Imigrantes dormem na rua em meio à crise na Irlanda

O centro de Dublin brilha com obras arquitetônicas que abrigam escritórios de corporações globais. Mas sob as fachadas de vidro desses prédios há cada vez mais barracas.

Algumas delas são de sem-teto. Os preços de aluguel na pujante Dublin são simplesmente inacessíveis para muitos, e há uma crise habitacional em toda a Irlanda, assunto que domina o país atualmente. Quando assumiu o governo, em abril, o primeiro-ministro Simon Harris prometeu entregar 250 mil novas casas até o final da década.

O segundo grupo de acampados são imigrantes, o segundo tema mais quente na república irlandesa depois da crise habitacional. Mais e mais deles chegam a cada dia ao país, uma ilha no noroeste da Europa cuja capacidade de alojá-los chegou ao limite.

A escassez de moradia foi agravada pela invasão russa da Ucrânia. Desde o início da guerra, 100 mil refugiados ucranianos se registraram na Irlanda. E como a Irlanda faz parte da União Europeia, eles foram acolhidos automaticamente.

O governo da Irlanda admite abertamente que não é capaz de abrigar todos os requerentes de asilo enquanto eles aguardam o trâmite de seus processos. Segundo o governo, até 17 de maio, 1.856 homens nesta situação estavam sem moradia.

Fileiras de barracas alinhadas aos muros de uma passagem que leva a um prédio do outro lado. As barracas estão cobertas por lonas azuis e o chão de asfalto está molhado
Uma cidade de barracas e lonas nas cercanias do órgão de governo responsável pela análise de processos de asilo; acampamento foi desmontadonull Paul Faith/AFP

"Cidade de barracas"

Uma "cidade de barracas" ao redor do Escritório de Proteção Internacional em Dublin, órgão responsável pelo processamento de pedidos de asilo, foi desfeita pelas autoridades irlandesas em 1º de maio. Ali dormiam homens jovens que lavavam e cozinhavam na rua, e que carregavam seus celulares em estações de aluguel de bicicletas. Seus 285 ocupantes foram encaminhados a dois abrigos de emergência. Desde então, novos acampamentos têm repetidamente voltado, apenas para serem repetidamente desmanchados.

"A Irlanda está cheia"

Há meses, manifestantes na historicamente acolhedora Irlanda gritam que "a Irlanda está cheia". No final de 2023, houve tumulto em Dublin. Em várias partes do país, houve até mesmo incêndios criminosos em edifícios que seriam transformados em abrigos para refugiados. Segundo uma pesquisa recente encomendada pelo jornal Irish Times, 63% da população apoia uma política de imigração mais rigorosa.

Pessoas em uma manifestação e um cartaz erguido onde se lê: "Queremos nosso país de volta. Irlanda para os irlandeses"
"Queremos nosso país de volta. Irlanda para os irlandeses": frases como essa estão se tornando mais comunsnull Evan Treacy/empics/picture alliance

Em 2023, a Irlanda registrou cerca de 12,3 mil pedidos de asilo. Desde então, os números dispararam; chegariam a mais de 20 mil em 2024, segundo um político de oposição citado pelo Irish Times. Considerando a população de 5 milhões da Irlanda, isso quer dizer que, proporcionalmente falando, o país teria um nível de migração semelhante ao da Alemanha.

Lei anti-imigração no Reino Unido leva imigrantes à Irlanda

Segundo autoridades irlandesas, o aumento nos pedidos de asilo nas últimas semanas também se deve a uma lei aprovada no Reino Unido que permite a deportação para Ruanda de imigrantes que chegam ao território de forma irregular, para que busquem asilo no país africano. Com isso, o governo britânico espera pôr fim a esse tipo de migração.

Mesmo depois de uma decisão desfavorável da Suprema Corte, o governo conservador, liderado pelo primeiro-ministro Rishi Sunak, manobrou e seguiu adiante com a lei. Ele também ameaça ignorar qualquer eventual decisão semelhante do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Um homem discursando em um púlpito onde se lê "parem os botes". Atrás dele há uma bandeira do Reino Unido
"Parem os botes": primeiro-ministro britânico Rishi Sunak está decidido a deportar imigrantes que chegam ao Reino Unido em barcosnull Toby Melville/AP Photo/picture alliance

Em 13 de maio, um tribunal superior da Irlanda do Norte suspendeu a aplicação da Lei de Ruanda em seu território por considerá-la uma violação do Acordo de Windsor, que regula as relações entre Reino Unido e União Europeia pós-Brexit.

"Como parte do acordo do Brexit, a lei da UE que protege os requerentes de asilo é mantida no espaço da Irlanda do Norte, em consonância com toda a legislação de direitos humanos da UE, que continua válida para a Irlanda do Norte se estiver relacionada ao acordo [de Belfast] de 1998", explica à DW Colin Murray, professor de direito na Universidade de Newcastle.

O Acordo de Belfast pôs fim a décadas de conflito violento na Irlanda do Norte entre setores leais ao governo em Londres e republicanos irlandeses. Ele prevê, entre outras coisas, uma fronteira aberta entre a Irlanda do Norte – que é parte do Reino Unido e, portanto, está fora da UE – e a vizinha República da Irlanda – que é independente e, por isso, continua na UE.

Antes do Brexit, essa preocupação não existia: pessoas e mercadorias circulavam dentro de um espaço legal e econômico unificado. Como a volta de uma fronteira tangível pós-Brexit arriscaria a paz na Irlanda do Norte, o Reino Unido aceitou que certas regras da UE continuassem a valer na Irlanda do Norte.

A decisão que suspendeu a Lei de Ruanda na Irlanda do Norte não a invalida no restante do Reino Unido – isto é, na Grã-Bretanha, formada por Inglaterra, País de Gales e Escócia. Mas o professor Murray ressalta que isso torna as coisas mais difíceis para o governo britânico. "Por exemplo: historicamente o governo teria distribuído requerentes de asilo por acomodações em todo o Reino Unido. Agora, se eles entrarem no espaço da Irlanda do Norte, eles têm essas proteções adicionais."

Antes desse julgamento, muitos imigrantes já tentavam cruzar do Norte para a República da Irlanda para escapar da deportação para Ruanda. De acordo com a ministra da Justiça da Irlanda, Helen McEntee, é assim que atualmente 80% de todos os requerentes de asilo estão entrando no país, o equivalente a mais de 6 mil pessoas desde o início do ano. O gabinete dela avalia maneiras de devolver esse imigrantes à Grã-Bretanha.

O premiê irlandês lembrou seu colega britânico, Rishi Sunak, de um acordo assinado em 2020, pelo qual o Reino Unido se compromete a receber de volta imigrantes que entraram na República da Irlanda vindos do Norte. Sunak, por sua vez, alega que o acordo regulava apenas questões processuais e não continha obrigações legais.

Para Sunak, que deve perder o cargo nas próximas eleições daqui a alguns meses, outros países da UE, como a França, é que têm que receber esses imigrantes de volta.

Crise de moradia empurra brasileiros para rua em Portugal

De olho no Parlamento Europeu, ultradireita faz comício com líderes internacionais

A três semanas das eleições ao Parlamento Europeu, o partido de ultradireita espanhol Vox exibiu em comício neste domingo (19/05) em Madrid o apoio de líderes internacionais como o presidente argentino Javier Milei, a candidata francesa à presidência Marine Le Pen e o presidente do partido português anti-imigração Chega, André Ventura.

Como seus aliados em outros países da União Europeia, o Vox espera ampliar suas cadeiras ao surfar em uma onda populista nas eleições do bloco, em 9 de junho.

O evento aconteceu sob forte esquema de segurança, dias depois de um atentado contra o primeiro-ministro da Eslováquia, o também ultradireitista Robert Fico, e foi marcado por hostilidades à imprensa.

Líder do Vox, Santiago Abascal pediu a um público de 10 mil pessoas união para derrotar a ameaça representada pela esquerda. "Diante do globalismo e da alma socialista, precisamos responder com uma aliança global que defenderá o senso comum, porque essa é uma ameaça a todos nós."

Além de bandeiras da Espanha, havia entre o público também bandeiras do Brasil, Argentina, Cuba, Venezuela e Israel.

A primeira-ministra da Itália, Georgia Meloni, participou por videoconferência e falou ao público em espanhol, criticando a migração irregular e a barriga de aluguel.

Também por vídeo, o presidente húngaro Viktor Orbán e o ex-primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki exaltaram o que chamaram de valores cristãos europeus e advertiram contra o "veneno" da "propaganda de gênero".

Participaram do evento, ainda, o líder ultradireitista chileno Jose Antonio Kast e o ministro israelense para Assuntos da Diáspora, Amichai Chakli.

O Vox pode passar de quatro a seis assentos no Parlamento Europeu, caso se confirmem os 8,8% de intenção de votos medidos em uma pesquisa Cluster 17 divulgada na última sexta-feira.

Seu melhor desempenho em eleições gerais foi em 2019, quando levou 52 das 350 cadeiras no Congresso dos Deputados, a câmara baixa da Espanha. O sucesso, à época, foi impulsionado pelo fracasso da campanha pró-independência da Catalunha. Desde então, o partido encolheu e passou a 33 cadeiras, mas ainda é a terceira maior força na casa.

Milei volta a atacar primeiro-ministro espanhol

Milei foi aplaudido de pé por um discurso em que se voltou contra "esquerdistas". "Abrir a porta para o socialismo significa convidar a morte a entrar." O argentino também agradeceu a Abascal por estar ao lado dele quando era "mais solitário que Adão no dia das mães".

Um homem discursando para uma plateia e cercado por telões
O presidente argentino, Javier Milei, discursa em evento do partido espanhol de ultradireita Voxnull Manu Fernandez/AP/picture alliance

Um dia antes, Milei, que vem trocando farpas com o primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sanchez, disse que o socialismo "é o câncer da humanidade".

No domingo, o argentino voltou a alfinetar o presidente, chamando a mulher dele, Begoña Gómez, de "corrupta". Em resposta, o governo espanhol convocou sua embaixadora em Buenos Aires para consultas.

Gómez foi acusada por um grupo de ativistas anticorrupção, mas o Ministério Público espanhol disse posteriormente que abandonaria o caso por falta de evidências.

Ministro das Relações Exteriores espanhol, José Manuel Albares ameaçou a tomada de "medidas apropriadas" para defesa da "soberania e dignidade" da Espanha caso Milei não faça um "pedido público de desculpas".

Albares realçou que Milei "foi recebido na capital de Espanha de boa-fé" e tratado "com todo o respeito e deferência devida", tendo sido colocado à disposição do Presidente da Argentina "os recursos públicos do Estado espanhol necessários" para a sua estadia, e que as palavras dele "ultrapassam qualquer tipo de diferença política e ideológica".

Milei chegou a Madrid na sexta-feira e regressou no domingo à Argentina, depois de participar do evento do Vox. Foi a primeira viagem do mandatário argentino à Espanha. Milei, contudo, quebrou o protocolo ao recursar encontros com autoridades espanholas.

ra (Reuters, EFE, Lusa, ots)

Por que Zelenski segue governando Ucrânia mesmo sem eleição?

O mandato de cinco anos de Volodimir Zelenski como presidente da Ucrânia terminou formalmente nesta segunda-feira (20/05). Em condições normais, uma eleição teria sido realizada em março, mas o Parlamento adiou o pleito pois o país está em guerra contra a Rússia e sob lei marcial. Contudo uma questão importante permanece entre os ucranianos: quem poderá suceder Zelenski quando ele deixar o cargo?

No início de 2024, poucos políticos e comentaristas avaliavam em público quem poderia, ou deveria, suceder Zelenski. No final de fevereiro, quando ele fez uma retrospectiva dos últimos dois anos da luta contra a Rússia, Zelenski descartou qualquer debate que questionasse sua legitimidade como uma "narrativa hostil".

Em conversa com jornalistas, Zelenski disse que nem os aliados do país nem ninguém na Ucrânia estava fazendo tais perguntas, e que qualquer especulação desse tipo era "parte do programa da Federação Russa".

Juristas ucranianos consultados pela DW disseram ter a expectativa de que Zelenski permaneça no poder até que um novo presidente seja eleito. "A Constituição ucraniana afirma isso claramente", disse Andriy Mahera, do Centro de Política e Reforma Legal em Kiev. "O presidente não perde automaticamente seus poderes cinco anos após a posse. Esses poderes só são removidos quando o presidente recém-eleito assume o cargo, ou seja, após as eleições."

Atualmente, realizar eleições presidenciais e parlamentares está fora de questão. A Constituição da Ucrânia impõe uma restrição temporária à primeira, enquanto a lei marcial proíbe ambas – em parte, segundo as autoridades, para proteger os eleitores de danos.

Zelenski deve renunciar?

A lei marcial também restringe certas liberdades civis. "Alguns direitos e liberdades constitucionais são restritos, por exemplo, o direito à liberdade de expressão, de reunião pacífica e à liberdade de movimento", disse Mahera. A Comissão Eleitoral Central e o Instituto de Legislação e Perícias Científicas e Legais da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia emitiram avaliações semelhantes no início do ano.

Políticos ucranianos veteranos entraram no debate. Hryhoriy Omelchenko, ex-parlamentar e membro da comissão que elaborou a Constituição em meados da década de 90, disse que não é uma coincidência o fato de a extensão dos mandatos presidenciais não ser regulamentada, acrescentando que isso serve como proteção.

Mesmo assim, Omelchenko escreveu uma carta a Zelenski – publicada no jornal Ukrajina Moloda em março – pedindo que o presidente "não usurpe o poder do Estado" e que renunciasse voluntariamente em maio.

Ruslan Stefanchuk de perfil falando em microfone
O presidente do Parlamento, Ruslan Stefanchuk, filiado ao mesmo partido que Zelenski, é visto como um possível substitutonull Ukrainian Presidential Press Off/Zumapress/picture alliance

A legitimidade de Zelenski deriva não apenas da lei, mas também do seu amplo apoio popular. Uma pesquisa realizada em janeiro pelo Razumkov Center da Ucrânia apontou que 69% dos entrevistados confiam em Zelenski. Menos de um quarto disse que não confia no presidente.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS) no início de fevereiro apontou que 69% dos entrevistados achavam que Zelenski deveria permanecer no poder até o fim da lei marcial. Apenas 15% dos entrevistados apoiavam a realização de eleições nas circunstâncias atuais, e 10% queriam que Zelenski entregasse o poder ao presidente do Parlamento, Ruslan Stefanchuk.

O diretor executivo do KIIS, Anton Hrushetskyi, disse à DW que qualquer um dos dois últimos cenários envolveria o risco de minar a legitimidade do governo e desestabilizar a Ucrânia.

"Milhões de pessoas estão no exterior, milhões vivem sob ocupação, centenas de milhares estão servindo no exército – se os cidadãos não puderem participar das eleições, como eleitores ou candidatos, isso prejudicará a legitimidade dos resultados das eleições", disse.

Tribunal Constitucional deve se manifestar

Juristas disseram à DW que o Tribunal Constitucional da Ucrânia deverá se manifestar sobre os poderes do presidente e o momento da eleição. "Somente o Tribunal Constitucional pode interpretar a Constituição para verificar se outras leis estão de acordo com ela", disse Mahera.

O presidente, o governo, a Suprema Corte, um grupo de 45 parlamentares ou o comissário de direitos humanos do Parlamento precisariam recorrer ao Tribunal Constitucional para analisar a questão.

O site de notícias Dzerkalo Tyzhnia informou no final de fevereiro que o gabinete de Zelenski estava preparando em uma petição sobre o tema ao Tribunal Constitucional, que seria apresentada por 45 parlamentares do partido Servo do Povo, de Zelenski.

A legenda afirma que Zelenski tem total legitimidade para seguir no cargo, e a oposição está amplamente de acordo. Vários partidos na Ucrânia disseram que não tinham intenção de recorrer ao Tribunal Constitucional, destacando um acordo interpartidário para não realizar eleições até o fim do vigor da lei marcial.

Entenda a crise no território francês da Nova Caledônia

Separados por 16.500 quilômetros, Paris e o território ultramarino francês da Nova Caledônia não poderiam estar muito mais distantes. Na última quarta-feira, o presidente da França, Emmanuel Macron, mudou planos de viagem para permanecer na capital francesa a fim de liderar as reuniões de gerenciamento de crise no território do Pacífico Sul.

Desde a semana passada, o arquipélago é palco de violentos protestos de separatistas que já deixaram ao menos seis mortos, centenas de feridos e mais de 200 presos.

Na quarta-feira, a França impôs estado de emergência na Nova Caledônia, anunciando medidas que incluem o deslocamento de membros das Forças Armadas para a região, toque de recolher noturno e a suspensão do serviço de vídeos TikTok. Segundo o governo francês, a última vez em que medidas do tipo foram baixadas foi em 1985.

Quando a Nova Caledônia se tornou francesa?

A Nova Caledônia está localizada no sudoeste do Oceano Pacífico, a cerca de 1.300 quilômetros da costa da Austrália. O território compreende a ilha principal da Nova Caledônia e várias ilhas menores.

O explorador britânico James Cook foi o primeiro europeu a pisar no local em 1774, mais de 2 mil anos após o início do povoamento do arquipélago. O cenário montanhoso da parte nordeste da ilha principal lembrou a Cook sua terra natal, a Escócia – Caledônia em latim –,  e foi assim que a ilha ganhou o nome que ostenta até hoje.

À época, viviam na ilha cerca de 60 mil membros do povo originário Kanak, maior etnia do arquipélago. Com a chegada dos europeus, muitos deles acabaram sendo forçados a viver em reservas.

Nas décadas seguintes, marinheiros e missionários cristãos do Reino Unido e da França chegaram e se estabeleceram na Nova Caledônia.

Em 1853, sob o comando de Napoleão 3º, a França tomou posse formal da ilha, que no início foi usada principalmente como colônia penal. Depois que o níquel foi descoberto, a mineração passou a ser levada a sério, com o setor logo se expandindo para incluir também a extração de cobre.

Em 1887, o "Code de l'indigénat" (código indígena) da França foi aplicado à Nova Caledônia. Esse conjunto de leis submeteu as populações indígenas das colônias francesas a regras rígidas e negou-lhes certos direitos civis. Muitos kanaks foram escravizados e forçados a trabalhar na Nova Caledônia ou em outras partes do mundo.

Desde o início, o povo Kanak fez várias tentativas fracassadas de se livrar do poder colonial. Quando o arquipélago se tornou um território ultramarino francês após a Segunda Guerra Mundial – assim como algumas das outras colônias da França no Pacífico e no Caribe – os kanaks da Nova Caledônia receberam a cidadania francesa e gradualmente obtiveram o direito de votar.

Atualmente, os kanaks representam cerca de 40% da população da Nova Caledônia, que é de aproximadamente 270 mil habitantes. O segundo maior grupo, com 24%, são de pessoas de origem europeia – em sua maioria, franceses.

Além disso, a moeda do território é atrelada ao euro, e seus cidadãos podem votar tanto nas eleições francesas quanto nas eleições para o Parlamento Europeu.

Demandas contínuas por independência

Desde a década de 1970, a Nova Caledônia tem feito contínuas reivindicações de independência, que são apoiadas por grande parte do povo Kanak. As Nações Unidas também apoiaram essas demandas e, em 1986, a Assembleia Geral da ONU reinscreveu a Nova Caledônia em sua lista de "territórios não autônomos". Em 1988, a França concordou em conceder mais autonomia à Nova Caledônia.

