e contra a humanidade na Faixa de Gaza e em Israel.

São alvos dos pedidos de mandados de prisão o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, além de três líderes do Hamas: Yehya Sinwar, líder do grupo, Mohammed Deif, comandante do braço militar do Hamas, e Ismail Haniyeh, diretor do escritório político do grupo.

Os pedidos serão avaliados pela câmara de pré-julgamento da corte, que decidirá se expede ou não os mandados de prisão. Um mandado expedido pelo TPI em tese obriga seus Estados-membros a prender a pessoa se ela pisar em seus territórios, mas a corte não tem uma força policial própria ou outras maneiras para executar essa ordens.

Em 7 de outubro passado, o Hamas promoveu um ataque terrorista contra Israel que deixou cerca de 1.200 mortos e sequestrou cerca de 350 pessoas. Israel reagiu com uma ofensiva militar contra a Faixa de Gaza, que deixou até o momento 35 mil mortos, segundo autoridades de saúde locais. Cerca de 80% dos 2,3 milhões de palestinos que moram em Gaza foram forçados a se deslocar dentro do território desde o início da guerra.

"Fome como método de guerra"

Khan vinha investigando acusações relacionadas à guerra em Gaza desde o final de outubro. Falando sobre as ações israelenses, ele afirmou que "os efeitos do uso da fome como método de guerra, junto com outros ataques e punição coletiva contra a população civil de Gaza, são agudos, visíveis e amplamente conhecidos". "Eles incluem desnutrição, desidratação, sofrimento profundo e um número crescente de mortes entre a população palestina, incluindo bebês, crianças e mulheres", disse.

Khan também disse que viu pessoalmente as cenas "devastadoras" do ataque do Hamas em 7 de outubro e "o profundo impacto dos crimes inconcebíveis denunciados nos pedidos de hoje". "Conversando com sobreviventes, ouvi como o amor dentro de uma família, os laços mais profundos entre um pai e um filho, foram contorcidos para infligir uma dor insondável por meio de crueldade calculada e extrema insensibilidade. Esses atos exigem responsabilização."

Benjamin Netanyahu falando
Israel, atualmente sob o comando de Netanyahu, rejeita a jurisdição do TPInull Ronen Zvulun/AFP/Getty Images

O Hamas é considerado uma organização terrorista por diversos países do Ocidente, incluindo os Estados Unidos e a Alemanha.

O ministro do Exterior de Israel, Israel Katz, disse que a iniciativa do promotor do TPI era "escandalosa" e que havia aberto uma "sala de situação especial" para reagir ao pedido de prisão de Netanyahu e do ministro da Defesa israelense. Sami Abu Zuhri, um oficial do Hamas, disse que o pedido de Khan "igualava a vítima ao perpetrador" e encorajava Israel a prosseguir com sua "guerra de extermínio" em Gaza.

O que são crimes de guerra?

Um crime de guerra consiste numa grave violação do direito internacional contra civis e combatentes durante conflitos armados. A classificação faz parte de um complexo sistema judiciário que emergiu após a Segunda Guerra Mundial com os Julgamentos de Nurembergue.

As regras internacionais de conflito armado foram estabelecidas em 1949 pelas Convenções de Genebra, ratificadas por todos os Estados-membros da ONU e complementadas por decisões de tribunais internacionais de crimes de guerra.

Uma série de tratados rege o tratamento de civis, soldados e prisioneiros de guerra num sistema conhecido coletivamente como Direito dos Conflitos Armados ou Direito Humanitário Internacional. Ele se aplica às forças governamentais e aos grupos armados organizados, incluindo os militantes do Hamas.

Yahya Sinwar olhando para frente
Yahya Sinwar é o líder do Hamas na Faixa de Gaza e o homem mais procurado por Israelnull Mohammed Abed/AFP

Os crimes de guerra, especificamente, assim como os crimes contra a humanidade, foram definidos no Estatuto de Roma de 1998, que serviu de base para a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI).

Nele, estão contemplados mais de 50 cenários possíveis, tais como assassinato, tortura, estupro e tomada de reféns. O estatuto também inclui ataques deliberados a centros populacionais indefesos não considerados alvos militares.

Qual é o papel do Tribunal Penal Internacional?

Em caso de crime de guerra, cabe aos tribunais nacionais a aplicação da assim chamada jurisdição universal, cujo âmbito, porém, é limitado.

Quando eventuais atrocidades não são levadas à Justiça internamente, o TPI é o único órgão jurídico internacional capaz de apresentar acusações. Inaugurado em Haia em 2002, ele é o tribunal mundial permanente para crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. Sua jurisdição abrange crimes cometidos pelos seus 123 Estados-membros e seus respectivos cidadãos.

Mas muitas das principais potências mundiais não o integram, como China, Estados Unidos, Rússia, Índia e Egito. O TPI reconhece a Palestina como Estado-membro, enquanto Israel rejeita a jurisdição do tribunal e não se envolve formalmente com ele.

Em março de 2023, o TPI expediu um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, com base em suspeitas de que o presidente russo seria responsável pelo crime de guerra de deportação ilegal de crianças da Ucrânia. O mandado contribuiu para a redução das viagens de Putin ao exterior.

bl (AP, Reuters, DW)

De olho no Parlamento Europeu, ultradireita faz comício com líderes internacionais

A três semanas das eleições ao Parlamento Europeu, o partido de ultradireita espanhol Vox exibiu em comício neste domingo (19/05) em Madrid o apoio de líderes internacionais como o presidente argentino Javier Milei, a candidata francesa à presidência Marine Le Pen e o presidente do partido português anti-imigração Chega, André Ventura.

Como seus aliados em outros países da União Europeia, o Vox espera ampliar suas cadeiras ao surfar em uma onda populista nas eleições do bloco, em 9 de junho.

O evento aconteceu sob forte esquema de segurança, dias depois de um atentado contra o primeiro-ministro da Eslováquia, o também ultradireitista Robert Fico, e foi marcado por hostilidades à imprensa.

Líder do Vox, Santiago Abascal pediu a um público de 10 mil pessoas união para derrotar a ameaça representada pela esquerda. "Diante do globalismo e da alma socialista, precisamos responder com uma aliança global que defenderá o senso comum, porque essa é uma ameaça a todos nós."

Além de bandeiras da Espanha, havia entre o público também bandeiras do Brasil, Argentina, Cuba, Venezuela e Israel.

A primeira-ministra da Itália, Georgia Meloni, participou por videoconferência e falou ao público em espanhol, criticando a migração irregular e a barriga de aluguel.

Também por vídeo, o presidente húngaro Viktor Orbán e o ex-primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki exaltaram o que chamaram de valores cristãos europeus e advertiram contra o "veneno" da "propaganda de gênero".

Participaram do evento, ainda, o líder ultradireitista chileno Jose Antonio Kast e o ministro israelense para Assuntos da Diáspora, Amichai Chakli.

O Vox pode passar de quatro a seis assentos no Parlamento Europeu, caso se confirmem os 8,8% de intenção de votos medidos em uma pesquisa Cluster 17 divulgada na última sexta-feira.

Seu melhor desempenho em eleições gerais foi em 2019, quando levou 52 das 350 cadeiras no Congresso dos Deputados, a câmara baixa da Espanha. O sucesso, à época, foi impulsionado pelo fracasso da campanha pró-independência da Catalunha. Desde então, o partido encolheu e passou a 33 cadeiras, mas ainda é a terceira maior força na casa.

Milei volta a atacar primeiro-ministro espanhol

Milei foi aplaudido de pé por um discurso em que se voltou contra "esquerdistas". "Abrir a porta para o socialismo significa convidar a morte a entrar." O argentino também agradeceu a Abascal por estar ao lado dele quando era "mais solitário que Adão no dia das mães".

Um homem discursando para uma plateia e cercado por telões
O presidente argentino, Javier Milei, discursa em evento do partido espanhol de ultradireita Voxnull Manu Fernandez/AP/picture alliance

Um dia antes, Milei, que vem trocando farpas com o primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sanchez, disse que o socialismo "é o câncer da humanidade".

No domingo, o argentino voltou a alfinetar o presidente, chamando a mulher dele, Begoña Gómez, de "corrupta". Em resposta, o governo espanhol convocou sua embaixadora em Buenos Aires para consultas.

Gómez foi acusada por um grupo de ativistas anticorrupção, mas o Ministério Público espanhol disse posteriormente que abandonaria o caso por falta de evidências.

Ministro das Relações Exteriores espanhol, José Manuel Albares ameaçou a tomada de "medidas apropriadas" para defesa da "soberania e dignidade" da Espanha caso Milei não faça um "pedido público de desculpas".

Albares realçou que Milei "foi recebido na capital de Espanha de boa-fé" e tratado "com todo o respeito e deferência devida", tendo sido colocado à disposição do Presidente da Argentina "os recursos públicos do Estado espanhol necessários" para a sua estadia, e que as palavras dele "ultrapassam qualquer tipo de diferença política e ideológica".

Milei chegou a Madrid na sexta-feira e regressou no domingo à Argentina, depois de participar do evento do Vox. Foi a primeira viagem do mandatário argentino à Espanha. Milei, contudo, quebrou o protocolo ao recursar encontros com autoridades espanholas.

ra (Reuters, EFE, Lusa, ots)

Helicóptero que levava presidente do Irã sofre acidente

Um helicóptero que levava o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, caiu neste domingo (19/05) enquanto cruzava uma área montanhosa sob neblina intensa, e socorristas penavam para chegar até o local do acidente, informou a agência de notícias Reuters citando uma fonte anônima do governo islâmico.

Segundo a fonte, além de Raisi, o ministro iraniano do Exterior, Hossein Amirabdollahian, também viajava na mesma aeronave. Eles voltavam de uma visita à província iraniana do Azerbaijão Oriental.

"Ainda temos esperanças, mas as informações que estamos recebendo do local do acidente são bastante preocupantes", disse a fonte anônima.

O episódio foi noticiado pela mídia estatal do Irã, que falou em "pouso forçado", sem dar maiores detalhes.

Equipes de resgate se encaminharam às pressas para uma região rural de floresta onde acredita-se que a aeronave esteja. As informações sobre a localização do helicóptero ainda são contraditórias.

Membros mais conservadores do governo islâmico iraniano apelaram ao povo para que rezem por Raisi. Outros dois helicópteros, que não se acidentaram, faziam parte do comboio, que incluía ainda o governador da província iraniana do Azerbaijão Oriental e outros funcionários do governo, segundo a agência estatal de notícias Irna.

"O estimado presidente e seus acompanhantes estavam voltando de viagem em alguns helicópteros quando um deles teve que fazer um pouso forçado devido ao mau tempo e à neblina", declarou o ministro do Interior, Ahmad Vahidi, na TV estatal, acrescentando que o resgate poderia demorar por causa das condições climáticas. "A região é um pouco [acidentada] e é difícil fazer contato. Estamos aguardando as equipes de resgate chegarem ao local de pouso e nos fornecerem mais informações."

Raisi é tido como potencial sucessor do aiatolá Ali Khamenei

Presidente desde 2021, Raisi é um político linha-dura e considerado um potencial sucessor de seu padrinho político, o líder supremo do país, aiatolá Ali Khamenei. Ele foi sancionado pelos Estados Unidos por envolvimento em execuções em massa de milhares de prisioneiros políticos em 1988, ao fim da guerra entre Irã e Iraque.

Sob Raisi, o Irã passou a enriquecer urânio com fins militares e a impedir inspeções internacionais. O país é fornecedor militar da Rússia em sua guerra contra a Ucrânia e tem armado diversos grupos no Oriente Médio hostis a Israel, além de recentemente ter atacado Tel Aviv diretamente com mísseis e drones.

Raisi havia estado na província do Azerbaijão Ocidental pela manhã para inaugurar uma represa no rio Aras ao lado do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev.

As duas nações têm relações tensas – em parte devido ao fato de o Azerbaijão manter relações diplomáticas com Israel, inimigo ferrenho do Irã. Em 2023, a embaixada do Azerbaijão em Teerã foi atacada à mão armada.

A frota militar aérea do Irã é considerada defasada, e sanções internacionais dificultam a obtenção de peças para manutenção de helicópteros.

ra (AP, AFP, Reuters)

Ultimato eleva pressão sobre Netanyahu por plano para Gaza

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, está sob pressão crescente por parte de seu próprio gabinete em relação aos planos para a Faixa de Gaza após o conflito – mesmo que a ofensiva israelense contra o Hamas não dê sinais de fim.

Neste sábado (18/05), o ministro do gabinete de guerra de Israel, Benny Gantz, ameaçou deixar o governo se Netanyahu não anunciar até 8 de junho um novo plano de guerra que inclua uma administração internacional, árabe e palestina para lidar com os assuntos civis em Gaza.

Gantz apresentou um plano de seis pontos que prevê também o retorno dos reféns às suas casas, o fim do domínio do Hamas em Gaza e a desmilitarização do enclave palestino. O plano ainda defende que sejam feitos esforços para normalizar as relações de Israel com a Arábia Saudita.

Adversário político de longa data de Netanyahu, o centrista Gantz juntou-se à coalizão de governo israelense e ao gabinete de guerra nos primeiros dias da ofensiva israelense contra Gaza, em outubro de 2023.

A renúncia dele deixaria Netanyahu ainda mais dependente de seus aliados de extrema direita, que têm adotado uma linha dura nas negociações sobre o cessar-fogo e defendem que Israel ocupe Gaza após o conflito.

Pressão também de outras partes

Mas a pressão sobre Netanyahu não vem só de Gantz.  O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, outro membro do gabinete de guerra, também pediu um plano pós-guerra para a administração palestina. Em discurso dias atrás, ele contradisse o primeiro-ministro publicamente e se opôs a qualquer governo militar em Gaza após o fim dos combates.

Os Estados Unidos, por sua vez, pediram que uma Autoridade Nacional Palestina (ANP) revitalizada governasse o enclave com a assistência da Arábia Saudita e de outros países árabes, antes da criação de um eventual Estado palestino. A expectativa é que o conselheiro de segurança nacional americano, Jake Sullivan, promova esses planos ao visitar Israel neste domingo.

A Autoridade Nacional Palestina, que governa a Cisjordânia ocupada, controlava também a Faixa de Gaza até 2007, quando o grupo fundamentalista islâmico Hamas tomou o poder no enclave.

Até o momento, Netanyahu tem se esquivado dessas pressões de seu gabinete e do aliado mais próximo de seu país. Mas o ultimato de Gantz pode reduzir a margem de manobra do premiê.

Netanyahu descartou qualquer papel para a ANP em Gaza, dizendo que planeja entregar as responsabilidades civis aos palestinos locais não afiliados a ela nem ao Hamas. Mas também disse ser impossível fazer tais planos até que o Hamas seja derrotado. O governo de Netanyahu também se opõe profundamente à criação de um Estado palestino.

Em declaração emitida após o ultimato de Gantz, Netanyahu disse que as condições do ministro representariam a "derrota de Israel, abandonando a maioria dos reféns, deixando o Hamas intacto e estabelecendo um Estado palestino".

Netanyahu acrescentou, no entanto, que ainda considera o gabinete de guerra de emergência importante para o prosseguimento do conflito e que ele "espera que Gantz esclareça suas posições ao público".

Mais dependente da extrema direita

A saída de Gantz deixaria Netanyahu ainda mais em dívida com seus aliados da coalizão de extrema direita, incluindo o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que poderiam derrubar o governo mais facilmente se ele não atendesse às suas exigências.

Eles defendem que Israel ocupe Gaza, incentive a "emigração voluntária" dos palestinos do território e restabeleça os assentamentos judaicos que foram removidos em 2005.

Protesto em Jerusalém
Protesto em Jerusalém: milhares têm saído às ruas a favor de um cessar-fogo em Gazanull Saeed Qaq/Anadolu/picture alliance

Os críticos de Netanyahu, incluindo milhares que se juntaram aos protestos semanais nos últimos meses, acusam-no de prolongar a guerra para sua própria sobrevivência política.

Gantz, que levou seu partido centrista para o governo dias depois do ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro, alertou Netanyahu para não "escolher o caminho dos fanáticos e levar toda a nação para o abismo".

Netanyahu nega que esteja pensando em sua sobrevivência política: ele diz que está concentrado em derrotar o Hamas e que novas eleições desviariam a atenção do esforço de guerra.

Pesquisas eleitorais indicam que Netanyahu seria removido do cargo se fossem realizadas novas eleições, sendo mais provável que Gantz o substituísse. Isso provavelmente marcaria o fim da longa carreira política de Netanyahu e o exporia a um processo antigo por acusações de corrupção.

"Algo deu errado"

A mídia israelense relatou um descontentamento crescente dentro da instituição de segurança do país no decorrer da guerra, com autoridades alertando que a falta de qualquer planejamento estava transformando vitórias táticas em derrotas estratégicas.

Sem mais ninguém para governar Gaza, o Hamas tem se reagrupado repetidamente, até mesmo nas áreas mais atingidas, onde Israel dizia ter eliminado o grupo anteriormente.

Nos últimos dias, houve combates pesados no campo de refugiados de Jabaliya, no norte, e no bairro de Zeitoun, nos arredores da Cidade de Gaza.

Enquanto isso, tropas israelenses estão entrando em partes da cidade de Rafah, ao sul, no que dizem ser uma operação limitada. Os combates na região deslocaram cerca de 800 mil pessoas, muitas das quais já haviam fugido de outras áreas, e prejudicaram seriamente o fornecimento de ajuda humanitária.

Negociações mediadas pelos Estados Unidos, Catar e Egito, visando um cessar-fogo e a libertação de dezenas de reféns mantidos pelo Hamas, parecem estar paralisadas, com muitas das famílias dos reféns e seus apoiadores culpando o governo israelense.

"Algo deu errado", disse Gantz em seu discurso. "Decisões essenciais não foram tomadas. Os atos de liderança necessários para garantir a vitória não foram realizados. Uma pequena minoria assumiu o comando do navio israelense e o está conduzindo em direção a um muro de pedras."

ek (AP, Efe, Lusa)

Mais de 800 mil já fugiram de Rafah, diz agência da ONU

O número de palestinos que foram "obrigados a fugir" de Rafah na esteira da operação militar israelense chegou a 800 mil pessoas, afirmou neste sábado (18/05) o diretor da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinos (UNRWA), Philippe Lazzarini.

Rafah, que fica no sul da Faixa de Gaza, é alvo das forças israelenses desde 6 de maio. A cidade na fronteira com o Egito era o único ponto que não havia sido adentrado por tropas terrestres em sete meses de conflito, e abrigava por isso mais da metade dos 2,4 milhões de moradores de Gaza.

Israel alega que Rafah é o último bastião do grupo radical islâmico Hamas.

"Mais uma vez, quase metade da população de Rafah, 800 mil pessoas, estão na estrada, tendo sido obrigadas a fugir", afirmou o chefe da UNRWA, Philippe Lazzarini, na rede social X. "Em resposta a ordens de evacuação que exigem das pessoas que fujam para as ditas zonas seguras, as pessoas foram principalmente às áreas centrais [do enclave] e a Khan Younis, incluindo prédios destruídos."

Segundo Lazzarini, as pessoas estão fugindo para áreas sem abastecimento de água nem saneamento adequado.

O chefe da UNRWA disse que, desde o início da guerra, "palestinos foram forçados a fugir diversas vezes em busca de uma segurança que nunca encontraram, nem em abrigos da UNRWA". "A cada vez, eles são obrigados a deixar para trás os poucos pertences que possuem (...). A cada vez, eles têm que começar do zero, tudo de novo", acrescentou.

A comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos – principal aliado de Israel –, tem se mostrado preocupada com uma invasão de Rafah.

No início de maio, as tropas israelenses assumiram o controle do posto fronteiriço de Rafah com o Egito, que até então era a principal porta de entrada de ajuda humanitária. No lado israelense, dificuldades logísticas, fogo cruzado e protestos têm dificultado a entrega de mantimentos essenciais aos palestinos.

Neste sábado, Israel anunciou a chegada da primeira carga humanitária a Gaza por meio de um porto flutuante construído pelos Estados Unidos.

Caminhões sobre uma pista flutuante no mar
Caminhões transitam por porto flutuante construído pelos Estados Unidos para levar ajuda humanitária à Faixa de Gazanull Kelby Sanders/US Navy/Imago

Ministro do gabinete de guerra israelense dá ultimato a Netanyahu

Ministro do gabinete de guerra israelense, Benny Gantz deu ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prazo até 8 de junho para aprovar um plano para definir o destino da Faixa de Gaza depois que o conflito com o Hamas for encerrado.

Do contrário, Gantz, que é um político centrista adversário de Netanyahu, disse que renunciará ao cargo – algo que deixaria o governo dele ainda mais dependente de radicais de ultradireita que defendem uma linha dura nas negociações para um cessar fogo e que pregam a reconstrução de assentamentos israelenses em Gaza.

"Se você escolher o caminho dos fanáticos e liderar a nação inteira para o abismo, seremos forçados a desembarcar do governo", advertiu Gantz.

Segundo Gantz, o plano para Gaza precisa contemplar a deposição do Hamas do governo, o controle israelense de segurança sobre o enclave, o retorno dos reféns mantidos em Gaza e a criação de uma administração civil tripartite partilhada entre árabes, europeus e palestinos.

ra (AFP, Reuters, DW)

 

Exército israelense diz ter recuperado corpos de 4 reféns em Gaza

O Exército israelense disse nesta sexta-feira (18/05) ter recuperado o corpo de mais um refém em Gazaque estava desaparecido desde o  ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro

Um dia antes, a instituição já havia anunciado ter encontrado os corpos de outros três reféns cujo paradeiro era desconhecido desde aquela data.

O homem encontrado nesta sexta é Ron Binyamin, 53. Segundo o jornal israelense The Jerusalem Post, ele havia saído de casa na manhã do dia 7 de outubro para um de seus tours semanais de bicicleta e estava próximo ao Kibbutz Be’eri quando foi, segundo os militares, foi morto e levado pelos terroristas para dentro da Faixa de Gaza.

Segundo o Exército, o corpo dele foi resgatado no mesmo momento que o de outras três vítimas divulgadas na quinta-feira – Shani Louk, de 22 anos; Amit Buskila, 28, e Itzhak Gelerenter, 56. 

Segundo o porta-voz do Exército, Daniel Hagari, os três foram mortos em 7 de outubro no festival de música Nova, em Re'im, no sul de Israel, perto da fronteira com a Faixa de Gaza.

Louk, uma alemã-israelense, já era dada como morta pelas autoridades israelenses desde outubro do ano passado. O corpo dela havia sido mostrado na caçamba de uma caminhonete usada pelos terroristas em vídeo que circulou na internet momentos após o ataque. A situação dos outros dois reféns, no entanto, era incerta até então.

Além das quatro vítimas, outras cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas em Israel naquele dia.

Ofensiva em Rafah

Os militares não informaram onde encontraram os corpos. Há uma ofensiva no momento em Rafah, no sul de Gaza, que Israel diz ser a última fortaleza do Hamas e onde os reféns estão sendo mantidos.

As autoridades israelenses estimam que 129 dos 250 reféns sequestrados em 7 de outubro ainda são mantidos no enclave palestino – destes, cerca de 30 são dados como mortos. Os demais foram libertos ao longo da guerra, a maioria graças a acordos de cessar-fogo e em troca de prisioneiros palestinos mantidos em prisões israelenses.

Milhares de pessoas têm protestado com frequência em Israel para pressionar o governo israelense a negociar com o Hamas pela libertação dos reféns.

Segundo as Nações Unidas, a ação do Exército israelense em Rafah, que até então era o único ponto de Gaza poupado no conflito, já levou ao deslocamento de mais de 640 mil pessoas. Desde o início da guerra, autoridades ligadas ao Hamas contabilizam mais de 35 mil palestinos mortos.

ra (AP, DW, ots)

 

Por que Zelenski segue governando Ucrânia mesmo sem eleição?

O mandato de cinco anos de Volodimir Zelenski como presidente da Ucrânia terminou formalmente nesta segunda-feira (20/05). Em condições normais, uma eleição teria sido realizada em março, mas o Parlamento adiou o pleito pois o país está em guerra contra a Rússia e sob lei marcial. Contudo uma questão importante permanece entre os ucranianos: quem poderá suceder Zelenski quando ele deixar o cargo?

No início de 2024, poucos políticos e comentaristas avaliavam em público quem poderia, ou deveria, suceder Zelenski. No final de fevereiro, quando ele fez uma retrospectiva dos últimos dois anos da luta contra a Rússia, Zelenski descartou qualquer debate que questionasse sua legitimidade como uma "narrativa hostil".

Em conversa com jornalistas, Zelenski disse que nem os aliados do país nem ninguém na Ucrânia estava fazendo tais perguntas, e que qualquer especulação desse tipo era "parte do programa da Federação Russa".

Juristas ucranianos consultados pela DW disseram ter a expectativa de que Zelenski permaneça no poder até que um novo presidente seja eleito. "A Constituição ucraniana afirma isso claramente", disse Andriy Mahera, do Centro de Política e Reforma Legal em Kiev. "O presidente não perde automaticamente seus poderes cinco anos após a posse. Esses poderes só são removidos quando o presidente recém-eleito assume o cargo, ou seja, após as eleições."

Atualmente, realizar eleições presidenciais e parlamentares está fora de questão. A Constituição da Ucrânia impõe uma restrição temporária à primeira, enquanto a lei marcial proíbe ambas – em parte, segundo as autoridades, para proteger os eleitores de danos.

Zelenski deve renunciar?

A lei marcial também restringe certas liberdades civis. "Alguns direitos e liberdades constitucionais são restritos, por exemplo, o direito à liberdade de expressão, de reunião pacífica e à liberdade de movimento", disse Mahera. A Comissão Eleitoral Central e o Instituto de Legislação e Perícias Científicas e Legais da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia emitiram avaliações semelhantes no início do ano.

Políticos ucranianos veteranos entraram no debate. Hryhoriy Omelchenko, ex-parlamentar e membro da comissão que elaborou a Constituição em meados da década de 90, disse que não é uma coincidência o fato de a extensão dos mandatos presidenciais não ser regulamentada, acrescentando que isso serve como proteção.

Mesmo assim, Omelchenko escreveu uma carta a Zelenski – publicada no jornal Ukrajina Moloda em março – pedindo que o presidente "não usurpe o poder do Estado" e que renunciasse voluntariamente em maio.

Ruslan Stefanchuk de perfil falando em microfone
O presidente do Parlamento, Ruslan Stefanchuk, filiado ao mesmo partido que Zelenski, é visto como um possível substitutonull Ukrainian Presidential Press Off/Zumapress/picture alliance

A legitimidade de Zelenski deriva não apenas da lei, mas também do seu amplo apoio popular. Uma pesquisa realizada em janeiro pelo Razumkov Center da Ucrânia apontou que 69% dos entrevistados confiam em Zelenski. Menos de um quarto disse que não confia no presidente.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS) no início de fevereiro apontou que 69% dos entrevistados achavam que Zelenski deveria permanecer no poder até o fim da lei marcial. Apenas 15% dos entrevistados apoiavam a realização de eleições nas circunstâncias atuais, e 10% queriam que Zelenski entregasse o poder ao presidente do Parlamento, Ruslan Stefanchuk.

O diretor executivo do KIIS, Anton Hrushetskyi, disse à DW que qualquer um dos dois últimos cenários envolveria o risco de minar a legitimidade do governo e desestabilizar a Ucrânia.

"Milhões de pessoas estão no exterior, milhões vivem sob ocupação, centenas de milhares estão servindo no exército – se os cidadãos não puderem participar das eleições, como eleitores ou candidatos, isso prejudicará a legitimidade dos resultados das eleições", disse.

Tribunal Constitucional deve se manifestar

Juristas disseram à DW que o Tribunal Constitucional da Ucrânia deverá se manifestar sobre os poderes do presidente e o momento da eleição. "Somente o Tribunal Constitucional pode interpretar a Constituição para verificar se outras leis estão de acordo com ela", disse Mahera.

O presidente, o governo, a Suprema Corte, um grupo de 45 parlamentares ou o comissário de direitos humanos do Parlamento precisariam recorrer ao Tribunal Constitucional para analisar a questão.

O site de notícias Dzerkalo Tyzhnia informou no final de fevereiro que o gabinete de Zelenski estava preparando em uma petição sobre o tema ao Tribunal Constitucional, que seria apresentada por 45 parlamentares do partido Servo do Povo, de Zelenski.

A legenda afirma que Zelenski tem total legitimidade para seguir no cargo, e a oposição está amplamente de acordo. Vários partidos na Ucrânia disseram que não tinham intenção de recorrer ao Tribunal Constitucional, destacando um acordo interpartidário para não realizar eleições até o fim do vigor da lei marcial.

Entenda a crise no território francês da Nova Caledônia

Separados por 16.500 quilômetros, Paris e o território ultramarino francês da Nova Caledônia não poderiam estar muito mais distantes. Na última quarta-feira, o presidente da França, Emmanuel Macron, mudou planos de viagem para permanecer na capital francesa a fim de liderar as reuniões de gerenciamento de crise no território do Pacífico Sul.

Desde a semana passada, o arquipélago é palco de violentos protestos de separatistas que já deixaram ao menos seis mortos, centenas de feridos e mais de 200 presos.

Na quarta-feira, a França impôs estado de emergência na Nova Caledônia, anunciando medidas que incluem o deslocamento de membros das Forças Armadas para a região, toque de recolher noturno e a suspensão do serviço de vídeos TikTok. Segundo o governo francês, a última vez em que medidas do tipo foram baixadas foi em 1985.

Quando a Nova Caledônia se tornou francesa?

A Nova Caledônia está localizada no sudoeste do Oceano Pacífico, a cerca de 1.300 quilômetros da costa da Austrália. O território compreende a ilha principal da Nova Caledônia e várias ilhas menores.

O explorador britânico James Cook foi o primeiro europeu a pisar no local em 1774, mais de 2 mil anos após o início do povoamento do arquipélago. O cenário montanhoso da parte nordeste da ilha principal lembrou a Cook sua terra natal, a Escócia – Caledônia em latim –,  e foi assim que a ilha ganhou o nome que ostenta até hoje.

À época, viviam na ilha cerca de 60 mil membros do povo originário Kanak, maior etnia do arquipélago. Com a chegada dos europeus, muitos deles acabaram sendo forçados a viver em reservas.

Nas décadas seguintes, marinheiros e missionários cristãos do Reino Unido e da França chegaram e se estabeleceram na Nova Caledônia.

Em 1853, sob o comando de Napoleão 3º, a França tomou posse formal da ilha, que no início foi usada principalmente como colônia penal. Depois que o níquel foi descoberto, a mineração passou a ser levada a sério, com o setor logo se expandindo para incluir também a extração de cobre.

Em 1887, o "Code de l'indigénat" (código indígena) da França foi aplicado à Nova Caledônia. Esse conjunto de leis submeteu as populações indígenas das colônias francesas a regras rígidas e negou-lhes certos direitos civis. Muitos kanaks foram escravizados e forçados a trabalhar na Nova Caledônia ou em outras partes do mundo.

Desde o início, o povo Kanak fez várias tentativas fracassadas de se livrar do poder colonial. Quando o arquipélago se tornou um território ultramarino francês após a Segunda Guerra Mundial – assim como algumas das outras colônias da França no Pacífico e no Caribe – os kanaks da Nova Caledônia receberam a cidadania francesa e gradualmente obtiveram o direito de votar.

Atualmente, os kanaks representam cerca de 40% da população da Nova Caledônia, que é de aproximadamente 270 mil habitantes. O segundo maior grupo, com 24%, são de pessoas de origem europeia – em sua maioria, franceses.

Além disso, a moeda do território é atrelada ao euro, e seus cidadãos podem votar tanto nas eleições francesas quanto nas eleições para o Parlamento Europeu.

Demandas contínuas por independência

Desde a década de 1970, a Nova Caledônia tem feito contínuas reivindicações de independência, que são apoiadas por grande parte do povo Kanak. As Nações Unidas também apoiaram essas demandas e, em 1986, a Assembleia Geral da ONU reinscreveu a Nova Caledônia em sua lista de "territórios não autônomos". Em 1988, a França concordou em conceder mais autonomia à Nova Caledônia.

Pessoas com bandeiras da Nova Caledônia
Reivindicações de independência são apoiadas por grande parte do povo Kanaknull Theo Rouby/AFP

Mas a maioria da população – especialmente os descendentes de colonialistas franceses – quer que a Nova Caledônia continue fazendo parte da França.

Um dos motivos é econômico: de acordo com o governo da vizinha Austrália, os 1,5 bilhão de euros que a Nova Caledônia recebeu de Paris em pagamentos de orçamento direto em 2020 representaram cerca de 20% da produção econômica geral do território naquele ano.

Nos referendos de independência realizados em 2018 e 2020, apenas 43,6% e 46,7% dos participantes votaram a favor, respectivamente. Já em 2021, um novo referendo foi boicotado pelos partidos de independência, levando a um resultado distorcido de quase 97% contra.

Indignados com a nova lei de direito de voto

A indignação agora manifestada por muitos defensores da independência na Nova Caledônia surgiu após uma reforma constitucional aprovada recentemente pelo Parlamento francês que estendeu o direito ao voto nas eleições regionais a franceses que vivem há mais de dez anos no arquipélago.

Até então, além da população originária, esse direito era reservado apenas a imigrantes que viviam no território desde antes de 1998 e aos filhos deles. Ou seja, os residentes que chegaram da França continental ou de qualquer outro lugar nos últimos 25 anos não têm o direito de participar das eleições locais.

Macron ainda não assinou a lei. Os protestos são, portanto, uma tentativa de dissuadir o presidente de dar prosseguimento com a reforma constitucional.

O movimento pró-independência teme que a inclusão de tantos novos eleitores dilua seu próprio peso político. Opositores da lei dizem que ela vai beneficiar políticos pró-França e marginalizar os kanaks, que no passado sofreram sob políticas rigorosas segregacionistas e discriminação.