Pessoas com bandeiras da Nova Caledônia
Reivindicações de independência são apoiadas por grande parte do povo Kanaknull Theo Rouby/AFP

Mas a maioria da população – especialmente os descendentes de colonialistas franceses – quer que a Nova Caledônia continue fazendo parte da França.

Um dos motivos é econômico: de acordo com o governo da vizinha Austrália, os 1,5 bilhão de euros que a Nova Caledônia recebeu de Paris em pagamentos de orçamento direto em 2020 representaram cerca de 20% da produção econômica geral do território naquele ano.

Nos referendos de independência realizados em 2018 e 2020, apenas 43,6% e 46,7% dos participantes votaram a favor, respectivamente. Já em 2021, um novo referendo foi boicotado pelos partidos de independência, levando a um resultado distorcido de quase 97% contra.

Indignados com a nova lei de direito de voto

A indignação agora manifestada por muitos defensores da independência na Nova Caledônia surgiu após uma reforma constitucional aprovada recentemente pelo Parlamento francês que estendeu o direito ao voto nas eleições regionais a franceses que vivem há mais de dez anos no arquipélago.

Até então, além da população originária, esse direito era reservado apenas a imigrantes que viviam no território desde antes de 1998 e aos filhos deles. Ou seja, os residentes que chegaram da França continental ou de qualquer outro lugar nos últimos 25 anos não têm o direito de participar das eleições locais.

Macron ainda não assinou a lei. Os protestos são, portanto, uma tentativa de dissuadir o presidente de dar prosseguimento com a reforma constitucional.

O movimento pró-independência teme que a inclusão de tantos novos eleitores dilua seu próprio peso político. Opositores da lei dizem que ela vai beneficiar políticos pró-França e marginalizar os kanaks, que no passado sofreram sob políticas rigorosas segregacionistas e discriminação.

Interesses geopolíticos e econômicos

A França, que é uma potência nuclear com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU, continua se vendo como uma potência global. Suas forças armadas têm bases aéreas e navais na Nova Caledônia, que são de importância geopolítica.

Além disso, os recursos naturais do arquipélago são de grande importância econômica. Em 2021, 190 mil toneladas de níquel foram extraídas do território, de acordo com estimativas dos Estados Unidos. No mundo, somente a Indonésia, as Filipinas e a Rússia produziram mais.

O movimento pró-independência da Nova Caledônia também recebeu apoio de um aliado inesperado, a ex-república soviética do Azerbaijão, que a França acusou de interferência.

Em um artigo recente, o veículo americano Politico disse que Philippe Gomès, ex-chefe de governo da Nova Caledônia, acusou o Azerbaijão de "financiar ativamente a Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista". O ministro do Interior da França, Gérald Darmanin, fez alegações semelhantes.

O Azerbaijão rejeitou as alegações de que está por trás dos recentes distúrbios na Nova Caledônia.

Mapa do Arco-Íris mostra direitos LGBT estagnados na Europa

Por ocasião do Dia Internacional de Ação contra Homofobia, Transfobia, Interfobia e Bifobia, a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais da Europa (Ilga-Europe) publicou nesta sexta-feira (17/05) o Mapa do Arco-Íris 2024, com base em dados do ano anterior.

O gráfico, que vem sendo divulgado há 11 anos, ilustra o estado dos direitos dos indivíduos LGBTQ+ nos 49 países do continente, com base num extenso catálogo de critérios para avaliar a igualdade em relação aos heterossexuais, proteção contra crimes de ódio e discriminação, integração em atividades sociais e autodeterminação de gênero.

Com 88 de 100 pontos, o primeiro lugar coube a Malta, que há anos ocupa o topo da lista. Em segundo veio a Islândia, com 83 pontos. Entre os países da União Europeia mais bem cotados estiveram Bélgica, Luxemburgo, Espanha, Dinamarca, Finlândia e Grécia, todos com mais de 70 pontos.

De um modo geral, pode-se afirmar que quanto mais a norte e a oeste, mais bem ancorados estão os direitos LGBTQ+ no continente. Nos últimos lugares aparecem Rússia, Azerbaijão e Turquia; enquanto o país da UE menos cotado é a Polônia, com apenas 17 pontos, após dez anos governado pelo partido nacional-conservador Lei e Justiça (PiS).

Quem caiu, quem subiu

A situação piorou na Itália depois que a coalizão de extrema direita, formada por Irmãos da Itália (FdI), Liga e Força Itália, assumiu o poder. De qualquer modo, há anos o país se situa na última terça parte do ranking da UE, pois simplesmente faltam muitas regulamentações sobre paternidade, adoção e matrimônio para todos, explica Katrin Hugendubel, diretora para Políticas Legais da Ilga.

O governo da primeira-ministra Giorgia Meloni aproveita essas lacunas na lei para impor sua visão de família composta exclusivamente por genitores heterossexuais. "Leis são simplesmente importantes para nos assegurar também contra as mudanças políticas. E nesse ponto estamos vendo pouco movimento positivo."

Hugendubel observa que, no total, o ranking dos países pouco se alterou, por quase não haver iniciativas para consagrar em lei os direitos LGBTQ+. Uma exceção é a Alemanha, que aprovou recentemente a lei de autodeterminação da identidade de gênero, algo que só é possível em 11 dos 49 Estados examinados.

No entanto "em muitos outros países há simplesmente uma estagnação, ou seja, nenhuma nova lei é aprovada", aponta a subdiretora da ONG. "Numa época em que vemos a ascensão do ódio e da violência, em que governos tentam subverter os direitos humanos, sobretudo os LGBTQ+, isso é muito perigoso."

Mais visibilidade, mais hostilidade

A Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA) também marcou o Dia de Ação contra Homofobia com a publicação de um estudo abrangente, tendo consultado 100 mil LGBTQ+ de todo o continente sobre como avaliam sua situação atual.

Por um lado, é possível viver de forma mais aberta a própria identidade: agora fala-se mais sobre o assunto nas escolas do que cinco anos atrás, quando se realizou a pesquisa anterior. Mas por outro, também se intensificaram a discriminação, assédio e discursos de ódio. Mais de 10% dos consultados já sofreu agressão violenta.

"Vemos que a abertura aumentou: pessoas LGBTQ+ mostram mais quem são, exigem com mais frequência participação na vida social. Mas justamente por fazê-lo e estarem mais visíveis, em especial os mais jovens, a tendência é também serem mais alvo de violência e bullying", explica Miltos Pavlou, da FRA.

"Nós vemos aí um contexto maior. O ódio e a violência não se dirigem apenas contra LGBTQ+, mas há também uma difusão maior do ódio online. Esperamos que a UE empregue novos dispositivos legais para combater isso com mais eficácia", reivindica o orientador do estudo.

A FRA não estabelece um ranking os países europeus: "Não ficamos apontando os erros dos países, pois há problemas em todos, como, por exemplo, bullying nas escolas." Além do mais varia muito, de país para país, se crimes de ódio e discriminação são denunciados ou não, ressalva Pavlou.

Katrin Hugendubel, da associação Ilga-Europe, também alerta que a existência de um quadro legal não é necessariamente sinônimo de aceitação na realidade social de um determinado país. Na Hungria, muito restritiva do ponto de vista jurídico (30º lugar no Mapa do Arco-Íris), com um governo nacional-conservador, mais da metade dos consultados se pronunciou a favor da adoção do casamento para todos.

"Porta do inferno" na Sibéria cresce em ritmo assustador

Uma colaboração internacional de cientistas alemães e russos revelou que a misteriosa cratera de Batagaika, na Sibéria, popularmente conhecida como "porta do inferno", se expande em ritmo alarmante de até um milhão de metros cúbicos por ano devido ao derretimento do permafrost.

Localizado na remota República de Sakha, na região oriental da Rússia, o fenômeno natural de um quilômetro de extensão foi descoberto em 1991 por meio de imagens de satélite, após o colapso de uma encosta nas terras altas de Yana, ao norte de Yakutia.

O fenômeno removeu a cobertura de permafrost – uma camada de gelo, rocha e sedimentos – que permaneceu congelado por 650 mil. É o mais antigo permafrost da Sibéria e o segundo mais antigo do mundo, de acordo com o portal científico Live Science.

Impacto das mudanças climáticas

O Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) explica que esses sumidouros geralmente ocorrem quando a rocha subterrânea, composta de calcário, carbonato e outros sais solúveis, se dissolvem em água. 

Essa cratera, ou, segundo o termo técnico, uma depressão termocárstica, é um sinal claro do impacto das mudanças climáticas, já que o aumento das temperaturas derrete o "cimento gelado" que mantêm a solidez da terra, debilitando sua estrutura. 

À medida em que a terra mais congelada expulsa o calor, o tamanho da cratera aumenta de maneira significativa.

Pesquisadores da Universidade Estatal de Lomosonov, em Moscou, e do Instituto Melnikov para o Permafrost, em colaboração com cientistas alemães, utilizaram um modelo geológico em 3D e determinaram que a parede da encosta está retrocedendo cerca de 12 metros por ano, enquanto a seção colapsada, que atualmente atinge 55 metros abaixo da borda, também derrete rapidamente.

Segundo o estudo publicado no jornal científico Geomorphology, a cratera cresceu 200 metros desde 2014, chegando a uma largura de 990 metros. Embora os cientistas já soubessem que a abertura estava se expandindo, esta foi a primeira vez em que foi possível quantificar o volume de gelo em derretimento.

Motivos para preocupação

Apesar de a Batagaika estar distante de qualquer grande cidade russa, sua rápida expansão é um indicador crítico do aquecimento do permafrost subjacente, segundo relata o portal Interesting Engineering.

O permafrost, que são os solos permanentemente congelados por mais de dois anos, cobrem vastas regiões do Hemisfério Norte. O degelo dessas camadas não provoca apenas os sumidouros, mas também reduz a vegetação que protege do calor solar, acelerando o aquecimento do solo.  

Ao se descongelar, a matéria orgânica aprisionada no permafrost se decompõe, liberando dióxido de carbono na atmosfera, o que contribui para o aquecimento global. O degelo da Batagaika libera cerca de 5 mil toneladas de carbono a cada ano. Desde a década de 1970 até 2023, calcula-se que apenas essa cratera tenha liberado 169,5 mil toneladas de carbono orgânico, afirmam os pesquisadores.

Ainda mais alarmante é o fato de que o sumidouro pode potencialmente liberar na atmosfera antigos micróbios perigosos, para os quais não estamos preparados. A descoberta reforça a urgência de compreendermos e mitigarmos os efeitos das mudanças climáticas em nosso fragilizado ecossistema global.

rc/le (DW)

Como China ajuda a armar a Rússia na guerra contra a Ucrânia

Após a nomeação do economista Andrei Belousov como novo ministro da Defesa, o presidente russo, Vladimir Putin, vai visitar nesta semana o presidente chinês, Xi Jinping. A China tem sido, conforme um novo estudo dos EUA, o fornecedor mais importante de microeletrônica e máquinas-ferramentas para o setor de defesa russo desde 2023. Putin está demonstrando que deseja continuar a moldar indústria russa em direção a uma economia de guerra.

Já no final de 2023, a Sociedade Alemã de Política Internacional (DGAP) calculou em uma análise que, na pior das hipóteses, a Otan teria apenas cinco anos para manter seu potencial de dissuasão contra um possível ataque russo a um país da aliança militar ocidental.

O autor do estudo, Christian Mölling, chefe do Centro de Segurança e Defesa da DGAP, atualizou sua análise com vistas ao armamento da Rússia na guerra contra a Ucrânia. "Putin só vive por meio dessa guerra", diz Mölling em entrevista à DW. "Ele precisa da guerra porque evocou espíritos demais, que podem não ser capazes de aceitar a paz."

Confronto com a Otan?

O armamento da Otan está, portanto, diretamente entrelaçado com o fornecimento de armas das cerca de 50 nações que apoiam a Ucrânia sob a liderança dos EUA.

Em um estudo publicado em abril, o think tank americano Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) chegou à conclusão de que "as reformas militares abrangentes em andamento de Putin" na guerra contra a Ucrânia "indicam que a Rússia pode estar se preparando para um confronto com a Otan nas próximas duas décadas, incluindo uma guerra convencional em grande escala".

O instituto em Washington, que, de acordo com relatos da mídia americana, é próximo ao setor de defesa dos EUA, examinou o fornecimento de produtos do exterior para o setor de armas russo e a evasão das sanções ocidentais pela segunda vez desde o início da grande invasão russa na Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.

Importações que burlam as sanções ocidentais

Para isso, os pesquisadores analisaram dados disponíveis publicamente sobre o comércio de mercadorias para a Rússia, especialmente em relação à microeletrônica para mísseis e bombas planadoras. O CSIS também analisou o comércio das chamadas máquinas CNC, ou seja, máquinas controladas por computador para processamento de metais.

Andrei Belousov
Economista Andrei Belousov foi nomeado como novo ministro da Defesa de Putinnull Sergei Bobylev/TASS/dpa/picture alliance

Elas são usadas para a construção de projéteis de artilharia e outras munições. "O setor de defesa russo encontrou maneiras de adquirir o que precisa para aumentar a produção de armas", afirma a análise do CSIS.

"O Kremlin continua a depender de componentes estrangeiros importados por meio de uma complicada rede de intermediários. Isso tem se mostrado fundamental para abastecer os militares russos na Ucrânia."

De acordo com o relatório, a China se tornou o fornecedor mais importante da Rússia desde o início de 2023. "Quase todos os principais exportadores de microeletrônica estão sediados na China e em Hong Kong, com uma empresa sediada na Turquia."

Alta das importações chinesas em março de 2023

As exportações de microeletrônicos da China para a Rússia dispararam em março de 2023. Naquela época, o presidente chinês, Xi Jinping, visitou em Moscou o presidente russo, Vladimir Putin.

"As importações russas de máquinas CNC de empresas chinesas – que são usadas para fabricar peças de precisão para vários sistemas de armas, desde munição até aeronaves – também aumentaram acentuadamente nos meses seguintes à reunião entre Xi e Putin em março de 2023", afirma o CSIS.

Em vários gráficos, o instituto mostra que, entre março e julho de 2023, empresas da China e de Hong Kong forneceram eletrônicos à Rússia entre 200 mil e 300 mil vezes por mês.

Muitos drones para Moscou, poucos para Kiev

A comparação é particularmente interessante quando se trata dos drones fornecidos: "A Rússia recebeu pelo menos 14,5 milhões de dólares (R$ 74,7 milhões) em entregas diretas de drones de empresas comerciais chinesas, enquanto a Ucrânia só recebeu drones e componentes da produção chinesa no valor de cerca de 200 mil dólares, a maioria deles de intermediários europeus", afirma o relatório do CSIS.

Algumas das empresas da China e de Hong Kong que fazem entregas para a Rússia também fazem negócios com a Ucrânia. Se elas estiverem sujeitas a sanções da UE ou dos EUA, isso levaria a um dilema. Afinal, as restrições comerciais poderiam, em última instância, afetar também a Ucrânia.

Por fim, os pesquisadores americanos concluem que "o setor industrial russo tornou-se completamente dependente da China no que se refere a máquinas-ferramentas e componentes importantes para a produção bélica".

Isso é consistente com as investigações na Ucrânia. Lá, os mísseis, bombas planadoras e drones russos interceptados pelo sistema de defesa aérea ucraniano estão sendo desmontados em suas partes individuais.

"Desde o ano passado, o Exército ucraniano identificou principalmente eletrônicos de fabricação chinesa nas armas russas", diz o especialista em sanções ucraniano Vladislav Vlasiuk, da administração presidencial ucraniana, em entrevista à DW.

Menos alta tecnologia nas armas russas

Ao contrário de antes da invasão da Ucrânia, a Rússia está produzindo cada vez mais munições e armas para as quais os componentes ocidentais de alta tecnologia são completamente desnecessários. Acima de tudo, as bombas planadoras e os drones de combate Shaed originalmente do Irã.

Vladislav Vlasiuk
"Se importações de microeletrônica fossem interrompidas, Rússia não produziria mais armas", diz Vlasiuknull DW

Desta forma, desde o início de 2024, a Força Aérea da Rússia tem sido cada vez mais bem-sucedida em superar as defesas aéreas ucranianas, que, por sua vez, sofre de escassez de mísseis de defesa ocidentais. Atualmente, é uma batalha de projéteis de artilharia de fabricação barata e de bombas planadoras com eletrônica chinesa contra mísseis antiaéreos ocidentais com muita tecnologia de ponta, dos quais a Ucrânia tem muito poucos.

"Se todas as importações de microeletrônica para a Rússia fossem interrompidas amanhã, eles não conseguiriam produzir as armas", acredita Vlasiuk.

Assim, a Rússia já conseguiu mudar com sucesso seu setor de defesa para componentes mais simples, que são adquiridos principalmente da China. No primeiro ano da guerra, a Ucrânia conseguiu garantir vários produtos ocidentais de alta tecnologia através das armas russas – muitos deles originários da Europa e, principalmente, da Alemanha.

"Dos principais componentes e eletrônicos de que o Kremlin precisa para sua máquina de guerra, ele mudou de componentes militares personalizados de alto desempenho" para as chamadas tecnologias de uso duplo, que podem ser usadas tanto para fins civis quanto militares, "ou mesmo tecnologias puramente civis", escreve o CSIS em sua análise. Em outras palavras, mercadorias que até hoje não são cobertas pelas sanções ocidentais.

 

Festival de Cannes começa com filme brasileiro na competição

O Festival de Cinema de Cannes começa nesta terça-feira (14/05) no sul da França, com um filme brasileiro, Motel destino, do diretor Karim Aïnouz, entre os concorrentes da competição oficial.

O brasileiro radicado em Berlim, que já foi premiado na mostra paralela Um Certo Olhar, volta ao festival com uma história de amor estrelada por Fábio Assunção, Nataly Rocha e Iago Xavier.

Karim Aïnouz
Karim Aïnouz volta a Cannes, desta vez na competição oficial do festivalnull Niviere David/ABACAPRESS.COM/picture alliance

Mas são as produções francesas e americanas que dominam a principal competição, incluindo o monumental Megalópolis, do diretor americano Francis Ford Coppola. O drama futurista de ficção científica com ecos do Império Romano é sobre um arquiteto que quer transformar Nova York numa utopia.

Ao todo, 22 filmes estão na competição oficial do festival, que prossegue até o dia 25 de maio e tem um tom político, com filmes sobre o ex-presidente dos EUA Donald Trump, um documentário sobre a guerra na Ucrânia e um curta-metragem sobre o movimento Me Too na França. A abertura do festival, nesta terça-feira, será com a comédia O segundo ato, do diretor francês Quentin Dupieux (fora de competição).

O Brasil também concorre na competição de curtas-metragens com Amarela, do diretor André Hayato Saito. Mais dois filmes serão exibidos em mostras paralelas: A queda do céu, um documentário sobre o povo yanomami, e Baby, de Marcelo Caetano. Por fim, Lula, documentário do celebrado diretor americano Oliver Stone sobre o presidente brasileiro, terá sua estreia no festival.

Um filme sobre Donald Trump

Também estão na competição oficial o mais recente trabalho de Giorgos Lanthimos (Kinds of kindness), que retrata a vida de três pessoas muito diferentes nos EUA, e Emilia Perez, de Jacques Audiard, uma comédia sobre um chefe do tráfico mexicano que quer deixar seu passado para trás e começar uma nova vida como mulher.

Mas muitos deverão voltar suas atenções para O Aprendiz, um filme sobre a carreira de Donald Trump em Nova York na década de 1980. O ator Sebastian Stan, que fez o Capitão América em filmes de super-heróis da Marvel, interpreta o ex-presidente dos EUA, enquanto a atriz indicada ao Oscar por Borat, Maria Bakalova, aparece como Ivana Trump, então esposa do republicano. O filme é dirigido pelo cineasta iraniano-dinamarquês Ali Abbasi (de Border).

Imagem do filme "O Aprendiz"
Ator de "Capitão América" incorpora o bilionário Donald Trump (d) em "O Aprendiz"null Scythia Films

Fora da competição, o cineasta ucraniano Sergei Loznitsa estará apresentando seu novo documentário A invasão – dez anos depois de Maidan, que mostrou os protestos ucranianos que levaram à derrubada do então presidente pró-Kremlin Viktor Yanukovych. A invasão trata da guerra de agressão russa contra a Ucrânia. O diretor disse querer mostrar como a guerra está mudando o seu país.

Apenas quatro filmes dirigidos por mulheres

O filme A semente da figueira sagrada, do vencedor da Berlinale Mohammad Rasoulof, também será exibido no Festival de Cannes. Um tribunal de apelação iraniano acaba de condenar o diretor e crítico do regime dos mulás a oito anos de prisão por "conspiração contra a segurança nacional". Segundo o advogado dele, a sentença inclui chicotadas, multa e confisco de bens. Pouco depois da condenação, Rasoulof deixou o Irã. Em 2020, em Berlim, ele foi premiado com o Urso de Ouro pelo filme Não há mal algum. Rasoulof não pôde receber o prêmio porque não tinha permissão para deixar o Irã na época.

O que pode passar despercebido em meio ao burburinho e ao glamour de Cannes é que apenas quatro dos 22 filmes da competição oficial foram dirigidos por mulheres. O movimento Me too estará presente, porém, com o filme Moi aussi, dirigido pela atriz francesa Judith Godrèche, e que aborda justamente histórias de vítimas de violência sexual. O filme será exibido nas seções Um Certo Olhar e Cinema da Praia.

Pela primeira vez haverá uma competição para o chamado cinema imersivo, que utiliza tecnologias como realidade virtual ou realidade aumentada, possibilitadas pelo uso da inteligência artificial.

Ameaça de greve dos trabalhadores do cinema

E uma ameaça de greve ronda a Croisette. A associação Sous les écrans la dèche (Sob as telas, a maré está baixa) está ameaçando interromper as operações do festival. A associação de trabalhadores, que afirma ter 5 mil membros, está reclamando da crescente precarização das profissões relacionadas ao cinema. Ela também critica as últimas reformas no sistema de seguro-desemprego francês.

A associação representa várias categorias profissionais necessárias para o funcionamento de um festival da escala desse evento, como projecionistas, legendadores de filmes, funcionários de bilheteria e assessores de imprensa, entre outros.

Streep recebe prêmio honorário

A 77ª edição do Festival de Cannes vai ainda homenagear a atriz americana Meryl Streep. Ela receberá a Palma de Ouro honorária pela sua obra. Com mais de 60 filmes, ela deixou sua marca em quase meio século da história do cinema. Em filmes como Kramer vs. Kramer, Entre dois amores e O diabo veste Prada, Streep alcançou o status de ícone das telas. A atriz, hoje com 74 anos, recebeu três Oscars em 21 indicações.

Meryl Streep
Meryl Streep será homenageada com a Palma de Ouro honorárianull CJ Rivera/Invision/AP/picture alliance

Ao lado dela, o criador da série Guerra nas Estrelas, George Lucas, que estará comemorando seu 80º aniversário em Cannes, também será homenageado com uma Palma de Ouro honorária. Outro prêmio honorário irá para o estúdio de animação japonês Ghibli.

O júri do festival deste ano é presidido pela cineasta Greta Gerwig, que recentemente dirigiu Barbie. Quem acompanha o festival francês espera que, assim como em anos anteriores, filmes da competição em Cannes tenham destaque também no Oscar. Foi assim com o vencedor da Palma de Ouro de 2023, Anatomia de um caso, de Justine Triet, mais tarde premiado com o Oscar de melhor roteiro original.

"Filmes da seleção oficial do festival conquistaram um recorde de 26 indicações ao Oscar", observou recentemente a revista alemã Der Spiegel. Houve também Oscars para o filme do diretor Jonathan Glazer sobre Auschwitz, Zona de interesse, bem como para Folhas de outono, de Aki Kaurismäki, e Dias perfeitos, de Wim Wenders.

Por que queda de Kharkiv seria um duro golpe para Ucrânia

Dois anos após a fracassada tentativa de tomar Kharkiv, a Rússia volta a avançar sobre a segunda maior cidade da Ucrânia. Até recentemente, especialistas afirmavam que as operações russas na região de Kharkiv seriam mais uma campanha de propaganda do Kremlin, e que Moscou não teria capacidade militar para tomar a cidade.

Contudo, no início de maio, o Exército russo conseguiu tomar com rapidez vários vilarejos ao norte da região de Kharkiv, aumentando as preocupações sobre segurança da cidade.

Para Kiev, há muito mais em jogo do que uma perda de território. Kharkiv é de fundamental importância para o país por vários motivos, seja como polo cultural e econômico ou como um dos símbolos da resistência ucraniana à invasão russa.

Segunda maior cidade da Ucrânia

Kharkiv já era uma cidade grande na época do Império Russo. Entre 1919 e 1934, foi a primeira capital da Ucrânia soviética. Apesar da predominância do idioma russo, a cultura ucraniana floresceu em Kharkiv entre as décadas de 1920 e 1930, quando as personalidades locais foram vítimas do terror imposto pelo ditador soviético Josef Stálin. Os nomes de muitos escritores e poetas dessa geração voltaram a ser conhecidos somente após a Ucrânia se tornar um Estado independente.

Durante o regime soviético, Kharkiv se tornou um centro industrial, científico e de transportes. A cidade herdou da União Soviética um polo industrial de alta tecnologia e importantes instituições acadêmicas, incluindo a Universidade Nacional Karasin, a Universidades de Direito e o único instituto de aviação do país. Nos anos 1930, a primeira divisão atômica ocorrida na União Soviética foi realizada em um instituto de ciências de Kharkiv.

A cidade está localizada a 40 quilômetros da fronteira com a Rússia, na intersecção de rodovias estratégicas do leste a oeste e do norte para o sul, incluindo a rota de Moscou para a Península da Crimeia a partir da região russa de Rostov.

Até recentemente, Kharkiv produzia componentes para usinas nucleares, hidrelétricas e térmicas, além de aviões, tratores e tanques. O maior mercado da Ucrânia, o Barabashovo, está localizado no centro da cidade.

Símbolo de resistência

Devido aos bombardeios russos e à consequente falta de energia elétrica, muitas das empresas não conseguem continuar operando normalmente. É improvável que a Ucrânia possa transferir todas elas para regiões mais seguras, pois essa transferência exige tempo, muito dinheiro e trens de carga – ou seja, coisas que estão em falta no país.

Casal observa restos de edifício em chamas após ataque de míssil russo
Possível batalha por Kharkiv tem potencial para se transformar na mais sangrenta da guerra até agoranull Pavlo Pakhomenko/NurPhoto/picture alliance

Algumas pequenas empresas se mudaram para o oeste da Ucrânia em 2022. Em abril, a imprensa ucraniana divulgou os planos de duas indústrias de grande porte, que se fundiram pouco antes da invasão russa, de estabelecerem filiais no oeste ucraniano.

A Rússia jamais escondeu o desejo de capturar Kharkiv. O ex-presidente russo Dmitry Medvedev anunciou abertamente que a área se tornaria a quinta região da Ucrânia a ser anexada pela Rússia no segundo semestre de 2022.

Entretanto, uma bem-sucedida contraofensiva ucraniana frustrou os planos de Moscou. Kharkiv ficou marcada como a região de onde o Exército russo literalmente fugiu, deixando para trás equipamentos e munição.

Analistas não tinham dúvidas de que a Rússia tentaria se vingar. A queda de Kharkiv e da região seria um duro golpe para a segurança energética da Ucrânia. As consequências econômicas seriam muito mais graves do que as perdas de Donetsk ou Mariupol.

Importância econômica 

Segundo estatísticas do governo, a região de Kharkiv foi a terceira que mais contribuiu para o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano em 2019 (6,3%), atrás de Kiev e Dnipropetrovsk. Além disso, a região possui a maior reserva de gás natural do país, capaz de cobrir praticamente toda a demanda nacional.

Uma possível batalha por Kharkiv tem potencial para se transformar na mais sangrenta da guerra até agora. Isso se deve às dimensões da cidade, com 350 quilômetros quadrados, e seus atuais 1,3 milhão de habitantes –aproximadamente do tamanho de Munique, na Alemanha.

O número de habitantes de Kharkiv é praticamente o mesmo de antes da invasão russa. Apesar de muitos moradores terem deixado a cidade, centenas de milhares se abrigaram em Kharkiv fugindo da região do Donbass – em grande parte ocupada pela Rússia – e de outras partes do país onde o conflito começou mais cedo.

Ucranianos colocam arames farpados em linhas de defesa ao redor de Kharkiv
Ofensiva russa não surpreendeu os ucranianos. Várias linhas de defesa foram construídas ao redor de Kharkivnull Viacheslav Ratynskyi/REUTERS

Em 2014, as tentativas de grupos de insurgentes pró-Rússia de tomar cidades no leste da Ucrânia, com a colaboração de serviços de segurança de Moscou, deram certo em Donetsk e Lugansk. Já em Kharkiv, eles foram rapidamente expulsos do edifício da administração local.

Linhas de defesa

Quando a guerra começou no Donbass, no mesmo ano, Kharkiv se tornou um hub do Exército ucraniano e um dos pontos centrais do movimento de voluntários. Ali eram feitos os reparos de equipamentos militares e os feridos podiam receber tratamento médico. Várias instalações militares da era soviética permaneceram na região, incluindo um depósito de armas e um campo de aviação militar.

A ofensiva russa no nordeste do país não pegou os ucranianos de surpresa. Várias linhas de defesa foram construídas ao redor de Kharkiv, o que não ocorreu nas áreas rurais que a cercam. A Rússia, porém, possui a vantagem estratégica de conseguir bombardear a cidade a partir de seu território.

A Ucrânia consegue retaliar somente com seus próprios mísseis de curto alcance, e não com os de longo alcance do Ocidente, devido a restrições ocidentais impostas ao país para uso desses armamentos. O Reino Unido declarou recentemente que pretende mudar isso. Entretanto, muitos países ocidentais ainda resistem à ideia de que a Ucrânia use as armas fornecidas pelos aliados para atingir alvos na Rússia.

As fake news em circulação antes das eleições da UE

Deepfakes fazem campanha para a "tia" Marine Le Pen

Em abril, circularam no TikTok vídeos de supostas sobrinhas da líder da ultradireita francesa Marine Le Pen em apoio ao partido dela, o Reagrupamento Nacional (RN).

Só que as "sobrinhas" Amandine Le Pen e Lena Maréchal não existem. Elas foram criadas com a ajuda da inteligência artificial (IA) a partir da projeção dos rostos de Marine Le Pen e de Marion Maréchal – esta, sim, sobrinha de verdade da política – nos rostos de outras pessoas.

Montagem em vídeo mostra deepfakes criados em apoio a Marine Le Pen. Acima, uma senhora idosa; abaixo, uma mulher jovem e loira com um decote profundo
Sobrinha fake gerada por IA pediu votos no TikTok para Marine Le Pennull TikTok

A mentira, um caso exemplar de deepfake, foi exposta pela imprensa francesa e também por usuários do TïkTok. O objetivo da fraude: fazer a extrema direita parecer jovem e atraente nas eleições ao Parlamento Europeu.

Os dois perfis fraudulentos das sobrinhas inexistentes foram desativados no TikTok. Segundo a imprensa francesa, uma delas tinha mais de 32 mil seguidores.

Culpa da União Europeia: chocolate "sabor grilo"

Um grilo estampado em uma embalagem verde-neon está ao lado de dois quadradinhos de chocolate da célebre fabricante Ritter Sport. O novo sabor: "grilo inteiro, edição proteica." Soa apetitoso?

A imagem foi postada pela própria marca alemã em 24 de janeiro de 2023 nas redes sociais sob a hashtag "#saborfalso", mas deixou em pânico internautas que não entenderam que se tratava de uma brincadeira.

A sátira tinha um contexto real: a União Europeia (UE) havia, de fato, autorizado a partir daquele dia o uso alimentício de grilos domésticos vendidos como pó parcialmente desengordurado.

Não era a primeira vez que a fabricante usava do humor para se promover. No passado, eles também promoveram sabores fakes tão insólitos quanto "currywurst", "dönner kebab" e "sopa de lentilhas da vovó".

Em abril de 2024, a dois meses das eleições para o Parlamento Europeu, a imagem do "chocolate de grilo" voltou a circular entre o público húngaro nas redes sociais, fora do contexto original. O que nasceu como sátira foi instrumentalizado para dar um verniz de credibilidade a uma campanha de desinformação sobre a aprovação de ingredientes alimentares à base de insetos na UE.

O caso é um exemplo de como imagens tiradas do contexto e alegações enganosas podem semear desconfiança em relação ao bloco europeu e suas instituições.

Elos familiares de Ursula von der Leyen com Hitler?

"Depois desta ocasião preciosa, minha querida avó não lavou as mãos por um mês." A citação, que acompanha uma foto saída de um suposto álbum de família da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, é um exemplo clássico de fake news politicamente motivada ao sugerir que os antepassados da política eram simpatizantes do nazismo.

Captura de tela de uma postagem no Twitter mostrando uma mulher apertando a mão de Hitler
A mulher que aperta a mão de Hitler não é a avó de Ursula von der Leyennull X/Norman Finkelstein

A mentira foi espalhada no X (antigo Twitter) pelo escritor e ativista americano Norman Finkelstein, cuja conta na plataforma reúne mais de 500 mil seguidores.

Tanto as informações sobre as pessoas na foto quanto a citação que acompanha a postagem são falsas. Como outros checadores já apontaram, a mulher na imagem não é avó de von der Leyen, mas sim Hildegard Zantop, uma fazendeira da antiga Prússia Oriental. A foto também não saiu do "álbum de família de Ursula von der Leyne [sic]", como afirmado falsamente por Finkelstein, que ainda grafou o nome da política errado. Trata-se de um registro de um evento dos nazistas em 1937, e está disponível no Bildarchiv Ostpreußen(Arquivo de Imagens da Prússia Oriental, em tradução livre).

Finkelstein já criticou von der Leyen diversas vezes, referindo-se à política como "princesa nazista" e "senhora genocídio".

Fakes se fazem passar por veículos tradicionais da imprensa alemã

Montagem fake do site alemão do tabloide Bild
Uma montagem distorce notícia publicada pelo popular tabloide alemão Bild sobre o principal candidato da ultradireitista AfD ao Parlamento Europeu, afirmando falsamente que ele estaria devendo 82 mil euros em pensão alimentícia a oito filhos

"Candidato ao Parlamento Europeu da AfD deve 82.784 euros em pensão alimentícia aos seus oito filhos!", consta de uma captura de tela que circulou no X mostrando uma notícia supostamente publicada no Bild. Só que essa notícia é falsa, nunca foi publicada no popular tabloide alemão.

Trata-se de um caso de spoofing, quando cibercriminosos fingem ser alguém que eles de fato não são, apenas para tentar tirar vantagem da credibilidade alheia – neste caso, do portal Bild.

A eficácia do método pode ser vista pelas numerosas reações de internautas à notícia falsa, que ao interagir com a montagem ajudaram a ampliar o seu alcance.

Um olhar mais atento revela a manipulação do conteúdo. A manchete original, na parte superior da página, diz: "Maximilian Krah (AfD): Será ele mesmo o melhor para a Europa?" O farsante, ao adulterar a manchete em letras garrafais, esqueceu-se de adulterar também esse detalhe.

Uma busca pela manchete original leva à verdadeira notícia sobre Krah publicada pelo Bild em 24 de abril de 2024.

Montagem coloca lado a lado site original do semanário alemão Spiegel e página fake
Neste caso do semanário alemão Spiegel, criminosos criaram uma cópia do site usando um domínio falso (spiegel.ltd) para fazer propaganda contra o Partido Verde, aqui acusado de "dar eutanásia à Alemanha"

Acima um outro exemplo de spoofing, desta vez usando o design da revista semanal alemã Der Spiegel para ludibriar leitores e fazer propaganda contra o Partido Verde, acusado de "fazer a eutanásia da Alemanha" ao combater as mudanças climáticas às custas do empobrecimento dos alemães.

Também aqui reconhecer a falsificação requer um olhar atento aos detalhes: o site, em vez de spiegel.de, é spiegel.ltd.

Diretor do EU DisinfoLab, ONG que atua no combate à desinformação na Europa, Alexandre Alaphilippe adverte que ações como essa, do tipo "impostor", aumentarão.

"Os 'desinformantes' estão tentando testar todos os mecanismos de defesa", explica Alaphilippe. É assim, segundo ele, que farsantes conseguem identificar as vulnerabilidades das plataformas e descobrir onde podem agir com mais facilidade.

 

Quem é o novo ministro da Defesa da Rússia

O presidente russo, Vladimir Putin, surpreendeu ao realizar uma troca no comando do Ministério da Defesa neste domingo (13/05), substituindo um militar de carreira por um economista civil, mais de dois anos após o início da guerra na Ucrânia. O anúncio veio pouco depois de o líder russo assumir seu quinto mandato à frente da Presidência.

Após deixar o comando da Defesa, Sergei Shoigu, aliado de longa data de Putin, assumirá a presidência do Conselho Nacional de Segurança da Rússia.

O novo ministro, Andrei Removich Belousov, é avaliado em seu país como um bom nome para expandir a indústria da defesa russa e introduzir novas tecnologias e inovações. Ele também já atuou como consultor econômico de Putin.

"Hoje em dia, o vencedor no campo de batalha é aquele que estiver mais aberto para a inovação", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, ao comentar a indicação de Belousov.

Quem é Andrei Belousov

O novo ministro da Defesa, de 65 anos, formou-se na Faculdade de Economia da Universidade de Moscou em 1981. Em 2000, ele foi indicado consultor não permanente do primeiro-ministro russo, e assumiu o posto de vice-ministro da Economia seis anos mais tarde. Entre 2008 e 2012, administrou o Departamento de Economia e Finanças do governo, durante os anos em que Putin serviu como primeiro-ministro.

Em 2012, tornou-se ministro da Economia, atuando entre 2013 e 2020 como consultor econômico do presidente. Desde então, foi também vice-primeiro-ministro, e assumiu interinamente o cargo por algumas semanas quando o premiê Mikhail Mishustin estava com covid-19.

Uma reportagem de 2017 da emissora RBC afirmou que Belousov teria sido uma das autoridades que conseguiram convencer Putin de que a economia digital e a tecnologia blockchain seriam cruciais para o futuro. Segundo a emissora, ele praticou sambo – um tipo de arte marcial desenvolvida na antiga União Soviética – e karatê na sua juventude, mas nunca serviu nas Forças Armadas.

"O que um país soberano deveria ter, definitivamente, é a posse de seus próprios meios. Quem somos, de onde viemos e pra onde rumamos [...] Não temos outra opção para nosso país que não seja adquirir ou reproduzir essa identidade", afirmou Belousov em entrevista à RBC em 2023.