Interesses geopolíticos e econômicos

A França, que é uma potência nuclear com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU, continua se vendo como uma potência global. Suas forças armadas têm bases aéreas e navais na Nova Caledônia, que são de importância geopolítica.

Além disso, os recursos naturais do arquipélago são de grande importância econômica. Em 2021, 190 mil toneladas de níquel foram extraídas do território, de acordo com estimativas dos Estados Unidos. No mundo, somente a Indonésia, as Filipinas e a Rússia produziram mais.

O movimento pró-independência da Nova Caledônia também recebeu apoio de um aliado inesperado, a ex-república soviética do Azerbaijão, que a França acusou de interferência.

Em um artigo recente, o veículo americano Politico disse que Philippe Gomès, ex-chefe de governo da Nova Caledônia, acusou o Azerbaijão de "financiar ativamente a Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista". O ministro do Interior da França, Gérald Darmanin, fez alegações semelhantes.

O Azerbaijão rejeitou as alegações de que está por trás dos recentes distúrbios na Nova Caledônia.

Ativismo contra a guerra em Gaza chega ao mundo corporativo

Protestos pró-palestinos e as reações das forças de segurança têm abalado universidades americanas nas últimas semanas. Cenas semelhantes têm se repetido também na Europa.

Os protestos contra a conduta de Israel em sua guerra contra o Hamas desde os ataques terroristas de 7 de outubro também começaram a levantar questões no setor corporativo. O caso mais notável até agora é o do Google, que em abril demitiu 50 funcionários por participarem de protestos em dois de seus escritórios nos Estados Unidos.

"Somos um local de trabalho e nossas políticas e expectativas são claras: este é um negócio, e não um lugar para agir de forma que perturbe os colegas ou os faça sentir-se inseguros", escreveu o CEO da gigante do setor de tecnologia, Sundar Pichai, em um e-mail aos funcionários.

Os protestos foram organizados pelo No Tech for Apartheid ("sem tecnologia para o apartheid", em tradução livre). O grupo é formado principalmente por trabalhadores do Google e da Amazon contrários ao fornecimento, por parte das empresas, de serviços de web e tecnologia de nuvem ao governo e ao Exército israelenses. Esses serviços são prestados como parte de uma operação de computação em uma nuvem israelense conhecida como Projeto Nimbus.

Os trabalhadores demitidos entraram com uma queixa no Conselho Nacional de Relações de Trabalho dos EUA. A DW procurou o Google para comentar esse assunto, mas não obteve resposta até a publicação deste artigo.   .

Na avaliação de Sam Schwartz-Fenwick, advogado trabalhista no escritório Seyfarth Shaw em Chicago, dado que o protesto ocorreu na forma de uma ocupação que possivelmente perturbou outros funcionários, o Google provavelmente sairia vitorioso em uma disputa jurídica.

"Se você desafia uma decisão comercial de seu empregador que não afeta os termos e condições de seu emprego, isso não é algo protegido por lei", disse Schwartz-Fenwick à DW.

Força de trabalho americana está cada vez mais politizada

Nos últimos anos, as empresas têm se deparado com uma força de trabalho cada vez mais ativista em questões políticas, sociais e culturais diversas.

"Isso está se tornando parte do cotidiano. Os empregadores têm que lidar constantemente com essas questões", afirma Schwartz-Fenwick.

Um cartaz colorido com o rosto de George Floyd é erguido durante uma manifestação
O assassinato de George Floyd, em 2020, levou diversas companhias a se posicionarem publicamentenull STRF/STAR MAX/IPx/picture alliance

Co-autor do recém-lançado Speak Out, Listen Up ("Fale, escute", em tradução livre), livro que aborda o ativismo político de trabalhadores, John Higgins diz que o assunto está se tornando uma característica definidora do local de trabalho e é algo ao qual as empresas muitas vezes não sabem como reagir.

Higgins explica que nos anos 1980 e 1990 predominava no mundo empresarial a noção de que os negócios eram alheios às questões globais. "Mas o que estamos vivendo agora é o desafio a essa noção. É dizer que as empresas não podem simplesmente se preservar por conta própria."

Segundo Steve Rochlin, CEO da empresa de consultoria estratégica Impact ROI, essa onda de pronunciamentos oficiais das empresas e "tomadas de posição" atingiram seu pico nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd em 2020 e a proibição do aborto pela Suprema Corte em 2022.

Posicionamento defensivo e cauteloso sobre o conflito israelo-palestino

Para Higgins, a guerra Israel-Hamas e questões mais amplas em torno do conflito Israel-Palestina são especialmente desafiadoras para o mundo corporativo. Declarações públicas a respeito são, em suas palavras, "incrivelmente cautelosas".

"A maioria das respostas deles tem sido defensiva. Muitas empresas globais estão bastante acostumadas com isso porque, se você faz negócios em Israel e no Oriente Médio, sempre teve que andar na corda bamba", diz Higgins.

"Muitas empresas entendem que não podem ficar em silêncio sobre o conflito Israel-Hamas", afirma Rochlin. "Mas não querem correr o risco de ofender ou alienar qualquer um dos lados. Muitas estão focando em apoiar seus funcionários. Eles decidiram que a melhor maneira de discutir o problema é lembrar os funcionários das políticas corporativas de não discriminação e não violência, e lembrá-los sobre programas de assistência aos funcionários para aqueles que estão achando difícil processar o conflito."

Dado que as empresas têm clientes e funcionários com perspectivas e lealdades tanto israelenses quanto palestinas, muitas têm sido cuidadosas para não serem vistas escolhendo um lado.

"Em muitos casos, eles precisam ser capazes de explicar a linha que estão seguindo, dizer: 'Estamos cientes de que temos funcionários palestinos e judeus, e sabemos que há uma tensão entre eles. É nossa responsabilidade manter os dois grupos seguros'", diz Higgins.

Ativismo dos funcionários veio para ficar

Até agora, protestos de trabalhadores contra as ações de Israel em Gaza – onde, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas, mais de 35 mil pessoas foram mortas em mais de sete meses de conflito – têm sido relativamente raros.

Crianças observam à distância bombardeios
Crianças assistem a bombardeios a Rafahnull -/AFP

Mas os protestos no Google mostram que esse tipo de ativismo está se tornando cada vez mais possível.

Em 8 de maio, mais de 100 funcionários da União Europeia se reuniram do lado de fora da sede da Comissão Europeia em Bruxelas para protestar pelo mesmo motivo.

Higgins diz que a forma como as empresas lidam com o conflito acabou chamando atenção para como elas reagem ao aumento dos níveis de ativismo dos funcionários como um todo.

Segundo ele, quando muitas companhias, nos últimos anos, passaram a incentivar os trabalhadores a "trazerem todo o seu eu para o trabalho", elas não estavam necessariamente preparadas para as opiniões políticas potencialmente divisivas. "Há um pouco de: 'Bem, se você vai me permitir trazer todo o meu eu, então também vou trazer minhas questões políticas'", explica Higgins.

Para o advogado Schwartz-Fenwick, as empresas enfatizam hoje junto aos trabalhadores que valorizam suas identidades completas no trabalho, mas chefes precisam entender que isso vai englobar também questões políticas e sociais. "Coisas que as pessoas antes talvez não compartilhassem no trabalho, elas se sentem mais confortáveis em fazer isso agora."

Tanto Higgins quanto Schwartz-Fenwick apontam que uma grande parte do desafio para as empresas é que muitos trabalhadores se tornaram cada vez mais intolerantes em relação a outras perspectivas – um fenômeno, segundo Schwarz-Fenwick, acentuado pela pandemia, já que muitas pessoas teriam vivido esse período em "bolhas".

Ambientalismo deve ser o próximo front

Higgins diz esperar que o ambientalismo seja um grande impulsionador do ativismo de trabalhadores nos próximos anos. "Estamos apenas no começo", afirma. "A taxa de engajamento sério com o meio ambiente ainda é lenta dentro do setor corporativo. E a geração mais jovem está realmente revoltada com isso".

Segundo ele, as empresas terão que se preparar para enfrentar acusações de "greenwashing", além de aprenderem se e quando responder a questões políticas, ambientais e sociais levantadas pelos trabalhadores.

"A questão é: como escolhemos sobre quais questões vamos ter uma opinião, e quais não? Porque você não precisa ter uma opinião sobre tudo."

Rochlin ressalta que as empresas estão constantemente sendo julgadas por seu impacto nas pessoas e no mundo em geral. "Toda empresa deve entender que haverá uma variedade de questões sobre as quais elas não podem se dar ao luxo de ficar caladas", diz.

 

Como China ajuda a armar a Rússia na guerra contra a Ucrânia

Após a nomeação do economista Andrei Belousov como novo ministro da Defesa, o presidente russo, Vladimir Putin, vai visitar nesta semana o presidente chinês, Xi Jinping. A China tem sido, conforme um novo estudo dos EUA, o fornecedor mais importante de microeletrônica e máquinas-ferramentas para o setor de defesa russo desde 2023. Putin está demonstrando que deseja continuar a moldar indústria russa em direção a uma economia de guerra.

Já no final de 2023, a Sociedade Alemã de Política Internacional (DGAP) calculou em uma análise que, na pior das hipóteses, a Otan teria apenas cinco anos para manter seu potencial de dissuasão contra um possível ataque russo a um país da aliança militar ocidental.

O autor do estudo, Christian Mölling, chefe do Centro de Segurança e Defesa da DGAP, atualizou sua análise com vistas ao armamento da Rússia na guerra contra a Ucrânia. "Putin só vive por meio dessa guerra", diz Mölling em entrevista à DW. "Ele precisa da guerra porque evocou espíritos demais, que podem não ser capazes de aceitar a paz."

Confronto com a Otan?

O armamento da Otan está, portanto, diretamente entrelaçado com o fornecimento de armas das cerca de 50 nações que apoiam a Ucrânia sob a liderança dos EUA.

Em um estudo publicado em abril, o think tank americano Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) chegou à conclusão de que "as reformas militares abrangentes em andamento de Putin" na guerra contra a Ucrânia "indicam que a Rússia pode estar se preparando para um confronto com a Otan nas próximas duas décadas, incluindo uma guerra convencional em grande escala".

O instituto em Washington, que, de acordo com relatos da mídia americana, é próximo ao setor de defesa dos EUA, examinou o fornecimento de produtos do exterior para o setor de armas russo e a evasão das sanções ocidentais pela segunda vez desde o início da grande invasão russa na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.

Importações que burlam as sanções ocidentais

Para isso, os pesquisadores analisaram dados disponíveis publicamente sobre o comércio de mercadorias para a Rússia, especialmente em relação à microeletrônica para mísseis e bombas planadoras. O CSIS também analisou o comércio das chamadas máquinas CNC, ou seja, máquinas controladas por computador para processamento de metais.

Andrei Belousov
Economista Andrei Belousov foi nomeado como novo ministro da Defesa de Putinnull Sergei Bobylev/TASS/dpa/picture alliance

Elas são usadas para a construção de projéteis de artilharia e outras munições. "O setor de defesa russo encontrou maneiras de adquirir o que precisa para aumentar a produção de armas", afirma a análise do CSIS.

"O Kremlin continua a depender de componentes estrangeiros importados por meio de uma complicada rede de intermediários. Isso tem se mostrado fundamental para abastecer os militares russos na Ucrânia."

De acordo com o relatório, a China se tornou o fornecedor mais importante da Rússia desde o início de 2023. "Quase todos os principais exportadores de microeletrônica estão sediados na China e em Hong Kong, com uma empresa sediada na Turquia."

Alta das importações chinesas em março de 2023

As exportações de microeletrônicos da China para a Rússia dispararam em março de 2023. Naquela época, o presidente chinês, Xi Jinping, visitou em Moscou o presidente russo, Vladimir Putin.

"As importações russas de máquinas CNC de empresas chinesas – que são usadas para fabricar peças de precisão para vários sistemas de armas, desde munição até aeronaves – também aumentaram acentuadamente nos meses seguintes à reunião entre Xi e Putin em março de 2023", afirma o CSIS.

Em vários gráficos, o instituto mostra que, entre março e julho de 2023, empresas da China e de Hong Kong forneceram eletrônicos à Rússia entre 200 mil e 300 mil vezes por mês.

Muitos drones para Moscou, poucos para Kiev

A comparação é particularmente interessante quando se trata dos drones fornecidos: "A Rússia recebeu pelo menos 14,5 milhões de dólares (R$ 74,7 milhões) em entregas diretas de drones de empresas comerciais chinesas, enquanto a Ucrânia só recebeu drones e componentes da produção chinesa no valor de cerca de 200 mil dólares, a maioria deles de intermediários europeus", afirma o relatório do CSIS.

Algumas das empresas da China e de Hong Kong que fazem entregas para a Rússia também fazem negócios com a Ucrânia. Se elas estiverem sujeitas a sanções da UE ou dos EUA, isso levaria a um dilema. Afinal, as restrições comerciais poderiam, em última instância, afetar também a Ucrânia.

Por fim, os pesquisadores americanos concluem que "o setor industrial russo tornou-se completamente dependente da China no que se refere a máquinas-ferramentas e componentes importantes para a produção bélica".

Isso é consistente com as investigações na Ucrânia. Lá, os mísseis, bombas planadoras e drones russos interceptados pelo sistema de defesa aérea ucraniano estão sendo desmontados em suas partes individuais.

"Desde o ano passado, o Exército ucraniano identificou principalmente eletrônicos de fabricação chinesa nas armas russas", diz o especialista em sanções ucraniano Vladislav Vlasiuk, da administração presidencial ucraniana, em entrevista à DW.

Menos alta tecnologia nas armas russas

Ao contrário de antes da invasão da Ucrânia, a Rússia está produzindo cada vez mais munições e armas para as quais os componentes ocidentais de alta tecnologia são completamente desnecessários. Acima de tudo, as bombas planadoras e os drones de combate Shaed originalmente do Irã.

Vladislav Vlasiuk
"Se importações de microeletrônica fossem interrompidas, Rússia não produziria mais armas", diz Vlasiuknull DW

Desta forma, desde o início de 2024, a Força Aérea da Rússia tem sido cada vez mais bem-sucedida em superar as defesas aéreas ucranianas, que, por sua vez, sofre de escassez de mísseis de defesa ocidentais. Atualmente, é uma batalha de projéteis de artilharia de fabricação barata e de bombas planadoras com eletrônica chinesa contra mísseis antiaéreos ocidentais com muita tecnologia de ponta, dos quais a Ucrânia tem muito poucos.

"Se todas as importações de microeletrônica para a Rússia fossem interrompidas amanhã, eles não conseguiriam produzir as armas", acredita Vlasiuk.

Assim, a Rússia já conseguiu mudar com sucesso seu setor de defesa para componentes mais simples, que são adquiridos principalmente da China. No primeiro ano da guerra, a Ucrânia conseguiu garantir vários produtos ocidentais de alta tecnologia através das armas russas – muitos deles originários da Europa e, principalmente, da Alemanha.

"Dos principais componentes e eletrônicos de que o Kremlin precisa para sua máquina de guerra, ele mudou de componentes militares personalizados de alto desempenho" para as chamadas tecnologias de uso duplo, que podem ser usadas tanto para fins civis quanto militares, "ou mesmo tecnologias puramente civis", escreve o CSIS em sua análise. Em outras palavras, mercadorias que até hoje não são cobertas pelas sanções ocidentais.

 

O que é a Nakba palestina?

O que significa Nakba?

A palavra árabe Nakba significa catástrofe ou desastre. Em relação ao conflito israelo-palestino, o termo Nakba ou al-Nakba se refere ao êxodo palestino durante e após a guerra árabe-israelense de 1948. Estima-se que cerca de 700 mil pessoas tenham fugido ou sido forçadas a deixar suas casas no que hoje é Israel e nos territórios palestinos. Nakba lembra ainda que muitos refugiados palestinos no exterior permanecem apátridas até hoje.

O que é o Dia da Nakba?

Em 15 de maio de 1948, um dia depois da declaração de independência do Estado de Israel, cinco exércitos árabes atacaram o novo país. A data marca, assim, o início da guerra árabe-israelense e há muito tempo é um dia em que os palestinos saem às ruas e protestam contra a expulsão de suas terras. Muitos carregam bandeiras palestinas, trazem as chaves de suas antigas casas ou erguem faixas com a imagem de chaves, simbolizando a esperança pelo retorno e pelo que eles veem como seu direito de retornar.

Muitos desses protestos terminaram em confrontos violentos entre militantes palestinos e militares israelenses. Israel acusa o Hamas e outros grupos, listados pela União Europeia como organizações terroristas, de instrumentalizarem a data.

O termo Dia da Nakba foi cunhado em 1998 pelo então líder palestino, Yasser Arafat. Ele estabeleceu a data como dia oficial para lembrar a perda da pátria palestina.

Por que os palestinos tiveram que deixar suas terras?

Até o fim da Primeira Guerra Mundial, o território palestino estava sob domínio turco, como parte do Império Otomano. Com o fim do conflito, a Palestina histórica passou a ser controlada pelo Reino Unido, no chamado Mandato Britânico da Palestina. A administração civil britânica funcionou de 1920 a 1948. Especialmente durante esse período, caracterizado pelo crescente antissemitismo na Europa, um número cada vez maior de judeus de todo o mundo mudou-se para a terra que, para eles, era Eretz Israel, a Terra Prometida da Bíblia e a pátria de seus ancestrais, onde os judeus sempre viveram, embora em menor número. Nesse período, que foi marcado por um crescente antissemitismo na Europa, um número crescente de judeus de todo o mundo se mudou para a região, por considerá-la sua pátria ancestral.

Também sob a impressão do Holocausto na Alemanha nazista, a Assembleia Geral da ONU adotou um plano de divisão para o Mandato Britânico da Palestina em 1947. A Liga Árabe rejeitou o plano. A Agência Judaica para a Palestina (autoridade para a comunidade judaica na Palestina antes da fundação do Estado de Israel) o aceitou, e o Estado de Israel foi proclamadoem 14 de maio de 1948.

Em reação, uma coalizão de cinco estados árabes declarou guerra a Israel, mas foi derrotada militarmente pelo jovem estado em 1949. Antes da guerra, de 200 mil a 300 mil palestinos já haviam deixado o país ou sido expulsos. A eles se somaram outros 300 mil ou 400 mil durante os combates. O número total de pessoas deslocadas e refugiadas é estimado em cerca de 700 mil.

Palestinos em fuga carregam seus pertences em estrada de terra, em foto de 1948
Durante e após a guerra árabe-israelense de 1948, estima-se que cerca de 700 mil palestinos tenham fugido ou sido forçados a deixar suas casasnull Eldan David/Pressebüro der Regierung Israels/picture alliance /dpa

Durante a guerra, mais de 400 vilarejos árabes foram destruídos e violações dos direitos humanos foram cometidas por ambos os lados. O massacre de Deir Yassin – um vilarejo na estrada entre Tel Aviv e Jerusalém – continua sendo uma parte importante da memória palestina. Pelo menos cem pessoas foram mortas, incluindo mulheres e crianças. O massacre aumentou o medo entre muitos palestinos e fez com que muitos outros fugissem. 

No final da guerra, Israel possuía cerca de 40% do território que havia sido destinado aos palestinos no plano de partição da ONU de 1947.

Para onde eles foram?

Na época, a maioria dos palestinos acabou como refugiados apátridas na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e nos países árabes vizinhos, sendo que apenas uma minoria foi para outros lugares. Até hoje, apenas uma parcela das gerações seguintes de palestinos na região solicitou ou recebeu uma outra cidadania. Como resultado, a maioria dos cerca de 6,2 milhões de palestinos no Oriente Médio é apátrida até a terceira ou quarta geração.

Onde os palestinos vivem hoje?

De acordo com a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), a maioria dos palestinos da região ainda vive em campos de refugiados que, com o tempo, se transformaram em cidades de refugiados. Os descendentes de refugiados palestinos vivem hoje principalmente na Faixa de Gaza, na Cisjordânia ocupada, no Líbano, na Síria, na Jordânia e em Jerusalém Oriental.

Estima-se que a diáspora palestina fora do Oriente Médio tenha crescido para cerca de 6 milhões a 7 milhões de pessoas. Se isso for verdade, o número total de palestinos no mundo seria de cerca de 13 milhões de pessoas. No entanto, não há nenhum órgão oficial que registre de forma confiável o número de palestinos na diáspora. assim, não há dados precisos disponíveis.

Protesto de palestinos em Berlim em maio de 2022
Palestinos costumam sair às ruas em 15 de maio, Dia da Nakba. Nesta foto, um protesto em Berlim em 2022null Fabian Sommer/dpa/picture-alliance

Existe um direito de retorno?

De acordo com a Resolução 194 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1948 e a Resolução 3.236 de 1974, bem como a Convenção da ONU relativa ao Estatuto dos Refugiados adotada em 1951, os palestinos que são considerados refugiados palestinos têm um "direito de retorno".

Israel, por outro lado, rejeita o direito de retorno dos palestinos e de seus descendentes, argumentando que isso significaria o fim da identidade de Israel como um Estado judeu. Israel também rejeita qualquer responsabilidade pela fuga ou expulsão dos palestinos e lembra que, entre 1948 e 1972, cerca de 800 mil judeus foram expulsos ou tiveram que fugir de países árabes, como Marrocos, Iraque, Egito, Tunísia e Iêmen.

Existem soluções à vista?

Nos últimos 76 anos, houve várias abordagens para resolver o conflito israelense-palestino. A mais significativa continua sendo a solução de dois Estados, que prevê um futuro Estado da Palestina ao lado do Estado de Israel e dividiria Jerusalém em duas capitais. Entretanto, há uma resistência maciça de ambos os lados e dúvidas sobre o quão realista isso ainda seria. Nesse contexto, os críticos apontam para o número crescente de assentamentos judaicos na Cisjordânia ocupada, entre outras coisas, o que poderia impossibilitar um território palestino contíguo como base de um futuro Estado.

Outras propostas incluíram o reconhecimento do status de refugiado por Israel e uma compensação sem direito de retorno. Um reassentamento limitado de refugiados palestinos ou um sistema de dois passaportes em apenas um estado também foram discutidos. 

Outras sugestões seriam o reconhecimento do status de refugiado por Israel e uma compensação aos palestinos, mas sem retorno às suas terras, ou um reassentamento limitado, ou até um sistema de dois passaportes em um único Estado.

No entanto, o ataque terrorista do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 e a subsequente guerra em Gaza parecem ter tornado uma solução tangível ainda mais distante. Também há temores no lado árabe de outra Nakba, que poderia afetar os palestinos da Faixa de Gaza.

 

Ofensiva em Rafah amplia insatisfação nos protestos em Israel

No protesto semanal que ocorre em Jerusalém, Amos Cividalli distribui pequenos pedaços de fita adesiva com o número 218 impresso, representando a quantidade de dias em que os cerca de 128 reféns seguem sob poder do grupo terrorista Hamas e outros grupos radicais islâmicos na Faixa de Gaza, desde os ataques terroristas em solo israelense, em 7 de outubro do ano passado.

"Não tenho muita confiança no governo; tememos que não estejam fazendo o suficiente para trazê-los de volta para casa", disse Cividalli, que costuma frequentar os protestos. Assim como ele, milhares de israelenses saíram às ruas em todo o país na noite de sábado para exigir um acordo para a libertação dos reféns e novas eleições no país.

O clima era sombrio no protesto do último fim de semana, pouco antes do primeiro Dia da Memória para homenagear os civis e soldados mortos nos ataques terroristas de outubro passado, que deram início à guerra em Gaza.

Desde então, mais de 35 mil palestinos morreram, segundo o Ministério da Saúde administrado pelo Hamas na Faixa de Gaza. Outros cerca de 1,6 mil israelenses morreram – a maioria deles, civis no dia dos ataques – incluindo 620 soldados, de acordo com as Forças de Defesa de Israel (IDF).

Cessar-fogo frustrado

Os protestos em Israel se seguiram a uma semana de frustrações, em meio à falta de esperança e novos desdobramentos.

As conversações indiretas entre Israel e o Hamas no Egito fracassaram após os israelenses iniciarem a ofensiva à cidade de Rafah, no sul de Gaza, e retomarem os bombardeios no norte do enclave palestino. Em resposta, o Hamas e outras organizações lançaram foguetes contra o sul de Israel, sinalizando que ainda estão longe de serem derrotados.

Em meio a isso, os Estados Unidos indicaram um novo e significativo abalo nas relações com seu aliado. O presidente Joe Biden afirmou na semana passada que seu país iria reter um envio de armamentos caso o governo israelense mantivesse seus planos de realizar uma ofensiva de grande porte em Rafah, o que gerou temores de um isolamento internacional ainda maior de Israel.

"Se a América disser 'não lhes daremos bombas caso vocês bombardeiem Rafah', ele [Netanyahu] vai dizer que vamos agir sozinhos, o que é ridículo, não conseguiríamos agir sozinhos", disse Barbara, uma manifestante de Jerusalém que não quis dizer seu sobrenome. "É uma situação muito ruim. A única coisa que podemos tentar é querer mudança e uma eleição".

As pessoas nas manifestações dizem que as esperanças quanto a um avanço nas negociações no Cairo, com os dois lados concordando com um cessar-fogo temporário e a libertação dos reféns, sofreram muitos abalos, e a cada dia que passa aumenta mais a urgência.

Estima-se que 128 reféns israelenses e de outros países ainda estejam nos cativeiros. Alguns deles, porém, não estão mais vivos, segundo afirmam autoridades de Israel.

"O Hamas é o inimigo; eles também mudaram suas posições, também pediram coisas que para Israel são impossíveis de conceder. Falaram sobres [libertar] 33 pessoas, e agora falam em 33, mas com alguns cadáveres. Eles também não são confiáveis. Mas é necessário chegarmos a um acordo com o inimigo, temos que encontrar um meio", afirmou Cividalli.

Jovens com megafone e instrumentos de percussão protestam em Jerusalém
Protestos em Israel ocorrem em meio a frustrações e à falta de esperança pela libertação dos reféns em Gazanull Tania Kraemer/DW

Assim como outros no protesto, ele quer o fim da guerra, mas diz viver um conflito interno sobre a perspectiva de o Hamas não ser derrotado.

"O Hamas em Gaza é algo muito perigoso para Israel. Sua capacidade de ganhar poder, obter armas e de atacar cidadãos israelenses, assim como o fato de eles verem Israel como um país totalmente ilegítimo, são coisas com as quais não podemos conviver:"

Nas últimas semanas, houve sinais de progressos nas negociações no Cairo. Em 6 de maio, o grupo informou os mediadores do Egito e do Catar que havia chegado a um acordo com Israel para uma trégua.

Contudo, os negociadores israelenses rapidamente rejeitaram a proposta, dizendo que ela não satisfazia suas "exigências fundamentais" ou tampouco os termos que haviam sido acordados. Ainda assim, Israel enviou uma delegação para a continuação das conversas indiretas, que acabaram não progredindo.

O Hamas – classificado como uma organização terrorista pelos Estados Unidos, União Europeia (UE), Alemanha e diversos outros países – acusou Israel de renegar o pacto ao atacar Rafah, para onde mais de um milhão de palestinos desabrigados se deslocaram em busca de alguma forma de refúgio desde o início da guerra.

Em comunicado divulgado na semana passada, o grupo islamista afirmou que a rejeição de Israel ao acordo levou a situação à estaca zero. O maior entrave, aparentemente, seria a exigência do Hamas de um fim permanente na guerra e a retirada total das tropas de Israel da Faixa de Gaza – termos até o momento rejeitados por Israel.

A estratégia de Israel funciona?

O jovem Yair, de 18 anos, vestia juntamente com seus amigos camisetas com a foto de Hersh Goldberg-Polin, um americano de 23 anos que ainda está sendo mantido refém em Gaza. Ele disse não acreditar que a estratégia de "pressão máxima" sobre o Hamas esteja funcionando.

Há poucas semanas, o Hamas divulgou um vídeo de seu amigo gravado no cativeiro, implorando para que o governo o levasse para casa. Foi o primeiro sinal de vida de Goldberg-Polin, que foi gravemente ferido por uma granada e perdeu seu braço ao ser capturado no festival de música Nova, em 7 de outubro.

"Fiquei chocado, comecei a chorar. Mas também fiquei aliviado que ele está vivo", disse Yair. Ele também está revoltado com o governo por não fazer o suficiente para trazer de volta os reféns. "Tinham que trazê-los de volta para ontem", desabafou. "O que eles estão esperando?"

Manifestantes carregam imagens de reféns em Gaza e demandam ações do governo israelense
Manifestantes carregam imagens de reféns em Gaza e demandam ações do governo israelensenull Tania Kraemer/DW

Os manifestantes não estão sós na crença de que o governo deve ampliar os esforços para garantir a libertação segura dos reféns. Contudo, permanece a dúvida quanto ao preço que o país estaria disposto a pagar por um acordo.

Uma pesquisa divulgada em 7 de maio pelo Instituto de Democracia de Israel, revelou que 56% dos israelenses judeus concordam que um acordo para a libertação dos reféns deveria ser a maior prioridade nacional. Por outro lado, 37% disseram que uma ação militar em Rafah deveria ser mais importante.

Há, no entanto, diferenças significativas de acordo com a orientação política de cada pessoa, segundo uma pesquisa divulgada pelo think-tank com sede em Jerusalém. Enquanto a ampla maioria dos simpatizantes da esquerda e do centro consideram um acordo como sendo a maior prioridade, 55% no espectro da direita priorizam a ofensiva em Rafah.

Em especial, entre os religiosos nacionalistas, 83% preferem a ofensiva do que um pacto pela libertação dos reféns.

Governo israelense sob pressão

Entre os manifestantes há uma suspeita de que o governo coloca as considerações políticas à frente dos interesses nacionais. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou repetidas vezes que, com ou sem um acordo, Israel lançará uma ofensiva em Rafah para eliminar quatro batalhões remanescentes do Hamas e vencer a guerra em Gaza.

Na manifestação, no entanto, a maioria não acredita na estratégia de guerra de Netanyahu. "Acho às vezes que alguns na extrema direita não se importam com quantas vidas possam ser perdidas do nosso lado", diz Barbara. "É café pequeno, se comparado ao que estamos fazendo com o outro lado, mas eles ainda acham que a violência é a única resposta."

"Venho para essas manifestações porque o governo não tem um plano para o que virá depois – isso se houver um depois – e, enquanto isso, os reféns obviamente estão morrendo. É algo terrível e nada está sendo feito. O interesse do governo parece ser permanecer no poder."

Por que queda de Kharkiv seria um duro golpe para Ucrânia

Dois anos após a fracassada tentativa de tomar Kharkiv, a Rússia volta a avançar sobre a segunda maior cidade da Ucrânia. Até recentemente, especialistas afirmavam que as operações russas na região de Kharkiv seriam mais uma campanha de propaganda do Kremlin, e que Moscou não teria capacidade militar para tomar a cidade.

Contudo, no início de maio, o Exército russo conseguiu tomar com rapidez vários vilarejos ao norte da região de Kharkiv, aumentando as preocupações sobre segurança da cidade.

Para Kiev, há muito mais em jogo do que uma perda de território. Kharkiv é de fundamental importância para o país por vários motivos, seja como polo cultural e econômico ou como um dos símbolos da resistência ucraniana à invasão russa.

Segunda maior cidade da Ucrânia

Kharkiv já era uma cidade grande na época do Império Russo. Entre 1919 e 1934, foi a primeira capital da Ucrânia soviética. Apesar da predominância do idioma russo, a cultura ucraniana floresceu em Kharkiv entre as décadas de 1920 e 1930, quando as personalidades locais foram vítimas do terror imposto pelo ditador soviético Josef Stálin. Os nomes de muitos escritores e poetas dessa geração voltaram a ser conhecidos somente após a Ucrânia se tornar um Estado independente.

Durante o regime soviético, Kharkiv se tornou um centro industrial, científico e de transportes. A cidade herdou da União Soviética um polo industrial de alta tecnologia e importantes instituições acadêmicas, incluindo a Universidade Nacional Karasin, a Universidades de Direito e o único instituto de aviação do país. Nos anos 1930, a primeira divisão atômica ocorrida na União Soviética foi realizada em um instituto de ciências de Kharkiv.

A cidade está localizada a 40 quilômetros da fronteira com a Rússia, na intersecção de rodovias estratégicas do leste a oeste e do norte para o sul, incluindo a rota de Moscou para a Península da Crimeia a partir da região russa de Rostov.

Até recentemente, Kharkiv produzia componentes para usinas nucleares, hidrelétricas e térmicas, além de aviões, tratores e tanques. O maior mercado da Ucrânia, o Barabashovo, está localizado no centro da cidade.

Símbolo de resistência

Devido aos bombardeios russos e à consequente falta de energia elétrica, muitas das empresas não conseguem continuar operando normalmente. É improvável que a Ucrânia possa transferir todas elas para regiões mais seguras, pois essa transferência exige tempo, muito dinheiro e trens de carga – ou seja, coisas que estão em falta no país.

Casal observa restos de edifício em chamas após ataque de míssil russo
Possível batalha por Kharkiv tem potencial para se transformar na mais sangrenta da guerra até agoranull Pavlo Pakhomenko/NurPhoto/picture alliance

Algumas pequenas empresas se mudaram para o oeste da Ucrânia em 2022. Em abril, a imprensa ucraniana divulgou os planos de duas indústrias de grande porte, que se fundiram pouco antes da invasão russa, de estabelecerem filiais no oeste ucraniano.

A Rússia jamais escondeu o desejo de capturar Kharkiv. O ex-presidente russo Dmitry Medvedev anunciou abertamente que a área se tornaria a quinta região da Ucrânia a ser anexada pela Rússia no segundo semestre de 2022.