Segundo a imprensa estatal russa, Belousov afirmou em uma audiência de confirmação do novo gabinete de Putin que há burocracia excessiva em torno dos pagamentos de benefícios aos militares, além de problemas em questões como moradia e assistência médica.

"Acho péssimo quando os participantes da operação militar especial [termo utilizado por Moscou para descrever a invasão da Ucrânia] que retornam são encaminhados por instituições médicas civis para hospitais que estão simplesmente superlotados. Essas questões têm de ser resolvidas."

As declarações foram feitas perante o comitê de Defesa e Segurança da Câmara Alta do Parlamento. Em sua fala, ele pareceu tentar demonstrar aos militares que entende suas preocupações e trabalhará para melhorar essas condições.

Disputa de poder entre os militares

A saída de Shoigu, de 68 anos, que estave à frente do Ministério da Defesa desde 2012, já vinha sendo especulada, enquanto analistas observam uma disputa de poder no círculo militar e de defesa da Rússia.

Como ministro, Shoigu for encarregado de modernizar as Forças Armadas. Ele possuía acesso direto a Putin, a quem acompanhou regularmente em excursões de caça e pesca na Sibéria.

O auge de sua popularidade ocorreu durante a anexação ilegal pela Rússia da Península da Crimeia, da qual ele teria sido um dos principais responsáveis.

Serguei Shoigu inspeciona artefatos militares
Serguei Shoigu (c.) é considerado um dos mentores da anexação ilegal pela Rússia da Península da Crimeianull Vadim Savitsky/Russian Defence Ministry/dpa/picture alliance

Sua gestão se tornou alvo de fortes críticas desde o início da invasão russa da Ucrânia em razão de revezes militares nas frentes de batalha, e por sua incapacidade para enfrentar a corrupção nas Forças Armadas.

Ele também foi fortemente criticado durante um motim em 2023 dos soldados mercenários do Grupo Wagner, então liderado por Yevgeny Prigozhin, que culpou Shoigu pelos fracassos na Ucrânia e acusou o ministro de ordenar um ataque contra homens do grupo. À frente dos seus homens, Prigozhin tomou a cidade russa de Rostov, sinalizando que pretendia seguir para Moscou.

No mês passado, os serviços de segurança prenderam um de seus confidentes, o então vice-ministro Timur Ivanov, acusado de corrupção.

Lavrov permanece no cargo

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas, Valery Gerasimov, continuará no cargo. Segundo Peskov, a estrutura militar do Ministério da Defesa não sofrerá mudanças.

Outro que permanecerá no cargo é o ministro do Exterior, Serguei Lavrov, de 74 anos, que lidera a pasta desde 2004. Havia especulações sobre uma possível saída dele em meio à formulação do novo gabinete, mas Putin considera Lavrov indispensável em tempos de crise no país.

rc/bl (Reuters, DPA, ots)

Xi Jinping na Europa: dividir para conquistar?

O presidente da China, Xi Jinping, concluiu nesta sexta-feira (10/05) seu giro de alto perfil pela Europa, o primeiro desde 2019. Entre as apreensões que deixa para trás, está o apoio continuado de Pequim à Rússia em sua guerra contra a Ucrânia; e a inundação dos mercados europeus com veículos chineses baratos.

A viagem foi também rodeada de suspeitas crescentes de que o país asiático tenta tirar vantagem das discórdias entre os europeus. Para analistas, o itinerário de Xi pela região não foi mera coincidência: França, Sérvia e Hungria têm todas "relações bilaterais especiais" com Pequim, enfatiza Bertram Lang, pesquisador da Universidade Goethe, de Frankfurt, especializado na política externa chinesa.

A liderança chinesa teria gradualmente dividido a Europa em dois grupos: "os amistosos com a China e os não amistosos". O atual giro visou reforçar os laços com os primeiros.

A viagem começou na França

Primeira estação do giro do chefe de Estado chinês, os dois dias de visita à França e conversações com seu homólogo Emmanuel Macron se concentraram na Ucrânia e nos desequilíbrios comerciais com a União Europeia. Embora a China de Xi prefira interações bilaterais, o francês procurou enfatizar a unidade europeia ao incluir no encontro a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, que concluiu recentemente uma visita à China, foi convidado até Paris, mas declinou. Em 2 de maio, contudo, antes da visita de Xi, ele se encontrara com Macron para uma sincronização das políticas relativas à China.

Em Paris, os comentários públicos de Von der Leyen se dirigiram às "práticas de distorção de mercado" de Pequim, com subsídios volumosos para os setores siderúrgico e de automóveis elétricos. Ela assegurou que a UE "não hesitará em tomar as decisões duras, necessárias a proteger sua economia e segurança".

Xi respondeu que não existe um "problema de supercapacidades da China", quer do ponto de vista da vantagem comparativa, quer da demanda do mercado global, informou a emissora estatal Xinhua.

Zsuzsa Anna Ferenczy, ex-consultora política do Parlamento Europeu, analisa que "estamos vendo uma convergência maior entre os Estados-membros da UE" e "uma Comissão bastante determinada".

Ainda assim, a mídia estatal chinesa avaliou como um sucesso a passagem do líder pela França. O Global Times citou 18 "acordos de cooperação" entre agências governamentais em aviação, agricultura, intercâmbio entre povos, desenvolvimento verde e de pequenas e médias empresas, como "um sinal positivo para os empresários europeus" e "um estabilizador dos laços comerciais China-Europa" perante o "desacoplamento econômico".

Guerra russa na Ucrânia: "questão de vida ou morte para Europa"

Pequim ainda não foi capaz de convencer as potências ocidentais que não está apoiando a Rússia na guerra contra a Ucrânia. Ela também se esquivou dos apelos de líderes americanos e europeus para que empregue sua influência sobre Moscou, no sentido de desempenhar um papel construtivo pelo fim do conflito.

Washington afirma que a China está fornecendo aos russos maquinário, motores de drones e tecnologia para mísseis de cruzeiro, além de apoiar a economia russa fornecendo bens industriais e de consumo.

Em suas declarações públicas em Paris, Xi reagiu com veemência a tais acusações, alegando que "a crise da Ucrania está sendo usada para projetar responsabilidade sobre um país terceiro, conspurcar sua imagem e incitar uma nova Guerra Fria", sublinhando que seu país "não é participante" da crise.

Segundo Jean-Philippe Beja, especialista em assuntos chineses e pesquisador-chefe do Centro de Estudos Internacionais (Ceri), da universidade parisiense de pesquisa Sciences Po, durante as conversações deixou-se claro para Xi que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é "uma questão de vida ou morte para a Europa", e esse é "um fator altamente negativo para as relações sino-europeias".

Construção de ferrovia Budapeste-Belgrado pela China
Iniciativa Cinturão constrói ferrovia Budapeste-Belgradonull Attila Volgyi/Xinhua/dpa/picture alliance

Erguendo infraestrutura na Sérvia

O tour europeu de Xi tomou um tom mais positivo na Sérvia e Hungria, ambas grandes beneficiárias dos investimentos chineses e alinhadas com a Rússia.

Embora a Sérvia não integre a UE, a visita a Belgrado projeta uma imagem do presidente Xi como "figura-chave não só na UE, mas na vizinhança dela", observa Ferenczy, que também é professora assistente da Universidade Nacional Dong Hwa, no Taiwan.

A Sérvia é uma importante recipiente europeia de empréstimos chineses no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota, com projetos que incluem uma conexão ferroviária de alta velocidade com a Hungria. Companhias chinesas estão também envolvidas na construção de usinas de esgotos e águas residuais, e operam grandes fábricas siderúrgicas.

Embora louvando os laços econômicos profundos, a visita de Xi foi também a chance de dar um tapa com luva de pelica na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), pois mno exato aniversário do bombardeio, pela aliança atlântica, da representação diplomática de Pequim em Belgrado.

"Não devemos esquecer que neste dia, 25 anos atrás, a Otan desavergonhadamente bombardeou a embaixada chinesa na Iugoslávia", escreveu o líder comunista em artigo de opinião para um jornal sérvio.

Hungria: golpe de misericórdia na unidade europeia?

A última parada de Xi Jinping foi na Hungria, que não faz segredo de seu apoio continuado à Rússia a partir da União Europeia. O país também representa um importante ponto de apoio para Pequim dentro do bloco: por diversas vezes o governo de Viktor Orbán barrou propostas para condenar ações da China.

E, enquanto a UE tenta encontrar um modo de lidar com os carros elétricos chineses que invadem seu mercado, a Hungria se posiciona como centro de produção para companhias chinesas de eletromobilidade: em dezembro de 2023, a fabricante BYD anunciou a construção de uma fábrica de automóveis de passageiros na húngara Szeged, perto da fronteira com a Sérvia.

A visita do chefe de Estado veio num momento em que a China se reafirma como principal fonte de investimentos estrangeiros diretos para Budapeste, e pouco antes de o país assumir a presidência rotativa do Conselho Europeu, em 1º de julho. Na coletiva de imprensa juntamente com o primeiro-ministro Orbán, Xi frisou que "a China respalda a Hungria em representar um papel maior na UE, e promover maior progresso na relações sino-europeias".

Para a analista política Ferenczy, a estratégia geral da China é transparente: "minar a unidade da UE", enquanto aumenta sua influência sobre países-membros individuais".

Com esse fim, a potência asiática estaria passando por cima da comunidade europeia para oferecer aos diferentes países acesso especial a seus mercados, tentando fazê-los "sentirem-se privilegiados por ter uma relação privilegiada com a China".

"O futuro não parece melhor para a UE-China depois da visita de Xi Jinping", resume Zsuzsa Ferenczy: "há um déficit de confiança entre as duas parceiras". Na sequência, a analista política estima que a União Europeia continuará a rechaçar essa estratégia, enquanto Pequim resistirá, abordando continuamente os Estados-membros de forma bilateral, a fim de amainar "o apetite deles para reduzir riscos".

 

Eurovisão: quando música se mistura com política

É uma questão que surgiu repetidas vezes: o Festival Eurovisão da Canção (Eurovision Song Contest) é político? A União Europeia de Radiodifusão (EBU), que organiza a competição, insiste que o Eurovision é apenas um evento cultural, sem lugar para política. As regras proíbem claramente declarações políticas e até mesmo slogans.

Israel, que participa do Eurovisão há 51 anos, enfrenta protestos em Malmo, Suécia, na edição deste ano por causa do impacto sobre civis palestinos da guerra que trava contra o Hamas na Faixa de Gaza – uma ação deflagrada em resposta aos ataques terroristas do grupo radical islâmico em 7 de outubro de 2023.

Mas não é a primeira vez que o conflito no Oriente Médio chama a atenção no evento.

Em 1973, a cantora Ilanit foi a primeira artista a representar Israel na competição. Sua participação se deu sob rigorosas medidas de segurança – um ano antes, terroristas palestinos haviam matado 11 atletas israelenses que competiam nas Olimpíadas de Munique.

Ilanit teria subido ao palco usando um colete à prova de balas e se apresentado para um público que teve que permanecer sentado. Os fotógrafos tiveram que tirar fotos do teto para provar que suas câmeras não eram armas camufladas.

Canção de Israel em 2024 teve nome alterado

A candidata de Israel neste ano, Eden Golan, de 20 anos, também se apresenta sob esquema de segurança.

No início do ano, por causa da guerra, vários países participantes já haviam solicitado à EBU que excluísse Israel da competição, o que quase aconteceu – mas não como reação direta aos pedidos de boicote.

De acordo com a EBU, o título original, "October Rain", lembrava muito os ataques de 7 de outubro. O título foi alterado e Golan, admitida.

Uma mulher sorrindo, com as mãos cruzadas sobre o peito
Eden Golan, candidata isralense da edição de 2024 do Eurovisionnull Martin Meissner/AP Photo/picture alliance

Os protestos, contudo, não arrefeceram.

"A União de Radiodifusão reconhece os fortes sentimentos e opiniões que o Eurovision deste ano – no contexto de uma terrível guerra no Oriente Médio – evocou", disse a organização em comunicado.

Golan, segundo o Eurovision, participa "para compartilhar sua música, sua cultura e a mensagem universal de união através da linguagem da música". Ela é uma das favoritas ao prêmio.

O Eurovision nunca foi apolítico

A primeira competição do Eurovision aconteceu em 1956 em Lugano, Suíça. Na época, ainda era chamado de "Gran Premio Eurovisione Della Canzone Europea", ou "Grand Prix", em francês. O evento tinha por objetivo promover o entendimento internacional, reunindo em uma competição amigável países que foram inimigos na Segunda Guerra Mundial. Sete países participaram, incluindo a Alemanha.

A competição foi crescendo, chegando a 17 países participantes em 1968. Naquele ano, houve uma clara dissidência de natureza política: o candidato espanhol queria cantar em catalão, uma língua reprimida pelo regime fascista de Francisco Franco. Outro cantor foi enviado para cantar uma versão anglo-espanhola da música, intitulada "La La La".

Após a divisão do Chipre em 1974, Grécia e Turquia se tornaram inimigos. Em 1975, Atenas boicotou o Eurovision. Ancara fez o mesmo em 1976, mas transmitiu o festival pela televisão mesmo assim, apenas para interromper a transmissão na hora da apresentação grega e substituí-la por uma música nacionalista turca.

Em 1978, a Jordânia, país árabe vizinho de Israel, também encerrou a transmissão quando ficou claro que Izhar Cohen, de Israel, venceria o torneio.

Em 1982, no auge da Guerra Fria na Europa, a jovem cantora alemã Nicole subiu ao palco com um violão branco, cantou uma mensagem de paz e venceu a competição, fazendo surgir o questionamento: o Eurovision pode ser político se a mensagem for positiva?

Foto de uma mulher sentada na frente de um microfone, tocando um violão branco e cantando
Em 1982, Nicole venceu pela Alemanha com a canção "Ein bisschen Frieden" ("Um pouquinho de paz")null Martin Athenstädt/picture alliance/dpa

Ainda é sobre música?

O fato de que até a EBU nem sempre conseguiu ser apolítica foi demonstrado pela exclusão da Geórgia em 2009. O motivo: um trocadilho anti-russo no título da música "We Don't Wanna Put In".

Belarus foi expulsa em 2021 por seu óbvio apoio ao presidente Alexander Lukashenko, sancionado por violar os direitos humanos.

Já a exclusão da Rússia do torneio em 2022 foi uma reação à guerra de agressão russa contra a Ucrânia. Independentemente de posição política, artistas russos e sua música de repente deixaram de ser parte do show.

Músicos em um palco iluminado nas cores amarelo e azul
A banda ucraniana Kalush Orchestra, vencedora do Eurovision em 2022null Yara Nardi/REUTERS

Júris nacionais com claras preferências

Desde o início, os júris nacionais frequentemente não esconderam por qual país tinham simpatia e qual desgostavam abertamente – mesmo que isso não tivesse nada a ver com a qualidade da música.

Certamente não era sobre música quando o júri nacional russo respondeu à performance da drag queen Conchita Wurst, da Áustria, com zero pontos em 2014 – o que, porém, não impediu o público russo de levar a artista adiante na competição por voto popular. Ao final, Conchita acabou tendo uma vitória avassaladora no Eurovision daquele ano.

Uma mulher segurando um microfone e uma bandeira da Ucrânia
A ucraniana Jamala venceu a edição de 2016 com uma canção sobre os Tártaros da Crimeianull Britta Pedersen/dpa-POOL/picture alliance

Em 2016, a Rússia se opôs à performance de "1944" pela ucraniana Jamala. A música evoca a deportação dos tártaros da Crimeia sob Josef Stalin. A EBU argumentou na época que a música não era sobre política, mas sim sobre história familiar. Jamala, ela mesma uma tártara da Crimeia, levou para casa o troféu do Eurovision.

Multa a artista por exibir bandeira palestina

Demandas claras e slogans da plateia ou artistas também ocorreram várias vezes e foram penalizados.

Na edição de 2019 do Eurovision, em Tel Aviv, a banda islandesa Hatari exibiu a bandeira palestina durante a parte de pontuação da noite, o que rendeu uma multa à emissora islandesa pela EBU.

A apresentação de Madonna na mesma noite já havia causado polêmica: uma de suas dançarinas carregava uma bandeira palestina; outra, uma israelense.

Malmo diz estar preparada para um Eurovision sem incidentes graves. Não haverá uma área externa para os fãs, e a presença policial foi aumentada.

Dois grandes protestos contra Israel foram anunciados para a semana do festival, que começou em 5 de maio e terá sua final neste sábado (11/05).

Com as autoridades suecas esperando o pior, fãs israelenses foram proibidos de circular com sua bandeira nacional. A delegação israelense foi instruída a deixar seus quartos de hotel apenas para ensaios e apresentações.

Quem é o primeiro rabino a ganhar o Prêmio Carlos Magno

O Prêmio Carlos Magno, uma das principais honrarias concedidas na Europa, será nesta quinta-feira (09/05) entregue pela primeira vez a um rabino, o presidente da Conferência dos Rabinos Europeus, Pinchas Goldschmidt.

O homem de 60 anos preside há quase 13 anos a instituição, à qual pertencem cerca de 800 intelectuais judeus ortodoxos.

"Com esta honraria, a comitê do Prêmio Carlos Magno quer enviar um sinal de que a vida judaica é uma parte natural da Europa e que não deve haver lugar para o antissemitismo no continente", afirmou a entidade responsável pelo prêmio.

Aumento do antissemitismo

"Infelizmente, a realidade é exatamente o contrário", declarou Goldschmidt à DW. "Tivemos uma explosão de antissemitismo desde o 7 de Outubro." Na data, o grupo radical islâmico Hamas, considerado terrorista por países como EUA e pela União Europeia, atacou Israel, resultando no maior assassinato em massa de judeus desde o Holocausto. Em torno de 1.200 pessoas foram assassinadas, milhares ficaram feridas e cerca de 240 foram feitas reféns na Faixa de Gaza. Israel respondeu com uma ofensiva militar em grande escala no enclave palestino.

Desde então, o ódio aos judeus tem aumentado em muitas partes do mundo. Muitas mães e pais judeus, diz Goldschmidt, têm medo de mandar seus filhos para a escola. Homens, jovens e meninos judeus têm medo de andar na rua usando uma quipá. Muitas instituições judaicas necessitam de proteção policial.

Para o rabino, o antissemitismo "tornou-se novamente socialmente aceitável e politicamente correto" e isso precisa mudar. Os governos devem deixar claro que não aceitam o ódio aos judeus, "nem nas escolas, nem nas ruas, nem na cultura". Enquanto o ódio aberto aos judeus for tolerado, "nós temos um sério problema". Quando Goldschmidt diz "nós", ele não está se referindo apenas ou principalmente aos judeus. Para ele, trata-se do futuro da Europa.

A história europeia da família Goldschmidt inclui os horrores do antigo campo de concentração de Auschwitz. Pinchas Goldschmidt nasceu em Zurique em 1963 – porque seus avós se mudaram de Viena, na Áustria, para a Suíça bem a tempo, em 1938, devido à doença de sua avó. Seus bisavós maternos morreram em Auschwitz, assim como os irmãos deles, as irmãs e os irmãos de seu avô e mais de 40 de seus parentes, diz o rabino.

Fuga da guerra de Putin

Goldschmidt foi rabino-chefe em Moscou de 1993 a 2022. Poucos dias após o início da guerra de contra toda a Ucrânia, em fevereiro de 2022, ele deixou a Rússia às pressas porque o Kremlin queria forçar os representantes religiosos a seguirem sua linha.

Desde sua saída de Moscou, mais de cem mil judeus deixaram a Rússia, diz o rabino. "A situação política na Rússia está se tornando cada vez mais difícil. O país está voltando ao isolamento total, à União Soviética sem comunismo. E o antissemitismo mais uma vez se tornou parte da política do governo".

Desde então, Goldschmidt e sua esposa, que têm sete filhos e vários netos, vivem em Jerusalém. Veio o 7 de Outubro, e Israel também entrou em guerra. "Passei de uma guerra para outra guerra", diz ele. A guerra, diz ele, é "terrível, uma das coisas mais terríveis que a humanidade inventou". Mas Israel, como todo país, tem o direito de se defender, ressalta.

O Islã e a Europa

Esse rabino multilíngue é um mestre do diálogo. Ele dialoga com muitos políticos importantes, foi convidado frequente na chancelaria federal em Berlim e visitou o papa Francisco várias vezes.

Depois que se tornou presidente da Conferência dos Rabinos Europeus, Pinchas estabeleceu um diálogo entre os principais estudiosos rabínicos e imãs muçulmanos de países europeus e do norte da África, que já resultou em várias encontros.

"Em vez de combater o Islã radical, estamos simplesmente combatendo a religião islâmica. Isso é um erro muito grande", diz Goldschmidt. O Islã radical deve ser combatido, mas, ao mesmo tempo, está claro que "o Islã pode se tornar uma parte valiosa da Europa se seus crentes e representantes praticarem ativamente os valores europeus, como liberdade, democracia e tolerância".

Ele disse estar muito feliz por receber o Prêmio Carlos Magno. "Para mim, pessoalmente, e para a comunidade judaica na Europa, isso é um belo sinal, pois gostaríamos de ver mais apoio da sociedade civil para as comunidades judaicas. Isso seria muito importante".

Um dos principais prêmios da Europa

O Prêmio Carlos Magno é uma das principais honrarias concedidas na Europa e tradicionalmente homenageia pessoas que se empenham pela unidade europeia. O nome é uma homenagem ao imperador Carlos Magno (742-814), chamado por alguns de "o pai da Europa", que unificou grande parte da Europa Ocidental pela primeira vez desde o fim do Império Romano. No final do século 8, ele escolheu a cidade de Aachen, na Alemanha, como sua capital.

Entre os vencedores das edições anteriores do prêmio estão o papa Francisco, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o secretário-geral da ONU, António Guterres. Em 2023, o agraciado foi o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski.

Como as chuvas se transformam em enchentes

Repetidas vezes, a natureza demonstra sua força avassaladora e não se pode fazer nada – a exemplo da tragédia devastadora das cheias no Rio Grande do Sul, das inundações vistas no litoral paulista ou no Sul do Brasil em 2023, ou das enchentes que assolaram o Rio de Janeiro no início deste ano.

Mas como a água pode exercer uma força tão poderosa? É exatamente a esta pergunta que responde Michael Dietze, da Seção de Geomorfologia do Helmholtz Center Potsdam, no site do Centro Alemão de Pesquisa em Geociências (GFZ).

O primeiro a se ter em mente, diz Dietze, é que um metro cúbico de água pesa uma tonelada – um peso e tanto. Isso significa que "a água pode exercer uma pressão enorme sobre um objeto em seu caminho. E quando em movimento, a água é imensamente poderosa – tão poderosa que é capaz de varrer carros ou até mesmo contêineres que não estiverem ancorados no chão".

Imagem mostra criança coletando pertences numa área inundada no Complexo da Pedreira, Zona Norte do Rio
Alagamento no Complexo da Pedreira, Zona Norte do Rio de Janeiro, após chuvas que atingiram a capital fluminense e a região metropolitana em meados de janeiro de 2024null Pilar Olivares/REUTERS

Mas outros fatores também entram em jogo, incluindo a erosão. Superfícies degradadas, ainda que aparentemente estáveis, podem ser facilmente varridas pelas cheias.

No GFZ de Potsdam, os pesquisadores estudam exatamente como a água mobiliza sedimentos, como as ondas de inundação viajam e como as poderosas enchentes varrem as paisagens.

Chuvas fortes estão entre os perigos mais subestimados, adverte o Serviço Meteorológico Alemão (DWD), pois são difíceis de prever e raramente estão associadas a uma localização específica. Embora possam prever a região, os meteorologistas não são capazes de antecipar exatamente quando ou quanto choverá num determinado local.

Como resultado, fortes chuvas podem causar mais danos do que o esperado, mesmo em lugares que não estão situados em vales estreitos ou perto de grandes rios. "As fortes precipitações despejam uma quantidade tão grande de água no solo, muitas vezes já saturado pelas chuvas anteriores, que ele não é capaz de escoar mais nada", explica o geomorfólogo Dietze.

Diferentes tipos de solo absorvem a água de maneira diferente

O volume de água não é o único fator. A composição do solo, ou melhor, sua capacidade de absorver, armazenar e escoar água, também desempenha um papel importante.

É aqui que entra em jogo o tamanho dos poros das partículas do solo. "Colóides" são partículas minúsculas medindo menos de 2 micrômetros de largura – pequenas demais para serem visíveis a olho nu. Mas em grandes quantidades, justamente por terem dimensões minúsculas, elas fornecem uma imensa área de superfície onde as moléculas de água podem se ligar.

Rio Savio transbordado em Cesena, centro da Itália, em 17 de maio de 2023.
Fortes chuvas na Itália fizeram rios transbordarem maio de em 2023null ASSOCIATED PRESS/picture alliance

Os solos argilosos e arenosos contêm muitos desses colóides, nos quais a chamada "água intersticial" é retida e não consegue escorrer. Tais solos contêm poucos poros e, portanto, uma vez devidamente saturados, podem reter mais água do que areia.

Os grãos de areia, por sua vez, são maiores, com bem mais poros grandes e cheios de ar e apenas um pequeno número de colóides. No solo arenoso, a água mal pode ser retida e acaba escoando rapidamente.

Outra questão crucial é a condição do solo antes da chuva. No caso de uma chuva repentina e forte após um período prolongado de seca, o solo não consegue absorver a água de uma só vez. O solo seco tem o que é chamado de "repelência à água", o que significa que, em vez de escoar, a água flui pela superfície. Resíduos vegetais também são um fator, pois liberam gorduras e substâncias cerosas durante condições secas.

A água forja seu próprio caminho

Quando o solo fica saturado após longos períodos de chuva, a água não tem outra escolha a não ser escorrer pela superfície até desaguar nos córregos e rios.

"Uma vez chegando lá, ela pode atingir velocidades muito altas", disse Dietze. Na estação de pesquisa ecológica da Universidade de Colônia, que fica às margens do rio Reno, por exemplo, a água flui normalmente a uma velocidade de 1 a 2 metros por segundo.

"Quanto maior a velocidade e a inclinação – especialmente em taludes e cumes – e quanto mais profundo o rio, mais força a água poderá captar no leito fluvial. Sua força é equivalente a vários quilos, o que é suficiente para varrer areia, pedras e até detritos", explicou Dietze.

Água e partículas: uma combinação fatal

Mas isso, por si só, não é suficiente para arrasar casas e ruas. Por trás disso estão também as partículas que são carregadas junto com a água. Elas penetram no solo, nas ruas e nas paredes das casas, desenvolvendo um enorme poder de erosão.

Estrada destruída após enchentes na Itália.
Partículas nas enchentes são responsáveis pela erosão extrema. Após as enchentes na Itália em 2023, estradas desmoronaram.null Oliver Weiken/dpa/picture alliance

"Uma vez que partes desses objetos começam a ser atacadas, o material por baixo é carregado mais facilmente", explicou Dietze, acrescentando que ruas e prédios em terreno não consolidado também podem ser danificados, facilitando a quebra de mais material.

"Essa combinação de material sendo arrastado com o poder de simplesmente carregar ainda mais material solto dá à água em rápido movimento o poder de causar danos enormes num curto espaço de tempo", acrescentou.

Ele enfatizou ainda que tais inundações podem se desenvolver em qualquer lugar onde ocorram chuvas fortes. Segundo Dietze, a precipitação extrema é especialmente perigosa em áreas altas e montanhosas, onde o eventual rompimento repentino de barragens pode causar o transbordamento de lagos inteiros, ou onde grandes quantidades de gelo derretido podem desencadear deslizamentos de terra e ondas de inundação nos vales logo abaixo.

As inundações podem ser previstas?

"Avisos meteorológicos podem ser derivados de previsões", disse Dietze. "Por exemplo, as previsões meteorológicas podem ser alimentadas em modelos hidrológicos, para poder fazer previsões sobre a probabilidade e o desenvolvimento de inundações."

Por outro lado, o processo de erosão é mais difícil de prever. Como tais eventos acontecem muito rapidamente, sua intensidade é difícil de medir com precisão.

Com a ajuda de imagens de satélite e, principalmente, de sismômetros, os pesquisadores passaram os últimos anos tentando acompanhar as ondas de inundação em tempo real e calcular sua intensidade. As pesquisas ainda se encontram nos estágios iniciais, enfatizou Dietze, mas têm um imenso potencial quando se trata de sistemas de alerta precoce de inundações.

Bloqueios de GPS na região báltica: Rússia é a culpada?

Em Tartu, na Estônia, fica o Baltic Defence College (Baltdefcol), uma das instituições educacionais da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Seu aeroporto é bem pequeno: o voo da Finnair, a partir de Helsinque, é o único que pousa lá todos os dias. Contudo, para os residentes da cidade, esse trajeto de 45 minutos abriu a oportunidade de viajar pelo mundo, a partir da capital da Finlândia.

Essa oportunidade está suspensa, pelo menos até 31 de maio: no fim de abril, a Finnair anunciou que cancelaria os voos para Tartu até segunda ordem, devido às ameaças para seus passageiros e tripulações resultante da interrupção do sinal do sistema de navegação GPS.

Não é a primeira vez que seus aviões ficam desconectados do GPS, mas a situação piorou desde 2022, declarou a companhia em comunicado, sem especificar de onde pode vir a interferência. Entretanto, os ministros do Exterior da Lituânia e da Estônia estavam bastante seguros de que os distúrbios em toda a região báltica se deviam ao congestionamento das comunicações pela Rússia.

Em março, o Reino Unido igualmente acusou Moscou de bloquear o GPS do avião que levava o secretário da Defesa Grant Shapps. Em viagem de serviço a Varsóvia, ele sobrevoara brevemente a fronteira de Kaliningrado, exclave russo circundado pela Polônia e a Lituânia.

Nos últimos dois anos, quase todas as companhias aéreas que sobrevoam o Báltico registraram problemas de navegação. Segundo certas fontes, os mecanismos de bloqueio de GPS estariam na área de Kaliningrado; outras sugerem que se localizariam no território russo, em algum lugar entre a cidade de Narva, na fronteira da Estônia, e São Petersburgo. Até o momento, a Finnair é a única companhia que cancelou voos por causa de problemas com o GPS.

Aeroporto de Tartu, Estônia
Nada de voos da Finlândia para Tartu, Estônia, devido a suspeita da sabotagem do sistema de navegação pela Rússianull Margus Ansu/Scanpix/IMAGO

"Ameaça do Leste" é fato para finlandeses

"Na Finlândia, esse desdobramento é percebido como parte da guerra híbrida que a Rússia vem travando contra os países da Otan, já há vários anos", observa Arkady Moshes, diretor dos programas para a Rússia do Instituto Finlandês de Assuntos Estrangeiros. "Tanto para os políticos como para os cidadãos aqui, a ameaça do Leste é um fato. Eles não o dramatizam, mas tampouco o minimizam."

Pelo menos no momento, é improvável que Helsinque vá tomar qualquer medida retaliatória, até por não estar claro quais poderiam ser essas medidas, crê Moshes. Ao mesmo tempo, o governo estará de prontidão para adotar passos unilaterais, conforme a situação exija: "Lembra como a Finlândia simplesmente fechou a fronteira quando as autoridades russas começaram a trazer imigrantes ilegais, especificamente para forçá-los através da fronteira?"

Há muito os políticos finlandeses concluíram que não adianta negociar com o Kremlin, nas presentes circunstâncias: "Você simplesmente tem que proteger seus interesses, com firmeza e determinação."

Pano de fundo para esse bloqueio da navegação por GPS são outros eventos regionais significativos, relacionados à guerra da Rússia contra a Ucrânia. A Polônia está considerando deixar os Estados Unidos estacionarem armas nucleares em seu território. Por sua vez, chegou à Lituânia o primeiro grupo de soldados alemães integrantes da brigada mobilizada em caráter permanente para o flanco oriental da Otan.

Otan vai reagir?

Nos países bálticos, muitos se perguntam se a Otan reagirá ao bloqueio do GPS. "Ela pode, mas não vai", afirma Slawomir Debski, presidente do Instituto Polonês de Assuntos Estrangeiros, para quem a Rússia está provocando deliberadamente a aliança, "testando sua possível reação, tentando entender como a Otan agirá numa situação de crise regional grave".

O coronel reformado Vaidotas Malinionis, presidente da Associação de Oficiais Veteranos da Lituânia, destaca: "Para iniciar uma resposta dessas, vamos precisar do consentimento de todos os aliados da Otan. E no caso de uma provocação híbrida, mal definida, como bloqueio de GPS, será extremamente difícil obter um consenso."

Fontes da DW próximas aos quartéis-generais da Otan indicam que a questão constitui uma séria apreensão para os aliados – ao lado de outras ações híbridas de Moscou, incluindo atividade cibernética ilícita e sabotagem nos Estados-membros da aliança transatlântica.

Teoricamente, a Otan poderia limitar ou mesmo impedir inteiramente o trânsito militar russo até Kaliningrado por via ferroviária, através da Lituânia. No entanto, muitos temem que o Kremlin consideraria tal passo uma declaração de guerra de facto, podendo, por sua vez, resultar em confrontação militar.

"As tropas de solo russas na região de Kaliningrado foram reduzidas consideravelmente", relata Malinionis. "No entanto, a artilharia, lança-mísseis e, aparentemente, armas nucleares continuam lá. Nesse sentido, de fato existe uma ameaça à segurança da Lituânia e Polônia."

Debski, de Varsóvia, vê a situação de modo diverso: "Kaliningrado é uma grande armadilha para as forças russas. Em Moscou, eles sabem muito bem que é impossível defendê-la. No entanto, ninguém vai barrar a região por causa de um bloqueio de GPS. Para que ceder às provocações de Moscou?"

Como Copenhague se tornou uma "cidade-esponja" contra cheias

Embora seja uma das rotatórias mais movimentadas do leste de Copenhague, o ar em Sankt Kjelds Plads não é pesado, não tem o cheiro e a textura dos gases de escape. E, em vez do rugido dos motores, a paisagem sonora é caracterizada pelo som melodioso produzido por pássaros.

A rotatória, que é cercada por arbustos e árvores, faz parte de um experimento em grande escala para transformar os espaços públicos da capital dinamarquesa. A ideia é tornar Copenhague mais "habitável", criando locais para os cidadãos se encontrarem e um habitat para a biodiversidade, ao mesmo tempo em que cria engrenagens em uma máquina de controle de enchentes.

Essa transformação foi desencadeada pelos eventos de 2 de julho de 2011, quando Copenhague foi atingida pelo que foi apelidado de "a chuva do milênio".

O aguaceiro maciço causou inundação de ruas e casas. E, sem ter para onde escoar, a água permaneceu por dias. Ratos mortos foram vistos flutuando pela cidade, e uma pesquisa posterior revelou que durante os trabalhos de limpeza um quarto dos trabalhadores do saneamento foi infectado com doenças como a leptospirose. Um deles até morreu.

Nos sete anos seguintes, esse tipo de tempestade começou a se tornar cada vez mais comum, com quatro eventos de "chuvas do século" registrados nesse período. Isso custou à cidade pelo menos 800 milhões de euros (R$ 4,3 bilhões) em prejuízos, deixando claro para os formuladores de políticas públicas que era hora de repensar a capital dinamarquesa.

Vista aérea de uma rotunda cercada de árvores, arbustos, gramados e prédios
A rotunda Sankt Kjelds Plads é um dos mais de 250 espaços de Copenhague que foram reformuladosnull City of Copenhagen

Design urbano inspirado na esponja

Nos últimos séculos, o foco do desenvolvimento urbano em lugares como Copenhague foi a criação de "cidades-máquina" que pudessem ser construídas rapidamente e fossem eficientes para habitação, indústria e economia. Mas muitos desses centros urbanos acabaram interferindo no ciclo da água, especialmente aqueles que modificaram leitos de rios ou foram construídos sobre planícies aluviais.

Com o concreto e o asfalto cobrindo áreas antes destinadas à grama e ao solo, a água das chuvas mais fortes ficou sem ter para onde ir. Com muita frequência, isso resulta em enchentes, e cidades do mundo todo estão explorando maneiras de reverter esse tipo de desenvolvimento urbano. E elas fazem isso se transformando em "esponjas" urbanas.

Em outras palavras, essas cidades estão criando espaços e infraestrutura para absorver, reter e liberar a água de forma a permitir que ela flua de volta para seu ciclo.

A China está na liderança, com mais de 60 de suas cidades sendo reformadas e agora incorporando estruturas como biovaletas e jardins de chuva para reter a água. Jan Rasmussen, chefe do "Cloudburst Master Plan" (plano diretor para tempestades) de Copenhague, também viu potencial para a Dinamarca.

"Nossos políticos decidiram que há realmente uma necessidade de escoar a água da cidade muito rapidamente", disse Rasmussen. "Eles perguntaram se poderíamos fazer isso de forma inteligente, se poderíamos expandir o sistema de esgoto. Poderíamos lidar com as chuvas na superfície?"

Absorvendo a água da chuva

Tendo estudado projetos de cidades-esponja em todo o mundo, a equipe de Rasmussen pensou na remodelação de cerca de 250 espaços públicos de forma a ajudar na retenção ou redirecionamento de águas pluviais, incluindo parques, parques infantis e a rotatória Sankt Kjelds Plads. A ideia é usar a capacidade natural de retenção das árvores, dos arbustos e do solo e deixar a água pluvial fluir para locais onde não seja destrutiva.

Uma dúzia de lagos que margeiam a rotatória foi então projetada de forma a reter o excesso de água da chuva no caso de uma tempestade. Assim como outros lagos semelhantes espalhados pela cidade e aberturas largas nas laterais de ruas baixas, eles servem para canalizar a água da enchente para uma rede de túneis que está sendo instalada 20 metros abaixo da superfície.

Desenho mostra uma espécie de piscina cercada de árvores
Como o espaço acima poderia ficar após uma chuva forte e repentinanull Tredje Natur
Ilustração mostra pessoas em uma quadra de esportes ao ar livre abaixo do nível da rua
A ideia é criar espaços públicos que também sirvam para reter água, caso necessárionull Tredje Natur

Durante uma chuva "normal", as águas pluviais são direcionadas para o porto por meio desse sistema de drenagem. No entanto, quando há um excesso, como em um cenário de tempestade, uma estação de bombeamento no porto entrará em ação, forçando para o mar a água acumulada nos túneis, criando assim espaço para mais água da chuva e evitando que as ruas sejam inundadas. Essa estação está sendo construída atualmente e estará pronta em 2026.