Entretanto, uma bem-sucedida contraofensiva ucraniana frustrou os planos de Moscou. Kharkiv ficou marcada como a região de onde o Exército russo literalmente fugiu, deixando para trás equipamentos e munição.

Analistas não tinham dúvidas de que a Rússia tentaria se vingar. A queda de Kharkiv e da região seria um duro golpe para a segurança energética da Ucrânia. As consequências econômicas seriam muito mais graves do que as perdas de Donetsk ou Mariupol.

Importância econômica 

Segundo estatísticas do governo, a região de Kharkiv foi a terceira que mais contribuiu para o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano em 2019 (6,3%), atrás de Kiev e Dnipropetrovsk. Além disso, a região possui a maior reserva de gás natural do país, capaz de cobrir praticamente toda a demanda nacional.

Uma possível batalha por Kharkiv tem potencial para se transformar na mais sangrenta da guerra até agora. Isso se deve às dimensões da cidade, com 350 quilômetros quadrados, e seus atuais 1,3 milhão de habitantes –aproximadamente do tamanho de Munique, na Alemanha.

O número de habitantes de Kharkiv é praticamente o mesmo de antes da invasão russa. Apesar de muitos moradores terem deixado a cidade, centenas de milhares se abrigaram em Kharkiv fugindo da região do Donbass – em grande parte ocupada pela Rússia – e de outras partes do país onde o conflito começou mais cedo.

Ucranianos colocam arames farpados em linhas de defesa ao redor de Kharkiv
Ofensiva russa não surpreendeu os ucranianos. Várias linhas de defesa foram construídas ao redor de Kharkivnull Viacheslav Ratynskyi/REUTERS

Em 2014, as tentativas de grupos de insurgentes pró-Rússia de tomar cidades no leste da Ucrânia, com a colaboração de serviços de segurança de Moscou, deram certo em Donetsk e Lugansk. Já em Kharkiv, eles foram rapidamente expulsos do edifício da administração local.

Linhas de defesa

Quando a guerra começou no Donbass, no mesmo ano, Kharkiv se tornou um hub do Exército ucraniano e um dos pontos centrais do movimento de voluntários. Ali eram feitos os reparos de equipamentos militares e os feridos podiam receber tratamento médico. Várias instalações militares da era soviética permaneceram na região, incluindo um depósito de armas e um campo de aviação militar.

A ofensiva russa no nordeste do país não pegou os ucranianos de surpresa. Várias linhas de defesa foram construídas ao redor de Kharkiv, o que não ocorreu nas áreas rurais que a cercam. A Rússia, porém, possui a vantagem estratégica de conseguir bombardear a cidade a partir de seu território.

A Ucrânia consegue retaliar somente com seus próprios mísseis de curto alcance, e não com os de longo alcance do Ocidente, devido a restrições ocidentais impostas ao país para uso desses armamentos. O Reino Unido declarou recentemente que pretende mudar isso. Entretanto, muitos países ocidentais ainda resistem à ideia de que a Ucrânia use as armas fornecidas pelos aliados para atingir alvos na Rússia.

Livro de memórias de Angela Merkel será lançado em novembro

As memórias da ex-chanceler federal alemã Angela Merkel serão publicadas em 26 de novembro, anunciou a editora Kiepenheuer & Witsch nesta segunda-feira (13/05).

O livro, intitulado Liberdade. Memórias 1954 – 2021, será lançado em mais de 30 países, informou a editora. O lançamento ocorre quase três anos após o fim do mandato de 16 anos de Merkel.

Em suas memórias, ela faz uma retrospectiva "de sua vida em dois Estados alemães – 35 anos na Alemanha Oriental, 35 anos na Alemanha reunificada", informou a editora.

Merkel nasceu em Hamburgo, no noroeste da Alemanha, em 1954, mas se mudou com sua família para a antiga RDA pouco tempo depois.

Ela escreveu o livro a quatro mãos com Beate Baumann, sua chefe de gabinete e assessora política de longa data.

"O que é liberdade para mim? Essa pergunta me ocupou durante toda a minha vida", disse Merkel em um comunicado após o anúncio.

"Sem democracia não há liberdade, não há Estado constitucional, não há proteção dos direitos humanos", afirmou.

Em um nível pessoal, acrescentou, liberdade significa "não parar de aprender, não ter que ficar parada, mas poder ir além, mesmo depois de deixar a política."

Longe dos holofotes, mas legado sobre Rússia sob críticas 

Merkel vem mantendo um perfil relativamente discreto desde que deixou o cargo. Ela se manteve fora de disputas políticas e de eventos de seu partido de centro-direita, a União Democrata Cristã (CDU).

Eleita a mulher mais poderosa do mundo pela revista Forbes por dez anos consecutivos, Merkel esteve à frente da maior economia da Europa entre 2005 e 2021. Ela foi a primeira e, até o momento, a única mulher a ocupar o cargo de chanceler federal da Alemanha.

No entanto, alguns pontos do legado de Merkel têm enfrentado críticas desde que ela deixou a política, em especial sua abordagem em relação a Moscou e a dependência da Alemanha do gás russo.

bl (dpa, AP, AFP)

Berlim ganha exposição sobre burocracia alemã

Logo na entrada do Museu da Burocracia, em Berlim, os visitantes são conduzidos a uma árvore oca. Ela também é um símbolo dos efeitos da burocracia alemã. Todos os dias, 52 árvores são cortadas apenas para que possa ser impresso o que é produzido pela burocracia, dizem os organizadores do museu.

A Alemanha é notória por sua burocracia. Uma das principais promessas do atual governo alemão foi a de simplificar o emaranhado de leis. Entretanto, muitos são da opinião de que o novo pacote de leis sobre desburocratização, que para ser aprovado pelo Parlamento no final de junho, está muito aquém do que foi prometido: uma redução genuína da burocracia.

Ocupando um espaço de 350 metros quadrados, o museu temporário é um projeto criado pela Iniciativa para a Nova Economia Social de Mercado (INSM, na sigla em alemão).

Túnel formado pela reprodução de uma árvore oca
Árvore oca na entrada do museu lembra as muitas árvores derrubadas para produção de papelnull Julie Gregson

Campanha por menos burocracia

A ideia não é totalmente desprovida de interesse próprio, já que a INSM é uma organização de lobby financiada pelas associações patronais alemãs de indústrias do setor metalúrgico e elétrico. E há muito tempo eles vêm fazendo campanha por menos burocracia na economia alemã.

"Burocracia existe em toda parte. Mas, na Alemanha, ela se tornou a desvantagem número um para quem quer investir no país – antes mesmo dos impostos e dos preços da energia", afirma Thorsten Alsleben, diretor da INSM, acrescentando que, para 58% das empresas, esse é um motivo suficiente para decidir não investir na Alemanha. Alsleben acusa os políticos alemães de sufocarem a inovação e o espírito empreendedor por meio da burocracia excessiva.

A burocracia alemã consome muito tempo, tanto das empresas quanto dos cidadãos. Muitos serviços, como a solicitação de uma carteira de motorista ou de uma carteira de identidade, exigem o comparecimento pessoal nos órgãos responsáveis. Conseguir um agendamento é geralmente uma questão de sorte. De acordo com o museu, os cidadãos gastam em média duas horas e 21 minutos nesses atendimentos. Diz-se que as empresas de pequeno e médio porte gastam cerca de 13 horas por semana com a papelada para autoridades.

Caveira sentada em uma sala de espera
"Bem-vindo à sala de espera, espera, espera": alemães gastam em média mais de duas horas em atendimentos públicosnull Julie Gregson

Em comparação com outros países europeus, a Alemanha é uma retardatária no que diz respeito à digitalização na administração pública. Muitas vezes, aparelhos de fax ainda fazem parte do padrão. No entanto, a Alemanha vem sofrendo uma pressão cada vez maior. Em 2017, a UE aprovou uma lei que obriga as autoridades a digitalizar cerca de 580 serviços até o final de 2022. No início de 2024, apenas 81 estavam totalmente operacionais e 96 estavam parcialmente operacionais.

"É muito fácil atribuir a culpa somente ao federalismo", diz Cornelia Funke, gerente e consultora da agência GFA Public. Outros países federativos, como o Canadá, por exemplo, se saem melhor do que a Alemanha nas classificações de competitividade digital. Apesar do federalismo, a abordagem do Canadá em relação à implementação é descentralizada. "No espaço digital, a qualidade depende muito da existência de uma plataforma que todos conheçam. E não de milhares de ofertas diferentes. Não deveria haver muitos modelos e designs, mas sim algo com valor de reconhecimento; um balcão único de atendimento com um só padrão", afirma Funke.

E ela cita outro motivo para a lentidão da Alemanha. O país teve primeiro uma ordem prussiana; a democracia só veio mais tarde. "Os valores e padrões mais importantes nas administrações de países burocráticos não são tanto a eficiência, o atendimento ao cidadão ou a economia do dinheiro do contribuinte. Muitas vezes, trata-se apenas de implementar leis", acrescenta Funke.

"O Pensador", de Rodin, diante de máquinas de fax
"O Pensador", de Rodin, diante de máquinas de faxnull Julie Gregson

"Às vezes surgem situações absurdas", diz o diretor da INSM, Thorsten Alsleben. "Então, vem o departamento de segurança no trabalho e diz que você precisa de azulejos com nervuras para evitar que os funcionários escorreguem. Mas depois vem a autoridade sanitária e explica que os azulejos lisos são necessários por motivos de higiene."

Regulamentos e leis demais

De acordo com Alsleben, o número de leis e regulamentos está fora de controle na Alemanha. Ele também reclama que há muito poucas pessoas trabalhando nas áreas de política e gestão que têm experiência empresarial. No Museu da Burocracia, os visitantes podem escolher suas leis favoritas e depois colocá-las em um triturador de papel.

A burocracia pode fazer muita gente perder a paciência. Mas talvez também seja um pouco simples demais colocar toda a culpa só nos funcionários públicos. Johanna Sieben, diretora do Creative Bureaucracy Festival, diz que o subfinanciamento e a falta de mão de obra também são um obstáculo à mudança, especialmente em nível local. Em geral, segundo ela, há simplesmente falta de dinheiro para soluções modernas e não burocráticas. O festival é um evento internacional realizado em Berlim com o objetivo de promover mudanças na administração.

No Museu da Burocracia, a propósito, tudo acontece de forma muito desburocratizada e rápida. O museu vai embora tão rápido como chegou. Ele pode ser visitado gratuitamente em Berlim até o dia 25 de junho.

As fake news em circulação antes das eleições da UE

Deepfakes fazem campanha para a "tia" Marine Le Pen

Em abril, circularam no TikTok vídeos de supostas sobrinhas da líder da ultradireita francesa Marine Le Pen em apoio ao partido dela, o Reagrupamento Nacional (RN).

Só que as "sobrinhas" Amandine Le Pen e Lena Maréchal não existem. Elas foram criadas com a ajuda da inteligência artificial (IA) a partir da projeção dos rostos de Marine Le Pen e de Marion Maréchal – esta, sim, sobrinha de verdade da política – nos rostos de outras pessoas.

Montagem em vídeo mostra deepfakes criados em apoio a Marine Le Pen. Acima, uma senhora idosa; abaixo, uma mulher jovem e loira com um decote profundo
Sobrinha fake gerada por IA pediu votos no TikTok para Marine Le Pennull TikTok

A mentira, um caso exemplar de deepfake, foi exposta pela imprensa francesa e também por usuários do TïkTok. O objetivo da fraude: fazer a extrema direita parecer jovem e atraente nas eleições ao Parlamento Europeu.

Os dois perfis fraudulentos das sobrinhas inexistentes foram desativados no TikTok. Segundo a imprensa francesa, uma delas tinha mais de 32 mil seguidores.

Culpa da União Europeia: chocolate "sabor grilo"

Um grilo estampado em uma embalagem verde-neon está ao lado de dois quadradinhos de chocolate da célebre fabricante Ritter Sport. O novo sabor: "grilo inteiro, edição proteica." Soa apetitoso?

A imagem foi postada pela própria marca alemã em 24 de janeiro de 2023 nas redes sociais sob a hashtag "#saborfalso", mas deixou em pânico internautas que não entenderam que se tratava de uma brincadeira.

A sátira tinha um contexto real: a União Europeia (UE) havia, de fato, autorizado a partir daquele dia o uso alimentício de grilos domésticos vendidos como pó parcialmente desengordurado.

Não era a primeira vez que a fabricante usava do humor para se promover. No passado, eles também promoveram sabores fakes tão insólitos quanto "currywurst", "dönner kebab" e "sopa de lentilhas da vovó".

Em abril de 2024, a dois meses das eleições para o Parlamento Europeu, a imagem do "chocolate de grilo" voltou a circular entre o público húngaro nas redes sociais, fora do contexto original. O que nasceu como sátira foi instrumentalizado para dar um verniz de credibilidade a uma campanha de desinformação sobre a aprovação de ingredientes alimentares à base de insetos na UE.

O caso é um exemplo de como imagens tiradas do contexto e alegações enganosas podem semear desconfiança em relação ao bloco europeu e suas instituições.

Elos familiares de Ursula von der Leyen com Hitler?

"Depois desta ocasião preciosa, minha querida avó não lavou as mãos por um mês." A citação, que acompanha uma foto saída de um suposto álbum de família da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, é um exemplo clássico de fake news politicamente motivada ao sugerir que os antepassados da política eram simpatizantes do nazismo.

Captura de tela de uma postagem no Twitter mostrando uma mulher apertando a mão de Hitler
A mulher que aperta a mão de Hitler não é a avó de Ursula von der Leyennull X/Norman Finkelstein

A mentira foi espalhada no X (antigo Twitter) pelo escritor e ativista americano Norman Finkelstein, cuja conta na plataforma reúne mais de 500 mil seguidores.

Tanto as informações sobre as pessoas na foto quanto a citação que acompanha a postagem são falsas. Como outros checadores já apontaram, a mulher na imagem não é avó de von der Leyen, mas sim Hildegard Zantop, uma fazendeira da antiga Prússia Oriental. A foto também não saiu do "álbum de família de Ursula von der Leyne [sic]", como afirmado falsamente por Finkelstein, que ainda grafou o nome da política errado. Trata-se de um registro de um evento dos nazistas em 1937, e está disponível no Bildarchiv Ostpreußen(Arquivo de Imagens da Prússia Oriental, em tradução livre).

Finkelstein já criticou von der Leyen diversas vezes, referindo-se à política como "princesa nazista" e "senhora genocídio".

Fakes se fazem passar por veículos tradicionais da imprensa alemã

Montagem fake do site alemão do tabloide Bild
Uma montagem distorce notícia publicada pelo popular tabloide alemão Bild sobre o principal candidato da ultradireitista AfD ao Parlamento Europeu, afirmando falsamente que ele estaria devendo 82 mil euros em pensão alimentícia a oito filhos

"Candidato ao Parlamento Europeu da AfD deve 82.784 euros em pensão alimentícia aos seus oito filhos!", consta de uma captura de tela que circulou no X mostrando uma notícia supostamente publicada no Bild. Só que essa notícia é falsa, nunca foi publicada no popular tabloide alemão.

Trata-se de um caso de spoofing, quando cibercriminosos fingem ser alguém que eles de fato não são, apenas para tentar tirar vantagem da credibilidade alheia – neste caso, do portal Bild.

A eficácia do método pode ser vista pelas numerosas reações de internautas à notícia falsa, que ao interagir com a montagem ajudaram a ampliar o seu alcance.

Um olhar mais atento revela a manipulação do conteúdo. A manchete original, na parte superior da página, diz: "Maximilian Krah (AfD): Será ele mesmo o melhor para a Europa?" O farsante, ao adulterar a manchete em letras garrafais, esqueceu-se de adulterar também esse detalhe.

Uma busca pela manchete original leva à verdadeira notícia sobre Krah publicada pelo Bild em 24 de abril de 2024.

Montagem coloca lado a lado site original do semanário alemão Spiegel e página fake
Neste caso do semanário alemão Spiegel, criminosos criaram uma cópia do site usando um domínio falso (spiegel.ltd) para fazer propaganda contra o Partido Verde, aqui acusado de "dar eutanásia à Alemanha"

Acima um outro exemplo de spoofing, desta vez usando o design da revista semanal alemã Der Spiegel para ludibriar leitores e fazer propaganda contra o Partido Verde, acusado de "fazer a eutanásia da Alemanha" ao combater as mudanças climáticas às custas do empobrecimento dos alemães.

Também aqui reconhecer a falsificação requer um olhar atento aos detalhes: o site, em vez de spiegel.de, é spiegel.ltd.

Diretor do EU DisinfoLab, ONG que atua no combate à desinformação na Europa, Alexandre Alaphilippe adverte que ações como essa, do tipo "impostor", aumentarão.

"Os 'desinformantes' estão tentando testar todos os mecanismos de defesa", explica Alaphilippe. É assim, segundo ele, que farsantes conseguem identificar as vulnerabilidades das plataformas e descobrir onde podem agir com mais facilidade.

 

Quem é o novo ministro da Defesa da Rússia

O presidente russo, Vladimir Putin, surpreendeu ao realizar uma troca no comando do Ministério da Defesa neste domingo (13/05), substituindo um militar de carreira por um economista civil, mais de dois anos após o início da guerra na Ucrânia. O anúncio veio pouco depois de o líder russo assumir seu quinto mandato à frente da Presidência.

Após deixar o comando da Defesa, Sergei Shoigu, aliado de longa data de Putin, assumirá a presidência do Conselho Nacional de Segurança da Rússia.

O novo ministro, Andrei Removich Belousov, é avaliado em seu país como um bom nome para expandir a indústria da defesa russa e introduzir novas tecnologias e inovações. Ele também já atuou como consultor econômico de Putin.

"Hoje em dia, o vencedor no campo de batalha é aquele que estiver mais aberto para a inovação", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, ao comentar a indicação de Belousov.

Quem é Andrei Belousov

O novo ministro da Defesa, de 65 anos, formou-se na Faculdade de Economia da Universidade de Moscou em 1981. Em 2000, ele foi indicado consultor não permanente do primeiro-ministro russo, e assumiu o posto de vice-ministro da Economia seis anos mais tarde. Entre 2008 e 2012, administrou o Departamento de Economia e Finanças do governo, durante os anos em que Putin serviu como primeiro-ministro.

Em 2012, tornou-se ministro da Economia, atuando entre 2013 e 2020 como consultor econômico do presidente. Desde então, foi também vice-primeiro-ministro, e assumiu interinamente o cargo por algumas semanas quando o premiê Mikhail Mishustin estava com covid-19.

Uma reportagem de 2017 da emissora RBC afirmou que Belousov teria sido uma das autoridades que conseguiram convencer Putin de que a economia digital e a tecnologia blockchain seriam cruciais para o futuro. Segundo a emissora, ele praticou sambo – um tipo de arte marcial desenvolvida na antiga União Soviética – e karatê na sua juventude, mas nunca serviu nas Forças Armadas.

"O que um país soberano deveria ter, definitivamente, é a posse de seus próprios meios. Quem somos, de onde viemos e pra onde rumamos [...] Não temos outra opção para nosso país que não seja adquirir ou reproduzir essa identidade", afirmou Belousov em entrevista à RBC em 2023.

Segundo a imprensa estatal russa, Belousov afirmou em uma audiência de confirmação do novo gabinete de Putin que há burocracia excessiva em torno dos pagamentos de benefícios aos militares, além de problemas em questões como moradia e assistência médica.

"Acho péssimo quando os participantes da operação militar especial [termo utilizado por Moscou para descrever a invasão da Ucrânia] que retornam são encaminhados por instituições médicas civis para hospitais que estão simplesmente superlotados. Essas questões têm de ser resolvidas."

As declarações foram feitas perante o comitê de Defesa e Segurança da Câmara Alta do Parlamento. Em sua fala, ele pareceu tentar demonstrar aos militares que entende suas preocupações e trabalhará para melhorar essas condições.

Disputa de poder entre os militares

A saída de Shoigu, de 68 anos, que estave à frente do Ministério da Defesa desde 2012, já vinha sendo especulada, enquanto analistas observam uma disputa de poder no círculo militar e de defesa da Rússia.

Como ministro, Shoigu for encarregado de modernizar as Forças Armadas. Ele possuía acesso direto a Putin, a quem acompanhou regularmente em excursões de caça e pesca na Sibéria.

O auge de sua popularidade ocorreu durante a anexação ilegal pela Rússia da Península da Crimeia, da qual ele teria sido um dos principais responsáveis.

Serguei Shoigu inspeciona artefatos militares
Serguei Shoigu (c.) é considerado um dos mentores da anexação ilegal pela Rússia da Península da Crimeianull Vadim Savitsky/Russian Defence Ministry/dpa/picture alliance

Sua gestão se tornou alvo de fortes críticas desde o início da invasão russa da Ucrânia em razão de revezes militares nas frentes de batalha, e por sua incapacidade para enfrentar a corrupção nas Forças Armadas.

Ele também foi fortemente criticado durante um motim em 2023 dos soldados mercenários do Grupo Wagner, então liderado por Yevgeny Prigozhin, que culpou Shoigu pelos fracassos na Ucrânia e acusou o ministro de ordenar um ataque contra homens do grupo. À frente dos seus homens, Prigozhin tomou a cidade russa de Rostov, sinalizando que pretendia seguir para Moscou.

No mês passado, os serviços de segurança prenderam um de seus confidentes, o então vice-ministro Timur Ivanov, acusado de corrupção.

Lavrov permanece no cargo

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas, Valery Gerasimov, continuará no cargo. Segundo Peskov, a estrutura militar do Ministério da Defesa não sofrerá mudanças.

Outro que permanecerá no cargo é o ministro do Exterior, Serguei Lavrov, de 74 anos, que lidera a pasta desde 2004. Havia especulações sobre uma possível saída dele em meio à formulação do novo gabinete, mas Putin considera Lavrov indispensável em tempos de crise no país.

rc/bl (Reuters, DPA, ots)

Partido ultradireitista alemão pode ser classificado como organização extremista?

Há anos, um embate entre o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e o Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV) – serviço de inteligência nacional da Alemanha – tem ocupado regularmente tribunais na Alemanha. Em disputa está a prerrogativa de o BfV poder investigar legalmente o partido por suspeita de atividades anticonstitucionais – ou seja, por extremismo político.

Nesta segunda-feira (13/05), uma corte de jurisdição regional, o Tribunal Administrativo Superior (OVG) em Münster, no oeste da Alemanha, rejeitou recurso da legenda contra a classificação como uma organização "suspeita" de extremismo de direita. Essa designação facilita ao BfV investigar e vigiar membros do partido, além de recrutar informantes de dentro da organização.

Os juízes em Münster afirmaram que a classificação é apropriada e que não viola a Constituição alemã ou leis europeias. No comunicado dos magistrados, consta que o tribunal acredita haver "evidências suficientes de que a AfD persegue objetivos que contrariam a dignidade humana de alguns grupos e a democracia. Esses são fundamentos para suspeitar que pelo menos parte da legenda quer tratar cidadãos alemães com origem migratória como cidadãos de segunda classe."

A AfD criticou a decisão, afirmando que o processo "não esclarece suficientemente os fatos", e que, "obviamente", recorreria novamente da decisão.

Em 2022, a agremiação já tinha perdido recurso contra a designação na cidade de Colônia. A AfD ainda pode interpor um recurso em nível federal no chamado Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht, ou BVerwG) em Leipzig. Nessa instância, porém, a análise se restringiria a avaliar erros formais do processo, e não o mérito ou conteúdo da ação.

Suspeita de extremismo de direita

A AfD contestou uma decisão de 2021 que colocou a legenda sob investigação por suspeita de extremismo de direita. Essa designação veio depois que o BfV, que anteriormente se limitava a considerar a AfD um "caso de interesse", apontou que o partido havia se radicalizado cada vez mais. O rótulo anterior significava que somente informações disponíveis publicamente poderiam ser avaliadas para determinar uma possível ameaça da AfD à democracia alemã.

Naquela época, o serviço de inteligência nacional tinha que se limitar a agir como um cidadão comum interessado nas atividades da AfD: ler artigos em jornais e portais online, assistir a reportagens de TV e vídeos na Internet e ouvir os discursos dos membros da AfD no Parlamento e em congressos do partido. Mas só isso foi suficiente para o BfV reclassificar a AfD como um "caso suspeito".

O partido que faz alemães temerem a volta do nazismo

Essa classificação mais rígida permite que as autoridades usem métodos confidenciais para monitorar o partido e seus membros. Com ela, por exemplo, é possível tentar recrutar membros da AfD e indivíduos associados a ela como informantes confidenciais ou "pessoas de confiança". Em algumas circunstâncias, as telecomunicações também podem ser monitoradas.

É essa vigilância que a AfD tentou derrubar no Tribunal Administrativo Superior. Se a AfD tivesse sido bem-sucedida, restariam poucas opções para o BfV.

No entanto, como o tribunal manteve o monitoramento, o BfV pode tomar a decisão de ir mais longe, seguindo o exemplo de serviços de inteligência regionais dos estados da Turíngia, Saxônia e Saxônia-Anhalt, que classificam os diretórios locais da AfD como "comprovadamente extremistas de direita".

Membros ou diretórios classificados como "extremistas de direita comprovados" podem esperar ser alvo de monitoramento ainda mais severo dos serviços de inteligência.

Em janeiro, a revelação de um encontro entre membros da AfDe neonazistas em Potsdam, no qual foram discutidos para uma deportação em massa de milhões de pessoas com raízes estrangeiras causou escândalo na Alemanha e aumentou a pressão por mais vigilância sobre o partido.

Um banimento da AfD?

Com a perda de seu recurso legal, o partido também poderia esperar um esforço oficial pelo seu banimento.

O BfV já estabeleceu requisitos específicos para uma medida do tipo, segundo os quais deve haver "evidências factuais" que demonstrem que um partido pretende atacar e acabar com a ordem constitucional livre e democrática da Alemanha. Na história alemã do pós-guerra, apenas dois partidos políticos foram banidos pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: O Partido Socialista do Reich (SRP) –de extrema direita –, em 1952, e o Partido Comunista da Alemanha (KPD), em 1956 – ambos no antigo território da Alemanha Ocidental.

"Nesse momento, um processo para banir o partido ainda teria que identificar um elemento que seja ativamente militante, em outras palavras, que aja de acordo com um plano", disse o presidente do BfV do estado da Turíngia, Stephan Kramer, em março. "Para que isso aconteça, não é necessário que nenhum crime tenha sido cometido".

Beatrix von Storch e Jair Bolsonaro
Em 2021, a deputada Beatrix von Storch, da AfD, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaronull Team von Storch/dpa/picture alliance

Fim do fundo partidário para a AfD?

Legalmente, cabe ao Tribunal Constitucional Federal da Alemanha decidir se um partido pode ser banido. Uma solicitação de proibição pode ser apresentada pelo governo federal, pelo Bundestag (câmara baixa do Parlamento) ou pelo Bundesrat (Câmara alta, que representa os 16 estados do país).

Na cidade-estado de Bremen, os diretórios da atual coalizão governamental local – o Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e o partido A Esquerda – estão se preparando para fazer exatamente isso.

No entanto, a maioria dos alemães permanece cética: em fevereiro de 2024, 51% afirmavam ser contra um banimento da AfD, de acordo com uma pesquisa do instituto Infratest-Dimap.

Outra maneira de enfraquecer o partido seria desqualificá-lo para acessar o fundo partidário. Essa é a principal fonte de renda da maioria dos partidos, além das taxas de filiação e doações. Em janeiro, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tomou uma medida similar contra o partido de extrema-direita A Pátrianovo nome adotado pela antiga sigla neonazista Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD) –, uma legenda bem menor que a AfD, mas que é vigiada há décadas pelos serviços de inteligência.

Se isso será possível contra a AfD, no entanto, permanece uma questão sobre a qual os especialistas mostram opiniões divergentes. O mesmo ocorre com a chance de um banimento total bem-sucedido.

Histórico da AfD

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração e membros que se destacam na imprensa por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas e é vigiada de perto por serviços de inteligência da Alemanha como uma ameaça potencial à ordem constitucional do país.

O partido também tem conexões com a extrema-direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

No momento, a AfD tem aparecido em segundo lugar nas pesquisas nacionais, com entre 17% e 19% das intenções de voto. É especialmente forte nos estados do leste, que compunham a antiga Alemanha Oriental comunista. Nos últimos dois anos, políticos da sigla que têm seus redutos nessa área adotaram posições pró-Rússia, anti-sanções e contra ajuda militar ocidental à Ucrânia.

O que torna a ultradireita bem-sucedida no leste alemão?

Xi Jinping na Europa: dividir para conquistar?

O presidente da China, Xi Jinping, concluiu nesta sexta-feira (10/05) seu giro de alto perfil pela Europa, o primeiro desde 2019. Entre as apreensões que deixa para trás, está o apoio continuado de Pequim à Rússia em sua guerra contra a Ucrânia; e a inundação dos mercados europeus com veículos chineses baratos.

A viagem foi também rodeada de suspeitas crescentes de que o país asiático tenta tirar vantagem das discórdias entre os europeus. Para analistas, o itinerário de Xi pela região não foi mera coincidência: França, Sérvia e Hungria têm todas "relações bilaterais especiais" com Pequim, enfatiza Bertram Lang, pesquisador da Universidade Goethe, de Frankfurt, especializado na política externa chinesa.

A liderança chinesa teria gradualmente dividido a Europa em dois grupos: "os amistosos com a China e os não amistosos". O atual giro visou reforçar os laços com os primeiros.

A viagem começou na França

Primeira estação do giro do chefe de Estado chinês, os dois dias de visita à França e conversações com seu homólogo Emmanuel Macron se concentraram na Ucrânia e nos desequilíbrios comerciais com a União Europeia. Embora a China de Xi prefira interações bilaterais, o francês procurou enfatizar a unidade europeia ao incluir no encontro a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, que concluiu recentemente uma visita à China, foi convidado até Paris, mas declinou. Em 2 de maio, contudo, antes da visita de Xi, ele se encontrara com Macron para uma sincronização das políticas relativas à China.

Em Paris, os comentários públicos de Von der Leyen se dirigiram às "práticas de distorção de mercado" de Pequim, com subsídios volumosos para os setores siderúrgico e de automóveis elétricos. Ela assegurou que a UE "não hesitará em tomar as decisões duras, necessárias a proteger sua economia e segurança".

Xi respondeu que não existe um "problema de supercapacidades da China", quer do ponto de vista da vantagem comparativa, quer da demanda do mercado global, informou a emissora estatal Xinhua.

Zsuzsa Anna Ferenczy, ex-consultora política do Parlamento Europeu, analisa que "estamos vendo uma convergência maior entre os Estados-membros da UE" e "uma Comissão bastante determinada".

Ainda assim, a mídia estatal chinesa avaliou como um sucesso a passagem do líder pela França. O Global Times citou 18 "acordos de cooperação" entre agências governamentais em aviação, agricultura, intercâmbio entre povos, desenvolvimento verde e de pequenas e médias empresas, como "um sinal positivo para os empresários europeus" e "um estabilizador dos laços comerciais China-Europa" perante o "desacoplamento econômico".

Guerra russa na Ucrânia: "questão de vida ou morte para Europa"

Pequim ainda não foi capaz de convencer as potências ocidentais que não está apoiando a Rússia na guerra contra a Ucrânia. Ela também se esquivou dos apelos de líderes americanos e europeus para que empregue sua influência sobre Moscou, no sentido de desempenhar um papel construtivo pelo fim do conflito.

Washington afirma que a China está fornecendo aos russos maquinário, motores de drones e tecnologia para mísseis de cruzeiro, além de apoiar a economia russa fornecendo bens industriais e de consumo.

Em suas declarações públicas em Paris, Xi reagiu com veemência a tais acusações, alegando que "a crise da Ucrania está sendo usada para projetar responsabilidade sobre um país terceiro, conspurcar sua imagem e incitar uma nova Guerra Fria", sublinhando que seu país "não é participante" da crise.

Segundo Jean-Philippe Beja, especialista em assuntos chineses e pesquisador-chefe do Centro de Estudos Internacionais (Ceri), da universidade parisiense de pesquisa Sciences Po, durante as conversações deixou-se claro para Xi que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é "uma questão de vida ou morte para a Europa", e esse é "um fator altamente negativo para as relações sino-europeias".

Construção de ferrovia Budapeste-Belgrado pela China
Iniciativa Cinturão constrói ferrovia Budapeste-Belgradonull Attila Volgyi/Xinhua/dpa/picture alliance

Erguendo infraestrutura na Sérvia

O tour europeu de Xi tomou um tom mais positivo na Sérvia e Hungria, ambas grandes beneficiárias dos investimentos chineses e alinhadas com a Rússia.

Embora a Sérvia não integre a UE, a visita a Belgrado projeta uma imagem do presidente Xi como "figura-chave não só na UE, mas na vizinhança dela", observa Ferenczy, que também é professora assistente da Universidade Nacional Dong Hwa, no Taiwan.

A Sérvia é uma importante recipiente europeia de empréstimos chineses no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota, com projetos que incluem uma conexão ferroviária de alta velocidade com a Hungria. Companhias chinesas estão também envolvidas na construção de usinas de esgotos e águas residuais, e operam grandes fábricas siderúrgicas.

Embora louvando os laços econômicos profundos, a visita de Xi foi também a chance de dar um tapa com luva de pelica na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), pois mno exato aniversário do bombardeio, pela aliança atlântica, da representação diplomática de Pequim em Belgrado.

"Não devemos esquecer que neste dia, 25 anos atrás, a Otan desavergonhadamente bombardeou a embaixada chinesa na Iugoslávia", escreveu o líder comunista em artigo de opinião para um jornal sérvio.

Hungria: golpe de misericórdia na unidade europeia?

A última parada de Xi Jinping foi na Hungria, que não faz segredo de seu apoio continuado à Rússia a partir da União Europeia. O país também representa um importante ponto de apoio para Pequim dentro do bloco: por diversas vezes o governo de Viktor Orbán barrou propostas para condenar ações da China.

E, enquanto a UE tenta encontrar um modo de lidar com os carros elétricos chineses que invadem seu mercado, a Hungria se posiciona como centro de produção para companhias chinesas de eletromobilidade: em dezembro de 2023, a fabricante BYD anunciou a construção de uma fábrica de automóveis de passageiros na húngara Szeged, perto da fronteira com a Sérvia.

A visita do chefe de Estado veio num momento em que a China se reafirma como principal fonte de investimentos estrangeiros diretos para Budapeste, e pouco antes de o país assumir a presidência rotativa do Conselho Europeu, em 1º de julho. Na coletiva de imprensa juntamente com o primeiro-ministro Orbán, Xi frisou que "a China respalda a Hungria em representar um papel maior na UE, e promover maior progresso na relações sino-europeias".

Para a analista política Ferenczy, a estratégia geral da China é transparente: "minar a unidade da UE", enquanto aumenta sua influência sobre países-membros individuais".

Com esse fim, a potência asiática estaria passando por cima da comunidade europeia para oferecer aos diferentes países acesso especial a seus mercados, tentando fazê-los "sentirem-se privilegiados por ter uma relação privilegiada com a China".

"O futuro não parece melhor para a UE-China depois da visita de Xi Jinping", resume Zsuzsa Ferenczy: "há um déficit de confiança entre as duas parceiras". Na sequência, a analista política estima que a União Europeia continuará a rechaçar essa estratégia, enquanto Pequim resistirá, abordando continuamente os Estados-membros de forma bilateral, a fim de amainar "o apetite deles para reduzir riscos".

 

Partidos ficarão fracos sem inclusão feminina, diz ministra

Nesta semana, pela primeira vez em nove décadas da Justiça Eleitoral, duas ministras negras participaram de uma sessão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE): Edilene Lôbo, a primeira mulher negra na função, desde setembro de 2023, e Vera Lúcia Santana Araújo, empossada em fevereiro, são ministras substitutas, e ocuparam as cadeiras no plenário pela ausência de dois titulares.

"Senti muita falta de pessoas como eu por onde andei minha vida inteira", disse Edilene Lôbo em entrevista à DW, no início de maio, após palestra sobre democracia e empoderamento feminino na embaixada do Brasil em Berlim. "Sinto que minha presença é um gesto."

Além do Judiciário, Lôbo destacou a sub-representação das mulheres, sobretudo negras, na política. Das 16 milhões de pessoas filiadas a partidos políticos no Brasil, 47% são mulheres. No entanto, elas ocupam apenas 12% das prefeituras, 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 19% no Senado. "Se os partidos não abraçarem a ideia de que nós precisamos enfrentar esse tipo de desigualdade, vão perder importância", afirmou.

Lôbo falou ainda sobre regulação das redes sociais e da necessidade de transparência sobre os algoritmos e modelos de negócio dessas empresas.

DW: Como garantir maior representatividade de mulheres na política quando ainda vivemos uma realidade em que partidos burlam regras de cotas de gênero?

Edilene Lôbo: Precisamos falar de lugares marcados nos parlamentos para as mulheres, e falar de equidade racial nesses lugares marcados. E precisamos, mais do que nunca, falar da responsabilidade das agremiações partidárias com esse futuro, que tem que ser para hoje. Esse futuro que não chega nunca. Se os partidos não abraçarem a ideia de que precisamos enfrentar esse tipo de desigualdade, vão perder importância. E não interessa para ninguém que os partidos percam importância, porque são instituições da democracia representativa. Se eles caem, fragiliza a democracia.

Uma sociedade que se estrutura na desigualdade não tem futuro. Então isso deveria ser do interesse de todos, falar de inclusão, falar de diversidade, falar de partilha. É falar de uma vida boa para todo mundo, inclusive para as famílias dessas pessoas que estão talvez nos melhores lugares hoje. Mas se a coisa continuar como vai, não vai sobrar nada para ninguém.

A senhora furou essa barreira, ainda é, infelizmente, uma exceção. Uma vez dentro de um espaço majoritariamente masculino e branco, como é lidar com o sexismo e o racismo estrutural?

Agora sou ministra substituta no Brasil, com mandato de dois anos, que vence no ano que vem. Em 92 anos da Justiça Eleitoral, sou a primeira ministra negra naquela corte. Quando cheguei ao TSE, fui muito bem recebida, portas abertas. Agora, estamos falando de um lapso, uma lacuna de 92 anos, e ainda assim em uma função que tem uma limitação. Precisamos dar um passo adiante. Como falamos de cota nos parlamentos, precisamos discutir a partilha justa dos espaços decisórios, inclusive no Judiciário.

O que tem sido feito nessa direção?

Esse é um problema no Judiciário em geral. No Brasil, nas carreiras iniciais, as mulheres chegam. Na Justiça do Trabalho, por exemplo, é quase 50/50 homens e mulheres. As mulheres começam a desaparecer, e você quase não vê negras, quando falamos dos escalões do Judiciário que envolvem a escolha política. Então temos uma resolução do final do ano passado do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] que destaca, por exemplo, que as promoções em tribunais na segunda instância se dão por merecimento por atividade. As idicações terão de constar em listas, de homens e mulheres.

A senhora, inclusive, foi indicada a partir de uma lista. 

Por duas vezes eu estive – a primeira lista era para para o cargo de titular. Eram duas vagas, foram nomeados dois homens brancos para elas. Depois fiquei na lista de substitutos, vim para a vaga de substituta e agora, comigo, a ministra Vera Araújo, também uma negra. Somos as duas primeiras negras a chegarem, mas ainda estamos numa função de substituição.

O TSE deverá encabeçar as ações contra fake news e de regulação das plataformas digitais neste ano eleitortal, uma vez que o projeto de lei que tratava do assunto foi enterrado no Congresso?

Tenho observado que a sociedade brasileira pede regulação das redes sociais, pede ação na direção de construir uma legislação mais, diria eu, sólida e de olho, por exemplo, no que nós vemos na Europa, mas no campo da Justiça eleitoral, com base nas leis existentes.

O que o TSE tem feito não é criar regras, mas explicitar o conteúdo dessas leis por meio de resoluções. Tem uma resolução muito importante que é da propaganda eleitoral, em que lá está descrito, com todas as letras, que não pode desinformar, não pode usar a inteligência artificial para manipular, não pode veicular conteúdo ofensivo, atentatório ao estado democrático de direito e discurso de ódio.

O que o TSE faz é explicitar a legislação que nós temos. É amalgamar todo esse debate que já se fez na sociedade brasileira e aperfeiçoar algumas outras leis. Também confio que o Congresso Nacional vai entregar esse regramento no que diz respeito às eleições.

O que precisa ser regulado com mais urgência?

Precisamos, por exemplo, falar da transparência, do desenvolvimento do algoritmo. Precisamos saber como essas fórmulas neurais, essas receitas para responderem problemas ou entregarem produtos, se aplicam em determinadas situações da vida.

Construiu-se no entorno do mundo digital uma hipercomplexidade. Não compreendemos bem o modelo de negócio, me parece que há uma construção cuidadosa de segredos, e precisamos resolver isso. Se for inexplicável, provavelmente não é bom. Se for inexplicável, provavelmente não deve ser utilizado.

Quem é o primeiro rabino a ganhar o Prêmio Carlos Magno

O Prêmio Carlos Magno, uma das principais honrarias concedidas na Europa, será nesta quinta-feira (09/05) entregue pela primeira vez a um rabino, o presidente da Conferência dos Rabinos Europeus, Pinchas Goldschmidt.

O homem de 60 anos preside há quase 13 anos a instituição, à qual pertencem cerca de 800 intelectuais judeus ortodoxos.

"Com esta honraria, a comitê do Prêmio Carlos Magno quer enviar um sinal de que a vida judaica é uma parte natural da Europa e que não deve haver lugar para o antissemitismo no continente", afirmou a entidade responsável pelo prêmio.

Aumento do antissemitismo

"Infelizmente, a realidade é exatamente o contrário", declarou Goldschmidt à DW. "Tivemos uma explosão de antissemitismo desde o 7 de Outubro." Na data, o grupo radical islâmico Hamas, considerado terrorista por países como EUA e pela União Europeia, atacou Israel, resultando no maior assassinato em massa de judeus desde o Holocausto. Em torno de 1.200 pessoas foram assassinadas, milhares ficaram feridas e cerca de 240 foram feitas reféns na Faixa de Gaza. Israel respondeu com uma ofensiva militar em grande escala no enclave palestino.

Desde então, o ódio aos judeus tem aumentado em muitas partes do mundo. Muitas mães e pais judeus, diz Goldschmidt, têm medo de mandar seus filhos para a escola. Homens, jovens e meninos judeus têm medo de andar na rua usando uma quipá. Muitas instituições judaicas necessitam de proteção policial.

Para o rabino, o antissemitismo "tornou-se novamente socialmente aceitável e politicamente correto" e isso precisa mudar. Os governos devem deixar claro que não aceitam o ódio aos judeus, "nem nas escolas, nem nas ruas, nem na cultura". Enquanto o ódio aberto aos judeus for tolerado, "nós temos um sério problema". Quando Goldschmidt diz "nós", ele não está se referindo apenas ou principalmente aos judeus. Para ele, trata-se do futuro da Europa.

A história europeia da família Goldschmidt inclui os horrores do antigo campo de concentração de Auschwitz. Pinchas Goldschmidt nasceu em Zurique em 1963 – porque seus avós se mudaram de Viena, na Áustria, para a Suíça bem a tempo, em 1938, devido à doença de sua avó. Seus bisavós maternos morreram em Auschwitz, assim como os irmãos deles, as irmãs e os irmãos de seu avô e mais de 40 de seus parentes, diz o rabino.

Fuga da guerra de Putin

Goldschmidt foi rabino-chefe em Moscou de 1993 a 2022. Poucos dias após o início da guerra de contra toda a Ucrânia, em fevereiro de 2022, ele deixou a Rússia às pressas porque o Kremlin queria forçar os representantes religiosos a seguirem sua linha.

Desde sua saída de Moscou, mais de cem mil judeus deixaram a Rússia, diz o rabino. "A situação política na Rússia está se tornando cada vez mais difícil. O país está voltando ao isolamento total, à União Soviética sem comunismo. E o antissemitismo mais uma vez se tornou parte da política do governo".

Desde então, Goldschmidt e sua esposa, que têm sete filhos e vários netos, vivem em Jerusalém. Veio o 7 de Outubro, e Israel também entrou em guerra. "Passei de uma guerra para outra guerra", diz ele. A guerra, diz ele, é "terrível, uma das coisas mais terríveis que a humanidade inventou". Mas Israel, como todo país, tem o direito de se defender, ressalta.

O Islã e a Europa

Esse rabino multilíngue é um mestre do diálogo. Ele dialoga com muitos políticos importantes, foi convidado frequente na chancelaria federal em Berlim e visitou o papa Francisco várias vezes.

Depois que se tornou presidente da Conferência dos Rabinos Europeus, Pinchas estabeleceu um diálogo entre os principais estudiosos rabínicos e imãs muçulmanos de países europeus e do norte da África, que já resultou em várias encontros.

"Em vez de combater o Islã radical, estamos simplesmente combatendo a religião islâmica. Isso é um erro muito grande", diz Goldschmidt. O Islã radical deve ser combatido, mas, ao mesmo tempo, está claro que "o Islã pode se tornar uma parte valiosa da Europa se seus crentes e representantes praticarem ativamente os valores europeus, como liberdade, democracia e tolerância".

Ele disse estar muito feliz por receber o Prêmio Carlos Magno. "Para mim, pessoalmente, e para a comunidade judaica na Europa, isso é um belo sinal, pois gostaríamos de ver mais apoio da sociedade civil para as comunidades judaicas. Isso seria muito importante".

Um dos principais prêmios da Europa

O Prêmio Carlos Magno é uma das principais honrarias concedidas na Europa e tradicionalmente homenageia pessoas que se empenham pela unidade europeia. O nome é uma homenagem ao imperador Carlos Magno (742-814), chamado por alguns de "o pai da Europa", que unificou grande parte da Europa Ocidental pela primeira vez desde o fim do Império Romano. No final do século 8, ele escolheu a cidade de Aachen, na Alemanha, como sua capital.

Entre os vencedores das edições anteriores do prêmio estão o papa Francisco, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o secretário-geral da ONU, António Guterres. Em 2023, o agraciado foi o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski.

"Há uma disputa de discursos dentro do Brics+"

Neste ano, o Brics ganhou quatro novos membros. O grupo com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul passou a contar com a companhia de Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito e Etiópia, e passou a se chamar Brics+.

O debate sobre a ampliação foi acompanhado de receio de que ela enfraqueceria o protagonismo dos membros menos poderosos e sobre qual seria o impacto na linha política do grupo, que reúne tanto países com um discurso antiocidental (China e Rússia) como democracias não-alinhadas (Brasil, Índia e África do Sul).

"O Brasil sempre foi historicamente um defensor da democratização, da ampliação do Conselho de Segurança [da ONU]. Nesse sentido, ser contra uma ampliação do Brics seria uma contradição", diz à DW Marta Fernández, diretora do Brics Policy Center (Centro de Estudos e Pesquisas Brics), sediado no Rio de Janeiro.

Ela esteve em Berlim participando da conferência Global Solutions Summit, que reúne anualmente na capital alemã representantes de organizações internacionais e da sociedade civil global para discutir soluções para o multilateralismo sustentável e propostas a serem encaminhadas ao G20, grupo presidido este ano pelo Brasil e cuja próxima cúpula acontece em novembro no Rio de Janeiro.

Professora associada do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio, Fernández destaca que, após momento de indecisão, Brasília aprovou a ampliação porque, caso contrário, arriscaria cair em contradição em relação ao discurso do governo de Luiz Inácio Lula da Silva favorável a um mundo multipolar e à democratização do sistema internacional.

Ela fala também sobre as diferenças de abordagens entre o governo Jair Bolsonaro e a gestão Lula dentro do Brics. E pondera que, apesar do contraste entre seus membros, o bloco continua tendo metas comuns, como a reforma das instituições financeiras internacionais.

DW: Qual é o atual papel do Brasil no Brics?

Marta Fernández: O Brasil vem considerando, agora no governo Lula, o Brics como uma importante plataforma para inserção do Brasil no sistema internacional. Isso é de enorme importância, porque está alinhado com a política externa de Lula de defesa de uma ordem multipolar e da democratização do sistema financeiro internacional.

O que mudou em relação à atuação do Brasil no Brics do governo de Bolsonaro para a gestão Lula?

O Bolsonaro, em grande medida, esteve à frente do Brics durante o período da pandemia. Ele não estava muito alinhado com essa missão do Brics de democratização do processo decisório internacional. Mas ele, diferentemente do Javier Milei, presidente da Argentina, por exemplo [que decidiu não ficar no bloco], continuou no Brics e, em grande medida, adotou uma visão mais low profile, mais pragmática. Porque nosso setor de agronegócio, que continua sendo muito importante como uma força política de apoio ao Bolsonaro, tem relações intensas com a China. O agronegócio exporta mais de 30% para China e não valia a pena uma saída do Brasil do Brics.

Então ele permaneceu, mas não com a mesma agenda política que vem sendo avançada por Lula. Que é uma agenda mais política, no sentido de contribuir para uma ordem internacional mais equitativa e sobretudo reforçando a questão da reforma das instituições financeiras internacionais e do próprio Conselho de Segurança da ONU. Na cúpula do Brics da África do Sul, no ano passado, isso constava na declaração final do encontro.

Foram citadas no documento a reforma do Conselho de Segurança – e acredito que isso foi uma vitória do Brasil – e a necessidade de reforma das instituições financeiras internacionais, que é um dos pontos centrais na agenda para o próprio G20, que este ano está sob a presidência brasileira.

Quais as diferenças mais marcantes entre o Brics e o G20, grupo das 20 nações mais industrializadas do globo?

O Brics é um fórum de países em desenvolvimento e de países emergentes. Ele foi criado um pouco como uma alternativa. Já o G20 é um fórum que tenta fazer essa ponte entre o G7, os países do Norte Global, e os países em desenvolvimento. Em grande medida, o G20 nasce muito impulsionado pela crise financeira de 2008 e reconhece que é necessária a participação dessas potências emergentes na regulação da governança global, sobretudo da governança econômica global.

Marta Fernández
Marta Fernández é diretora do Brics Policy Center e professora associada do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rionull Marcio Damasceno/DW

O Brics seria mais uma tentativa de se abrir uma multipolaridade global ou está mais para um fórum anti-Ocidente?

O Brics não tem um discurso único. Existe uma disputa de discursos dentro do Brics. Agora com a guerra da Ucrânia isso se revelou mais acentuado. Existem algumas potências com discurso mais antiocidental, no caso da própria Rússia e, de algum modo China. E outros países, como é o caso do Brasil, da Índia e da África do Sul, que têm mais uma política de não alinhamento, de um não alinhamento ativo.

Mas, se a gente for pensar, todos os países, e a própria China, estão inseridos na ordem global liberal. O que se demanda é uma reforma dessas instituições financeiras internacionais, de forma que elas possam atender às necessidades de financiamento dos países do Sul Global.

Na medida em que elas não se reformam, esses países vêm criando alternativas. É o caso do próprio Banco do Brics, o NDB, que funciona oferecendo investimentos em projetos de infraestrutura, de desenvolvimento sustentável, a partir de uma lógica das não condicionalidades. Ou seja, não se impõem as mesmas condicionalidades que as instituições chamadas instituições de Bretton Woods.

Até que ponto a ampliação do Brics definida no ano passado pode concorrer para um enfraquecimento da posição do Brasil dentro do bloco?

Esse foi um grande debate. A ampliação do Brics pegou muita gente de surpresa, porque o próprio Brasil não tinha muita certeza se essa ampliação ia se materializar. E havia uma disputa burocrática no Brasil, com Lula e seu assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, defendendo uma ampliação, enquanto a diplomacia brasileira estava hesitante e cautelosa, porque se acreditava que um Brics ampliado demais poderia resultar num novo G77 e, de alguma forma, reduzir a influência e o protagonismo do Brasil dentro do Brics.

Só que esse discurso de que um Brics ampliado poderia dificultar um consenso e a coordenação política sempre foi o discurso adotado por quem é contra a ampliação do Conselho de Segurança. O que se diz é que se com cinco membros permanentes já é tão difícil o funcionamento, por eles se vetarem mutuamente, então com mais seis, sete ou oito isso dificultaria o consenso. E o Brasil sempre foi historicamente um defensor da democratização, da ampliação do Conselho de Segurança.

Nesse sentido, o Brasil ser contra uma ampliação do Brics, ele que se coloca como aquele que está avançando o processo de democratização do sistema internacional, seria uma contradição. Então no final das contas prevaleceu a ampliação.

O Brasil também foi favorável à integração da Argentina na época. O [então presidente] Alberto Fernández estava em processo eleitoral, e o Milei, uma vez eleito, não entra no Brics, em grande medida devido à aliança da Argentina neste momento com os Estados Unidos e Israel.

Qual a importância estratégica de Rafah para Israel?

A iminente ação militar israelense em Rafah, cidade no extremo sul da Faixa de Gaza que abriga milhares de refugiados de outras partes do território palestino, aumentou as preocupações internacionais com a população civil na região, que já se encontra em uma situação humanitária considerada catastrófica.

Mas, afinal, o que justificaria uma ofensiva de grande porte numa área densamente povoada que acolhe centenas de milhares de pessoas que fugiram de bombardeios e ataques nas regiões onde viviam?

Israel calcula que quatro brigadas do grupo terrorista Hamas, remanescentes das 24 que havia anteriormente, estejam escondidas em Rafah, e eliminá-las seria um passo decisivo para destruir a organização.

A capacidade de Hamas de resistir diminuiu drasticamente durante os mais de sete meses de guerra contra Israel, embora o grupo islamista ainda não tenha sido derrotado militarmente. Mesmo com a queda acentuada nos ataques contra o território israelense, a organização ainda possui uma grande quantidade de foguetes e drones.

Segundo Michael Milshtein, ex-membro da inteligência militar israelense e atual pesquisador do Centro Moshe Dayan na Universidade de Tel Aviv, Israel teria destruído entre 70% e 80% do arsenal do Hamas até o mês de abril.

Início dos bombardeios

A ofensiva israelense em Rafah vinha sendo discutida desde o início de fevereiro, em meio a alerta de países aliados, incluindo os Estados Unidos, para que Tel Aviv evitasse realizar uma operação militar numa região densamente povoada.

Na manhã desta segunda-feira (06/05), cerca de 100 mil moradores de áreas ao leste de Rafah receberam mensagens e folhetos distribuídos pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) pedindo que se dirigissem a uma "zona humanitária ampliada" em Al-Mawasi.

Os folhetos afirmam que os militares israelenses estavam prestes a iniciar uma forte operação contra organizações terroristas na região. "Qualquer pessoa que permanecer nos locais colocará em risco a si mesmo e aos membros de sua família. Para sua segurança, retire-se imediatamente para a zona humanitária ampliada em Al-Mawasi", afirmam os panfletos.

Al-Mawasi é uma área próxima ao litoral de Gaza a cerca de 20 quilômetros ao norte de Rafah. A zona humanitária expandida, segundo Israel, consiste em hospitais de campo, barracões e locais de alimentação.

O gabinete de guerra do governo israelense comunicou nesta segunda-feira que suas forças realizam "ataques a alvos específicos" em Rafah.

Segundo reportagem publicada pelo The Wall Street Journal, Israel planeja realizar a ofensiva por terra em etapas, sendo que a evacuação levaria entre duas e três semanas. Recentemente, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, estimou que a operação levaria aproximadamente seis semanas de "combates contínuos".

Qual a situação da população?

Estimativas da ONU afirmam que mais de 80% dos moradores da Faixa de Gaza foi deslocada de seus locais de origem. Dos quase 2,3 milhões de habitantes do enclave, mais de 1,4 milhão encontraram refúgio em Rafah, após o Exército israelense tomar o controle do norte de Gaza. Por esse motivo, Rafah é, no momento atual, a cidade mais populosa do território.

Os campos de refugiados no entorno da cidade estão superlotados, em meio a uma escassez de alimentos, água potável e medicamentos. No sul de Gaza, quase um quarto da população está em situação alimentar catastrófica.

Palestinos em Rafah comemoram em cima de caminhão possível-cessar fogo em Gaza
Dos quase 2,3 milhões de habitantes de Gaza, mais de 1,4 milhão encontraram refúgio em Rafah, após Israel tomar o controle do norte de Gazanull Doaa Al Baz/REUTERS

O Fundo das Nações Unidas para as Crianças (Unicef) alertou para graves consequências em um artigo publicado recentemente no jornal britânico The Guardian. "Rafah vai implodir", alertou um porta-voz da entidade, ao comentar sobre uma possível ofensiva israelense contra a cidade.

"As consequências serão catastróficas, porque Rafah é uma cidade repleta de crianças", alertou. Em torno de 600 mil meninas e meninos estão abrigados ali, sem ter para onde fugir.

Ajuda humanitária ameaçada

Não está claro de que forma a população de Rafah, que já sofre uma brutal escassez de recursos, poderá continuar a receber ajuda, no caso de uma ofensiva israelense.

Enquanto os aliados alertam para uma provável catástrofe na cidade, um porta-voz militar israelense afirmou que o acesso da ajuda humanitária continuará sem maiores percalços. Ele diz que os mantimentos poderiam ser entregues através de várias rotas, como o porto israelense de Ashdod, localizado 30 quilômetros ao norte de Gaza.

Um posto de travessia de fronteira entre Gaza e Israel foi temporariamente fechado para o transporte de ajuda após um ataque do Hamas no último domingo. Os islamistas lançaram foguetes contra o local, matando quatro soldados israelenses.

Os EUA trabalham na construção de um porto temporário que já estaria quase completo. O local, vigiado por em torno de mil soldados americanos, terá uma pista de pouso que deverá possibilitar o acesso para o transporte aéreo de ajuda humanitária.

Possíveis desdobramentos

O Hamas alertou para "graves consequências" no caso de uma ação militar israelense em Rafah. Israel diz que os islamistas já prepararam seus combatentes, fornecendo-lhes armas e mantimentos. Enquanto isso, Washington ainda espera uma solução pacífica para a situação. Segundo relatos na imprensa americana, William Burns, diretor da CIA, estaria trabalhando por um acordo.

Há meses, os Estados Unidos vem criticando os planos israelense de invadir a cidade. O Ministério do Exterior da Alemanha também alertou para uma "catástrofe humanitária" na região.

O vizinho Egito teme que um grande número de refugiados possa se deslocar até a região do Sinai, em seu território.

Brasil condena ofensiva

O Ministério brasileiro das Relações Exteriores divulgou uma nota nesta segunda-feira afirmando que o governo brasileiro condena o início das operações militares de Israel em Rafah.

"Ao optar, com essa ação militar, por deliberadamente intensificar o conflito em área sabidamente de alta concentração da população civil de Gaza neste momento, o governo israelense, mostra, novamente, descaso pela observância aos princípios básicos dos direitos humanos e do direito humanitário, a despeito dos apelos da comunidade internacional, inclusive de seus aliados mais próximos", diz a nota no Itamaraty.

Bloqueios de GPS na região báltica: Rússia é a culpada?

Em Tartu, na Estônia, fica o Baltic Defence College (Baltdefcol), uma das instituições educacionais da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Seu aeroporto é bem pequeno: o voo da Finnair, a partir de Helsinque, é o único que pousa lá todos os dias. Contudo, para os residentes da cidade, esse trajeto de 45 minutos abriu a oportunidade de viajar pelo mundo, a partir da capital da Finlândia.

Essa oportunidade está suspensa, pelo menos até 31 de maio: no fim de abril, a Finnair anunciou que cancelaria os voos para Tartu até segunda ordem, devido às ameaças para seus passageiros e tripulações resultante da interrupção do sinal do sistema de navegação GPS.

Não é a primeira vez que seus aviões ficam desconectados do GPS, mas a situação piorou desde 2022, declarou a companhia em comunicado, sem especificar de onde pode vir a interferência. Entretanto, os ministros do Exterior da Lituânia e da Estônia estavam bastante seguros de que os distúrbios em toda a região báltica se deviam ao congestionamento das comunicações pela Rússia.

Em março, o Reino Unido igualmente acusou Moscou de bloquear o GPS do avião que levava o secretário da Defesa Grant Shapps. Em viagem de serviço a Varsóvia, ele sobrevoara brevemente a fronteira de Kaliningrado, exclave russo circundado pela Polônia e a Lituânia.

Nos últimos dois anos, quase todas as companhias aéreas que sobrevoam o Báltico registraram problemas de navegação. Segundo certas fontes, os mecanismos de bloqueio de GPS estariam na área de Kaliningrado; outras sugerem que se localizariam no território russo, em algum lugar entre a cidade de Narva, na fronteira da Estônia, e São Petersburgo. Até o momento, a Finnair é a única companhia que cancelou voos por causa de problemas com o GPS.

Aeroporto de Tartu, Estônia
Nada de voos da Finlândia para Tartu, Estônia, devido a suspeita da sabotagem do sistema de navegação pela Rússianull Margus Ansu/Scanpix/IMAGO

"Ameaça do Leste" é fato para finlandeses

"Na Finlândia, esse desdobramento é percebido como parte da guerra híbrida que a Rússia vem travando contra os países da Otan, já há vários anos", observa Arkady Moshes, diretor dos programas para a Rússia do Instituto Finlandês de Assuntos Estrangeiros. "Tanto para os políticos como para os cidadãos aqui, a ameaça do Leste é um fato. Eles não o dramatizam, mas tampouco o minimizam."

Pelo menos no momento, é improvável que Helsinque vá tomar qualquer medida retaliatória, até por não estar claro quais poderiam ser essas medidas, crê Moshes. Ao mesmo tempo, o governo estará de prontidão para adotar passos unilaterais, conforme a situação exija: "Lembra como a Finlândia simplesmente fechou a fronteira quando as autoridades russas começaram a trazer imigrantes ilegais, especificamente para forçá-los através da fronteira?"

Há muito os políticos finlandeses concluíram que não adianta negociar com o Kremlin, nas presentes circunstâncias: "Você simplesmente tem que proteger seus interesses, com firmeza e determinação."

Pano de fundo para esse bloqueio da navegação por GPS são outros eventos regionais significativos, relacionados à guerra da Rússia contra a Ucrânia. A Polônia está considerando deixar os Estados Unidos estacionarem armas nucleares em seu território. Por sua vez, chegou à Lituânia o primeiro grupo de soldados alemães integrantes da brigada mobilizada em caráter permanente para o flanco oriental da Otan.

Otan vai reagir?

Nos países bálticos, muitos se perguntam se a Otan reagirá ao bloqueio do GPS. "Ela pode, mas não vai", afirma Slawomir Debski, presidente do Instituto Polonês de Assuntos Estrangeiros, para quem a Rússia está provocando deliberadamente a aliança, "testando sua possível reação, tentando entender como a Otan agirá numa situação de crise regional grave".

O coronel reformado Vaidotas Malinionis, presidente da Associação de Oficiais Veteranos da Lituânia, destaca: "Para iniciar uma resposta dessas, vamos precisar do consentimento de todos os aliados da Otan. E no caso de uma provocação híbrida, mal definida, como bloqueio de GPS, será extremamente difícil obter um consenso."

Fontes da DW próximas aos quartéis-generais da Otan indicam que a questão constitui uma séria apreensão para os aliados – ao lado de outras ações híbridas de Moscou, incluindo atividade cibernética ilícita e sabotagem nos Estados-membros da aliança transatlântica.

Teoricamente, a Otan poderia limitar ou mesmo impedir inteiramente o trânsito militar russo até Kaliningrado por via ferroviária, através da Lituânia. No entanto, muitos temem que o Kremlin consideraria tal passo uma declaração de guerra de facto, podendo, por sua vez, resultar em confrontação militar.

"As tropas de solo russas na região de Kaliningrado foram reduzidas consideravelmente", relata Malinionis. "No entanto, a artilharia, lança-mísseis e, aparentemente, armas nucleares continuam lá. Nesse sentido, de fato existe uma ameaça à segurança da Lituânia e Polônia."

Debski, de Varsóvia, vê a situação de modo diverso: "Kaliningrado é uma grande armadilha para as forças russas. Em Moscou, eles sabem muito bem que é impossível defendê-la. No entanto, ninguém vai barrar a região por causa de um bloqueio de GPS. Para que ceder às provocações de Moscou?"

Giro de Xi pela Europa: ofensiva para dividir e influenciar?

O mundo era bem diferente em 2019, quando o presidente da China, Xi Jinping, visitou a União Europeia (UE) pela última vez. Ninguém ainda tinha ouvido falar em covid-19, a invasão da Ucrânia pela Rússia ainda estava distante, e Bruxelas e Pequim miravam um acordo de comércio e investimentos.

Hoje as relações estão bem mais frias: o acordo está parado após a imposição de sanções de ambos os lados, e uma UE cada vez mais agressiva elaborou uma lista de novas leis para diminuir a dependência da China.

Xi iniciou sua viagem nesta segunda-feira (06/05) pela França, e depois segue para a Sérvia e Hungria. Em Paris, deve sentir uma postura mais rígida da UE, em encontros com o presidente francês, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Já em Belgrado e Budapeste, onde os governos são vistos como mais simpáticos a Moscou e Pequim, a recepção deverá ser mais amistosa.

Posição "neutra" da China sobre a guerra

Na abertura da reunião com Xi na manhã desta segunda, Macron declarou que eram necessárias "regras justas para todos" nas relações comerciais entre a China e a UE, e que a coordenação com Pequim em temas globais era "decisiva". Em seguida, os líderes francês e chinês seguem para o destino de férias de infância de Macron, nas montanhas dos Pirineus.

À parte o bucolismo, um funcionário do gabinete do presidente francês disse que as conversas serão políticas – com foco nas posições divergentes sobre a guerra da Rússia na Ucrânia.

A França impôs sucessivas rodadas de sanções a Moscou, no âmbito da UE, desde 2022, enquanto a China, ao contrário, intensificou suas relações com a Rússia. "O governo chinês sempre manteve uma postura objetiva, neutra e equilibrada e não favorece nenhuma das partes", disse o embaixador da China na França, Lu Shaye, à imprensa chinesa no início desta semana.

O funcionário do governo francês disse que Macron incentivará a China, como um dos principais parceiros da Rússia, a usar os canais à sua disposição para tentar mudar a posição de Moscou e contribuir para a resolução do conflito.

Isso pode, é claro, não dar em nada: em 2023, Xi concordou em telefonar para o presidente da Ucrânia depois da visita de Macron à China, mas o resultado foi pequeno.

O pesquisador Emmanuel Lincot, do Instituto Católico de Paris e do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, avalia que Pequim vê a França como importante por esta ser a única potência nuclear da UE.

Mas Lincot acrescenta que a planejada visita à China do presidente da Rússia, Vladimir Putin, no fim deste mês, é um sinal de que Pequim não mudará de posição. "Não haverá um pingo de mudança em termos da abordagem de Xi", afirma.

Comércio é ponto de atrito

A visita de Xi à França também será marcada pela assinatura de novos acordos comerciais, incluindo possíveis pedidos de compras à Airbus. UE e China estão entre as maiores parceiras comerciais uma da outra, mas a UE compra da China muito mais do que a China compra da UE, e Bruxelas frequentemente alega acesso injusto ao mercado chinês.

Em 2023, a UE abriu uma investigação sobre os subsídios chineses para veículos elétricos, o que foi criticado por Pequim como "protecionismo puro e simples".

A pesquisadora Isabelle Feng, da Universidade Livre de Bruxelas, diz esperar que o comércio entre a UE e a China diminua "muito, muito lentamente" em meio a essa situação tensa. "Mudar cadeias globais de fornecimento leva tempo", observa.