"Ainda haverá água nas ruas. Quero dizer, elas não ficarão completamente secas. Mas passaremos de um metro [de água de enchente] para no máximo 20 centímetros", disse Jes Clauson-Kaas, engenheiro da Hofor, o departamento de gerenciamento de água responsável pela construção do túnel.       

Benefícios de longo prazo

Parte do desafio é conseguir a adesão dos moradores locais. E isso nem sempre é fácil quando se trata de fechar parquinhos infantis ou os parques da cidade por longos períodos para transformá-los em zonas de inundação, ou financiar os planos de adaptação através de uma taxa extra nas contas de água.

Mas Clouson-Kaas diz que equipar para o futuro uma cidade propensa a inundações faz sentido do ponto de vista financeiro. "Perdemos cerca de 1 bilhão com esse único evento [em 2011], mas esperamos que haja vários eventos nos próximos 100 anos. Dizem que a perda potencial pode ser de pelo menos 4 ou 5 bilhões de euros. Portanto, se investirmos 2 bilhões de euros, ainda assim valerá a pena", disse ele.

Copenhague está em posição – financeira e política – de investir nessa infraestrutura agora, em vez de lidar com possíveis danos no futuro. A cidade se tornou um lugar na qual as outras cidades buscam um exemplo para aprender sobre os benefícios de se criar uma esponja urbana.

Giro de Xi pela Europa: ofensiva para dividir e influenciar?

O mundo era bem diferente em 2019, quando o presidente da China, Xi Jinping, visitou a União Europeia (UE) pela última vez. Ninguém ainda tinha ouvido falar em covid-19, a invasão da Ucrânia pela Rússia ainda estava distante, e Bruxelas e Pequim miravam um acordo de comércio e investimentos.

Hoje as relações estão bem mais frias: o acordo está parado após a imposição de sanções de ambos os lados, e uma UE cada vez mais agressiva elaborou uma lista de novas leis para diminuir a dependência da China.

Xi iniciou sua viagem nesta segunda-feira (06/05) pela França, e depois segue para a Sérvia e Hungria. Em Paris, deve sentir uma postura mais rígida da UE, em encontros com o presidente francês, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Já em Belgrado e Budapeste, onde os governos são vistos como mais simpáticos a Moscou e Pequim, a recepção deverá ser mais amistosa.

Posição "neutra" da China sobre a guerra

Na abertura da reunião com Xi na manhã desta segunda, Macron declarou que eram necessárias "regras justas para todos" nas relações comerciais entre a China e a UE, e que a coordenação com Pequim em temas globais era "decisiva". Em seguida, os líderes francês e chinês seguem para o destino de férias de infância de Macron, nas montanhas dos Pirineus.

À parte o bucolismo, um funcionário do gabinete do presidente francês disse que as conversas serão políticas – com foco nas posições divergentes sobre a guerra da Rússia na Ucrânia.

A França impôs sucessivas rodadas de sanções a Moscou, no âmbito da UE, desde 2022, enquanto a China, ao contrário, intensificou suas relações com a Rússia. "O governo chinês sempre manteve uma postura objetiva, neutra e equilibrada e não favorece nenhuma das partes", disse o embaixador da China na França, Lu Shaye, à imprensa chinesa no início desta semana.

O funcionário do governo francês disse que Macron incentivará a China, como um dos principais parceiros da Rússia, a usar os canais à sua disposição para tentar mudar a posição de Moscou e contribuir para a resolução do conflito.

Isso pode, é claro, não dar em nada: em 2023, Xi concordou em telefonar para o presidente da Ucrânia depois da visita de Macron à China, mas o resultado foi pequeno.

O pesquisador Emmanuel Lincot, do Instituto Católico de Paris e do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, avalia que Pequim vê a França como importante por esta ser a única potência nuclear da UE.

Mas Lincot acrescenta que a planejada visita à China do presidente da Rússia, Vladimir Putin, no fim deste mês, é um sinal de que Pequim não mudará de posição. "Não haverá um pingo de mudança em termos da abordagem de Xi", afirma.

Comércio é ponto de atrito

A visita de Xi à França também será marcada pela assinatura de novos acordos comerciais, incluindo possíveis pedidos de compras à Airbus. UE e China estão entre as maiores parceiras comerciais uma da outra, mas a UE compra da China muito mais do que a China compra da UE, e Bruxelas frequentemente alega acesso injusto ao mercado chinês.

Em 2023, a UE abriu uma investigação sobre os subsídios chineses para veículos elétricos, o que foi criticado por Pequim como "protecionismo puro e simples".

A pesquisadora Isabelle Feng, da Universidade Livre de Bruxelas, diz esperar que o comércio entre a UE e a China diminua "muito, muito lentamente" em meio a essa situação tensa. "Mudar cadeias globais de fornecimento leva tempo", observa.

"Ambos se veem como vítimas"

Da França, Xi segue para a Sérvia. Sua chegada coincidirá com o 25º aniversário do bombardeio dos EUA à embaixada chinesa em Belgrado, como parte da campanha aérea da Otan para impedir a campanha de limpeza étnica da então República Federal da Iugoslávia contra os albaneses kosovares.

Os EUA pediram desculpas pelo incidente, chamando-o de acidental, e pagaram uma indenização pelas mortes de cidadãos chineses. Mas muitos na China ainda acreditam que o alvo foi deliberado.

"Para a China, isso desempenha um papel como momento histórico no qual o 'grande e malvado Ocidente' prejudicou diretamente a China. Pequim coloca muita ênfase na narrativa de que é necessário reconstruir a ordem global", diz o pesquisador Stefan Vladisavljev, da Fundação BFPE para uma Sociedade Responsável. "É um momento em que ambas se veem como vítimas", referindo-se à China e à Sérvia.

Oficialmente candidata a membro da UE, a Sérvia e outras nações dos Bálcãs Ocidentais estão situadas numa região onde diferentes potências competem por influência. Embora a UE seja o principal parceiro econômico da Sérvia, cerca de 10,3 bilhões de euros em investimentos chineses fluíram para o país de 2009 a 2021, de acordo com a rede de ONGs Balkan Investigative Reporting Network.

"Há um certo impacto econômico positivo da presença chinesa na Sérvia, mas o que também deveria ser discutido – e não se está fazendo isso – são os aspectos negativos ou corrosivos da presença do capital chinês. Principalmente em questões ambientais", diz Vladisavljev.

Hungria: um amigo interno?

Xi encerra seu giro europeu na Hungria, o país-membro da UE que tem a relação mais conflituosa com Bruxelas. O ministério das Relações Exteriores da China afirma que os dois países "aprofundaram a confiança política mútua" nos últimos anos.

Mas a pesquisadora Isabelle Feng descreve essa tendência de forma diferente: "A Hungria é o cavalo de Troia da China na UE", disse ela à DW. No passado, Budapeste já bloqueou declarações críticas da UE sobre Hong Kong e atrasou o envio de ajuda do bloco à Ucrânia e aplicação de sanções contra a Rússia.

Viktor Orban e Xi Jinping se cumprimentando
Xi encerrará sua viagem na Hungria, onde se encontra com o premiê Viktor Obán (foto de 2019)null Andrea Verdelli/AFP/Getty Images

O ministro das Relações Exteriores da Hungria, Peter Szijjarto, disse ao jornal chinês The Global Times na terça-feira que a investigação da UE sobre os subsídios chineses às montadoras de veículos elétricos era "muito perigosa e prejudicial", e que seu país está "muito empenhado" em melhorar os laços entre a UE e a China.

Feng diz que essa divisão interna da UE é útil para Pequim. "A estratégia da China em relação à UE durante 20 anos sempre foi dividir e conquistar", explicou. Para Emmanuel Lincot, a atitude de Xi de cortejar a Hungria e não ir a Bruxelas, capital da UE, envia uma mensagem: "Ele quer trabalhar com uma Europa que está desencantada com Bruxelas – uma Europa que joga o jogo de Moscou."

A luta dos moradores das Ilhas Canárias contra o turismo em massa

Recentemente, quando o repórter do jornal online Canarias Ahora Toni Ferrera viajava pelo sul da ilha de Gran Canaria, ele conheceu Juan, de 53 anos, que vive em um conjunto de barracos por não tem condições de pagar um apartamento. Juan trabalha como salva-vidas na piscina de um complexo hoteleiro e recebe mil euros (R$ 5.460) por mês. "Essa experiência simboliza muito bem o que está acontecendo nas Ilhas Canárias", diz o jornalista, que há anos faz reportagens no arquipélago espanhol, localizado no Oceano Atlântico, próximo à costa africana. "Sim, o turismo gera muitos empregos", diz Ferrera. "Mas é preciso se perguntar que tipo de emprego é esse se o salário não é suficiente nem para pagar o aluguel de um apartamento."

Um novo recorde turístico

O fato de que há uma crítica generalizada ao atual modelo de turismo nas Ilhas Canárias foi demonstrado pelas grandes manifestações ocorridas no fim de semana de 20 de abril passado, quando um total de quase 60 mil pessoas foram às ruas – número grande para os padrões das Canárias.

"Há um sentimento de insatisfação com a situação em amplos setores da sociedade", diz José Miguel Martín, presidente da Fundação Canaria Tamaimos, uma das organizações que convocou o protesto. A situação começou a se agravar a partir do fim da pandemia. Mais de 16 milhões de turistas visitaram as Ilhas Canárias no ano passado – mais do que nunca. E os dados dos primeiros meses de 2024 prenunciam um novo recorde.

"É um negócio enorme", diz José Miguel Martín. De fato, os turistas gastaram mais de 20 bilhões de euros nas Ilhas Canárias no ano passado. O turismo é responsável por quase 40% da produção econômica total. "Mas nada dessa riqueza permanece aqui. Apenas o lixo e outras consequências negativas." O sistema de saúde está cronicamente sobrecarregado, e as ruas estão superlotadas.

Passeata perto de praia
Quase 60 mil pessoas participaram das passeatas de protesto nas Ilhas Canáriasnull Europa Press Canarias/dpa/picture alliance

Os moradores da ilha geralmente só conseguem empregos de baixa qualificação nos hotéis e complexos de apartamentos. As estatísticas comprovam isso: em quase nenhum outro lugar da Espanha os salários médios mensais são tão baixos quanto nas Ilhas Canárias. O desemprego é alto. De acordo com o sindicato Comisones Obreras, um em cada três habitantes das ilhas está em risco de pobreza. "Algo tem que mudar", diz José Miguel Martín.

Valores dos aluguéis dobraram em 10 anos

Provavelmente, o problema mais urgente é a falta de moradias acessíveis, que foi exacerbada pelo crescimento descontrolado do valor dos aluguéis de férias nos últimos anos. Além disso, cerca de uma em cada três unidades de habitação nas Ilhas Canárias é o segundo domicílio de um estrangeiro, segundo Víctor Martín, um dos organizadores das recentes passeatas. "Entre 2014 e 2024, os preços médios de aluguel nas ilhas dobraram", diz ele. "Nosso protesto não se destina a incitar fobia ao turismo", garante. "Claro que sabemos que o turismo não perderá de uma dia para o outro sua importância para as Ilhas Canárias. Mas o modelo atual precisa ser mudado."

Uma das principais reivindicações nos manifestantes é uma moratória. Todo o crescimento do setor de turismo deve ser interrompido. Nos últimos meses, as obras de construção de dois grandes e polêmicos projetos turísticos em Tenerife foram retomadas após vários anos de paralisação. Isso também contribuiu para a eclosão dos protestos. Seis ativistas chegaram a fazer uma greve de fome por tempo indeterminado para conseguir a interrupção definitiva da construção. "Devemos então usar a moratória para analisar exatamente onde estão os limites da capacidade de nossas ilhas", diz Víctor Martín. Para ele, uma coisa é certa: "O turismo deve diminuir".

Nem os hoteleiros querem mais crescimento

Até mesmo a associação de hoteleiros das Ilhas Canárias, Ashotel, agora tem uma opinião semelhante. "Não podemos continuar tendo novos recordes turísticos ano após ano", diz Juan Pablo González, diretor administrativo da associação. "Na nossa opinião, isso vai contra os interesses do próprio setor e dos habitantes das ilhas."

Multidão de manifestantes em uma praia
Há anos ocorrem protestos contra um grande projeto turístico na praia de La Tejita, em Tenerifenull Mercedes Menendez/Pacific Press/picture alliance

O objetivo, segundo ele, deve ser melhorar a qualidade da oferta para que no futuro menos turistas visitem o arquipélago, mas deixando mais dinheiro. "Os políticos são os principais responsáveis por garantir que a população das ilhas se beneficie mais do turismo", explica González. Afinal de contas, o setor gera uma receita tributária anual de 3,4 bilhões de euros (R$ 18,60 bilhões). "A questão é se esse dinheiro está sendo usado de forma eficiente para melhorar as condições de vida da população."

O presidente do governo regional das Ilhas Canárias, Fernando Clavijo, expressou compreensão pelos protestos e admitiu aos representantes da mídia que as coisas teriam que mudar. "Não podemos continuar como antes, e é importante que nos reorientemos", disse, mas evitou assumir qualquer compromisso concreto.

No entanto, há alguns dias os partidos do governo rejeitaram as reivindicações mais importantes dos manifestantes em uma votação no Parlamento regional, incluindo a introdução de um imposto turístico, tipo de taxação existente há anos em outras regiões turísticas da Espanha, como as Ilhas Baleares e a Catalunha.

Portanto, os ativistas das Ilhas Canárias provavelmente não terão saído às ruas pela última vez. O repórter Toni Ferrera também supõe que o movimento de protesto não recuará tão cedo. "A manifestação de 20 de abril foi apenas o começo", ele está convencido.

A viagem pelo único posto fronteiriço entre Rússia e Ucrânia

Todos os dias, ônibus conduzidos por voluntários viajam entre a cidade de Sumy, no nordeste da Ucrânia, e a fronteira com a Rússia. Eles vão buscar ucranianos que decidiram deixar para trás suas casas em território ocupado pelos russos e cruzaram o único posto de fronteira atualmente aberto entre os dois países, localizado entre a vila ucraniana Pokrovka e o vilarejo russo de Kolotilovka.

Desde abril de 2022, esse trajeto é um corredor humanitário pelo qual os ucranianos em regiões controladas por Moscou podem chegar ao território controlado por Kiev.

Há onze pessoas e um cachorro no ônibus que segue para Sumy, na sua maioria mulheres e idosos, mas também há dois adolescentes. Alguns olham cansados pela janela, outros cochilam. Alguns estão viajando há vários dias.

Parte do trajeto é feito por uma "zona cinza" de dois quilômetros de extensão entre Kolotilovka e Pokrovka, que precisa ser atravessada a pé, carregando seus pertences. Como os jornalistas não têm permissão para entrar em Pokrovka, só é possível falar com as pessoas no ônibus para Sumy.

Determinado a rastejar até a fronteira

"Todos foram em frente, mas eu era mais lento", diz o aposentado Viktor, da região de Lugansk, sobre a sua jornada pela "zona cinza". Ao lado dele no ônibus há uma cadeira de rodas dobrada. O homem teve as duas pernas amputadas – uma até a coxa e a outra até o joelho.

Ele deu sua cadeira de rodas à esposa, Lyudmila, para que ela transportasse a bagagem pela "zona cinza", enquanto Viktor seguiria rastejando pelo trecho, com a ajuda de uma plataforma improvisada feita de almofadas e hastes de madeira – mas os dois quilômetros se mostraram muito difíceis. "Assim que cruzei a fronteira, percebi que não conseguiria", diz.

Homem em cadeira de rodas em um centro de acolhimento
Viktor, que teve as duas pernas amputadas, deixou sua casa para encontrar seus filhos em Kiev

Quando Lyudmila chegou ao posto de controle ucraniano, ela pediu ajuda aos voluntários que têm permissão para entrar na "zona cinza" e que, todos os dias, buscam ucranianos lá, juntamente com a Cruz Vermelha.

Eles encontraram Viktor em uma cadeira de rodas e o ajudaram a chegar ao lado ucraniano. No ônibus para Sumy, o aposentado disse: "O que uma pessoa pretende fazer nem sempre corresponde às suas habilidades. Mas minha vontade era tão forte que simplesmente segui em frente."

"Você se sente como se estivesse entre amigos"

Em 2014, Viktor e Lyudmila deixaram a parte ocupada da região de Lugansk e se mudaram para o vilarejo de Tsaryovka, que ficava na região controlada por Kiev. Eles compraram uma casa, reformaram-na e plantaram um jardim. Viktor, que perdeu seus membros anos atrás devido a uma doença vascular, cuidava da casa. Mas apenas alguns dias após o início da invasão russa de fevereiro de 2022, o vilarejo foi ocupado.

De acordo com o casal, restam apenas alguns moradores pró-ucranianos em Tsaryovka. Os que permanecem fizeram as pazes com os ocupantes. Lyudmila diz que ela e seu marido não querem um passaporte russo. Por isso, afirma, eles não conseguiam mais ser atendidos no hospital local.

Viktor e sua esposa hesitaram por muito tempo antes de fugir, pois sabiam que seria difícil para Viktor. Para ir de uma região controlada por Moscou até a parte da Ucrânia controlada por Kiev, primeiro é preciso viajar pela Rússia até um país europeu. Entretanto, diz Viktor, isso seria muito demorado e caro para eles, e a travessia Kolotilovka-Pokrovka era a única opção para o casal.

As checagens na fronteira foram rápidas. Viktor está feliz e com lágrimas nos olhos: "Só senti tanto carinho assim de minha própria mãe. É como estar entre amigos agora!" Viktor e Lyudmila pretendiam continuar sua jornada até Kiev, onde seus filhos e uma neta nascida há poucos meses os aguardavam.

Perguntas e descanso antes de seguir viagem

Em Pokrovka, na fronteira entre a Ucrânia e a Rússia, as autoridades verificam os documentos e os pertences das pessoas que vêm dos territórios ocupados. "Eles também pesquisam em bancos de dados", diz Roman Tkach, da guarda de fronteira.

Em seguida, o ônibus leva as pessoas a um centro de voluntários em Sumy, onde são entrevistadas pelas autoridades ucranianas e registradas pelos serviços sociais. Lá, elas recebem ajuda com todos os tipos de documentos, um chip de celular com número ucraniano e almoço.

Homem comendo em uma mesa
Ao chegarem a Sumy, ucranianos que deixaram o território controlado pela Rússia recebem alimentação e pousada

Em seguida, os voluntários levam as pessoas para um abrigo onde elas podem tomar banho, dormir e permanecer por vários dias. Depois, elas podem viajar gratuitamente de trem para Kiev, Poltava, Kharkiv ou Dnipro. E todos já sabem para onde irão em seguida.

"Havia drones e soldados russos por toda parte"

O aposentado Mychajlo, que era motorista de ônibus, quer se juntar à sua filha Anna na cidade de Kharkiv. O homem vem do vilarejo de Tavolzhanka, que fica na parte ocupada da região de Kharkiv. Ele viveu lá por 40 anos, mas sua casa está sob fogo cruzado. "Há drones e soldados russos para onde quer que você olhe. Eles arrastaram tudo para fora das casas e as desmontaram, como portas, revestimentos de piso e carpetes, porque estão construindo abrigos para si mesmos", diz o aposentado, com raiva.

Ele descreve muitos de seus antigos vizinhos como "colaboradores", e diz que muitos deles já se mudaram para a Rússia. Mychajlo enfatiza ter recusado a oferta de receber um passaporte russo.