"Ambos se veem como vítimas"

Da França, Xi segue para a Sérvia. Sua chegada coincidirá com o 25º aniversário do bombardeio dos EUA à embaixada chinesa em Belgrado, como parte da campanha aérea da Otan para impedir a campanha de limpeza étnica da então República Federal da Iugoslávia contra os albaneses kosovares.

Os EUA pediram desculpas pelo incidente, chamando-o de acidental, e pagaram uma indenização pelas mortes de cidadãos chineses. Mas muitos na China ainda acreditam que o alvo foi deliberado.

"Para a China, isso desempenha um papel como momento histórico no qual o 'grande e malvado Ocidente' prejudicou diretamente a China. Pequim coloca muita ênfase na narrativa de que é necessário reconstruir a ordem global", diz o pesquisador Stefan Vladisavljev, da Fundação BFPE para uma Sociedade Responsável. "É um momento em que ambas se veem como vítimas", referindo-se à China e à Sérvia.

Oficialmente candidata a membro da UE, a Sérvia e outras nações dos Bálcãs Ocidentais estão situadas numa região onde diferentes potências competem por influência. Embora a UE seja o principal parceiro econômico da Sérvia, cerca de 10,3 bilhões de euros em investimentos chineses fluíram para o país de 2009 a 2021, de acordo com a rede de ONGs Balkan Investigative Reporting Network.

"Há um certo impacto econômico positivo da presença chinesa na Sérvia, mas o que também deveria ser discutido – e não se está fazendo isso – são os aspectos negativos ou corrosivos da presença do capital chinês. Principalmente em questões ambientais", diz Vladisavljev.

Hungria: um amigo interno?

Xi encerra seu giro europeu na Hungria, o país-membro da UE que tem a relação mais conflituosa com Bruxelas. O ministério das Relações Exteriores da China afirma que os dois países "aprofundaram a confiança política mútua" nos últimos anos.

Mas a pesquisadora Isabelle Feng descreve essa tendência de forma diferente: "A Hungria é o cavalo de Troia da China na UE", disse ela à DW. No passado, Budapeste já bloqueou declarações críticas da UE sobre Hong Kong e atrasou o envio de ajuda do bloco à Ucrânia e aplicação de sanções contra a Rússia.

Viktor Orban e Xi Jinping se cumprimentando
Xi encerrará sua viagem na Hungria, onde se encontra com o premiê Viktor Obán (foto de 2019)null Andrea Verdelli/AFP/Getty Images

O ministro das Relações Exteriores da Hungria, Peter Szijjarto, disse ao jornal chinês The Global Times na terça-feira que a investigação da UE sobre os subsídios chineses às montadoras de veículos elétricos era "muito perigosa e prejudicial", e que seu país está "muito empenhado" em melhorar os laços entre a UE e a China.

Feng diz que essa divisão interna da UE é útil para Pequim. "A estratégia da China em relação à UE durante 20 anos sempre foi dividir e conquistar", explicou. Para Emmanuel Lincot, a atitude de Xi de cortejar a Hungria e não ir a Bruxelas, capital da UE, envia uma mensagem: "Ele quer trabalhar com uma Europa que está desencantada com Bruxelas – uma Europa que joga o jogo de Moscou."

A viagem pelo único posto fronteiriço entre Rússia e Ucrânia

Todos os dias, ônibus conduzidos por voluntários viajam entre a cidade de Sumy, no nordeste da Ucrânia, e a fronteira com a Rússia. Eles vão buscar ucranianos que decidiram deixar para trás suas casas em território ocupado pelos russos e cruzaram o único posto de fronteira atualmente aberto entre os dois países, localizado entre a vila ucraniana Pokrovka e o vilarejo russo de Kolotilovka.

Desde abril de 2022, esse trajeto é um corredor humanitário pelo qual os ucranianos em regiões controladas por Moscou podem chegar ao território controlado por Kiev.

Há onze pessoas e um cachorro no ônibus que segue para Sumy, na sua maioria mulheres e idosos, mas também há dois adolescentes. Alguns olham cansados pela janela, outros cochilam. Alguns estão viajando há vários dias.

Parte do trajeto é feito por uma "zona cinza" de dois quilômetros de extensão entre Kolotilovka e Pokrovka, que precisa ser atravessada a pé, carregando seus pertences. Como os jornalistas não têm permissão para entrar em Pokrovka, só é possível falar com as pessoas no ônibus para Sumy.

Determinado a rastejar até a fronteira

"Todos foram em frente, mas eu era mais lento", diz o aposentado Viktor, da região de Lugansk, sobre a sua jornada pela "zona cinza". Ao lado dele no ônibus há uma cadeira de rodas dobrada. O homem teve as duas pernas amputadas – uma até a coxa e a outra até o joelho.

Ele deu sua cadeira de rodas à esposa, Lyudmila, para que ela transportasse a bagagem pela "zona cinza", enquanto Viktor seguiria rastejando pelo trecho, com a ajuda de uma plataforma improvisada feita de almofadas e hastes de madeira – mas os dois quilômetros se mostraram muito difíceis. "Assim que cruzei a fronteira, percebi que não conseguiria", diz.

Homem em cadeira de rodas em um centro de acolhimento
Viktor, que teve as duas pernas amputadas, deixou sua casa para encontrar seus filhos em Kiev

Quando Lyudmila chegou ao posto de controle ucraniano, ela pediu ajuda aos voluntários que têm permissão para entrar na "zona cinza" e que, todos os dias, buscam ucranianos lá, juntamente com a Cruz Vermelha.

Eles encontraram Viktor em uma cadeira de rodas e o ajudaram a chegar ao lado ucraniano. No ônibus para Sumy, o aposentado disse: "O que uma pessoa pretende fazer nem sempre corresponde às suas habilidades. Mas minha vontade era tão forte que simplesmente segui em frente."

"Você se sente como se estivesse entre amigos"

Em 2014, Viktor e Lyudmila deixaram a parte ocupada da região de Lugansk e se mudaram para o vilarejo de Tsaryovka, que ficava na região controlada por Kiev. Eles compraram uma casa, reformaram-na e plantaram um jardim. Viktor, que perdeu seus membros anos atrás devido a uma doença vascular, cuidava da casa. Mas apenas alguns dias após o início da invasão russa de fevereiro de 2022, o vilarejo foi ocupado.

De acordo com o casal, restam apenas alguns moradores pró-ucranianos em Tsaryovka. Os que permanecem fizeram as pazes com os ocupantes. Lyudmila diz que ela e seu marido não querem um passaporte russo. Por isso, afirma, eles não conseguiam mais ser atendidos no hospital local.

Viktor e sua esposa hesitaram por muito tempo antes de fugir, pois sabiam que seria difícil para Viktor. Para ir de uma região controlada por Moscou até a parte da Ucrânia controlada por Kiev, primeiro é preciso viajar pela Rússia até um país europeu. Entretanto, diz Viktor, isso seria muito demorado e caro para eles, e a travessia Kolotilovka-Pokrovka era a única opção para o casal.

As checagens na fronteira foram rápidas. Viktor está feliz e com lágrimas nos olhos: "Só senti tanto carinho assim de minha própria mãe. É como estar entre amigos agora!" Viktor e Lyudmila pretendiam continuar sua jornada até Kiev, onde seus filhos e uma neta nascida há poucos meses os aguardavam.

Perguntas e descanso antes de seguir viagem

Em Pokrovka, na fronteira entre a Ucrânia e a Rússia, as autoridades verificam os documentos e os pertences das pessoas que vêm dos territórios ocupados. "Eles também pesquisam em bancos de dados", diz Roman Tkach, da guarda de fronteira.

Em seguida, o ônibus leva as pessoas a um centro de voluntários em Sumy, onde são entrevistadas pelas autoridades ucranianas e registradas pelos serviços sociais. Lá, elas recebem ajuda com todos os tipos de documentos, um chip de celular com número ucraniano e almoço.

Homem comendo em uma mesa
Ao chegarem a Sumy, ucranianos que deixaram o território controlado pela Rússia recebem alimentação e pousada

Em seguida, os voluntários levam as pessoas para um abrigo onde elas podem tomar banho, dormir e permanecer por vários dias. Depois, elas podem viajar gratuitamente de trem para Kiev, Poltava, Kharkiv ou Dnipro. E todos já sabem para onde irão em seguida.

"Havia drones e soldados russos por toda parte"

O aposentado Mychajlo, que era motorista de ônibus, quer se juntar à sua filha Anna na cidade de Kharkiv. O homem vem do vilarejo de Tavolzhanka, que fica na parte ocupada da região de Kharkiv. Ele viveu lá por 40 anos, mas sua casa está sob fogo cruzado. "Há drones e soldados russos para onde quer que você olhe. Eles arrastaram tudo para fora das casas e as desmontaram, como portas, revestimentos de piso e carpetes, porque estão construindo abrigos para si mesmos", diz o aposentado, com raiva.

Ele descreve muitos de seus antigos vizinhos como "colaboradores", e diz que muitos deles já se mudaram para a Rússia. Mychajlo enfatiza ter recusado a oferta de receber um passaporte russo.

Mulher é atendida por outra mulher em uma sala de escritório
Voluntários cuidam da documentação dos ucranianos que acabaram de atravessar a fronteira

"Fomos traídos por alguém da aldeia"

Anastasia, de 18 anos, deixou a parte da região de Kherson ocupada pela Rússia junto com seu namorado Petro (nome alterado). Petro completou 18 anos em dezembro e recebeu uma convocação do exército russo em março. "Decidimos fugir porque tinha medo de que ele fosse convocado", diz Anastasia. Ela deixou sua mãe, seu irmão de sete anos e sua avó de 80 anos em casa.

Anastasia encontrou seu pai, que está servindo ao exército ucraniano, em Sumy. Ele havia se alistado em dezembro de 2021 e estava destacado na região de Chernihiv quando a invasão russa em grande escala começou, e sua família em Kherson ficou subitamente sob ocupação russa. Agora ele vê sua filha novamente pela primeira vez em mais de dois anos. Os dois choram e se abraçam por um longo tempo.

"Alguém da aldeia delatou que meu pai era militar", lamenta Anastasia. Os homens, que Anastasia descreve como representantes do serviço secreto russo FSB, vieram e exigiram ver as mensagens trocadas com ele. "Eu as havia deletado há muito tempo e disse que não estava em contato com ele", diz Anastasia, acrescentando que "o FBS" havia pressionado sua família a solicitar passaportes russos. "Eles ameaçaram que, se não tivéssemos passaportes russos em duas semanas, seríamos detidos ou algo mais seria feito conosco. Eles tiraram fotos e nossas impressões digitais e interrogaram minha mãe. Foram muito severos", lembra Anastasia. Ela e seu namorado Petro irão morar com seus avós paternos, que moram na região de Poltava.

Corredor segue aberto apesar do bombardeio

Atualmente, todos os dias, de 20 a 40 pessoas das partes ocupadas das regiões de Donetsk, Lugansk, Kharkiv, Kherson e Zaporizhzhya, bem como da península ucraniana da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, usam o corredor humanitário Kolotilovka-Pokrovka, diz Roman Tkach, da guarda de fronteira ucraniana.

Cruzar a fronteira só é possível durante o dia e somente em uma direção – da Rússia para a Ucrânia – e apenas para cidadãos ucranianos. É necessário ter um passaporte ou outra forma de identificação. Mas mesmo que você não tenha um, os funcionários não podem recusar a entrada de cidadãos ucranianos. "Os cidadãos ucranianos têm o direito constitucional de entrar no território da Ucrânia", diz Tkach. Apesar do atual aumento dos bombardeios na região, o corredor permanece aberto, e ninguém foi ferido nele até o momento.

As armas proibidas em uso na guerra na Ucrânia

A cloropicrina é um líquido oleoso e tóxico de odor extremamente forte. Em humanos, o contato com a substância pode provocar bolhas na pele, irritação nos olhos e dificuldade para respirar. E o mais perigoso: sua fumaça, uma vez inalada, ataca os vasos sanguíneos nos pulmões, provocando um edema pulmonar, com respiração ruidosa e expectoração espumosa e vermelha, o que pode levar à morte.

O efeito da substância, originalmente desenvolvida como pesticida, já era conhecido na Primeira Guerra Mundial. O Exército russo o transformou em arma química. Também foi usado pelo Exército alemão a partir de 1916 em granadas de gás contra os franceses no front.

Agora, mais de um século depois, o Departamento de Estado dos EUA acusa Moscou de usar a substância na guerra na Ucrânia, além de outros gases irritantes. O objetivo, segundo o Pentágono, seria forçar as forças ucranianas a abandonarem posições fortificadas, possibilitando, assim, o avanço tático dos russos no campo de batalha.

Se a acusação de fato proceder, seria uma violação da Convenção Internacional de Armas Químicas. Em vigor desde 1997, ela proíbe o desenvolvimento, produção, armazenamento e uso de armas químicas. O acordo também previa a declaração de todos os arsenais de armas químicas existentes e sua destruição sob supervisão internacional até 2012. O fato de isso não ter acontecido de forma abrangente ficou evidente na guerra da Síria, onde as forças do ditador Bashar al-Assad teriam realizado um ataque com gás venenoso nos subúrbios de Damasco em 2018.

A Rússia, que é signatária da Convenção de Armas Químicas, já foi dona do maior arsenal de armas químicas do mundo. Esse estoque teria sido destruído, segundo informação de 2017 da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq).

Embora o Kremlin negue o uso de armas químicas na Ucrânia, os atentados contra Sergei Skripal e Alexei Navalny sugerem que a Rússia ainda as tem e usa.

Bombas de fragmentação

O uso de bombas de fragmentação em diversas ocasiões desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, está documentado de forma inequívoca. Segundo a Human Rights Watch, as forças russas usaram pelo menos seis tipos delas. Essas armas também teriam sido empregadas nos ataques mais recentes à cidade de Odessa, no Mar Negro, segundo autoridades ucranianas.

Soldado ucraniano exibe cápsula vazia do que seria uma bomba de fragmentação russa
Soldado ucraniano exibe cápsula vazia do que seria uma bomba de fragmentação russanull Clodagh Kilcoyne/REUTERS

Mas o Exército ucraniano também recorre às bombas de fragmentação. Em julho de 2023, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, autorizou o fornecimento dessas armas a Kiev. Elas explodem no ar, liberando centenas de bombas menores que se dispersam por áreas especialmente extensas, sendo que nem todas são detonadas imediatamente e podem representar um perigo mortal mesmo anos depois.

Bombas de fragmentação também são proibidas desde 2010 pelo tratado sobre munições de fragmentação – que, no entanto, não foi assinado nem pelos EUA, Rússia ou Ucrânia.

Uso generalizado de minas na Ucrânia

A Ucrânia é o país mais minado do mundo. Sob seu solo, em uma área total duas vezes maior que a Áustria, acredita-se que estejam enterrados vários milhões de explosivos.

Há mais de um ano, o conflito no leste do país se transformou em uma guerra de trincheiras. A linha do front pouco mudou nesse período. Para proteger suas posições defensivas, ambos os lados usam minas antitanque, que são colocadas em cinturões largos de ambos os lados da linha de combate.

Mas, para dificultar a remoção dessas minas antitanque, os soldados também usam minas antipessoais, que foram banidas em 1997, em tratado assinado pela Ucrânia e por outros 163 países – exceto a Rússia.

Mina terrestre no solo
Milhões de minas terrestres foram espalhadas pela Ucrânia nos últimos dois anosnull picture alliance/dpa/Russian Defence Ministry

A explosão da barragem de Kakhovka, a leste de Kherson, no verão de 2023, teve consequências dramáticas nesse sentido, já que as massas de água liberadas espalharam várias minas – quantas e onde, isso ainda é praticamente incerto.

Bombas de fósforo em Mariupol e Bakhmut?

Bombas de fósforo são compostas de fósforo branco e uma mistura de gasolina e borracha. São usadas, entre outras finalidades, como bombas incendiárias, inflamando-se no contato com o ar e atingindo uma temperatura de até 1.300ºC. Ao explodir, elas liberam centenas de bolinhas em chamas, e mesmo pequenas quantidades podem causar queimaduras graves. Além disso, a fumaça liberada pelo fósforo branco é altamente tóxica.

Luz que seria de uma bomba de fósforo
Bombas de fósforo teriam sido usadas na Síria pelo Exército russo em 2016null Anas Sabagh/AA/picture alliance

Essas bombas não são absolutamente proibidas, mas seu uso contra civis e em áreas urbanas é vetado pela Convenção de Genebra.

A Ucrânia acusa o exército russo de tê-las usado durante os combates pela usina siderúrgica de Azov em Mariupol e também em Bakhmut. Moscou nega. Kiev, porém, também tentou no passado obter armas de fósforo junto a parceiros internacionais, embora sem sucesso.

Projéteis de urânio para Kiev

Os EUA forneceram à Ucrânia munições antitanque de urânio: projéteis revestidos com urânio diluído, capazes de perfurar um tanque. O pó de urânio liberado no interior do veículo inflama-se em contato com o ar e queima toda a cabine do motorista.

Não há convenção internacional que proíba o uso desse tipo de armamento. Especialistas, porém, alertam para os efeitos a longo prazo na saúde devido ao pó de urânio levemente radioativo.

Na Guerra do Iraque, em 2003, centenas de toneladas de munições de urânio foram disparadas. Um relatório da Organização de Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear (IPPNW, na sigla em inglês) constatou aumento significativo em malformações, câncer e outras doenças nas regiões onde houve uso massivo de munições de urânio. Até agora, no entanto, um risco aumentado para a população civil não foi confirmado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Lula e Boulos no Itaquerão? As regras da campanha eleitoral

Os eleitores dos 5.568 municípios do Brasil irão às urnas no próximo dia 6 de outubro para escolher vereadores e prefeitos, e ainda faltam mais de três meses para o início oficial da campanha – que tem um cronograma e regras que devem ser seguidos pelos candidatos e aplicados pela Justiça Eleitoral.

A participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no evento das centrais sindicais do Dia do Trabalhador, nesta quarta-feira (01/05) em São Paulo, foi seguida de acusações de que ele teria violado duas dessas regras: a que estabelece a data do início da campanha, a partir da qual se pode pedir votos, e a que veda abuso de poder político e econômico.

No evento realizado no estacionamento do estádio do Corinthians, conhecido como Itaquerão, Lula subiu ao palco ao lado do pré-candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos – que tem o apoio do PT – e afirmou:     

"Esse rapaz [Boulos], esse jovem está disputando uma verdadeira guerra aqui em São Paulo, está disputando contra nosso adversário nacional, estadual e principal. Ninguém derrotará esse moço se vocês votarem no Boulos para prefeito de SP".

Em seguida, ele reforçou: "Eu vou fazer um apelo: cada pessoa que votou no Lula em 1989, em 1994, em 1998, em 2006, em 2010, em 2018, em 2022, tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo."

O ato das centrais sindicais teve apoio financeiro da Petrobras, e foi transmitido pelos canais oficiais da Presidência da República. Depois da repercussão sobre a fala de Lula, a Presidência retirou de seu canal no YouTube o vídeo da transmissão ao vivo.

Adversários de Boulos acusaram Lula de fazer campanha antecipada e de abuso de poder político, práticas vedadas para não desequilibrar a disputa. Três partidos – MDB, União e Novo – acionaram a Justiça Eleitoral e o Ministério Público para apurar possível infração eleitoral.

Campanha antecipada

O calendário eleitoral deste ano estabelece que as candidaturas podem ser registradas até 15 de agosto e a campanha começa no dia seguinte, em 16 de agosto.

Até essa data, "qualquer publicidade ou manifestação com pedido explícito de voto pode ser considerada irregular e é passível de multa", informa o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A multa vai de R$ 5 mil até R$ 25 mil, e pode ser aplicada tanto contra quem fez a campanha antecipada como quem se beneficiou dela – se estava previamente ciente.

Ricardo Nunes olhando para frente
Partido de Nunes pediu aplicação de multa contra Lula e Boulos e investigação de abuso do poder econômico e políticonull Bruno Escolastico Sousa Silva/NurPhoto/picture alliance

Não é a primeira vez que Lula é acusado de fazer campanha eleitoral antecipada. Em setembro de 2022, quando estava em campanha ao Planalto, ele foi multado pelo plenário do TSE em R$ 10 mil por ter pedido votos para si mesmo e aliados em um evento em Teresina antes do início oficial da campanha.

Em 2010, o TSE multou Lula em R$ 5 mil por fazer propaganda eleitoral antecipada para a então candidata a presidente Dilma Rousseff, punida com multa de igual valor. O motivo: em 1º de maio daquele ano, também em um evento promovido por centrais sindicais no Dia do Trabalhador, Lula afirmou: "Eu quero que quem venha depois de mim – e vocês sabem quem eu quero – saiba que tem que fazer mais e fazer melhor, e fazer muito mais."

Reações à fala de Lula no Itaquerão

A equipe jurídica do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), pré-candidato à reeleição, anunciou "medidas jurídicas cabíveis" contra Lula e Boulos em função de suas declarações no evento das centrais sindicais.

Em nota, o MDB de São Paulo afirmou que pediria a aplicação de multa contra ambos por propaganda eleitoral antecipada. A legenda também acionaria o Ministério Público para a abertura de um inquérito que apure "os valores gastos com o evento, incluindo os públicos, além do uso da estrutura sindical com o objetivo de se promover candidatura".

"Verificada a ocorrência de abuso do poder econômico e de autoridade, deverá ser ajuizada investigação judicial eleitoral, que poderá resultar na decretação de inelegibilidade a Lula e a cassação da candidatura de Boulos, na qualidade de beneficiário consentido da conduta vedada", afirmou a nota.

O abuso de poder político ocorre quando "o detentor do poder se valer de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor". Já o abuso de poder econômico se refere à "utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições", segundo o glossário eleitoral do TSE.

São infrações mais graves que fazer campanha antecipada. Em outubro de 2023, por exemplo, o TSE declarou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência

O partido Novo, que tem como pré-candidata à Prefeitura de São Paulo a economista Maria Helena, também entrou com uma ação na Justiça Eleitoral contra Lula e Boulos pedindo que eles sejam multados por campanha eleitoral antecipada, e afirmou que apresentaria uma representação no Ministério Público contra Lula por abuso de poder político.

Kim Kataguiri, pré-candidato do União Brasil ao governo paulistano, também apresentou uma representação ao Ministério Público para investigar a conduta de Lula e Boulos no ato.

"É um absurdo fazer campanha eleitoral fora do tempo permitido, porque isso desrespeita as regras da disputa e prejudica a todos. O pleito precisa ser justo, com igualdade para todos os candidatos. Por isso, elaborei a representação para garantir que a eleição seja limpa e sem vantagens indevidas", afirmou.

O coordenador da pré-campanha de Boulos, Josué Rocha, divulgou uma nota em que acusou Nunes de tentar criar uma "cortina de fumaça": "Ricardo Nunes tenta criar uma cortina de fumaça para despistar o uso de eventos oficiais da Prefeitura, realizados com dinheiro público, para a promoção de sua candidatura à reeleição – como já noticiado pela imprensa. Ele é quem deve explicações à sociedade."

Após a repercussão, Boulos postou uma foto em suas redes sociais em que aparece ao lado de Lula, com a legenda "Parece que tem gente que está desesperada".

Calendário eleitoral

Conheça outros marcos temporais relevantes da campanha municipal:

  • Desde o início do ano, pesquisas de opinião de intenção de voto precisam ser registradas no Tribunal Superior Eleitoral.
  • A janela partidária para que vereadores pudessem trocar de partido sem perder o mandato foi aberta em 7 de março e encerrada em 5 de abril.
  • As pessoas que desejam se candidatar às eleições neste ano precisavam estar filiadas ao respectivo partido até 6 de abril.
  • Os pré-candidatos podem começar a fazer campanhas de arrecadação na modalidade de financiamento coletivo, sem pedido de voto, a partir de 15 de maio.
  • A partir de 6 de julho, agentes públicos não podem realizar nomeações, exonerações e contratações e participar da inauguração de obras públicas.
  • As convenções partidárias, nas quais as legendas escolhem seus candidatos, podem ser realizadas de 20 de julho a 5 de agosto.
  • A propaganda eleitoral gratuita em rádio e TV vai de 30 de agosto a 3 de outubro.

Escândalos da AfD causam divisão na extrema direita europeia

A pouco mais de um mês das eleições para o Parlamento Europeu, em 9 de junho, o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) está fazendo uma promessa aos eleitores: lutar contra "restrições à soberania nacional e a redistribuição de riqueza e bens por meio de regulamentações da União Europeia (UE)". Em seu programa eleitoral, diz que pretende convencer outros partidos europeus a fim de atingir esse objetivo.

Mas depois de todos os escândalos envolvendo a AfD nos últimos meses, está cada vez mais difícil achar uma sigla na Europa que queira formar uma bancada com os ultradireitistas alemães. A lista de polêmicas inclui políticos suspeitos de receber fundos ilegais da Rússia, bem como um assessor acusado de espionagem para o regime autoritário da China.

Sobretudo, a relação com o partido de extrema direita francês Reunião Nacional (RN), liderado por Marine Le Pen, tem sido tensa há meses. Citando fontes internas do partido, o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung reportou que o RN está considerando deixar o "Identidade e Democracia", grupo político de extrema direita dentro do Parlamento Europeu, após as eleições.

A extrema direita europeia e Putin

Os escândalos da AfD preocupam Le Pen e complicam seus planos de se tornar presidente da França. Afinal, vínculos com radicais, com o governo autocrático do presidente russo Vladimir Putin e com um espião chinês não se encaixam em sua estratégia presidencial. Em 2017, ela apareceu orgulhosamente ao lado de Putin e aceitou um empréstimo milionário de um banco com laços estreitos com o Kremlin.

Mas agora a direita francesa está buscando distância desses escândalos. E Le Pen fez questão de deixar isso claro à líder da AfD, Alice Weidel.

Em uma reunião entre as duas neste ano em Paris, a política francesa teria exigido um compromisso por escrito da alemã de nunca permitir que os supostos planos de expulsão de migrantes da Alemanha se tornassem parte do programa do partido.

Na Itália, a extrema direita também não parece querer ser associada à AfD. Em janeiro de 2024, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, declarou que havia "diferenças irreconciliáveis" entre seu partido de extrema direita Irmãos da Itália e a sigla ultradireitista alemã.

Segundo a premiê, essa divergência tem a ver com as relações com a Rússia. Embora a pós-fascista Meloni seja considerada linha dura no que diz respeito à política interna e à migração, em termos de política externa ela é orientada para a aliança transatlântica com os Estados Unidos, ao contrário da AfD.

AfD busca se distanciar de polêmicas

A própria AfD está abalada com seus escândalos. No início da campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, a liderança do partido ordenou que seu principal candidato, Maximilian Krah, não participasse do pleito. A lista de acusações, suspeitas e rumores que cercam o político se tornou longa demais: um assessor dele acabou de ser preso sob suspeita de espionagem para a China.

Segundo relatos da imprensa, Krah foi interrogado pelo FBI em Nova York sobre dinheiro procedente da Rússia. E a promotoria pública em Dresden, no leste da Alemanha, iniciou duas investigações preliminares contra ele por suspeita de pagamentos ilegais da Rússia e da China. Krah rejeita todas as acusações e prometeu cooperar com as autoridades de segurança.

O número dois da lista de candidatos da AfD também está em apuros. Petr Bystron também é suspeito de receber pagamentos ilegais da Rússia. A suspeita é ainda mais séria no caso dele: a imprensa divulgou gravações de áudio nas quais Bystron supostamente reclamava que o dinheiro foi pago em notas altas demais.

À medida que se espalham os escândalos, a liderança do partido é repreendida até dentro de suas próprias fileiras. Sylvia Limmer, atual eurodeputada da AfD, criticou que um político controverso com contatos na China tenha sido indicado como candidato principal: "As evidências eram suficientemente conhecidas", afirmou.

Sem fim à vista para os escândalos

Mas o fim dos escândalos da AfD parece estar longe. O ministro da Justiça alemão, Marco Buschmann, prevê novos casos de espionagem num futuro próximo: "Temos que assumir que haverá mais revelações nos próximos meses", disse ele à emissora de televisão ARD.

Além de Maximilian Krah e Petr Bystron, há outros membros controversos do partido na lista de campanha para as eleições europeias.

O promissor candidato Siegbert Droese, anos atrás, chegou a posar com a mão no coração em frente ao bunker conhecido como Wolfsschanze (toca do lobo), um quartel-general onde Adolf Hitler traçou planos para a guerra o Holocausto. Droese também já fez campanha com um carro da AfD que tinha como placa os símbolos típicos do líder nazista.

O que espera a UE, 20 anos após "big bang" para o leste

"Big bang" é o nome usado no jargão da União Europeia (UE) para a ampliação do bloco em dez países ocorrida em 1º de maio de 2004. O número de Estados-membros aumentou de 15 para 25 da noite para o dia. O continente foi reunificado 15 anos após a queda do Muro de Berlim e o fim da dominação soviética na Europa Oriental. Da Estônia, no norte, até a Eslovênia, no sul, as comemorações de 20 anos atrás foram caracterizadas por festivais folclóricos e fogos de artifício, discursos cerimoniais e o rompimento de barreiras. As ilhas mediterrâneas de Malta e Chipre também foram incluídas.

"Esse foi um forte sinal para a Rússia, mas não só isso. Mostrou a capacidade da UE de tomar decisões fortes, de expandir e de cumprir condições. Foi positivo assim porque as condições políticas na UE e nos países que aderiram ao bloco eram mais favoráveis do que são hoje", diz Kefta Kelmendi, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores, sediado em Bruxelas.

Sem alternativa

"O alargamento foi bom tanto para a UE quanto para os dez países aderentes", diz Kelmendi, especialista em UE, em entrevista à DW. O crescimento econômico nos países aderentes se acelerou no mercado único europeu. De acordo com estudos da Fundação Bertelsmann, instituto alemão de pesquisa sociopolítica, a medida fortaleceu a democracia, o Estado de direito e a liberdade de mídia.

Mas Hungria e Polônia são exceções. Os governos desses países se afastaram dos valores europeus. Na Polônia, a tendência só foi revertida após uma mudança de governo no ano passado. De acordo com o Índice de Transformação da Fundação Bertelmann, os Estados Bálticos, a República Tcheca, a Eslovênia e a Eslováquia alcançaram a classificação máxima de "democracia em consolidação". Já a Polônia e a Hungria são rotuladas como "democracias defeituosas".

Não havia alternativa para a ampliação da UE em 2004 e para a adesão tardia da Bulgária (2007), Romênia (2007) e Croácia (2013), de acordo com o especialista em UE Hans Kribbe, do Brussels Institute for Geopolitics (BIG). "Era inevitável que isso fosse feito em resposta às convulsões históricas e ao colapso da União Soviética e do Bloco de Leste", diz Kribbe.

Ministro do Exterior polonês, Wlodzimierz Cimoszewicz, abraça colega alemão, Joschka Fischer
Ministro do Exterior polonês, Wlodzimierz Cimoszewicz, abraça colega alemão, Joschka Fischer, celebrando adesão da Polônia à UEnull Patrick Pleul/ZB/picture alliance

Duas novas ondas

"É claro que a Comissão Europeia está desempenhando seu papel de apoiadora entusiasmada da ampliação", diz Hans Kribbe, do BIG. Internamente, no entanto, a Comissão está ciente de que é preciso tirar lições para o futuro a partir da grande onda de ampliação. Acima de tudo, a UE teve que aprender que deve se tornar mais receptiva e simplificar seus procedimentos e processos. Até o momento, porém, não há nenhum plano para tal reforma da atual União Europeia.

Entretanto, as próximas ampliações são iminentes. Seis países dos Bálcãs Ocidentais, da Bósnia-Herzegovina à Albânia, deverão ser admitidos. Ucrânia, Moldávia e Geórgia são os mais recentes candidatos à adesão, que poderiam comprar uma passagem expressa para a UE, principalmente devido à ameaça representada pela Rússia.

Os países dos Bálcãs Ocidentais receberam promessas de adesão repetidas vezes. Pré-adesão, negociações, ajustes – tudo isso levou décadas após as guerras civis na antiga Iugoslávia. O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, gosta de repetir que agora é o momento de finalmente agir.

"Não acho que haverá outro big bang, isso não funcionaria", diz Tefta Kelmendi, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Os seis países são muito diferentes em termos de desenvolvimento e capacidade de adesão. "Eles serão admitidos um após o outro", ela supõe. Primeiro a Albânia, a Macedônia do Norte e Montenegro. A Sérvia e Kosovo teriam que resolver sua disputa sobre a condição de Estado e as minorias.

De qualquer forma, não se poderia esperar até que os conflitos bilaterais entre a Sérvia e Kosovo sejam resolvidos. Isso significaria tornar os outros países reféns desse conflito. "A maneira como a UE tentou usar a perspectiva de ampliação para resolver problemas bilaterais não ajudou a região. Ela está muito focada na estabilização e não tanto no desenvolvimento econômico."

Adesão da Ucrânia é desafio

Em comparação com os países dos Bálcãs, a Ucrânia seria realmente um "big bang” para a União Europeia. Mais de 40 milhões de pessoas, um enorme país agrícola, o mais pobre da Europa, gravemente abalado pela guerra imposta pela Rússia. As negociações de adesão devem começar em breve com uma conferência intergovernamental.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem certeza de que a Ucrânia pertence ao clube europeu. "A Ucrânia fez sua escolha europeia. E eles sabem o que isso significa. Nós fizemos nossa escolha ucraniana. Assim como decidimos, há muitos anos, trazer tantos países para a nossa União", disse von der Leyen no Parlamento Europeu.

Ursula von der Leyen abraça Volodimir Zelenski
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski: adesão da Ucrânia é desafio para o bloconull Efrem Lukatsky/AP Photo/picture alliance

"A admissão da Ucrânia na UE é tão inevitável quanto a admissão dos dez Estados há 20 anos", diz o especialista em UE Hans Kribbe, observando que o país também está defendendo a Europa contra a Rússia. "A Ucrânia está fazendo todo o trabalho", mas, no final, a população dos antigos países da UE deve ser convencida a concordar com a ampliação. Isso exigirá unanimidade entre os cerca de 30 países. Será necessário realizar referendos em alguns deles.

No momento, de acordo com Hans Kribbe, os problemas reais dessa ampliação não estão sendo abordados para não assustar os europeus. "Essa é uma estratégia arriscada. Em algum momento, teremos que enfrentar a realidade." Pois a admissão da Ucrânia exigiria uma reorganização total do orçamento da UE. Os atuais recebedores líquidos de subsídios e fundos, como a Polônia ou a Hungria, provavelmente se tornariam pagadores líquidos que teriam que doar para a Ucrânia e outros países mais pobres.

Não parar de sonhar

"É difícil prever quando ocorrerão as próximas adesões, mas devemos permanecer otimistas", diz Jerzy Buzek. O polonês é membro do Parlamento Europeu desde 2004, quando seu país aderiu à UE. Antes disso, ele foi chefe de governo até 2001 e ajudou a preparar a adesão. "Quando éramos jovens, isso não parecia real, mas (a adesão) se tornou um fato. Isso significa que devemos sonhar e nos apegar aos nossos sonhos", disse Buzek no Parlamento, se referindo aos próximos candidatos à adesão.

É improvável que a Turquia, que está negociando a adesão a UE desde 2005, venha a aderir. O Estado autocrático está se afastando cada vez mais dos valores europeus. "Esse é um caso perdido quando se trata de adesão", diz o especialista em UE Hans Krippe, do Brussels Institute for Geopolitics. Ele acrescenta, no entanto, que a UE deve se esforçar para manter relações bilaterais estreitas com o país, uma parceria privilegiada, porque a Turquia ocupa uma posição geopolítica importante no que diz respeito à defesa contra a Rússia e às questões de migração.

 

O órfão ucraniano que escapou da guerra e deportação forçada

Illya conta que certa noite ele e sua mãe saíram do porão. Queriam pedir água e um pouco de comida a uma vizinha. Quase tudo ao redor já estava em ruínas e, em todas as direções, ouviam-se tiros. "Não conseguimos chegar até a vizinha", diz o menino. "Um foguete atingiu a vizinhança. Mamãe caiu com a testa no chão. Ela morreu no dia seguinte."

O garoto de apenas 11 anos conta a história mecanicamente. Como se a tivesse memorizado. E não como se fosse sua própria história.

O ucraniano Illya vem de Mariupol, a grande cidade no extremo sudeste da Ucrânia que se tornou um símbolo mundial do terror russo depois do início da guerra, em 24 de fevereiro de 2022, quando Moscou invadiu o país vizinho. Durante o cerco de três meses a Mariupol, o Exército russo destruiu quase completamente a cidade e matou dezenas de milhares de civis. Um deles foi a mãe de Illya, Nataliia Matviienko.

Ela morreu em 21 de março de 2022, algumas semanas antes de Illya completar nove anos. O próprio Illya foi gravemente ferido pela queda do foguete em sua perna direita. Soldados russos o descobriram logo após o ataque e o levaram embora; ele foi hospitalizado na cidade ucraniana de Donetsk, que está sob ocupação russa desde 2014. Ele deveria ser entregue a uma família russa, mas sua avó, que vive em Ujhorod, a cidade mais ocidental da Ucrânia, o tirou de Donetsk e o levou para a casa dela.

Logo depois, Illya testemunhou perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia. Seu testemunho contribuiu para o mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, e sua representante dos direitos das crianças, Maria Lvova-Belova.

Illya é uma das dezenas de milhares de crianças ucranianas que foram sequestradas por soldados ou funcionários russos nos territórios ucranianos ocupados desde fevereiro de 2022. Uma estimativa oficial ucraniana coloca o número de menores deportados em cerca de 19 mil. A representante de Putin, Lvova-Belova, se gabou no verão de 2023 de que as autoridades russas já haviam "resgatado" da Ucrânia 700 mil crianças. Até o momento, a Ucrânia só conseguiu trazer de volta cerca de 400 crianças sequestradas.

Vista aérea de um teatro com telhado totalmente destruído
Teatro em Mariupol bombardeado 2022, quando abrigava civis, incluindo crianças. Estima-se que pelo menos 300 morreram. A palavra "crianças" pode ser lida em letras grandes diante do prédionull Peter Kovalev/TASS/dpa/picture alliance

Crime de guerra

Independentemente de tais números, esse é um dos piores crimes de guerra na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. A advogada ucraniana, ativista de direitos humanos e ganhadora do Prêmio Nobel, Oleksandra Matviichuk, fala de um genocídio que está sendo cometido pela Rússia na Ucrânia.

"Esses crimes de guerra não são coincidência nem acidente, são um método da Rússia e uma tática de guerra russa contra a Ucrânia", disse Matviichuk à DW. "As crianças são enviadas para campos de reeducação, primeiro lhes é dito que são russas e que a Rússia é sua terra natal. Mais tarde, são enviadas a famílias russas. É uma política de eliminação da identidade ucraniana e uma política genocida."

Illya quase teve esse destino também. Até fevereiro de 2022, ele tinha uma infância normal em Mariupol. Morava com sua mãe solteira em uma casa na periferia leste de cidade e cursava a terceira série. Ele diz que em seu tempo livre gostava de ir ao cinema e brincar no parque com um tio.

No dia seguinte ao ataque russo a Mariupol, ele fugiu com a mãe para o centro da cidade. Eles moraram em um hotel por alguns dias e, mais tarde, em um abrigo antiaéreo. Em algum momento, a sua mãe decidiu voltar para a casa na periferia da cidade em busca de comida. Quase tudo lá havia sido destruído, mas eles encontraram outra casa com um porão intacto e alguns alimentos, onde se esconderam por alguns dias – até aquela noite fatídica, quando tentaram ir à casa de um vizinho.

Illya conta que, após a queda do foguete, a vizinha veio e levou sua mãe gravemente ferida e ele para o apartamento dela. Ele diz que não se lembra exatamente como foi quando sua mãe morreu. No dia seguinte, os soldados russos chegaram. Eles simplesmente disseram: "Retirada!" E o levaram com eles. "A viagem até o hospital em Donetsk foi terrível", conta. "Minha perna machucada doía tanto que não consigo nem descrever."

Prédios em ruína
Mariupol foi quase totalmente destruída pelos militares russos em 2022null ANDREY BORODULIN/AFP

A perna de Illya foi operada no hospital. Ele disse aos funcionários do local que tinha uma avó e que ela poderia ir buscá-lo. Mas depois de alguns dias, disseram a ele que poderiam levá-lo a Moscou, para uma nova família. "Eu não respondi nada", recorda. "Porque não sabia se eles iam me fazer alguma coisa se eu contrariasse."

A odisseia da avó

Illya conta que havia muitas crianças ucranianas no hospital e que jornalistas também foram até lá e filmaram o lugar. Por acaso, a avó de Illya, Olena Matviienko, viu um vídeo nas redes sociais em que seu neto aparecia. Ela ligou imediatamente para o hospital e disse que iria buscá-lo. Pouco tempo depois, ela partiu para a Donetsk ocupada – de Ujhorod, no oeste da Ucrânia, passando pela Polônia, Lituânia, Belarus e Rússia.

Foi uma odisseia sobre a qual Matviienko só pode contar alguns detalhes – na época, o retorno de Illya e de outra menina foi organizado com a ajuda do governo ucraniano e de um empresário russo.

Para não colocar em risco possíveis resgates futuros, apenas isso pode ser revelado: Illya e sua avó conseguiram voltar à Ucrânia através da Turquia no final de abril de 2022. "Chorei quando cruzei a fronteira da Ucrânia com meu neto", conta Matviienko.

Na Ucrânia, Illya foi inicialmente internado em um hospital em Kiev para reabilitação. Lá, um assessor do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, perguntou se ele estaria preparado para contar sua história aos investigadores do Tribunal Penal Internacional. O menino concordou.

Desde então, ele não apenas testemunhou na corte em Haia, mas também perante representantes da ONU. E falou com vários políticos ocidentais, inclusive dos EUA e da Alemanha. "Entendi que tenho que fazer isso", afirma. "Para que não haja indiferença, para que saibam que não se trata de um conto de fadas, mas para que saibam o que realmente aconteceu."

Illya e sua avó Olena
Illya e sua avó Olena se reencontraram e atualmente vivem em Ujhorod, no extremo oeste da Ucrânianull privat

Mas não dói demais ter que recontar a história várias vezes? "Não", responde Illya. "Eu entendo que esse é meu destino e é por isso que não choro. Nunca chorei quando contei a história". Ele diz isso como um adulto e como se estivesse longe. E acrescenta que sua avó sempre chora quando ele relata a situação que enfrentou.

"Talvez eu morra. Afinal, estamos em guerra"

A senhora, de 65 anos, é uma mulher amável. Passou a vida trabalhando em Mariupol, inclusive na siderúrgica Azovstal, que se tornou um símbolo de resistência contra os ocupantes russos em 2022. Ela teve quatro filhos. Um deles morreu em 2014 lutando contra os ocupantes russos no leste da Ucrânia. Depois que sua única filha morreu, em 2022, lhe restaram dois filhos. E seu neto, Illya. Ela se mudou de Mariupol para o outro extremo da Ucrânia, para Ujhorod, em 2017, porque na época queria ficar o mais longe possível da guerra nas chamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk.

Matviienko recebe uma aposentadoria equivalente a 67 euros (R$ 368) por mês. Parte desse valor ela doa para as Forças Armadas ucranianas todos os meses. "Eu não trocaria a Ucrânia por nada no mundo, mas seria bom se pudéssemos receber um pouco mais de aposentadoria", diz ela.

Illya e sua avó moram em uma espécie de apartamento compartilhado em Ujhorod, onde não há um banheiro próprio. Eles gostariam de ter um banheiro com chuveiro e prefeririam morar em uma casa só para eles. "Tenho saudades do mar, da cidade e da pizza que eu costumava comprar todos os dias no caminho para a escola. E, é claro, da minha mãe. Que Deus lhe dê paz", afirma o menino.

O garoto afirma não acreditar que o mandado de prisão contra Putin vá dar em alguma coisa. "Ele é um idiota, mas pelo menos ele sabe que não pode mais viajarpara qualquer lugar." O próprio Illya quer ser médico quando crescer. "Não sei se conseguirei, porque tenho a síndrome da desesperança. Mas seria meu sonho. Mas talvez eu morra amanhã. Afinal, estamos em guerra."

África do Sul: 30 anos de democracia sob signo da divisão

A África do Sul, um país recém-democrático, teve um início eufórico com suas primeiras eleições livres em 27 de abril de 1994.

A população fez fila por horas para votar, cheia de esperança, otimismo e alegria. Esse espírito positivo continuou quando Nelson Mandela foi eleito presidente, depois de ter passado 27 anos na prisão.

O Congresso Nacional Africano (ANC), partido político de Mandela e o antigo movimento antiapartheid, chegou ao poder, acabando não apenas com o domínio da minoria branca, mas com séculos de mentalidade colonialista. Ele continua no poder até hoje.

Entretanto, olhando para os últimos 30 anos, a avaliação geral sobre a situação da "nação arco-íris" de Mandela deixa a desejar. A economia está debilitada, a sociedade ainda está dividida em linhas raciais, e a população não se sente compreendida por seus políticos.

Enquanto isso, a diferença entre ricos e pobres continua a crescer, apesar de o ANC ter prometido combatê-la, quando assumiu o poder. A frustração em relação a esses sonhos destruídos é profunda.

Progresso só no papel

No entanto, também houve algumas conquistas importantes, pelo menos no papel.

Fredson Guilengue, diretor de programas para o Sul da África da Fundação Rosa Luxemburgo, em Joanesburgo, enfatiza que o país pelo menos "conseguiu introduzir uma das Constituições mais progressistas do mundo, estabelecendo um Judiciário independente, uma imprensa livre, eleições livres e justas".

Ele enumera os direitos LGBTQ, um sistema educacional ampliado e maior acesso aos pobres a eletricidade, habitação social e serviços sociais entre as principais conquistas alcançadas nas últimas três décadas. E destaca que a Constituição sul-africana foi a primeira do mundo a proibir a discriminação com base na orientação sexual, e que o país se tornou a quinta nação do mundo – e a primeira da África – a permitir o casamento entre parceiros do mesmo sexo.

Corrupção em níveis altos

Além dessas grandes conquistas, a África do Sul também construiu uma sociedade civil robusta e ativa nos últimos 30 anos, que defende seus direitos com veemência diante das adversidades.

Nos últimos anos, entretanto, essa adversidade parece se originar, em grande parte, nos níveis mais altos do governo. As disputas pelo poder e as denúncias de interesses corruptos dentro do governista ANC fizeram o país retroceder repetidas vezes.

De acordo com Guilengue, o desemprego entre os jovens – que afeta quase a metade dos cidadãos com menos de 34 anos de idade – alimentou ainda mais a sensação de instabilidade social em vários estratos, reforçando os sentimentos xenófobos no país, que resultaram em dezenas de mortes no decorrer dos anos.

Enquanto isso, a maioria dos habitantes da África do Sul agora tem acesso a água corrente e eletricidade em casa. Mas os cortes de energia – consequência de casos de corrupção na operadora estatal Eskom – mantiveram na última década as luzes apagadas para muitos, em todo o país, durante horas por dia.

Nelson Mandela, de punho levantado, com sua então mulher, Winnie
Ícone sul-africano da liberdade Nelson Mandela com sua então esposa, Winnienull epa/picture alliance/dpa

Frustração com políticos

O governista ANC tem sistematicamente perdido confiabilidade ao longo dos anos, devido a todas essas queixas sociais e muito mais. Nas próximas eleições, em maio – nas quais o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, estará concorrendo a um segundo mandato – o partido pode ficar pela primeira vez abaixo de 50% de maioria, forçando-o a entrar em um acordo com um parceiro da oposição.

De acordo com o analista econômico Daniel Silke, há profunda decepção com a aparente incapacidade do principal partido de libertação de gerir o país. Para ele, o ANC parece "incapaz de manter os padrões éticos estabelecidos por Nelson Mandela em particular": "Os esforços para unir o povo numa só nação, que eram realmente palpáveis nos primeiros anos de Mandela, se evaporaram."

Colapso sob Jacob Zuma

A África do Sul entrou em sua crise mais grave nas últimas três décadas sob a liderança do ex-presidente Jacob Zuma, que ficou no cargo de 2009 até a renúncia em 2018.

Durante esse período, Zuma saqueou os cofres do Estado, levando a nação à beira da falência, com a ajuda de sua extensa rede de conexões dentro e fora do ANC.

Sob esse presidente, criou-se o neologismo "tenderpreneurship", que descreve os contratos do governo – tenders – sendo entregues a ávidos empresários que raramente fingiam não ter laços familiares ou de amizade com os detentores do poder.

A África do Sul não se recuperou dessa experiência: "Pelo contrário, o clientelismo e o nepotismo parecem estar agora consagrados na cultura do país", diz Silke. "Há uma grande inquietação entre a população”, e o colapso subsequente da infraestrutura e logística com uma economia estagnada devido a essas transações irregulares é um lembrete diário do declínio daquele que já foi o país industrializado mais rico da África.

Feridas profundas da era do apartheid

Observadores críticos, no entanto, também enfatizam que nem todas as doenças sociais podem ser atribuídas à má administração do país pelo ANC.

Verne Harris, diretor executivo da Fundação Nelson Mandela, se pergunta "por que não fizemos melhor" após o advento da democracia, questionando se três décadas são tempo suficiente para apagar o trauma e o legado dos longos e profundos processos do colonialismo e do apartheid.

"Alguns jovens dizem que Mandela foi um traidor", conta Harris, referindo-se às promessas de uma vida melhor num país unido. "Temos que lidar com esses discursos e repensar algumas das concessões que fizemos."

"Fomos rápidos em acreditar que poderíamos consertar as coisas num curto espaço de tempo. Em alguns casos, isso resultou em soluções rápidas que não nos serviram bem."

Duas pessoas em ambiente a luz de velas
Maioria tem acesso a água corrente e eletricidade, mas muitos no país ainda convivem com cortes diários de energianull Siphiwe Sibeko/REUTERS

Pacificadora internacional

Além de suas muitas questões domésticas, a África do Sul quer se posicionar como defensora contra a opressão em nível global, "especialmente depois de sua experiência de décadas de apartheid", diz Guilengue.

Ela está liderando iniciativas de pacificação, enviando tropas a países da região para reprimir distúrbios e levando casos de alto nível a tribunais internacionais; no fim de dezembro de 2023, a África do Sul acusou Israel de violar tratados internacionais – principalmente a Convenção de Genocídio das Nações Unidas – durante a guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza, defendendo seu caso na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia.

Guilengue acredita que, apesar de seus muitos problemas, a África do Sul fez progressos no cenário da diplomacia global, entendendo que as parcerias tradicionais da África com o Ocidente, construídas com base em séculos de colonialismo, não eram equilibradas, além de não atender aos melhores interesses do país, e portanto precisavam mudar.

"Por esse motivo, a África do Sul está pressionando por reformas no Conselho de Segurança da ONU e é membro do bloco Brics, que afirma lutar por regras justas e parcerias econômicas. Talvez vejamos uma África do Sul mais ativa no futuro, tanto na África quanto no mundo todo", torce o especialista.

Ucrânia aumenta pressão para recrutar homens no exterior

"É bom que eu tenha conseguido meu passaporte em Colônia no ano passado e não precise mais ir ao consulado", diz Oleh, de Kiev, que agora mora na Alemanha com sua esposa e três filhos. Essa foi sua reação ao anúncio do ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, de que os serviços consulares não serão mais prestados integralmente a cidadãos em idade de recrutamento militar que estejam no exterior. A medida é especialmente direcionada àqueles que não se registram numa junta militar.

"Viver no exterior não isenta um cidadão de seus deveres para com seu país de origem", disse o ministro Kuleba nesta semana em uma publicação na rede X, acrescentando que será garantido "tratamento justo aos homens em idade de mobilização na Ucrânia e no exterior".

Como consequência, Kiev parou de emitir passaportes para homens entre 18 e 60 anos que estão no exterior. Isso significa que os homens ucranianos em idade de recrutamento militar só podem obter passaportes no seu próprio país. A única exceção envolve a emissão de carteiras de identidade para facilitar um eventual retorno à Ucrânia.

Penalidades e possíveis ações na Justiça

A medida está prevista no âmbito de uma lei recentemente aprovada na Ucrânia para fortalecer a mobilização e tem como objetivo incentivar os homens a retornarem para fortalecer os contingentes militares do país, debilitados após mais de dois anos de guerra com a Rússia. A lei deve entrar em vigor em 18 de maio.

De acordo com as novas regras, os cidadãos ucranianos do sexo masculino que vivem no exterior também devem se apresentar às Forças Armadas. "Não está claro como isso pode ser feito no exterior e quais documentos devem ser apresentados", diz a advogada Hanna Ishchenko, baseada em Kiev. O governo ainda não determinou como isso será feito.

A única coisa que está clara até agora é que a lei se aplica a todos os cidadãos do sexo masculino, sem exceção – tanto para aqueles que deixaram a Ucrânia após a invasão russa em 2022 quanto para os que viveram a maior parte de suas vidas no exterior.

Soldados ucranianos conversam dentro de uma trincheira
Soldados ucranianos em treinamento. Kiev tenta recrutar mais homensnull Oleksandr Ratushniak/REUTERS

As novas disposições estipulam que os cidadãos ucranianos só poderão utilizar os serviços consulares no exterior depois que for esclarecido se eles se registraram no Exército. Se esse não for o caso, eles poderão ser multados em 510 a 850 grívnias (a moeda ucraniana, equivalente a R$ 66 e R$ 110), além de terem serviços consulares negados. Reincidência pode render uma multa de 1.700 grívnias (aproximadamente R$ 220).

A advogada Ishchenko prevê que isso vai provocar ações judiciais contra as autoridades. Os tribunais ainda precisam esclarecer se as decisões estão de acordo com o princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei. "Deve haver uma compatibilidade entre as consequências para os cidadãos e os objetivos que as regras pretendem alcançar", avalia. Segundo Ishchenko, as novas medidas tomadas pelo Estado não estão de acordo com o princípio da proporcionalidade, apesar da situação de guerra.

Já Oleksandr Pavlichenko, da ONG União Ucraniana de Helsinque para os Direitos Humanos, avalia que as medidas são discriminatórias. Ele teme que as autoridades ucranianas possam no futuro se recusar a ajudar as pessoas em questão, mesmo em situações de emergência.

Como consequência, essas pessoas podem acabar buscando obter outra cidadania, seja por meio de status de refugiado ou de outros procedimentos – tudo para se livrar da cidadania ucraniana, que acabaria sendo "inconveniente" para elas. Pavlichenko também espera que os ucranianos entrem com ações na Justiça contra as novas regras, com base na Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Esperança de permanecer na Alemanha

Oleg não quer se alistar nas Forças Armadas. Ele tem medo de ser enviado para o front, embora esteja isento do serviço obrigatório de acordo com as normas atuais, pois é pai de família. "Não vou deixar minha esposa e meus três filhos sozinhos", diz.

Bohdan, que também não quer revelar seu sobrenome, deixou a Ucrânia ilegalmente, desviando dos controles de fronteira. Ele chegou à Alemanha, onde conta com status de proteção temporária, por meio de uma rota que começou na Moldávia. Bohdan não quer voltar em hipótese alguma, afirmando que se sente em casa na Alemanha e está aprendendo alemão.

Outras medidas punitivas contra homens que não se apresentaram ao Exército até agora não conseguiram persuadir aqueles que deliberadamente deixaram a Ucrânia durante a guerra a voltar para casa, diz Bohdan. "Quando eu solicitar um novo passaporte em 2032, espero já ter uma cidadania diferente, talvez alemã", diz ele.

Mulheres ucranianas de diferentes idades inspecionam livros escolares
No início da guerra, mulheres ucranianas lideravam isoladamente a busca por asilo na Alemanha; agora, a proporção de homens é praticamente igualnull Waltraud Grubitzsch/picture alliance/dpa

Quando questionado sobre o que ele faria se precisasse inesperadamente dos serviços de um consulado ucraniano, Bohdan diz: "Nada, absolutamente nada." "Tenho quase 90% de certeza de que a Alemanha providenciará para que possamos obter todos os documentos necessários aqui sem precisar dos ucranianos", emenda.

Maximilian Kall, porta-voz do Ministério do Interior da Alemanha, disse em uma coletiva de imprensa na quarta-feira (24/04) encarar a nova abordagem de Kiev "como uma questão consular que está exclusivamente nas mãos das autoridades ucranianas”. Kall enfatizou que isso não deve afetar o status de proteção dos refugiados da Ucrânia, "independentemente de serem homens ou mulheres".

As mulheres que retornam à Ucrânia

De acordo com o Departamento Federal de Estatística alemão, um número similar de mulheres (5.772) e homens (5.597) ucranianos com idade entre 18 e 60 anos buscou asilo na Alemanha em fevereiro de 2024. Dois anos atrás, dois terços dos refugiados de guerra eram mulheres, sendo que crianças constituíam a segunda maior categoria.

Por outro lado, 39% das pessoas que retornaram recentemente da Alemanha para a Ucrânia eram mulheres em idade produtiva. Já a proporção de homens em idade de alistamento militar que deixaram a Alemanha foi menor, de 23%.

 

Como a guerra afeta o desenvolvimento das crianças

A violência ao redor do mundo chegou a patamares que não se viam há pelo menos 30 anos. Além das guerras na Ucrânia e entre Israel e o Hamas, no Oriente Médio, existem ao menos outros 110 conflitos armados acontecendo na África, na Ásia, na América Latina e na Europa.

Muitas dessas guerras estão sendo travadas em cidades e áreas civis densamente habitadas. Como consequência, ataques com mísseis e drones têm afetado civis, escolas, hospitais e abrigos.

Autoridades alertam que hoje, mais do que nunca na história moderna do planeta, as maiores vítimas dessas disputas geopolíticas são crianças. O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, disse diversas vezes que elas estão carregando o peso dos conflitos modernos de forma "desproporcional".

Parte desse fardo é físico: muitas crianças vivendo em zonas de guerra são recrutadas para o combate; outras são abusadas sexualmente por agressores armados. Mas independente de terem ou não sua integridade física violada, crianças em áreas de conflito armado passam por um sofrimento psicológico profundo.

Crianças em cidades ucranianas na linha de frente da guerra, por exemplo, passaram entre 3 mil e 5 mil horas de suas vidas – o equivalente a entre quatro e sete meses – em abrigos subterrâneos desde o início da invasão russa, dois anos atrás.

"A mistura de medo, luto e separação de entes queridos está tendo um impacto tremendo em crianças à medida que a guerra se arrasta ", afirma Leah James, especialista em apoio à saúde mental do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Segundo ela, 40% dessas crianças não estão tendo aulas presenciais.

O resultado disso tudo é que milhões de pessoas devem sofrer futuramente com níveis desproporcionalmente altos de problemas de saúde mental e psiquiátrica, alertam especialistas.

Crianças em um abrigo antiaéreo na Ucrânia
Crianças e adolescentes em um abrigo antiaéreo na Ucrânia: em dois anos de guerra, eles passaram entre quatro e sete meses de suas vidas em um lugar desses, segundo a Unicefnull Dominika Zarzycka/NurPhoto/picture alliance

Impactos no desenvolvimento e maior propensão a doenças

Na Ucrânia, assistentes psicossociais temem que a longa duração da guerra possa estar provocando atrasos severos no desenvolvimento das crianças.

Segundo Christoph Anacker, neurocientista da Universidade de Columbia nos Estados Unidos, isso é algo confirmado pela ciência. "Estressores na primeira infância podem causar anomalias específicas no desenvolvimento e na função dos circuitos neurais na vida adulta, principalmente aqueles envolvidos na resposta ao estresse."

Anacker explica que o trauma nessa fase inicial da vida altera as respostas ao estresse e ao medo no cérebro, "ensinando-o" a ser mais suscetível ao estresse na vida adulta. Daí o motivo de os hormônios do estresse serem muitas vezes liberados mais frequentemente nas pessoas que passaram por adversidades na infância.

Além disso, o neurocientista diz que crianças com esse perfil têm um risco maior de sofrerem mais tarde com transtornos de ansiedade, depressão e doença de Alzheimer.

E embora tanto adultos quanto crianças que vivenciam uma guerra possam sofrer de transtorno do estresse pós-traumático, Anacker pondera que o cérebro adulto é muito mais resiliente porque é menos "plástico" – ou seja, não tende a sofrer grandes alterações.

Danos são de difícil reversão

Durante a infância, o cérebro passa pelo que especialistas chamam de "períodos sensíveis" do desenvolvimento. Se uma criança é hiperestimulada por causa de um luto ou da ansiedade de estar sob um bombardeio, ou se é privada de estímulos sociais e emocionais durante esses períodos, como acontece quando são separadas da família, por exemplo, Anacker diz que isso pode levar a uma reconfiguração do cérebro.

O dano que isso causa é irreparável, afirma Anacker. "Não há maneiras eficazes de reverter os efeitos do trauma infantil em adultos."

Daí a importância, segundo o neurocientista, de minimizar a exposição de crianças a fatores estressores durante os períodos sensíveis de desenvolvimento.

James, da Unicef, afirma que o órgão tem trabalhado para reduzir os efeitos de longo prazo dos estressores na primeira infância em crianças na Ucrânia.

"Algumas das intervenções que realizamos são simples: garantir que as crianças tenham um espaço seguro para brincar e se conectar com outros, ensinar habilidades básicas para lidar com o luto e a separação", lista James. "Mas grande parte consiste em apoiar os cuidadores para que possam ser modelos positivos para as crianças. Cuidar de alguém em tempos de guerra é incrivelmente difícil. Aliviar o estresse deles também impacta seus filhos."

Três crianças na entrada de um abrigo improvisado com lonas e cobertores
Crianças em abrigo improvisado na Faixa de Gaza: efeitos da guerra Israel-Hamas ainda não são inteiramente conhecidosnull Mohammed Abed/AFP

Porta-voz da Unicef, Joe English ressalta, porém, que crianças em conflitos em outras regiões não têm tido o mesmo apoio.

"Diante da escala das necessidades em conflitos ao redor do mundo e do subfinanciamento crítico e crônico de questões humanitárias em geral e proteção infantil mais especificamente, muitas crianças não conseguem obter o apoio de que podem estar precisando", afirma English.

Enquanto há maior disponibilidade de dados sobre crianças e famílias ucranianas, a extensão do problema em outras zonas de guerra no mundo, inclusive em Gaza, Iêmen e Sudão, ainda é desconhecida devido à falta de dados confiáveis.

Protestos pró-palestinos se espalham por universidades dos EUA

O gramado no centro do campus de Manhattan da Universidade de Columbia é um lugar onde, normalmente, os alunos se reúnem para estudar sob o sol ou antes de irem a bares do bairro de Morningside Heights. Nos últimos dias, porém, o local se tornou o ponto de encontro de manifestantes pró-palestinos, em meio a uma controvérsia que se espalhou do Oriente Médio a Nova York e nas universidades ao longo dos Estados Unidos.

Em 18 de abril, a presidente da Universidade de Columbia, Nemat Minouche Shafik, acionou o Departamento de Polícia de Nova York para intervir no protesto. A tropa de choque prendeu mais de 100 estudantes que haviam montado barracas no gramado e protestavam contra as operações militares de Israel na Faixa de Gaza.

"Adotei essa medida extraordinária porque estas são circunstâncias extraordinárias", escreveu Shafik em um e-mail ao campus na tarde daquela quinta-feira, afirmando que lamentava profundamente a decisão.

Os alunos presos acabaram também sendo suspensos pela universidade. Mesmo assim, não tardou para que novas barracas surgissem no gramado central.

Solidariedade dos professores

Nesta segunda-feira (22/02), centenas de membros do corpo docente da instituição fizeram uma paralisação em solidariedade aos alunos e criticaram a administração da Columbia. A universidade anunciou que as aulas seriam realizadas de maneira remota na segunda-feira e, mais tarde, informou que elas ocorreriam em um modelo híbrido pelo restante do ano letivo. 

Os estudantes protestam contra os ataques das Forças de Defesa Israelenses (IDF) na Faixa de Gaza, iniciados em resposta aos atentados terroristas do grupo radical islâmico Hamas, em 7 de outubro de 2023, que deixaram 1.200 mortos – outras cerca de 240 foram sequestradas.

Desde o início da ofensiva israelense na Faixa de Gaza, mais de 34 mil pessoas morreram no enclave palestino, segundo o Ministério da Saúde local, administrado pelo Hamas. A situação humanitária no território é descrita por organismos internacionais como catastrófica, em meio à escassez de alimentos, água potável e medicamentos.

"Exigimos que nossas vozes contra a matança em massa de palestinos em Gaza sejam ouvidas", diz uma nota divulgada no Instagram, nesta segunda-feira, pela coalizão de grupos estudantis pró-palestinos Apartheid Divest, formada por alunos da Universidade de Columbia. "Nossa universidade é cúmplice dessa violência, e é por isso que protestamos."

Protestos também em Yale, NYU e outras

Recentemente, os protestos estudantis pró-palestinos se espalharam da Columbia para outras instituições. Na Universidade de Nova York (NYU), a uma curta viagem de metrô da Columbia, um acampamento de estudantes reuniu centenas de manifestantes na segunda-feira.

Depois de a administração da universidade pedir que as pessoas deixassem o local e alegar que a situação se tornara caótica, a polícia foi chamada e vários estudantes acabaram presos.

Harvard Yard, uma área central da universidade de Harvard nos arredores de Boston, foi fechado ao público na segunda-feira. Estruturas como barracas e mesas somente podiam ser montadas no local mediante autorização.

Vista aérea do protesto na Universidade de Columbia, onde podem ser observadas muitas barracas azuis e muitas pessoas
Barracas foram armadas em um jardim da Universidade de Columbia, em Nova Yorknull Lokman Vural Elibol/Anadolu/picture alliance

Na Universidade de Yale, em Connecticut, policiais prenderam cerca de 45 manifestantes e os acusaram de invasão de propriedade. Todos foram liberados na condição de comparecerem ao tribunal futuramente.

Nos campi universitários, os manifestantes pedem que suas universidades apoiem um cessar-fogo em Gaza e se afastem de empresas que tenham associação com Israel.

Acusações de antissemitismo

Houve também acusações de antissemitismo contra os manifestantes. A administração da NYU, afirmou ter ouvido "cantos intimidadores e vários incidentes antissemitas" nos protestos em seu campus.

Shafik relatou que abusos antissemitas ocorreram recentemente no campus da Columbia. "O volume de nossas discordâncias somente aumentou nos últimos dias", disse a presidente da universidade. "Essas tensões são exploradas e amplificadas por indivíduos que não têm afiliação com a Columbia e que foram ao campus para defender seus próprios interesses."

A coalizão de grupos estudantis que organiza os protestos na Columbia rejeitou as acusações de antissemitismo contra os protestos de maneira integral, dizendo que alguns poucos indivíduos tentaram distorcer a causa e se comportaram de maneira inaceitável.

Mão levanta um cartaz que diz, em inglês: "solidariedade palestina não é antissemitismo"
Cartaz com dizeres "solidariedade palestina não é antissemitismo"null Fatih Aktas/AA/picture alliance

"Rejeitamos categoricamente qualquer forma de ódio e intolerância e permanecemos vigilantes contra tentativas de não-estudantes de perturbar a solidariedade forjada entre os estudantes – colegas palestinos, muçulmanos, árabes, judeus, afrodescendentes e pró-palestinos que representam a total diversidade de nosso país", disse o grupo em declaração postada em seu perfil no Instagram.