Mulher é atendida por outra mulher em uma sala de escritório
Voluntários cuidam da documentação dos ucranianos que acabaram de atravessar a fronteira

"Fomos traídos por alguém da aldeia"

Anastasia, de 18 anos, deixou a parte da região de Kherson ocupada pela Rússia junto com seu namorado Petro (nome alterado). Petro completou 18 anos em dezembro e recebeu uma convocação do exército russo em março. "Decidimos fugir porque tinha medo de que ele fosse convocado", diz Anastasia. Ela deixou sua mãe, seu irmão de sete anos e sua avó de 80 anos em casa.

Anastasia encontrou seu pai, que está servindo ao exército ucraniano, em Sumy. Ele havia se alistado em dezembro de 2021 e estava destacado na região de Chernihiv quando a invasão russa em grande escala começou, e sua família em Kherson ficou subitamente sob ocupação russa. Agora ele vê sua filha novamente pela primeira vez em mais de dois anos. Os dois choram e se abraçam por um longo tempo.

"Alguém da aldeia delatou que meu pai era militar", lamenta Anastasia. Os homens, que Anastasia descreve como representantes do serviço secreto russo FSB, vieram e exigiram ver as mensagens trocadas com ele. "Eu as havia deletado há muito tempo e disse que não estava em contato com ele", diz Anastasia, acrescentando que "o FBS" havia pressionado sua família a solicitar passaportes russos. "Eles ameaçaram que, se não tivéssemos passaportes russos em duas semanas, seríamos detidos ou algo mais seria feito conosco. Eles tiraram fotos e nossas impressões digitais e interrogaram minha mãe. Foram muito severos", lembra Anastasia. Ela e seu namorado Petro irão morar com seus avós paternos, que moram na região de Poltava.

Corredor segue aberto apesar do bombardeio

Atualmente, todos os dias, de 20 a 40 pessoas das partes ocupadas das regiões de Donetsk, Lugansk, Kharkiv, Kherson e Zaporizhzhya, bem como da península ucraniana da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, usam o corredor humanitário Kolotilovka-Pokrovka, diz Roman Tkach, da guarda de fronteira ucraniana.

Cruzar a fronteira só é possível durante o dia e somente em uma direção – da Rússia para a Ucrânia – e apenas para cidadãos ucranianos. É necessário ter um passaporte ou outra forma de identificação. Mas mesmo que você não tenha um, os funcionários não podem recusar a entrada de cidadãos ucranianos. "Os cidadãos ucranianos têm o direito constitucional de entrar no território da Ucrânia", diz Tkach. Apesar do atual aumento dos bombardeios na região, o corredor permanece aberto, e ninguém foi ferido nele até o momento.

As armas proibidas em uso na guerra na Ucrânia

A cloropicrina é um líquido oleoso e tóxico de odor extremamente forte. Em humanos, o contato com a substância pode provocar bolhas na pele, irritação nos olhos e dificuldade para respirar. E o mais perigoso: sua fumaça, uma vez inalada, ataca os vasos sanguíneos nos pulmões, provocando um edema pulmonar, com respiração ruidosa e expectoração espumosa e vermelha, o que pode levar à morte.

O efeito da substância, originalmente desenvolvida como pesticida, já era conhecido na Primeira Guerra Mundial. O Exército russo o transformou em arma química. Também foi usado pelo Exército alemão a partir de 1916 em granadas de gás contra os franceses no front.

Agora, mais de um século depois, o Departamento de Estado dos EUA acusa Moscou de usar a substância na guerra na Ucrânia, além de outros gases irritantes. O objetivo, segundo o Pentágono, seria forçar as forças ucranianas a abandonarem posições fortificadas, possibilitando, assim, o avanço tático dos russos no campo de batalha.

Se a acusação de fato proceder, seria uma violação da Convenção Internacional de Armas Químicas. Em vigor desde 1997, ela proíbe o desenvolvimento, produção, armazenamento e uso de armas químicas. O acordo também previa a declaração de todos os arsenais de armas químicas existentes e sua destruição sob supervisão internacional até 2012. O fato de isso não ter acontecido de forma abrangente ficou evidente na guerra da Síria, onde as forças do ditador Bashar al-Assad teriam realizado um ataque com gás venenoso nos subúrbios de Damasco em 2018.

A Rússia, que é signatária da Convenção de Armas Químicas, já foi dona do maior arsenal de armas químicas do mundo. Esse estoque teria sido destruído, segundo informação de 2017 da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq).

Embora o Kremlin negue o uso de armas químicas na Ucrânia, os atentados contra Sergei Skripal e Alexei Navalny sugerem que a Rússia ainda as tem e usa.

Bombas de fragmentação

O uso de bombas de fragmentação em diversas ocasiões desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, está documentado de forma inequívoca. Segundo a Human Rights Watch, as forças russas usaram pelo menos seis tipos delas. Essas armas também teriam sido empregadas nos ataques mais recentes à cidade de Odessa, no Mar Negro, segundo autoridades ucranianas.

Soldado ucraniano exibe cápsula vazia do que seria uma bomba de fragmentação russa
Soldado ucraniano exibe cápsula vazia do que seria uma bomba de fragmentação russanull Clodagh Kilcoyne/REUTERS

Mas o Exército ucraniano também recorre às bombas de fragmentação. Em julho de 2023, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, autorizou o fornecimento dessas armas a Kiev. Elas explodem no ar, liberando centenas de bombas menores que se dispersam por áreas especialmente extensas, sendo que nem todas são detonadas imediatamente e podem representar um perigo mortal mesmo anos depois.

Bombas de fragmentação também são proibidas desde 2010 pelo tratado sobre munições de fragmentação – que, no entanto, não foi assinado nem pelos EUA, Rússia ou Ucrânia.

Uso generalizado de minas na Ucrânia

A Ucrânia é o país mais minado do mundo. Sob seu solo, em uma área total duas vezes maior que a Áustria, acredita-se que estejam enterrados vários milhões de explosivos.

Há mais de um ano, o conflito no leste do país se transformou em uma guerra de trincheiras. A linha do front pouco mudou nesse período. Para proteger suas posições defensivas, ambos os lados usam minas antitanque, que são colocadas em cinturões largos de ambos os lados da linha de combate.

Mas, para dificultar a remoção dessas minas antitanque, os soldados também usam minas antipessoais, que foram banidas em 1997, em tratado assinado pela Ucrânia e por outros 163 países – exceto a Rússia.

Mina terrestre no solo
Milhões de minas terrestres foram espalhadas pela Ucrânia nos últimos dois anosnull picture alliance/dpa/Russian Defence Ministry

A explosão da barragem de Kakhovka, a leste de Kherson, no verão de 2023, teve consequências dramáticas nesse sentido, já que as massas de água liberadas espalharam várias minas – quantas e onde, isso ainda é praticamente incerto.

Bombas de fósforo em Mariupol e Bakhmut?

Bombas de fósforo são compostas de fósforo branco e uma mistura de gasolina e borracha. São usadas, entre outras finalidades, como bombas incendiárias, inflamando-se no contato com o ar e atingindo uma temperatura de até 1.300ºC. Ao explodir, elas liberam centenas de bolinhas em chamas, e mesmo pequenas quantidades podem causar queimaduras graves. Além disso, a fumaça liberada pelo fósforo branco é altamente tóxica.

Luz que seria de uma bomba de fósforo
Bombas de fósforo teriam sido usadas na Síria pelo Exército russo em 2016null Anas Sabagh/AA/picture alliance

Essas bombas não são absolutamente proibidas, mas seu uso contra civis e em áreas urbanas é vetado pela Convenção de Genebra.

A Ucrânia acusa o exército russo de tê-las usado durante os combates pela usina siderúrgica de Azov em Mariupol e também em Bakhmut. Moscou nega. Kiev, porém, também tentou no passado obter armas de fósforo junto a parceiros internacionais, embora sem sucesso.

Projéteis de urânio para Kiev

Os EUA forneceram à Ucrânia munições antitanque de urânio: projéteis revestidos com urânio diluído, capazes de perfurar um tanque. O pó de urânio liberado no interior do veículo inflama-se em contato com o ar e queima toda a cabine do motorista.

Não há convenção internacional que proíba o uso desse tipo de armamento. Especialistas, porém, alertam para os efeitos a longo prazo na saúde devido ao pó de urânio levemente radioativo.

Na Guerra do Iraque, em 2003, centenas de toneladas de munições de urânio foram disparadas. Um relatório da Organização de Médicos Internacionais para a Prevenção da Guerra Nuclear (IPPNW, na sigla em inglês) constatou aumento significativo em malformações, câncer e outras doenças nas regiões onde houve uso massivo de munições de urânio. Até agora, no entanto, um risco aumentado para a população civil não foi confirmado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

O que espera a UE, 20 anos após "big bang" para o leste

"Big bang" é o nome usado no jargão da União Europeia (UE) para a ampliação do bloco em dez países ocorrida em 1º de maio de 2004. O número de Estados-membros aumentou de 15 para 25 da noite para o dia. O continente foi reunificado 15 anos após a queda do Muro de Berlim e o fim da dominação soviética na Europa Oriental. Da Estônia, no norte, até a Eslovênia, no sul, as comemorações de 20 anos atrás foram caracterizadas por festivais folclóricos e fogos de artifício, discursos cerimoniais e o rompimento de barreiras. As ilhas mediterrâneas de Malta e Chipre também foram incluídas.

"Esse foi um forte sinal para a Rússia, mas não só isso. Mostrou a capacidade da UE de tomar decisões fortes, de expandir e de cumprir condições. Foi positivo assim porque as condições políticas na UE e nos países que aderiram ao bloco eram mais favoráveis do que são hoje", diz Kefta Kelmendi, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores, sediado em Bruxelas.

Sem alternativa

"O alargamento foi bom tanto para a UE quanto para os dez países aderentes", diz Kelmendi, especialista em UE, em entrevista à DW. O crescimento econômico nos países aderentes se acelerou no mercado único europeu. De acordo com estudos da Fundação Bertelsmann, instituto alemão de pesquisa sociopolítica, a medida fortaleceu a democracia, o Estado de direito e a liberdade de mídia.

Mas Hungria e Polônia são exceções. Os governos desses países se afastaram dos valores europeus. Na Polônia, a tendência só foi revertida após uma mudança de governo no ano passado. De acordo com o Índice de Transformação da Fundação Bertelmann, os Estados Bálticos, a República Tcheca, a Eslovênia e a Eslováquia alcançaram a classificação máxima de "democracia em consolidação". Já a Polônia e a Hungria são rotuladas como "democracias defeituosas".

Não havia alternativa para a ampliação da UE em 2004 e para a adesão tardia da Bulgária (2007), Romênia (2007) e Croácia (2013), de acordo com o especialista em UE Hans Kribbe, do Brussels Institute for Geopolitics (BIG). "Era inevitável que isso fosse feito em resposta às convulsões históricas e ao colapso da União Soviética e do Bloco de Leste", diz Kribbe.

Ministro do Exterior polonês, Wlodzimierz Cimoszewicz, abraça colega alemão, Joschka Fischer
Ministro do Exterior polonês, Wlodzimierz Cimoszewicz, abraça colega alemão, Joschka Fischer, celebrando adesão da Polônia à UEnull Patrick Pleul/ZB/picture alliance

Duas novas ondas

"É claro que a Comissão Europeia está desempenhando seu papel de apoiadora entusiasmada da ampliação", diz Hans Kribbe, do BIG. Internamente, no entanto, a Comissão está ciente de que é preciso tirar lições para o futuro a partir da grande onda de ampliação. Acima de tudo, a UE teve que aprender que deve se tornar mais receptiva e simplificar seus procedimentos e processos. Até o momento, porém, não há nenhum plano para tal reforma da atual União Europeia.

Entretanto, as próximas ampliações são iminentes. Seis países dos Bálcãs Ocidentais, da Bósnia-Herzegovina à Albânia, deverão ser admitidos. Ucrânia, Moldávia e Geórgia são os mais recentes candidatos à adesão, que poderiam comprar uma passagem expressa para a UE, principalmente devido à ameaça representada pela Rússia.

Os países dos Bálcãs Ocidentais receberam promessas de adesão repetidas vezes. Pré-adesão, negociações, ajustes – tudo isso levou décadas após as guerras civis na antiga Iugoslávia. O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, gosta de repetir que agora é o momento de finalmente agir.

"Não acho que haverá outro big bang, isso não funcionaria", diz Tefta Kelmendi, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Os seis países são muito diferentes em termos de desenvolvimento e capacidade de adesão. "Eles serão admitidos um após o outro", ela supõe. Primeiro a Albânia, a Macedônia do Norte e Montenegro. A Sérvia e Kosovo teriam que resolver sua disputa sobre a condição de Estado e as minorias.

De qualquer forma, não se poderia esperar até que os conflitos bilaterais entre a Sérvia e Kosovo sejam resolvidos. Isso significaria tornar os outros países reféns desse conflito. "A maneira como a UE tentou usar a perspectiva de ampliação para resolver problemas bilaterais não ajudou a região. Ela está muito focada na estabilização e não tanto no desenvolvimento econômico."

Adesão da Ucrânia é desafio

Em comparação com os países dos Bálcãs, a Ucrânia seria realmente um "big bang” para a União Europeia. Mais de 40 milhões de pessoas, um enorme país agrícola, o mais pobre da Europa, gravemente abalado pela guerra imposta pela Rússia. As negociações de adesão devem começar em breve com uma conferência intergovernamental.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem certeza de que a Ucrânia pertence ao clube europeu. "A Ucrânia fez sua escolha europeia. E eles sabem o que isso significa. Nós fizemos nossa escolha ucraniana. Assim como decidimos, há muitos anos, trazer tantos países para a nossa União", disse von der Leyen no Parlamento Europeu.

Ursula von der Leyen abraça Volodimir Zelenski
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski: adesão da Ucrânia é desafio para o bloconull Efrem Lukatsky/AP Photo/picture alliance

"A admissão da Ucrânia na UE é tão inevitável quanto a admissão dos dez Estados há 20 anos", diz o especialista em UE Hans Kribbe, observando que o país também está defendendo a Europa contra a Rússia. "A Ucrânia está fazendo todo o trabalho", mas, no final, a população dos antigos países da UE deve ser convencida a concordar com a ampliação. Isso exigirá unanimidade entre os cerca de 30 países. Será necessário realizar referendos em alguns deles.

No momento, de acordo com Hans Kribbe, os problemas reais dessa ampliação não estão sendo abordados para não assustar os europeus. "Essa é uma estratégia arriscada. Em algum momento, teremos que enfrentar a realidade." Pois a admissão da Ucrânia exigiria uma reorganização total do orçamento da UE. Os atuais recebedores líquidos de subsídios e fundos, como a Polônia ou a Hungria, provavelmente se tornariam pagadores líquidos que teriam que doar para a Ucrânia e outros países mais pobres.

Não parar de sonhar

"É difícil prever quando ocorrerão as próximas adesões, mas devemos permanecer otimistas", diz Jerzy Buzek. O polonês é membro do Parlamento Europeu desde 2004, quando seu país aderiu à UE. Antes disso, ele foi chefe de governo até 2001 e ajudou a preparar a adesão. "Quando éramos jovens, isso não parecia real, mas (a adesão) se tornou um fato. Isso significa que devemos sonhar e nos apegar aos nossos sonhos", disse Buzek no Parlamento, se referindo aos próximos candidatos à adesão.

É improvável que a Turquia, que está negociando a adesão a UE desde 2005, venha a aderir. O Estado autocrático está se afastando cada vez mais dos valores europeus. "Esse é um caso perdido quando se trata de adesão", diz o especialista em UE Hans Krippe, do Brussels Institute for Geopolitics. Ele acrescenta, no entanto, que a UE deve se esforçar para manter relações bilaterais estreitas com o país, uma parceria privilegiada, porque a Turquia ocupa uma posição geopolítica importante no que diz respeito à defesa contra a Rússia e às questões de migração.

 

O órfão ucraniano que escapou da guerra e deportação forçada

Illya conta que certa noite ele e sua mãe saíram do porão. Queriam pedir água e um pouco de comida a uma vizinha. Quase tudo ao redor já estava em ruínas e, em todas as direções, ouviam-se tiros. "Não conseguimos chegar até a vizinha", diz o menino. "Um foguete atingiu a vizinhança. Mamãe caiu com a testa no chão. Ela morreu no dia seguinte."

O garoto de apenas 11 anos conta a história mecanicamente. Como se a tivesse memorizado. E não como se fosse sua própria história.

O ucraniano Illya vem de Mariupol, a grande cidade no extremo sudeste da Ucrânia que se tornou um símbolo mundial do terror russo depois do início da guerra, em 24 de fevereiro de 2022, quando Moscou invadiu o país vizinho. Durante o cerco de três meses a Mariupol, o Exército russo destruiu quase completamente a cidade e matou dezenas de milhares de civis. Um deles foi a mãe de Illya, Nataliia Matviienko.

Ela morreu em 21 de março de 2022, algumas semanas antes de Illya completar nove anos. O próprio Illya foi gravemente ferido pela queda do foguete em sua perna direita. Soldados russos o descobriram logo após o ataque e o levaram embora; ele foi hospitalizado na cidade ucraniana de Donetsk, que está sob ocupação russa desde 2014. Ele deveria ser entregue a uma família russa, mas sua avó, que vive em Ujhorod, a cidade mais ocidental da Ucrânia, o tirou de Donetsk e o levou para a casa dela.

Logo depois, Illya testemunhou perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia. Seu testemunho contribuiu para o mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, e sua representante dos direitos das crianças, Maria Lvova-Belova.

Illya é uma das dezenas de milhares de crianças ucranianas que foram sequestradas por soldados ou funcionários russos nos territórios ucranianos ocupados desde fevereiro de 2022. Uma estimativa oficial ucraniana coloca o número de menores deportados em cerca de 19 mil. A representante de Putin, Lvova-Belova, se gabou no verão de 2023 de que as autoridades russas já haviam "resgatado" da Ucrânia 700 mil crianças. Até o momento, a Ucrânia só conseguiu trazer de volta cerca de 400 crianças sequestradas.

Vista aérea de um teatro com telhado totalmente destruído
Teatro em Mariupol bombardeado 2022, quando abrigava civis, incluindo crianças. Estima-se que pelo menos 300 morreram. A palavra "crianças" pode ser lida em letras grandes diante do prédionull Peter Kovalev/TASS/dpa/picture alliance

Crime de guerra

Independentemente de tais números, esse é um dos piores crimes de guerra na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. A advogada ucraniana, ativista de direitos humanos e ganhadora do Prêmio Nobel, Oleksandra Matviichuk, fala de um genocídio que está sendo cometido pela Rússia na Ucrânia.

"Esses crimes de guerra não são coincidência nem acidente, são um método da Rússia e uma tática de guerra russa contra a Ucrânia", disse Matviichuk à DW. "As crianças são enviadas para campos de reeducação, primeiro lhes é dito que são russas e que a Rússia é sua terra natal. Mais tarde, são enviadas a famílias russas. É uma política de eliminação da identidade ucraniana e uma política genocida."

Illya quase teve esse destino também. Até fevereiro de 2022, ele tinha uma infância normal em Mariupol. Morava com sua mãe solteira em uma casa na periferia leste de cidade e cursava a terceira série. Ele diz que em seu tempo livre gostava de ir ao cinema e brincar no parque com um tio.