Jovens criticam política dos EUA para Israel

Os protestos deixam claro que muitos jovens americanos estão descontentes com a política do presidente dos EUA, Joe Biden, sobre Israel. Historicamente, Washington é o maior aliado de Tel Aviv e seu maior apoiador no atual conflito contra o Hamas.

Logo no início das operações militares em Gaza, Biden deu ênfase à forte aliança entre os dois países. Mas, à medida que mais e mais civis em Gaza foram mortos, cada vez mais pessoas no espectro liberal da sociedade americana – especialmente os eleitores mais jovens – passaram a expressar seu descontentamento com o uso do dinheiro dos contribuintes para financiar Israel. Eles exigem que Biden apele por um cessar-fogo imediato e o fim da ajuda ao governo israelense.

O posicionamento adotado pelos EUA tem, de fato, influência sobre as ações de Israel. Após uma série de bombardeios israelenses matarem funcionários de entidades de ajuda humanitária, Biden lançou um ultimato dizendo que os EUA iriam modificar sua política de apoio caso Tel Aviv não levasse em conta o sofrimento de civis em Gaza e a segurança dos trabalhadores. A declaração fez com que Israel logo anunciasse medidas para aumentar o fluxo de ajuda à população da Faixa de Gaza.

Há 50 anos, Revolução dos Cravos impulsionava independência das colônias africanas de Portugal

A Revolução dos Cravos, liderada por um movimento militar de esquerda, o Movimento das Forças Armadas, e apoiada pela maioria da população de Portugal, foi um ponto de virada em muitos aspectos. Ela não só pôs fim à ditadura de quase 50 anos dos governantes Salazar e Caetano, como também abriu caminho para o fim das guerras coloniais portuguesas e a independência de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Em 2024, esses cinco países africanos estão olhando com especial interesse para Lisboa, onde o 50º aniversário da Revolução dos Cravos será comemorado de forma conjunta nesta quinta-feira (25/04).

Em Angola, revolução tornou negociações possíveis

"Em Angola, a Revolução dos Cravos evoca sentimentos positivos", diz o analista Nkikinamo Tussamba, que nasceu 13 anos depois na província do Zaire, no norte de Angola. Ele avalia que a revolução portuguesa teve uma influência decisiva no processo de independência do país. "Graças a ela, a independência do nosso país foi proclamada apenas um ano e meio depois, em 11 de novembro de 1975."

O que está por trás da xenofobia em Portugal?

De fato, com a mudança de regime em Lisboa, negociações diretas entre o governo português e os movimentos de independência em Angola foram iniciadas. Em janeiro de 1975, o governo português assinou acordos de independência com as três organizações de libertação angolanas – MPLA, Unita e FNLA – na cidade de Alvor, no sul de Portugal.

Em Moçambique, acordo com Portugal logo após a revolução

O 25 de abril também foi um marco para Moçambique, confirma o jornalista moçambicano Fernando Lima. "A Revolução dos Cravos foi decisiva para que a frente de libertação Frelimo assinasse um acordo de independência com Portugal em Lusaka, em setembro de 1974", diz.

Nascido em Moçambique, filho de colonos portugueses, Lima decidiu-se pela cidadania moçambicana após a independência, ou seja, por permanecer "como um africano na África".

O caso do professor de relações internacionais e geopolítica Fernando Cardoso, da Universidade Autônoma de Lisboa, é diferente: ele também cresceu em Moçambique durante o período colonial, mas mudou-se para Lisboa com seus pais logo após a independência. Já adulto, viajou para Moçambique, Angola e Cabo Verde como professor e chefe de vários projetos de pesquisa.

Aumento da pressão sobre Portugal

Para Cardoso, a Revolução dos Cravos "sem dúvida" acelerou a descolonização, mas ele avalia que a independência das colônias portuguesas teria se concretizado mais cedo ou mais tarde, mesmo sem a revolução em Portugal. Na década de 1970, o império colonial português era visto internacionalmente como um "grande anacronismo".

Naquela época, a comunidade internacional exercia enorme pressão diplomática sobre Portugal, a "primeira e última potência colonial na África": praticamente toda a ONU havia solicitado a Portugal, em várias resoluções, que concedesse a independência a suas colônias, lembra o cientista político.

António de Oliveira Salazar
Revolução militar de abril de 1974 encerrou a ditadura criada por António Salazarnull CPA Media Co. Ltd/picture alliance

A pressão militar sobre Portugal também aumentou: em Angola, as organizações de libertação MPLA, Unita e FNLA receberam suprimentos cada vez maiores de armas e treinamento militar da União Soviética e de outros países do bloco comunista, bem como da China. Isso permitiu que elas exercessem pressão sobre o poder colonial, principalmente nas áreas rurais.

Em Moçambique, os combatentes do movimento de libertação Frelimo avançavam cada vez mais do norte em direção ao centro do país. Era apenas uma questão de tempo até que o exército colonial português perdesse o controle de grandes áreas do país.

Na opinião de Cardoso, não está totalmente claro o que teria acontecido em São Tomé e Príncipe e nas ilhas de Cabo Verde se não houvesse a Revolução dos Cravos. "Não houve movimentos de libertação armados em nenhum dos arquipélagos, mas havia vozes elevadas pedindo autonomia abrangente ou até mesmo independência completa para as ilhas."

Independência já estava avançada na Guiné-Bissau

Era na Guiné-Bissau que o processo de independência estava mais avançado. Nesse país da África Ocidental, o movimento liderado por Amílcar Cabral já havia declarado unilateralmente a independência de Portugal em 25 de setembro de 1973, exatamente sete meses antes da Revolução dos Cravos.

Quando a ditadura portuguesa e com ela o regime colonial entraram em colapso, a Guiné-Bissau já havia sido reconhecida como um Estado independente por 34 países-membros da ONU. Militarmente, o Exército português já havia perdido o controle de grande parte do país há muito tempo.

"Nós, guineenses, não queremos ser imodestos, mas ouso dizer que fizemos uma contribuição não desprezível para o sucesso da Revolução dos Cravos", diz a ex-ministra da Justiça da Guiné-Bissau Carmelita Pires, em entrevista à DW. "Por meio de nossa bem-sucedida guerra de libertação, apoiamos indiretamente as demandas do povo português pelo fim da era colonial e da guerra e pela liberdade."

"Ao mesmo tempo, ajudamos a garantir que os outros países colonizados pelos portugueses seguissem nosso exemplo. Naquela época, éramos verdadeiros modelos para nossos países irmãos, que também estavam lutando contra o colonialismo", acrescenta.

Relações após a independência

Nos primeiros anos após a independência, as relações entre os novos países e a antiga potência colonial eram consideradas difíceis. Ideologicamente, eles seguiram caminhos diferentes: enquanto Portugal se voltava para a União Europeia, os cinco estados africanos embarcaram no caminho do socialismo e estabeleceram sistemas marxistas de partido único com a ajuda do bloco oriental.

No início, esses novos regimes acusaram repetidamente Lisboa de hospedar e apoiar diplomaticamente representantes de organizações rebeldes, especialmente a Renamo, de Moçambique, e a Unita, de Angola, que lutavam contra os regimes marxistas em seus países.

Mas a discórdia entre Portugal e as antigas colônias não durou muito. Portugal conseguiu estabelecer uma cooperação estreita com os demais países lusófonos muito rapidamente. Todas as ex-colônias adotaram o português como língua oficial e, para muitos jovens e empresários africanos, Portugal se tornou a porta de entrada mais importante para a Europa.

Todas as antigas colônias africanas estão intimamente ligadas a Portugal do ponto de vista econômico e, em 1996, foi fundada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que compreende todos os nove países do mundo nos quais o português é uma língua oficial.

Alemanha vê aumento de espionagem chinesa e russa

A assessoria de imprensa do Ministério Público Federal da Alemanha está muito ocupada ultimamente. "Prisão por suspeita de atuação como agente de serviço secreto" apontou o título de um comunicado à imprensa divulgado nesta terça-feira (23/04).

Era exatamente o mesmo título usado em um comunicado divulgado no dia anterior. Em ambos os casos, os quatro suspeitos envolvidos - três homens e uma mulher - foram acusados de espionar para a China. Um dos casos chamou a atenção por envolver um assessor de um eurodeputado de ultradireita.

Em 18 de abril, já havia sido a vez de as autoridades alemãs anunciarem a prisão de dois homens, acusados de planejarem ataques a alvos militares na Alemanha a serviço da Rússia. Neste caso, a ação foi anunciada com o título "Prisões por atividades de agente de inteligência e associação à organização terrorista estrangeira ‘República Popular de Donetsk'", em referência ao estado fantoche criado pela Rússia no leste da Ucrânia em 2014 e que foi ilegalmente anexado por Moscou.

Revelações não são uma surpresa

As prisões geraram forte repercussão no meio político e na mídia da Alemanha. "Precisamos finalmente encarar que essa é uma ameaça muito séria e muito real à nossa segurança", disse o deputado federal Konstantin von Notz, do Partido Verde, e que chefia a Comissão Parlamentar de Controle dos Serviços de Inteligência. "Devemos agir de forma rápida e decisiva, tanto nos procedimentos judiciais quanto na descoberta das estruturas e redes."

Thomas Haldenwang, presidente do Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV) - principal agência de inteligência interna da Alemanha, disse em entrevista à DW que isso já está sendo feito: "Nós iniciamos essas investigações - e, quando as evidências ficaram claras, pudemos entregar os casos à polícia e ao Ministério Público".

As recentes revelações sobre espionagem estrangeira na Alemanha não surpreenderam o chefe do BfV. Sua agência já havia alertado em um relatório publicado em 2023 do que a China era capaz. "As ambições globais da China estão sendo perseguidas para obter cada vez mais poder, e é de se esperar que ela intensifique ainda mais suas atividades de espionagem, bem como busque influenciar atores estatais", dizia o documento.

Haldenwang também havia falado sobre a ameaça potencial em um simpósio organizado pelo BfV em Berlim, que ocorreu no dia da prisão de três suspeitos de espionagem. Na ocasião, respondendo a uma pergunta da DW sobre a estratégia de espionagem do país, ele disse: "A China quer ser a potência política, militar e econômica número um do mundo até 2049 - esse objetivo está sendo perseguido continuamente - por meios legais, mas também por meios ilegais".

Alvos: universidades e empresas

A presença de estudantes chineses em universidades alemãs é também um campo fértil para a espionagem. "Essas pessoas são obrigadas a passar informações para o Estado", aponta Haldenwang. A ministra alemã de Educação e Pesquisa, Bettina Stark-Watzinger, também leva a sério esse alerta: "Não devemos ser ingênuos em nossas relações com a China", diz a política liberal, que aponta ainda que é necessária uma „avaliação ainda mais crítica dos riscos e benefícios da cooperação, especialmente na ciência e nas universidades".

Essa também é a opinião do BfV ao analisar a cooperação econômica com a China. A formação de joint ventures e investimento direto chinês na Alemanha têm como consequência a vinda de executivos e outros funcionários da China à Alemanha, aponta Haldenwang, do BfV, que identifica nisso uma porta de entrada potencial para a espionagem: "Os segredos comerciais também podem chegar à China".

 Thomas Haldenwang e a ministra Nancy Faeser
Thomas Haldenwang e a ministra Nancy Faeser null Christoph Soeder/dpa/picture alliance

Um espião no gabinete de um político da AfD?

A prisão de um suspeito de atuar como agente chinês nesta terça-feira, no entanto, envolveu diretamente o campo da política alemã, e não o da ciência ou dos negócios. Jian G. era um colaborador próximo do eurodeputado Maximilian Krah, um membro do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD).

A AfD, que no momento está sendo monitorada em todo o país pelo Departamento Federal para a Proteção da Constituição por suspeita de extremismo, também é rotineiramente de manter laços estreitos com a Rússia.

Entretanto, de acordo com as descobertas dos serviços de inteligência, os motivos da Rússia para espionar a Alemanha são diferentes dos da China. "Devido à guerra conduzida pela Rússia, seria negligente não presumir a capacidade e a disposição de seus serviços de inteligência para conduzir operações complexas na Europa", apontou Haldenwang. No ano passado, serviços de inteligência alemães já haviam revelado outros suspeitos de espionarem para Russia.

O chefe da inteligência doméstica prevê que a espionagem russa continue a aumentar e que ocorram novas tentativas de recrutamento na Alemanha. Logo após o início da guerra da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, a Alemanha expulsou cerca de 40 agentes suspeitos que atuavam na embaixada russa em Berlim.

Desde então, surgiram relatos de tentativas de Moscou de recrutar russos que vivem na Alemanha. "Mas, até agora, essa comunidade tem se mostrado muito resistente", diz Haldenwang. Entretanto, há também casos isolados de pessoas desse círculo que são altamente simpáticas a Putin e à Rússia. "Nesse sentido, pode haver uma reserva de pessoas disponíveis aqui que também estão preparadas para agir em prol dos interesses da Rússia."

Ministra do Interior elogia autoridades de segurança

Após a prisão sem precedentes de seis suspeitos de espionagem em seis dias, a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, fez um balanço positivo: "Nossas autoridades de segurança, sobretudo o Departamento Federal de Proteção à Constituição, reforçaram enormemente as medidas de combate à espionagem. É assim que nos protegemos contra as ameaças híbridas do regime russo, mas também contra a espionagem da China. Os sucessos investigativos atuais demonstram isso".

 

Netzah Yehuda: o batalhão militar de Israel que pode acabar sancionado pelos EUA

Um batalhão das Forças de Defesa de Israel (FDI) pode ser alvo, pela primeira vez na história, de sanções dos Estados Unidos. Segundo noticiado pela imprensa internacional, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, deve anunciar a medida nos próximos dias.

A unidade Netzah Yehuda (Judeia para Sempre, em tradução livre) é suspeita de violar direitos humanos de civis palestinos na Cisjordânia.

Segundo informações da agência de notícias AP, outros quatro batalhões estão sob investigação dos americanos pelo mesmo motivo.

Com as sanções, o Netzah Yehuda, também conhecido como Nahal Haredi, ficaria proibido de receber ajuda militar dos EUA e teria acesso reduzido à formação militar bancada pelos americanos.

O governo israelense anunciou que tomará providências contra as sanções, se elas de fato vierem.

Quem são os soldados do Netzah Yehuda

O batalhão foi criado em 1999 como unidade militar especial para judeus ultraortodoxos, os Haredim. Diferentemente de outros grupos em Israel, eles são isentos do serviço militar obrigatório por razões religiosas – uma medida considerada discriminatória pelo Supremo Tribunal de Israel, e contra a qual a sociedade israelense cada vez mais tem se insurgido. Mas o Knesset, Parlamento israelense, tem ignorado o assunto até agora.

Desde o início da guerra entre Israel e o grupo islamista palestino Hamas, em 7 de outubro do ano passado, milhares de Haredim se alistaram voluntariamente para o combate.

No Netzah Yehuda, os soldados têm tempo para orações e estudos religiosos, recebem comida kosher – isto é, comida preparada segundo as leis judaicas de alimentação – e têm menor contato com soldadas mulheres.

A unidade faz parte da brigada de infantaria Kfir, que tem cerca de mil homens. O batalhão, porém, não é amplamente aceito entre os ultraortodoxos, que rejeitam a obrigatoriedade do serviço militar.

Soldados fazendo orações em um campo. Alguns têm um xale sobre as cabeças e um livro aberto entre as mãos
Soldados do batalhão Netzah Yehuda durante uma pausa para orações: rotina é diferente da das demais unidades das Forças de Defesa de Israelnull Menahem Kanaha/AFP/Getty Images

Elos com a ultradireita

O Netzah Yehuda abriga em suas fileiras tanto israelenses ultraortodoxos quanto religiosos nacionalistas – alguns deles são colonos radicais que vivem na Cisjordânia ocupada, ligados aos partidos de dois líderes da ultradireita com altos cargos no governo de Benjamin Netanyahu: os ministros Bezalel Smotrich (Finanças) e Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional).

Ainda segundo o portal de notícias americano Axios, o batalhão também tem recebido cada vez mais apoiadores da Hilltop Youth (Juventude do Topo da Colina, em tradução livre), espécie de ala jovem dos colonos de tendência radical e violenta, e que foi sancionada na semana passada pela União Europeia por causa de ataques a palestinos.

Originalmente, o Netzah Yehuda estava estacionado na Cisjordânia, mas foi transferido para o norte de Israel no final de 2022 e tem atuado também dentro da Faixa de Gaza desde o início da guerra.

As acusações contra o Netzah Yehuda

Segundo o jornal israelense Times of Israel, o batalhão é suspeito de extremismo e de praticar atos de violência contra palestinos. O próprio governo americano já estaria monitorando a unidade desde 2022 pelo mesmo motivo, conforme o portal de notícias Axios.

Uma das denúncias contra o grupo publicada pela imprensa é o caso de um idoso de 78 anos que teria morrido em decorrência de um infarto sofrido após o grupo tê-lo amordaçado e algemado por horas. As FDI se referiram ao caso na época como "falha moral", atribuindo-o a uma decisão ruim dos soldados, e reagiram destituindo dois oficiais de seus cargos e advertindo um terceiro. Ninguém, porém, foi responsabilizado criminalmente pelo episódio.

O caso recebeu especial destaque na imprensa porque, além de idosa, a vítima tinha dupla cidadania e a diplomacia americana pressionou por uma investigação.

Ativistas dos direitos humanos, porém, citam outros casos de maus-tratos e tortura contra palestinos.

Como Israel reagiu

O governo israelense reagiu com indignação às notícias de um possível sancionamento de um dos batalhões das FDI. "Eu defenderei firmemente as FDI, nosso Exército e nossos combatentes. Se alguém pensa que pode impor sanções a uma unidade das FDI – eu vou lutar contra isso com todos os meus poderes", afirmou na noite de domingo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu via X (antigo Twitter). "Em uma época em que nossos soldados combatem o monstro do terror, a pretensão de sancionar uma unidade das FDI é o cúmulo do absurdo e um ponto moral baixo."

As FDI, por sua vez, disseram desconhecer quaisquer sanções contra suas unidades. "Se uma decisão nesse sentido for tomada, iremos analisá-la."

Na segunda-feira (22/04), veículos israelenses noticiaram uma visita do ministro da Defesa Yoav Gallant às tropas do Netzah Yehuda. "Ninguém no mundo pode nos ensinar sobre moral e valores", disse Gallant aos soldados. "O aparato de segurança apoia vocês."

As sanções contra militares seriam uma medida excepcional e inédita. Os Estados Unidos já impuseram, porém, sanções a outros grupos no país: colonos extremistas, duas organizações que os financiam e um aliado do ministro Ben-Gvir, Ben-Zion Gopstein. As sanções levaram ao congelamento de bens alocados nos Estados Unidos, e impedem empresas e pessoas no país de fazerem negócios com os sancionados.

Atividades nucleares do Irã "causam preocupação", diz AIEA

O Irã está "a semanas, mais do que a meses" de ter suficiente urânio enriquecido para desenvolver uma bomba nuclear, afirmou o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, em entrevista à DW, ressalvando: "Mas isso não significa que o Irã tem ou teria uma arma nuclear nesse prazo."

Portanto, embora suficiente enriquecimento de urânio em grau quase armamentista seja causa para alarme, não se pode tirar conclusões diretas, já que "uma ogiva nuclear funcional exige muitas outras coisas, independente da produção de material físsil suficiente".

Para além disso, os objetivos de Teerã são "uma questão de especulação". A versão oficial é que haveria necessidade desse material radioativo para propósitos médicos ou civis.

Rafael Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)
Diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, desejaria mais transparência por parte de Teerãnull Leonhard Foeger/REUTERS

Segundo Grossi, a AIEA não está recebendo do Irã o acesso devido, o que contribui para as especulações sobre o programa nuclear do país. "Tenho repetido às minhas contrapartes iranianas [...] essa atividade faz franzir testas, reforçado pelo fato de que não estamos obtendo o grau de acesso e visibilidade que eu acredito seria necessário. Juntando isso tudo, é claro que se acaba com um monte de pontos de interrogação."

Ameaças nucleares são "deploráveis" e "tabu"

O diretor-geral citou descobertas não esclarecidas, feitas por sua agência, como traços de urânio enriquecido em locações inesperadas, agravando as dúvidas quanto à transparência iraniana: "Isso está no centro desse diálogo que eu tenho tentado e ainda tento conduzir com o Irã."

Abordando as tensões crescentes entre o país muçulmano e Israel, Grossi condenou qualquer intenção de atacar instalações nucelares, que classificou como "tabu absoluto". Ele considera preocupante a tendência a lançar ameaças de ataque ou armas nucleares: "Acho que essa normalização do discurso sobre as armas nucleares, de lançá-las, obtê-las, é absolutamente deplorável."

Referindo-se às notícias sobre conversas entre os Estados Unidos e o Irã, ele assegurou que sua agência sempre procura promover o diálogo: "E estou interessado é no diálogo entre nós, a AIEA e o Irã, porque há muitas coisas a serem esclarecidas, e para tal vamos viajar em breve para Teerã."

Gastos militares globais atingem novo recorde em 2023

Os gastos militares globais em 2023 tiveram seu maior aumento percentual desde 2009, de 6,8%, chegando ao valor recorde de 2,4 trilhões de dólares, devido aos conflitos em andamento, segundo um relatório publicado nesta segunda-feira (22/04) pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri).

Os gastos aumentaram em todo o mundo, mas os aumentos são mais notáveis na Europa, no Oriente Médio e na Ásia, de acordo com os autores do relatório. "Os gastos militares globais atingiram o pico e, pela primeira vez desde 2009, aumentaram em todos os cinco continentes", disse à agência de notícias AFP o pesquisador do Sipri Nan Tian.

Diante do atual cenário internacional de guerras, não chega a ser uma surpresa que os líderes em gastos militares – os EUA, a China e a Rússia – os tenham aumentado ainda mais.

Mas o que nem mesmo os pesquisadores do Sipri esperavam era que o maior aumento percentual de 2023 (de 105%) fosse num país como a República Democrática do Congo, com um conflito prolongado entre o governo e grupos armados não estatais. "O que nos surpreendeu foi o tamanho do aumento no resto do mundo, especialmente na América Latina e na África", disse o pesquisador do Sipri Xiao Liang à DW.

No México e em El Salvador, por exemplo, os governos estão usando as forças armadas para combater o crime organizado e a violência de gangues, e há tendências preocupantes semelhantes no Equador e no Brasil. Os gastos militares no Brasil aumentaram 3,1%, chegando a 22,9 bilhões de dólares.

"Portanto, o aumento em si não é muito surpreendente, mas a escala e a amplitude são. E, no que diz respeito à tendência global, provavelmente veremos um aumento ainda maior nos próximos anos se os conflitos e as tensões atuais continuarem", disse Xiao Liang.

Guerra na Ucrânia

O principal conflito a impulsionar o aumento de gastos militares continua sendo a guerra na Ucrânia após a invasão russa. Ela levou a um aumento dos gastos na Ucrânia, na Rússia e em vários países europeus. Na Rússia, a alta foi de 24%, chegando a 109 bilhões de dólares, de acordo com as estimativas do Sipri.

Já a Ucrânia elevou seus gastos militares em 51%, chegando a 64,8 bilhões de dólares, e o país ainda recebeu 35 bilhões de dólares em ajuda, principalmente dos Estados Unidos.

Embora os orçamentos militares dos dois países beligerantes sejam semelhantes, eles representam 37% do Produto Interno Bruto (PIB) da Ucrânia, de acordo com o relatório, e 5,9% do PIB da Rússia (o nível mais alto desde o fim da União Soviética).

Do ponto de vista econômico, a guerra é, portanto, um fardo muito maior para a Ucrânia do que para a Rússia. "A margem de manobra da Ucrânia para aumentar seus gastos é agora muito limitada", disse Nan Tian.

"Todos os membros da Otan, com exceção de três, aumentaram seus gastos. Além disso, 11 dos 31 membros da aliança militar atingiram ou até mesmo ultrapassaram sua meta de 2% do PIB com gastos militares, mais do que em qualquer outro momento desde o fim da Guerra Fria. Mesmo com a adesão da Finlândia e da Suécia, esperamos que mais países atinjam suas metas e que os gastos gerais dos países da Otan continuem a aumentar", declarou Xiao Liang.

O latente conflito entre China e Taiwan

Os números do Sipri também evidenciam um conflito latente que fez os gastos militares dispararam em 2023: o entre a China e Taiwan. Pequim elevou seus gastos com suas Forças Armadas em relação ao anterior em 6%, totalizando 296 bilhões de dólares, metade do que foi gasto em toda a região da Ásia e Oceania.

Em resposta, Japão e Taiwan também aumentaram seus gastos, em 11% cada, para 50,2 bilhões e 16,6 bilhões de dólares, respectivamente. A China está usando grande parte de seu crescente orçamento militar para aumentar a capacidade do seu Exército, diz Xiao Liang.

"Os gastos da China vêm aumentando há 29 anos consecutivos e de forma muito constante, a mais longa sequência de um único país. Em geral em paralelo ao crescimento econômico, sem relação com tensões geopolíticas ou crises globais como a guerra na Ucrânia ou a pandemia de covid-19. A modernização militar da China, por sua vez, leva países como Japão, Taiwan e Índia a também aumentarem seus gastos", diz Xiao Liang.

Gastos militares têm de novo prioridade

Outros fatos que chamam a atenção no relatório do Sipri: no Sudão do Sul, afetado pela violência interna e pela guerra civil, os gastos militares aumentaram 78% na comparação entre 2023 e o ano anterior. Diante da ameaça russa, a Polônia registrou o maior aumento entre todos os países europeus, de 75%, chegando a 31,6 bilhões de dólares. E o Irã está agora em quarto lugar no Oriente Médio, com seus gastos militares de 10,3 bilhões de dólares.

Para o cientista político Niklas Schörnig, do Instituto Leibniz de Pesquisa sobre Paz e Conflitos, a segurança militar voltou a ser uma prioridade em muitos países. Além disso, como mostram o exemplo da Ucrânia e os recentes ataques iranianos a Israel, defender-se é muito mais caro do que o atacar. Ele cita como exemplo os ataques com drones iranianos, tanto na guerra da Ucrânia como contra Israel. "O esforço de defesa contra eles é extremamente caro", observa.

Tendência deve se manter

Schörnig avalia que, diante da atual situação global, o desarmamento é um sonho muito distante. O mundo está numa nova era de armamento descontrolado, porque a maioria dos acordos de controle de armas não está mais em vigor ou foi suspensa. Isso faz com que países de todo o mundo se armem cada vez mais, numa espiral de crescente instabilidade.

Ele defende uma nova meta internacional: que os países se armem de forma controlada, até um determinado nível. "Isso eliminaria uma certa dinâmica. O controle de armas certamente poderia ser uma meta provisória, ou seja, controlar e estabilizar os armamentos para que nem todos se armem como bem entenderem."

É também muito provável que o próximo relatório do Sipri sobre gastos militares mostre novamente um novo aumento. Em 2023, a guerra na Faixa de Gaza e as tensões no Oriente Médio já levaram ao maior aumento de gastos na região nos últimos dez anos. Os gastos militares estimados no Oriente Médio aumentaram 9%, chegando a 200 bilhões de dólares. Somente os gastos militares de Israel – os segundos maiores da região, depois da Arábia Saudita – aumentaram 24%, chegando a 27,5 bilhões de dólares.

Schörnig tem, portanto, uma visão muito pessimista do futuro. "A menos que a situação política geral mude, não acredito que a tendência de aumento de gastos com armamentos será revertida."

Segundo ele, um retrocesso nos gastos só seria possível se houvesse uma paz na Ucrânia que não dividisse o país. No caso do conflito China-Taiwan, ele ainda espera que os EUA e a China possam controlar a situação por meio de negociações. "No momento, a atual situação global, e os números do Sipri refletem isso claramente, é extremamente perigosa", afirma.

Evangélicos dominam posts de extrema direita, revela estudo

A menos de seis meses das eleições municipais no Brasil, uma pesquisa inédita mostra que entre os dez publicadores de extrema direita mais influentes nas redes sociais, oito são evangélicos. O estudo, que radiografou a movimentação de extremistas ao longo de três meses, aponta Santa Catarina e São Paulo como os dois principais centros dessas postagens.

"No universo acompanhado pela pesquisa, os atores que se autodeclaram evangélicos são os que mais postam e os que têm maior alcance junto aos seguidores desse espectro político", diz Christina Vital, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e uma das coordenadoras da pesquisa divulgada nesta segunda-feira (22/04), que mapeou perfis e técnicas usadas pela extrema direita.

Realizado por pesquisadores da UFF e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) entre novembro do ano passado e janeiro de 2024, o estudo contou com financiamento da FundaçãoHeinrich Böll.

O campo é marcado por publicações curtas e conteúdos que exploram sentimentos de ameaça, medo e desconfiança, e pela repetição de palavras negativas e críticas sem propostas construtivas. "Em muitos casos, as postagens apenas direcionam o leitor para links que induzem à leitura de outros materiais desse ecossistema", observa Vital, que dividiu a coordenação da pesquisa com Michel Gherman, professor do Programa de Pós-Gradução em História da UFRJ.

O estudo investigou 191 "atores sociais" de extrema direita, divididos em quatro grupos: políticos, influenciadores, blogs ou sites e antidemocráticos. Deste total, 14 eram mulheres, 111 homens e 66 coletivos – como sites de notícias ou comunidades com histórico de publicações de apoio à tentativa de golpe de 8 de janeiro ou ao ex-presidente Jair Bolsonaro, além de agendas associadas ao extremismo.

Na lista dos oito perfis com maior engajamento no campo evangélico, aparecem nomes como os do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), do senador Flávio Bolsonaro(PL-RJ), e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro – única mulher a constar no grupo, segundo a pesquisadora.

Entre as quatro redes sociais analisadas, o X (antigo Twitter) – cujo dono, Elon Musk, fez ataques recentes contra o ministro Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes –, aparece disparado como a mídia mais utilizada pelos perfis extremistas mais populares, seguido por Instagram, Facebook e YouTube.

Militares retratados como melancias

No último 8 de janeiro, aniversário de um ano dos atos golpistas em Brasília, um fluxo febril de postagens com ataques contra o STF se disseminou desde cedo em perfis de extrema direita nas redes sociais. Havia também muitas mensagens favoráveis ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

"Nas postagens, eles tentavam separar a manifestação do vandalismo, e imputar a desordem ao atual governo. Para esses influenciadores extremistas, o STF é o verdadeiro inimigo da democracia. É a chamada 'retorsão' do argumento", explica Vital.

Bolsonaro com camiseta da seleção brasileira de futebol canta com a mão no coração, ao lado da esposa e outros apoiadores
Na lista dos oito perfis com maior engajamento no campo evangélico, aparecem nomes ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaronull Andre Penner/AP Photo/picture alliance

Também no X, uma postagem do perfil Movimento sem Picanha, chamou especialmente a atenção da pesquisadora. A publicação dizia que o 8 de janeiro foi o "dia da traição dos patriotas" e trazia uma imagem das Forças Armadas criada por inteligência artificial, que retratava seus integrantes como melancias, abaixados no chão e pintando faixas no asfalto.

"No linguajar do militarismo, a melancia é associada aos traidores – com o verde por fora, vinculado ao Exército, e o vermelho por dentro, vinculado à esquerda e ao comunismo. Seria mais um indício de que um golpe estava sendo armado, mas foi esvaziado no último minuto pelas Forças Armadas?", indaga a pesquisadora.

A coleta de dados, feita com um software de inteligência artificial, alcançou 50 milhões de pessoas por dia. "Em sua maioria, os atores mais atuantes e com maior alcance são homens, brancos, influenciadores, políticos e lideranças religiosas", diz Vital.

Evangélicos de extrema direita são minoria

Para o cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Joanildo Burity, o resultado da pesquisa confirma o potencial de mobilização dos evangélicos de extrema direita no Brasil – apesar de o segmento ser minoritário no país.

Projeções de institutos de pesquisa indicam que cerca de 30% da população brasileira, estimada em 230 milhões de habitantes, se identifica como evangélica.

"Em termos numéricos, o segmento de extrema direita não deve ser maior do que 10% da população evangélica. Mas é um grupo militante, com muito acesso à mídia, recursos financeiros e conexões internacionais, o que faz com que tenha uma capacidade de projeção muito maior do que o seu tamanho", diz o pesquisador.

Estigmatizada por sua associação com a ditadura militar, com os skinheads e com grupos pró-nazismo, a extrema direita não tinha popularidade, nem bases sociais no país, observa Burity. E foi exatamente isso que a militância religiosa trouxe.

"Os evangélicos deram uma base social de massas para o movimento de extrema direita. Se você tirar essa militância religiosa da extrema direita, ela se reduz ao que sempre foi: grupelhos de intelectuais, de empresários, de militares, muito coesos, mas capazes de reunir bem pouca gente".

Conexões internacionais com Bannon e Tea Party

Para Burity, essa projeção dos evangélicos nas redes não é casual. Ela é facilitada pela formação que eles recebem tradicionalmente nas igrejas para "comandarem a palavra" – o que traz vantagens do ponto de vista da comunicação pública.

Também é resultado de um processo deliberado de mobilização política – inclusive internacional. Apesar de majoritariamente conservadores, do ponto de vista político e moral, os evangélicos não tinham, até pouco tempo, uma posição de extrema direita, muito menos militante, diz o pesquisador.

Essa vinculação foi se construindo: "desde 2017, mais ou menos, começou a haver uma aproximação entre a família Bolsonaro e o Steve Bannon [ex-estrategista de Donald Trump], nos EUA. O Bannon resolveu investir em um braço do seu movimento, o seu The Movement, no Brasil. E o Eduardo Bolsonaro [deputado federal pelo PL-SP] foi o contato. Eles organizaram eventos, atividades, investiram recursos".

Além disso, houve uma intensificação da atuação de think thanks de extrema direita americanos no Brasil. 

"Não foi algo voltado especificamente para os evangélicos, mas para mobilizar certos segmentos – sobretudo os mais jovens, nesse campo".

O pesquisador cita ainda uma série de articulações entre evangélicos brasileiros e grupos da extrema direita americana, que envolvem, por exemplo, o Tea Party, ala ultraconservadora do Partido Republicano, e o grupo Capitol Ministries, ligado à direita cristã nos Estados Unidos, que chegou a ter acesso direto à Casa Branca no governo Trump.

O impacto desse segmento hoje pode ser explicado também pela atuação coordenada de pastores, políticos, empresários, teólogos e leigos, que começou há cerca de uma década no Brasil. 

"Assim se formou o discurso de alinhamento desses evangélicos em relação a posições altamente reacionárias".

Ataques contra o "PL das Fake News"

Além da tentativa de golpe, também ganhou destaque nas postagens de extremistas mapeados pela pesquisa a descoberta de uma rede internacional de prostituição infantil, que serviu de pano de fundo para conteúdos que propagavam "a ameaça da perda da autoridade dos pais sobre os filhos, um tema caro aos evangélicos", diz Vital.

Viralizaram ainda postagens sobre o suicídio de Jéssica Canedo, de 22 anos, ocorrido após a divulgação de fake news sobre um suposto caso amoroso entre a jovem e o influenciador Whindersson Nunes. A empresa Mynd 8 – que agencia artistas que apoiaram o presidente Lula em sua campanha – foi apontada como responsável pela difusão das notícias falsas, e passou a ser citada "como exemplo da perversidade e da falta de valores da esquerda", aponta a pesquisadora.

Lula fala ao microfone em evento com líderes evangélicos
Para cientista político, há uma reação da extrema direita para neutralizar qualquer tentativa de Lula e da esquerda de retomar espaço perdido entre os evangélicosnull Pilar Olivares/REUTERS

Os extremistas aproveitaram o caso, diz Vital, para insinuar que a esquerda tem envolvimento com a disseminação de notícias falsas – tentando, ao mesmo tempo, "atrair políticos da situação para o bloqueio ao trâmite do chamado PL das Fakes News, a regulação das big techs criticada pela maioria desses perfis". Após concluir as investigações, em março, a Polícia Civil de Minas Gerais disse que a própria jovem foi a autora das fake news.

Os pesquisadores identificaram ainda uma frase repetida à exaustão em postagens que atacavam o STF e, ao mesmo tempo, tentavam blindar o ex-presidente Jair Bolsonaro: "conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará".

"Eles usam essa passagem bíblica para dizer que os 'portadores da verdade' sempre serão perseguidos, e que é preciso revelar o que estaria oculto – como, por exemplo, os 'reais interesses' por trás da suposta perseguição a Bolsonaro", diz Vital.

Com isso, qualquer investigação da Justiça que recaia sobre eles passa a ser vista como uma busca de "obstrução dessa 'verdade'".

"A extrema direita quer que o campo evangélico seja um curral"

A mobilização desses religiosos nas redes não teria, no entanto, relação direta com a queda de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre os evangélicos apontada em pesquisas recentes, acredita Burity. Até porque, "muitos aspectos podem pesar na avaliação de um governo".

O que existe, diz o cientista político, é uma reação da extrema direita para neutralizar qualquer tentativa de Lula e da esquerda de retomada do espaço perdido nesse campo. Burity lembra que, em 2018, quando foi impedido de ser candidato, Lula ainda contava com o apoio majoritário dos evangélicos.

"A esquerda não chegou a recuperar essa maioria, mas conseguiu se reposicionar o suficiente para diminuir o impacto do bolsonarismo lá dentro. E essa é uma luta que ainda está sendo travada. A extrema direita quer que o campo evangélico seja um curral completamente controlado por ela", afirma o cientista político.

Vital concorda que a queda na popularidade se deve a múltiplos fatores. Mas observa que Lula "enfrenta uma enxurrada contínua e crescente de críticas, desinformações e difamações", que não estariam sendo rebatidas à altura.

Não são poucos os especialistas que sinalizam a deficiência na comunicação presidencial com a população, diz a pesquisadora. "Hoje, não basta somente o carisma no cara a cara com a população. Ocupar as redes com autenticidade e intimidade é fundamental. E Lula ainda não captou bem isso".

Para a professora, o presidente tem uma visão de mundo "que nega os novos tempos" em favor da "verdadeira política" – mas esta não é mais feita predominantemente na rua, e sim "no território digital".

Os obstáculos nesse caminho, porém, são grandes. "Lula precisa se atualizar. Mas jamais poderá falar com a rapidez e a liberdade de um influenciador digital, porque um governo tem restrições políticas, institucionais e de linguagem, além de legais", diz Burity. Essa lacuna, diz ele, terá que ser preenchida pelos diversos setores da esquerda, incluindo intelectuais, artistas e a sociedade civil.

Impacto vai continuar nas eleições municipais

O impacto dessa militância digital deve continuar nas próximas eleições municipais. "Lula ainda não conseguiu desmontar o contexto de polarização no país. E ter influenciadores com grande poder de penetração nas bases da sociedade é um trunfo muito importante para a direita", explica Burity, que prevê uma forte representação do campo conservador saindo das urnas em novembro.

Mas seria "temerário" afirmar que esses influenciadores serão a "ponta de lança" na definição das eleições. "Elas envolvem muitas outras coisas, além de religião e de gente berrando nas redes sociais".

Para Marilene de Paula, coordenadora de Direitos Humanos da Fundação Heinrich Böll no Brasil, a pesquisa enfatiza "o papel central dos influenciadores religiosos nas redes sociais para propagar a retórica da extrema direita". Para viabilizar projetos políticos que possam se contrapor a essa realidade, diz a coordenadora, é preciso ter "uma compreensão profunda desse fenômeno".

Sem munição dos EUA, defesa da Ucrânia ameaça colapsar

O oficial de artilharia na linha de frente no leste da Ucrânia resume rapidamente a situação: "sem munição de artilharia, toda frente está condenada", diz o homem à DW. Suas descrições atuais do que se passa no front são desanimadoras diante da falta de munição que sofrem as Forças Armadas ucranianas. O oficial deseja permanecer anônimo. A patente, o nome e o cargo do comandante de uma unidade de artilharia ucraniana são conhecidos pela DW.

Disparos russos em massa

"As perdas aumentarão porque não é possível responder adequadamente fogo com fogo." Os atacantes russos, por outro lado, podem disparar de forma massiva. Os soldados ucranianos estão sendo cobertos com fogo de barragem da artilharia russa. Os caças russos bombardeiam as posições ucranianas com bombas planadoras – disparadas de uma distância segura, mais atrás da linha de frente, fora do alcance das defesas aéreas ucranianas, que, de qualquer forma, são igualmente insuficientes.

"Em algum momento nos encontraremos em uma situação em que mais ninguém vai conseguir defender a frente – todos estarão mortos ou feridos", diz o oficial. E ele deixa claro o que espera. O resultado seria "a perda de posições e uma frente desmoronada".

As descrições da frente ucraniana são apoiadas por uma análise recente do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), dos EUA. De acordo com ela, os atacantes russos estão "avançando lentamente, mas de forma constante, em vários setores do front".

Russos ganham área do tamanho de Detroit

De acordo com um cálculo do ISW de meados de abril, as Forças Armadas russas conquistaram "mais de 360 quilômetros quadrados desde o início do ano – área do tamanho de Detroit", a maior cidade do estado americano de Michigan, escreve o ISW em uma análise recente.

Na atual situação, o risco de a Ucrânia perder diante das tropas do presidente russo, Vladimir Putin, é o maior desde o início da guerra, em 2022, segundo o ISW. Em outras palavras, sem um suprimento substancial de armas e munições dos países ocidentais que apoiam Kiev. O diretor da CIA, Bill Burns, e Christopher Cavoli, comandante das Forças Armadas dos EUA na Europa, deixaram isso claro em declarações dadas neste mês em Washington.

"Há um risco muito real de que os ucranianos percam no campo de batalha até o final de 2024 ou, pelo menos, Putin chegue a uma posição em que possa ditar os termos de um acordo político", disse Burns durante um discurso que fez na capital americana, de acordo com relatos da mídia dos EUA.

Reação só é possível com suprimentos dos EUA

O decisivo, segundo Burns, é que os EUA entreguem os suprimentos rapidamente agora. Isso, por sua vez, daria à Ucrânia uma boa chance de "resistir" neste ano.

O fato de o chefe da CIA, Burns, falar atualmente em "resistir" aponta para a esperança de que Kiev, em algum momento, possa aumentar sua produção bélica a tal ponto que a Ucrânia seja capaz de se defender a longo prazo. E também que seja estabelecida uma força aérea através da assistência ocidental. Desde 2023, pilotos ucranianos têm sido treinados para atuarem em caças F-16 dos EUA. Mas o treinamento vem sendo realizado há muito mais tempo do que previam os especialistas militares da Otan.

Em resposta a uma pergunta enviada por escrito pela DW sobre a capacidade operacional do F-16 e o progresso do treinamento de pilotos ucranianos em países europeus da Otan, como Romênia, Reino Unido ou França, o porta-voz da Força Aérea ucraniana não quis responder em detalhes. "Essa é uma questão muito delicada", escreve, argumentando que não pode dizer nada sobre o assunto.

Pilotos ucranianos têm baixo nível de inglês

O comandante das forças americanas na Europa, Christopher Cavoli, disse recentemente, durante uma visita a Washington, que os pilotos ucranianos, em geral, não têm conhecimentos de inglês.

Assim como o chefe da CIA, Cavoli apresenta um quadro sombrio da situação dos ucranianos no front. Embora ele "não possa prever o futuro", pode "fazer cálculos simples", disse o general do Comando Europeu das Forças Armadas dos EUA (EUCOM). "Em minha experiência de mais de 37 anos nas Forças Armadas dos EUA, se um lado pode atirar e o outro não pode revidar, o lado que não pode revidar perde."

Jato F-16
Treinamento de ucranianos em jatos F-16 demora mais tempo do que o previsto pela Otannull Sgt. Heather Ley/U.S. Air Force/AP Photo/picture alliance

Após meses de bloqueio dos republicanos e de intensos apelos de Kiev, a Câmara dos Representantes dos Estado Unidos aprovou neste sábado (20/04) um pacote de ajuda à Ucrânia no valor de 61 bilhões de dólares. Além do dinheiro para o orçamento ucraniano e para a ajuda econômica, 51,7 bilhões de dólares são destinados ao fornecimento de munição e armas, de acordo com um comunicado à imprensa emitido pelo primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, após sua recente visita aos EUA.

O pacote segue agora para aprovação no Senado, o que deve ocorrer na terça-feira e é dado como certo, já que os democratas detêm a maioria apertada na casa. 

Sucessos ucranianos ofuscam real situação

O quanto o rápido fornecimento de munição dos EUA é vital para a Ucrânia nessa fase da guerra é um fato repetidamente ofuscado por relatos de sucessos da Ucrânia, especialmente em plataformas de mídia social. Neste mês, o país anunciou a derrubada de um bombardeiro supersônico russo Tupolev Tu-22M3 pela primeira vez. Também foram atingidas novamente posições de radar na península da Crimeia ocupada pela Rússia, que Moscou usa para organizar suprimentos para suas tropas no sul da Ucrânia.

No entanto, esses ataques parecem ser apenas alfinetadas em comparação com a enorme pressão russa no front e pelo ar, como os recentes ataques à cidade de Chernihiv, 70 quilômetros a nordeste da capital Kiev, ou o bombardeio regular da segunda maior cidade ucraniana de Kharkiv, no nordeste, na fronteira com a Rússia.

Putin quer tomar Chassiv Yar antes de 9 de maio

Após uma visita à frente de batalha, o comandante-chefe dos soldados ucranianos, Oleksandr Syrskyj, escreveu no serviço de mensagens Telegram que a Rússia está atualmente concentrada em "romper nossas defesas a oeste de Bachmut, obter acesso ao canal Siversky-Donets-Donbass, capturar o assentamento de Chasiv Yar e criar as condições para um avanço maior em direção à área de Kramatorsk".

O povoado de Chasiv Yar fica em uma colina que oferece vantagens para os defensores ucranianos. Syrskyj escreve no Telegram que a captura dessa posição é uma ordem de Putin para as Forças Armadas russas, "até 9 de maio". É nessa data que Putin comemora o aniversário da vitória soviética sobre a Alemanha nazista.

O especialista em segurança alemão e especialista em Ucrânia Nico Lange escreveu em uma análise recente que a Ucrânia "não pode manter a linha de frente no leste, podendo apenas retardar o avanço russo".

Especialmente por meio do uso de drones equipados com dispositivos explosivos. "Mas drones não substituem artilharia", alerta o oficial de artilharia entrevistado pela DW no leste da Ucrânia. O fator decisivo é se ele e seus homens receberão suprimentos de munição agora – o mais rápido possível.

Fake news viram arma política na tragédia climática do RS

Em meio ao desastre climático no Rio Grande do Sul, aumentou a disseminação de desinformação sobre as enchentes por influenciadores e parlamentares de extrema direita, cujas postagens nas redes sociais estão sob investigação da Polícia Federal. Nas publicações, eles exaltam o trabalho de voluntários e atacam a ação de governos e Forças Armadas. 

"A desinformação no Brasil é um fenômeno político. Dependendo da ideologia que a pessoa segue, escolhe certas fontes. A mediação dos algoritmos sugere outros conteúdos e outras pessoas para seguir nessa linha. Então, cai no buraco de uma teoria da conspiração ou desinformação não por ignorância, mas pelos seus valores", analisa o professor de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Yurij Castelfranchi. A catástrofe ambiental, diz, agravou esse fenômeno.

Castelfranchi é coautor de uma pesquisa recém-lançada que avaliou o consumo de informações pelos brasileiros. O estudo, produzido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, constatou que o meio ambiente e as mudanças climáticas estão entre os temas de maior interesse do público (76,2%). No entanto, metade dos entrevistados disse já ter se deparado com fake news, e 9% admitiram compartilhar esses conteúdos mesmo sabendo disso.

Desinformação para propagar visão "anti-Estado"

Segundo especialistas, catástrofes climáticas como a enfrentada pelo Rio Grande do Sul favorecem a circulação de desinformação, propagada por perfis alinhados à extrema direita. "Pegam no imaginário de uma população extremamente carente, que já tem péssimas experiências com o setor público e que vai acreditar que há essa sabotagem do Estado. Isso cria uma má vontade em relação ao trabalho da polícia, do Exército, e fortalece os amadores e influenciadores", explica Fabrício Pontin, professor de Relações Internacionais da Universidade LaSalle, de Canoas (RS), região atingida pelas chuvas.

O aumento na disseminação de fake news sobre a tragédia climática foi constatado pelo grupo de pesquisa da USP Monitor Político, que analisa a polarização do debate político. Emnota técnica, eles apontam que "a profusão de mensagens indicava que o fenômeno era muito significativo", com praticamente uma em cada três mensagens publicadas no X (antigo Twitter) adotando um tom "anti-Estado".

Antagonismo entre voluntários e governo

Entre as postagens falsas compartilhadas estão a que relatava que a entrada de caminhões com doações para as vítimas tinha sido barrada pela Receita Federal e que voluntários em barcos e helicópteros foram impedidos de realizar resgates. Outra dizia que a cantora Madonna doou R$ 10 milhões às vítimas. Em comum, as publicações exaltam a solidariedade de voluntários em oposição a uma suposta falência do Estado.

Homem carrega idoso no colo. Atrás deles há uma rua completamente inundada
Homem carrega idoso resgatado em Porto Alegre: voluntários têm papel importante, mas não agem no vácuonull Diego Vara/REUTERS

Outra notícia falsa de alcance local alega que pessoas com uniforme do Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae) de Porto Alegre estão assaltando casas. Como resultado, moradores passaram a barrar os servidores públicos.

"As consequências políticas desse tipo de disseminação são enormes, são danosas, podem custar vidas. Estamos gastando o dobro de energia para alertar sobre notícias falsas ao invés de orientar as pessoas sobre como devem deixar suas casas", alerta Pontin.

Segundo o professor, os grupos que espalham fake news testaram vários tipos de notícias falsas. As mais bem sucedidas não promoviam o negacionismo climático, mas sim o discurso de que a atuação do governo está atrapalhando o trabalho dos voluntários.

"Tem um interesse muito claro de agentes políticos em fazer circular informação que ataque o grupo político oposto", afirma o jornalista Alisson Coelho, que atua desmentindo esses boatos em Novo Hamburgo (RS). "A ideia de que o Estado só atrapalha é mais próxima da centro-direita."

Coelho diz que esse tipo de conteúdo começou a ser compartilhado em perfis pequenos, com até 2 mil seguidores, mas explodiu quando foi amplificado por influenciadores e políticos, reforçando a polarização entre direita e esquerda.

Tragédia climática como plataforma de campanha

Para especialistas, a mobilização da desinformação sobre a tragédia climática pela extrema direita é uma estratégia para ganhar espaço nas eleições municipais de outubro.

Essa tendência de compartilhamento organizado de notícias falsas é observada no Brasil desde 2016, e se intensificou nas campanhas eleitorais.

Doutor em comunicação e professor da Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), Christian Gonzatti explica que a performance digital dos políticos visa manter o eleitorado engajado. "Precisam desse diálogo com o público para ter poder. Apelam à ideia de um perigo que precisa ser denunciado para ganhar visibilidade e depois convertê-la em outras formas de poder."

Segundo Pontin, esses grupos por onde a desinformação circula amplificam perfis de possíveis candidatos que defendem pautas neoliberais de redução do Estado e negacionismo climático. O discurso cola no público "não porque são contra o meio ambiente, mas porque têm medo das consequências de ter que mudar o paradigma". "Assim, criam-se lideranças que podem ser candidatas na eleição", diz.

Por que as plataformas alimentam essa dinâmica

Segundo Gonzatti, a própria arquitetura da informação das redes sociais favorece a circulação de notícias falsas. "As redes são construídas para manter os usuários o máximo de tempo possível consumindo conteúdo em sequência. Por isso não vão confrontá-las na sua visão de mundo, porque precisam desse ambiente que prende a atenção. Isso dá retorno financeiro para as plataformas", afirma.

Pontin explica que a reprodução de fake news em grupos de mensagem ajuda a manter os participantes coesos. "Quando o conteúdo começa a se propagar e viralizar dentro dessas comunidades, a opinião se consolida. E isso tem consequências enormes, pois se isso se dá em cima de uma notícia falsa, fica muito difícil reverter isso."

Ele aponta que a disseminação de notícias falsas, além de estratégia política, é também um modelo de negócios. "As plataformas recompensam a atenção, só que não fazem distinção entre atenção ruim e boa. O conteúdo que gera atenção é recompensado, e as plataformas o mantém em circulação. Por mais que tentem fazer uma checagem, algumas com maior ou menor boa vontade, há um incentivo para que produtores façam esse tipo de conteúdo e recebam valores por isso." 

Ações governamentais

A narrativa de omissão por parte das autoridades é falsa. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nomeou o ministro Paulo Pimenta para a secretaria extraordinária de reconstrução do Rio Grande do Sul, e anunciou um pacote de R$ 50 bilhões que prevê, entre outras medidas, o pagamento de benefícios e auxílios às pessoas afetadas pelas enchentes.

O resgate e medidas de infraestrutura demandam um grande aparato. Segundo balanço do Exército, mais de 33 mil militares, policiais e agentes estão envolvidos nas ações de socorro ao estado, que teve 461 cidades atingidas pelas enchentes. Para isso, foram destinadas à operação 5,1 mil viaturas e 90 equipamentos de engenharia, além de 80 aviões, 410 embarcações, seis navios multitarefas e nove hospitais de campanha. O governador Eduardo Leite (PSDB) estima em R$ 19 bilhões os custos da reconstrução do estado.

O governo reagiu à campanha de fake news sobre a tragédia denunciando o caso à PF. Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), o objetivo é "evitar que o esforço de enfrentamento da calamidade seja prejudicado pela desinformação". O inquérito tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sob relatoria da ministra Cármen Lúcia.

Governos contribuíram para a catástrofe climática

Apesar de os governos estarem reagindo ao desastre climático, eles ignoraram alertas de pesquisadores do clima e contribuíram para o desmonte de políticas ambientais.

A ONG Observatório do Clima mapeou 25 projetos de lei e três propostas de emenda à Constituição (PECs) em tramitação no Congresso que enfraquecem a proteção ao meio ambiente. As medidas preveem a redução da reserva legal na Amazônia, obras de irrigação em áreas de proteção permanente e relaxamento das regras de licenciamento ambiental, dentre outras mudanças.

China, o contrapeso que faz a economia da Rússia não afundar

Dias após a Rússia ter invadido a Ucrânia em grande escala, em 24 de fevereiro de 2022, o Ocidente impôs sanções rigorosas a Moscou, na esperança de cortar sua capacidade de financiar a guerra. As medidas, que se dirigiram a políticos e oligarcas, incluíram o congelamento de reservas em moeda estrangeira, limitação do acesso a tecnologia ocidental e exclusão de bancos russos do sistema internacional Swift de transações bancárias.

De início, a cotação da moeda russa, o rublo, despencou, e a economia russa minguou 1,2% em 2022. No ano seguinte, contudo, o crescimento econômico ultrapassou tanto o dos Estados Unidos quanto o da União Europeia, com 3,6%, e em 2024 o país está a caminho de outro ano forte.

Grande parte desse crescimento se deve ao comércio com a China, a qual agiu como contrapeso ao Ocidente, recusando-se a impor sanções e tornando-se um importante comprador da energia russa. Apesar das pressões americanas e europeias, ambas a nações aprofundaram sua aliança desde o começo da guerra na Ucrânia.

Putin em terceira viagem a Pequim; sanções avançam

Em 2023, o presidente chinês, Xi Jinping , chegou a falar de uma "nova era" para os laços entre a China e a Rússia. Seu homólogo russo, Vladimir Putin , iniciou visita a Pequim nesta quinta-feira (16/05), sua terceira no ano corrente, com o objetivo de fortalecer as relações. Ele estará ainda na 8ª Expo China-Rússia, na cidade de Harbin, no nordeste do país asiático.

"Para a Rússia, sitiada por sanções e isolamento global, a China é uma corda de salvamento vital para sua economia de guerra", observa Philipp Ivanov, fundador a consultor-chefe da empresa Geopolitical Risks + Strategy Practice. "A China é o destino principal do comércio de energia russo e grande fornecedora de equipamento e tecnologia críticas, os quais a Rússia não tem mais acesso no Ocidente."

Bandeiras da Rússia e da China tremulando lado a lado
O comércio entre os dois países em 2023 foi de 240 bilhões de dólaresnull Vladimir Smirnov/dpa/TASS/picture alliance

À medida que as marcas europeias e americanas abandonaram o mercado russo, a fim de evitar sanções internacionais, Moscou intensificou a aquisição de mercadorias chinesas, de automóveis a smartphones. Esse aumento das importações ajudou a elevar para 240 bilhões de dólares o comércio bilateral em 2023, mais de 25% acima do ano anterior, segundo dados da alfândega chinesa.

Embora a Rússia tenha se transformado no principal fornecedor de petróleo bruto para a China, segundo certos analistas, foram as exportações de tecnologia as principais responsáveis pelo incremento do comércio bilateral. Afinal, os acordos energéticos com a China envolveram descontos consideráveis nos preços, depois de o Ocidente ter parado de confiar no petróleo e gás russos.

"A Rússia não teria suficientes caminhões, chips eletrônicos, drones ou bens intermediários sem a China, pois ela é o único país que exporta esses produtos para os russos, no momento", afirma Alicia García-Herrero, economista-chefe para a Ásia-Pacífico do banco de investimentos francês Natixis.

Muitos países temem as repercussões das sanções dos EUA e UE, porém, esse não é o caso da segunda maior economia do mundo. "Os pagamentos comerciais para a Rússia são feitos em remimbi [moeda nacional chinesa], através do sistema chinês de pagamentos internacionais [análogo ao Swift], então é mais difícil rastrear as transações", explica García-Herrero.

O sinal mais recente de que Washington está aumentando a pressão sobre a China foi a ordem executiva assinada pelo presidente Joe Biden em dezembro, permitindo sanções secundárias contra instituições bancárias estrangeiras que negociem com a máquina de guerra russa. Desse modo, o Departamento do Tesouro fica autorizado a isolá-los do sistema financeiro global baseado no dólar americano, deo qual todos os bancos dependem seriamente.

Mudança de curso chinesa improvável

Desde o começo de 2024, diversos bancos chineses suspenderam ou reduziram as transações com clientes russos, a fim de limitar o risco de serem atingidos pelas sanções. Negócios transnacionais estão sendo submetidos a checagens adicionais que podem durar vários meses, podendo arruinar os exportadores menores.

Vladimir Putin visita Xi Jinping em Pequim em 16/05/2024
Reafirmando a "nova ordem geopolítica multipolar": Putin visita Xi em Pequim (2º e 4º a a partir da esq.)null Sergei Guneyev/AFP/Getty Images

"Os EUA tiveram sucesso em impedir que os bancos chineses financiem exportações para a Rússia", afirma García-Herrero. "Agora é muito importante o país manter essa pressão; que as sanções incluam qualquer companhia que exporte para a Rússia também produtos de uso duplo [empregados tanto para fins militares quanto civis] e bancos que estejam financiando esses acordos."

Durante visita recente a Pequim, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, acusou a China de "alimentar" a máquina bélica russa, suprindo eletrônica, produtos químicos para munições e propulsores de foguetes. Ele acenou com novas medidas punitivas, caso sua maior concorrente não restrinja as exportações ligadas à defesa para a Rússia. Pequim tem rechaçado repetidamente as acusações.

Embora o governo chinês possa ser moderado ao descrever os laços com Moscou durante a visita de Putin, vai ser preciso mais persuasão até que a China reduza seu apoio econômico à Rússia. Ela própria está sujeita pelos americanos a sanções e a restrições às exportações, como parte da guerra comercial entre as duas potências.

Frisando que Moscou e Pequim estão "agindo de modo concertado para minar o sistema global atual", Ivanov afirma que a dupla está também ávida de "assegurar suas economias para o futuro", à medida que se desacopla do Ocidente, sob uma nova ordem geopolítica multipolar.

"A China não vai limitar dramaticamente seu apoio econômico, mas buscará canais mais velados para fornecê-lo, através de trânsito e transações por países terceiros, como já está acontecendo pelos da Ásia Central", completa o também fundador do Programa China-Ásia do Centro de Análise da China do Asia Society Policy Institute.

Como a China pode resolver a guerra – ou gerar uma maior

Como a Alemanha planeja pôr fim à falta de moradia

Dirk Dymarski viveu como sem-teto durante duas décadas, morando parte do tempo em abrigos emergenciais ou na rua. A experiência, diz, "não é algo que se possa simplesmente esquecer", mas também mudou sua forma de pensar.

"Viver como morador de rua por 20 anos foi uma lição para mim em vários sentidos, porque eu costumava pensar e agir de maneira discriminatória e estigmatizante", afirmou à DW. "Nos últimos anos, aprendi que qualquer um pode passar por essa situação, da qual é difícil sair."

Dymarski passou a fazer parte do Freistätter Online Zeitung, um jornal local escrito por moradores de rua na pequena cidade de Freistatt, no estado alemão da Baixa Saxônia. Ele também é membro da Selbstvertretung Wohnungsloser Menschen ("Organização para pessoas sem-teto"), voltada para dar voz política aos moradores de rua na Alemanha.   

O maior obstáculo para os sem-teto conseguirem encontrar moradias, segundo Dymarski, é o estigma. "Quando se quer sair da rua e encontrar um lugar economicamente acessível para morar, a primeira pergunta que lhe fazem é 'onde você mora atualmente?'. Se você disser a um locatário que seu local de moradia é em um abrigo, você será rapidamente descartado."

Fim da falta de moradia?

A falta de moradia se agravou nos últimos anos na Alemanha, graças à falta de residências com preços acessíveis.

É difícil estimar o número exato de pessoas nessas condições, mas o governo federal calcula que haja atualmente 375 mil moradores de rua em todo o país. Já o grupo de trabalho federal de assistência aos sem-teto (BAG-W) acredita que sejam cerca de 600 mil, dos quais 50 mil viveriam nas ruas. Esses dados incluem qualquer pessoa que não possua um contrato de aluguel ou uma casa própria. 

As autoridades alemãs são obrigadas por lei a fornecer abrigos aos sem-teto. Apesar disso, muitas dessas pessoas preferem permanecer na rua, uma vez que esses lugares não conseguem garantir sua privacidade ou segurança.

Para combater o problema, o governo federal lançou no final de abril o um plano de ação para lidar com a "tarefa colossal" de pôr fim à falta de moradia até 2030 – sendo este o primeiro governo federal do país a criar uma estratégia com essa finalidade.

A estratégia de 31 pontos divulgada pelo Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Obras inclui propostas como liberar verbas aos estados para a construção de moradias populares, combater a discriminação no setor imobiliário, ajudar as pessoas a obterem planos de saúde e melhorar o acesso aos serviços de aconselhamento.

"Criar mais locais de residência com preços acessíveis é algo que está no centro da luta contra a falta moradia [para pessoas em situação de rua]", afirmou em nota a ministra da Habitação, Klara Geywitz. "A existência dessa diretriz nacional era um desejo explícito da sociedade civil e das muitas pessoas que cuidam dos sem-teto."

"Como estar em uma guerra"

As entidades e associações que lidam com os sem-teto – que foram consultadas durante a elaboração da estratégia – veem com bons olhos o plano de ação do governo, mas o consideram apenas um primeiro passo.

Dymarski e seus colegas elogiaram a atitude respeitosa e bem preparada da ministra Geywitz durante a fase de consultas, mas consideraram o plano bastante vago e incompleto.

Alemanha: como um país tão rico tem tanta gente sem teto?

Outras organizações o avaliam de maneira semelhante. "'Plano de ação' soa como 'agora sim, temos um plano e o colocaremos em prática'. Mas estou em dúvida se isso não seria apenas uma carta de intenções", diz Corinna Müncho, diretora do projeto Housing First em Berlim. "Os que devem pôr em prática o plano – as autoridades estaduais e municipais – ainda não sabem como poderão fazer isso."

A iniciativa Housing First ajuda moradores de rua a encontrarem moradia, partindo da defesa incondicional do princípio de que ter um local para morar é simplesmente um direito. Müncho é testemunha de como viver nas ruas afeta as pessoas.

"Um de nossos apoiados me disse que viver nas ruas é como estar em guerra", contou à DW. "Você está todos os dias no modo de sobrevivência ou de combate. As pessoas estão completamente desprotegidas, constantemente em alerta, não possuem um espaço privado ou onde possam ter qualquer intimidade, sendo privadas de tudo o que seriam necessidades primárias. Isso mexe com sua psique. Seu cérebro se autoreconstrói de modo a poder lidar com tudo isso."

Falta de moradias acessíveis

O plano de ação do governo é algo que as entidades vêm pedindo há muito tempo, explica Lars Schäfer, representante da ajuda aos sem-teto da organização de caridade Diakonie, da Igreja Protestante alemã. "O fato de os políticos estarem olhando para essa questão já é algo positivo", afirmou à DW. "Isso significa que poderemos cobrar do governo as metas que eles próprios estipularam."

Ele, porém, diz que os 31 pontos do planos de ação não são mais do que "uma coleção de medidas já acordadas anteriormente pelo governo, e algumas poucas novidades que não incluem grandes mudanças na lei ou que custam dinheiro – sendo essas as duas alavancas mais importantes".

Funcionária da Cruz Vermelha conversa com moradores de rua em Berlim
"Viver nas ruas é como estar em guerra. Você está todos os dias no modo sobrevivência ou de combate"null Fabrizio Bensch/Reuters

Um exemplo disso seria o primeiro ponto do projeto: um compromisso do governo federal de enviar 18,15 bilhões de euros (R$ 101 bilhões) aos estados para a construção de moradias populares entre 2022 e 2027.

Apartamentos para locação social são desesperadamente necessários, mas esse financiamento já havia sido anunciado há dois anos, sendo que, no ano passado, o governo foi forçado a admitir que somente 22.545 novas unidades foram construídas em 2022; número bem abaixo da meta de 100 mil por ano.

"Isso me faz pensar que, claro, podemos escrever isso ali, mas isso não ajuda realmente porque, ao final, tudo o que está sendo feito não leva a uma queda nos números da falta de moradias", diz Müncho.

Schäfer avalia que há medidas concretas que os governos poderiam adotar, que o plano de ação ignora. Por exemplo, a discriminação por parte dos locatários poderias ser contornada se as autoridades locais estabelecerem cotas para os sem-teto nas novas moradias sociais.

Empregar recursos com mais eficiência

Do mesmo modo, o governo federal poderia estipular que uma proporção do recurso enviado aos estados seja utilizado na construção de moradias sociais para moradores de rua.

Para Müncho, não se trata somente de gastar mais dinheiro, mas sim de empregar essas verbas de maneira mais eficiente. "O dinheiro existe. As acomodações de emergência custam montantes incríveis de dinheiro para um padrão muito, muito baixo."

"Estamos falando de custos de mil euros por mês para uma pessoa em Berlim. Nenhum apartamento deveria custar tanto. Isso sequer inclui qualquer serviço de apoio", observou.

No momento, as organizações de caridade relatam que a situação no mercado imobiliário é tão desesperadora que muitas pessoas acabam vivendo nos abrigos públicos durante anos. O novo plano do governo federal é uma tentativa de enfrentar esse problema. Para os ativistas, no entanto, é pouco mais do que uma carta de intenções.