No dia seguinte ao ataque russo a Mariupol, ele fugiu com a mãe para o centro da cidade. Eles moraram em um hotel por alguns dias e, mais tarde, em um abrigo antiaéreo. Em algum momento, a sua mãe decidiu voltar para a casa na periferia da cidade em busca de comida. Quase tudo lá havia sido destruído, mas eles encontraram outra casa com um porão intacto e alguns alimentos, onde se esconderam por alguns dias – até aquela noite fatídica, quando tentaram ir à casa de um vizinho.

Illya conta que, após a queda do foguete, a vizinha veio e levou sua mãe gravemente ferida e ele para o apartamento dela. Ele diz que não se lembra exatamente como foi quando sua mãe morreu. No dia seguinte, os soldados russos chegaram. Eles simplesmente disseram: "Retirada!" E o levaram com eles. "A viagem até o hospital em Donetsk foi terrível", conta. "Minha perna machucada doía tanto que não consigo nem descrever."

Prédios em ruína
Mariupol foi quase totalmente destruída pelos militares russos em 2022null ANDREY BORODULIN/AFP

A perna de Illya foi operada no hospital. Ele disse aos funcionários do local que tinha uma avó e que ela poderia ir buscá-lo. Mas depois de alguns dias, disseram a ele que poderiam levá-lo a Moscou, para uma nova família. "Eu não respondi nada", recorda. "Porque não sabia se eles iam me fazer alguma coisa se eu contrariasse."

A odisseia da avó

Illya conta que havia muitas crianças ucranianas no hospital e que jornalistas também foram até lá e filmaram o lugar. Por acaso, a avó de Illya, Olena Matviienko, viu um vídeo nas redes sociais em que seu neto aparecia. Ela ligou imediatamente para o hospital e disse que iria buscá-lo. Pouco tempo depois, ela partiu para a Donetsk ocupada – de Ujhorod, no oeste da Ucrânia, passando pela Polônia, Lituânia, Belarus e Rússia.

Foi uma odisseia sobre a qual Matviienko só pode contar alguns detalhes – na época, o retorno de Illya e de outra menina foi organizado com a ajuda do governo ucraniano e de um empresário russo.

Para não colocar em risco possíveis resgates futuros, apenas isso pode ser revelado: Illya e sua avó conseguiram voltar à Ucrânia através da Turquia no final de abril de 2022. "Chorei quando cruzei a fronteira da Ucrânia com meu neto", conta Matviienko.

Na Ucrânia, Illya foi inicialmente internado em um hospital em Kiev para reabilitação. Lá, um assessor do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, perguntou se ele estaria preparado para contar sua história aos investigadores do Tribunal Penal Internacional. O menino concordou.

Desde então, ele não apenas testemunhou na corte em Haia, mas também perante representantes da ONU. E falou com vários políticos ocidentais, inclusive dos EUA e da Alemanha. "Entendi que tenho que fazer isso", afirma. "Para que não haja indiferença, para que saibam que não se trata de um conto de fadas, mas para que saibam o que realmente aconteceu."

Illya e sua avó Olena
Illya e sua avó Olena se reencontraram e atualmente vivem em Ujhorod, no extremo oeste da Ucrânianull privat

Mas não dói demais ter que recontar a história várias vezes? "Não", responde Illya. "Eu entendo que esse é meu destino e é por isso que não choro. Nunca chorei quando contei a história". Ele diz isso como um adulto e como se estivesse longe. E acrescenta que sua avó sempre chora quando ele relata a situação que enfrentou.

"Talvez eu morra. Afinal, estamos em guerra"

A senhora, de 65 anos, é uma mulher amável. Passou a vida trabalhando em Mariupol, inclusive na siderúrgica Azovstal, que se tornou um símbolo de resistência contra os ocupantes russos em 2022. Ela teve quatro filhos. Um deles morreu em 2014 lutando contra os ocupantes russos no leste da Ucrânia. Depois que sua única filha morreu, em 2022, lhe restaram dois filhos. E seu neto, Illya. Ela se mudou de Mariupol para o outro extremo da Ucrânia, para Ujhorod, em 2017, porque na época queria ficar o mais longe possível da guerra nas chamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk.

Matviienko recebe uma aposentadoria equivalente a 67 euros (R$ 368) por mês. Parte desse valor ela doa para as Forças Armadas ucranianas todos os meses. "Eu não trocaria a Ucrânia por nada no mundo, mas seria bom se pudéssemos receber um pouco mais de aposentadoria", diz ela.

Illya e sua avó moram em uma espécie de apartamento compartilhado em Ujhorod, onde não há um banheiro próprio. Eles gostariam de ter um banheiro com chuveiro e prefeririam morar em uma casa só para eles. "Tenho saudades do mar, da cidade e da pizza que eu costumava comprar todos os dias no caminho para a escola. E, é claro, da minha mãe. Que Deus lhe dê paz", afirma o menino.

O garoto afirma não acreditar que o mandado de prisão contra Putin vá dar em alguma coisa. "Ele é um idiota, mas pelo menos ele sabe que não pode mais viajarpara qualquer lugar." O próprio Illya quer ser médico quando crescer. "Não sei se conseguirei, porque tenho a síndrome da desesperança. Mas seria meu sonho. Mas talvez eu morra amanhã. Afinal, estamos em guerra."

Por que a União Europeia ainda está comprando gás russo?

Mais de dois anos após a Rússia ter lançado a invasão em grande escala da Ucrânia, a União Europeia (UE) conseguiu reduzir bastante a quantidade de gás russo que importa, mas o hidrocarboneto ainda abastece algumas residências e empresas europeias e rende lucros para o Kremlin.

Quando a guerra começou, os líderes europeus foram forçados a enfrentar sua dependência de longa data do gás e do petróleo russos. O gás era um problema em particular: em 2021, 34% do gás da UE veio da Rússia.

Os países da Europa Central e do Leste Europeu eram especialmente dependentes. Quando a UE cogitou uma proibição, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, foi rápido em expressar sua oposição. "A Europa deliberadamente isentou o fornecimento de energia da Rússia das sanções. No momento, o suprimento de energia da Europa para aquecimento, mobilidade, eletricidade e indústria não pode ser garantido de nenhuma outra forma", disse.

Vladimir Putin explorou essa dependência. Ao longo de 2022, a Rússia reduziu as exportações de gás para a Europa, deixando os líderes europeus preocupados com uma escassez de energia no inverno. Esses temores nunca se concretizaram, mas fizeram com que a UE nunca sancionasse de fato o gás russo.

"Nunca foi uma sanção", diz Benjamin Hilgenstock, da Escola de Economia de Kiev. "Foi uma decisão voluntária dos países, e uma decisão inteligente, para diversificar o fornecimento e não ser mais chantageado pela Rússia", disse ele à DW.

Como as importações de GNL da Rússia substituíram os gasodutos

De acordo com dados da UE, a parcela de gás importado via gasoduto russo pelos Estados-membros caiu de 40% do total em 2021 para cerca de 8% em 2023. No entanto, quando o gás natural liquefeito (GNL) é incluído – gás natural resfriado até a forma líquida para que possa ser transportado por navio – a participação total do gás russo no total da UE no ano passado foi de 15%.

Uma das principais maneiras de a UE reduzir sua dependência do gás russo foi aumentar as importações de GNL de países como os Estados Unidos e o Catar. No entanto, isso levou, inadvertidamente, a um significativo volume de GNL russo que entrou no bloco com grandes descontos.

De acordo com o provedor de dados Kpler, a Rússia é agora o segundo maior fornecedor de GNL da UE. As importações de GNL da Rússia representaram 16% do fornecimento total de GNL da UE em 2023, um aumento de 40% em comparação com a quantidade que a Rússia vendeu para a UE em 2021.

Os volumes de importação em 2023 foram ligeiramente inferiores aos de 2022, mas os dados do primeiro trimestre de 2024 mostram que as exportações russas de GNL para a Europa aumentaram novamente em 5% em relação ao ano anterior. A França, a Espanha e a Bélgica têm sido importadores particularmente grandes. Esses três países foram responsáveis por 87% do GNL que entrou na UE em 2023.

Países querem interromper "transbordo" de GNL

No entanto, grande parte desse GNL não é necessária para o mercado europeu e está sendo manuseada em portos europeus antes de ser reexportada para países terceiros em todo o mundo, enquanto alguns países e empresas da UE lucram com isso.

"Grande parte do GNL russo que vai para a Europa está apenas sendo 'transbordado'", disse Hilgenstock. "Portanto, isso não tem nada a ver com o suprimento de gás natural da Europa. São apenas empresas europeias que ganham dinheiro facilitando as exportações russas de GNL."

De acordo com um relatório recente do Centro de Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo (CREA), pouco menos de um quarto das importações europeias de GNL da Rússia (22%) foram transbordadas para os mercados globais em 2023. Petras Katinas, analista de energia do CREA, disse à DW que a maior parte desse GNL foi vendida para países da Ásia.

Navio cargueiro ancorado em um terminal
A Alemanha aumentou rapidamente sua capacidade de importar GNL, construindo terminais como este em Wilhelmshavennull Michael Sohn/REUTERS

Como resultado, vários membros da UE, como a Suécia, a Finlândia e os países bálticos, estão pressionando o bloco a decretar a proibição total do GNL russo, uma medida que exigiria a concordância de todos os Estados-membros.

As discussões da UE estão atualmente concentradas na proibição da reexportação do GNL russo dos portos europeus. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, uma sanção aos principais projetos de GNL da Rússia, como o Arctic LNG 2, o terminal de GNL UST Luga e a fábrica de Murmansk, também está sendo considerada.

"Na verdade, deveríamos basicamente banir o GNL russo", disse Hilgenstock. "Não achamos que ele desempenhe um papel significativo no fornecimento de gás europeu, e ele pode ser substituído com relativa facilidade por GNL de outras fontes." Um estudo de 2023 do think tank Bruegel corrobora essa análise.

No entanto, a Acer, a agência reguladora de energia da UE, alertou recentemente que qualquer redução das importações de GNL russo deve ocorrer "em etapas graduais" para evitar um choque energético.

Alguns países da UE ainda recebem gás russo por gasoduto

O gás canalizado da Rússia também continua chegando à UE. Embora os gasodutos Nord Stream não estejam operacionais e o gasoduto Yamal não traga mais gás russo para a Europa, o gás russo ainda flui para o centro de gás de Baumgarten, na Áustria, por meio de gasodutos que atravessam a Ucrânia. A empresa estatal austríaca de energia OMV tem um contrato com a empresa de gás russa Gazprom até 2040.

Em fevereiro, a Áustria confirmou que 98% de suas importações de gás em dezembro de 2023 eram provenientes da Rússia. O governo diz que quer romper o contrato com a Gazprom o mais cedo possível, mas são necessárias sanções da UE sobre o gás russo para que isso aconteça legalmente.

Assim como a Áustria, a Hungria continuou a importar gás russo por gasoduto em grandes quantidades. A Hungria também fechou recentemente um acordo de gás com a Turquia, mas especialistas dizem que esse gás também vem da Rússia, pelo gasoduto Turkstream.

Hilgenstock diz que alguns países continuaram a comprar gás russo porque estão se beneficiando de contratos baratos e vantajosos. "Portanto, a menos e até que haja um embargo ao gás natural russo, a decisão de comprar cabe realmente a esses países."

Para Estados como a Áustria e a Hungria, o possível fim de suas importações por gasoduto da Rússia pode, em última análise, ser moldado pela Ucrânia. Kiev insiste que não renovará os acordos existentes com a Gazprom para permitir o fluxo de gás através de seu território. Esse acordo expira no final de 2024.

Hora de um embargo?

Embora o gás russo ainda seja importado para a Europa, sua participação geral nas importações de gás caiu drasticamente desde 2021. A UE diz que quer que o bloco esteja completamente livre do gás russo até 2027, uma meta que Hilgenstock diz ser cada vez mais realista.

"Se todo esse caso sórdido nos mostrou algo é que podemos, de fato, diversificar com relativa rapidez nosso fornecimento de gás e outras fontes de energia para longe da Rússia", disse.

Entretanto, ele acredita que as condições políticas "não são particularmente propícias" para um embargo total de gás no momento, especialmente um embargo de gasodutos. Ele aponta a presidência da Hungria na UE na segunda metade de 2024 como uma barreira em potencial. Budapeste tem laços mais estreitos com Moscou do que a maioria dos Estados-membros da UE.

Em relação ao GNL, ele é mais otimista e diz que, além da ação da UE, cabe aos importadores de GNL de grande volume, como a Espanha e a Bélgica, tomarem medidas. "Essa importação pela porta dos fundos de gás russo é um grande problema, especialmente do ponto de vista da mensagem que envia", disse. "E estamos ajudando a Rússia com suas cadeias de suprimento de GNL, o que não deveríamos fazer."

Polícia espanhola prende falsificadores de moedas de euro

O dinheiro com que se adquirem bens e serviços é apenas papel impresso ou metal cunhado. Se o pagamento é eletrônico, como acontece com frequência cada vez maior, então não passa de dados informáticos. O verdadeiro valor do dinheiro vem da confiança que se tem nele: todo cidadão deve poder partir do princípio de que as cédulas ou moedas em sua mão valem exatamente o que está indicado.

Numerário falsificado causa danos econômicos que afetam a todos. Quem é pago com ele ou o recebe como troco arca com custos adicionais, pois a soma é apreendida, sem direito a ressarcimento. As autoridades legais levam a falsificação a sério: forjar dinheiro não é nenhuma bagatela.

Na quarta-feira (24/04), a agência de notícias alemã DPA informou que a Polícia Nacional da Espanha desbaratara uma rede criminosa que vinha colocando em circulação, por toda a Europa, moedas de dois euros falsas.

Com a ajuda da organização Europol, foi possível identificar, na cidade de Toledo, uma oficina de cunhagem descrita como "a mais importante da Europa, nos últimos dez anos". Foram presos dez indivíduos, todos de nacionalidade chinesa.

Abalo à confiança da população é o maior dano

A polícia espanhola vinha investigando há dez anos a gangue, que já teria espalhado pelo mercado europeu quase 500 mil moedas "de alta qualidade". Os trabalhos foram "extremamente difíceis e prolongados, em grande parte devido à natureza secreta da organização, mas também pela ausência quase total da rastreabilidade característica das moedas falsas", comentaram as autoridades.

Embora o dano econômico total, de cerca de 1 milhão de euros, não seja especialmente significativo, não se deve subestimar a operação policial: alguém capaz de colocar moedas forjadas em circulação por um período longo, sem ser detectado, tem potencial de expandir suas energias e know-how. Um aspecto crucial aqui é a importância de poder assegurar a população que seu dinheiro está seguro e manterá seu valor.

Frente e verso de moedas comemorativas de 2 euros
Moedas comemorativas: característica da de dois euros é o centro dourado circundado por anel prateado

Como reconhecer moedas falsas?

É relativamente fácil identificar cédulas falsas: as características de segurança implementadas pelos bancos centrais são sofisticadas e foram bem divulgadas – do fio de segurança e o holograma ao fundo difícil de copiar e à qualidade do papel. Com moedas é diferente, mas mesmo os "trocadinhos" têm características difíceis de replicar, para as quais vale a pena estar atento.

Na Alemanha, o responsável pela cunhagem da moeda comum europeia é o banco federal Bundesbank. Nas "diretrizes para moedas" em seu website, apesar de afirmar que "não é preciso ser um especialista em numismática para distinguir moedas falsas de legítimas", ele aconselha o uso de aparelhos detectores certificados – o que naturalmente não ajuda muito o cidadão comum.

Pelo menos a instituição explica que, numa peça verdadeira, a imagem cunhada se eleva claramente acima da superfície e os contornos são claros – enquanto nas falsas a impressão costuma ser de baixa qualidade, "a superfície mostra cicatrizes, pontos, manchas, linhas ou depressões".

As moedas verdadeiras têm, ainda, nas bordas, marcas para facilitar a identificação por portadores de deficiência visual, as quais devem ser igualmente claras e bem definidas. A distância entre os símbolos e palavras nas bordas também difere nos exemplares falsificados.

O website prossegue: "Devido a um material de segurança especial, a seção central das moedas de um e dois euros é ligeiramente magnética. Ou seja: as moedas são levemente atraídas por um ímã e caem, se ele é sacudido."

Por outro lado "o anel exterior das moedas de um e dois euros não é magnético – assim como as peças de 10, 20 e 50 cents", enquanto "as de um dois e cinco cents, feitas de aço folheado com cobre, são altamente magnéticas".

Ao que tudo indica, o Bundesbank está convencido que todo mundo circula munido de lupa e ímãs – o que não procede. Ainda assim, as dicas são úteis – contanto que se decore devidamente os diferentes materiais e seus graus de magnetismo.

 

Como a poeira do deserto do Saara chega até a Europa

A poeira do deserto do Saara viajou milhares de quilômetros até chegar a Atenas, na Grécia, na semana passada. O fenômeno natural fez a Acrópole momentaneamente lembrar o planeta Marte, em razão da tonalidade vermelha-alaranjada.

As tempestades que transportam a poeira até as capitais europeias são bastante comuns e acontecem há anos. Elas ocorrem quando ventos em maior altitude atravessam o deserto do Saara durante o tempo seco.

A areia do deserto, que se estende por uma ampla região no norte da África, é formada por diversas partículas diferentes, explica à DW o especialista em poeira e areia do Barcelona Supercomputing Center, Carlos Perez Garcia-Pando.

Algumas partículas são maiores e mais pesadas, sendo estas as primeiras a serem pegas pelos altos ventos, embora não sejam as que acabam atravessando o Mar Mediterrâneo rumo à Europa. Ao contrário: quando essas partículas maiores inevitavelmente caem ao chão, seu impacto quebra outros tufos de areia, que então se dispersa em partículas ultrafinas – são elas que viajam longas distâncias.

Para que as tempestades de areia possam ocorrer, as condições meteorológicas precisam estar secas. Do contrário, essas partículas voltam a formar tufos e se tornam muito pesadas para serem transportadas por distâncias mais longas. As tempestades tendem a se formar em locais onde há pouca vegetação, que poderia interagir com o vento e desacelerá-las.

Como a poeira chega à Europa

Tempestades de areia ocorrem com regularidade no Saara, mas para conseguirem se deslocar por milhares de quilômetros ao norte, elas precisam interagir com um sistema meteorológico que deve fornecer os ventos fortes necessários para cobrir longas distâncias.

Na maioria dos casos, são os sistemas meteorológicos de baixa pressão que transportam a poeira do Saara através do Mediterrâneo até a Europa. Garcia-Pando explica que esse sistemas são energéticos, com fortes ventos em sentido anti-horário. Os sistemas de alta pressão também podem gerar esses eventos, embora a probabilidade seja menor.

Casal observa do alto de um morro a cidade de Atenas em cor vermelha-alaranjada
Assim ficou a vista sobre Atenas no final de abril, com a chegada de partículas ultrafinas vindas do deserto do Saara null ANGELOS TZORTZINIS/AFP/Getty Images

As partículas de poeira que chegam até a Europa conseguem permanecer tanto tempo no ar porque são muito menores do que os grãos de areia. "O que chega até a Europa é uma tempestade de poeira, e não de areia", atesta Stuart Evans, especialista em poeira da Universidade de Buffalo em Nova York.

Poeira nem sempre é problemática

Segundo Garcia-Pando, a análise dessas tempestades de areia não deve gerar temores. Ao contrário, trata-se de compreender o fenômeno e o que ele representa para a sociedade e o clima.

A poeira, argumenta ele, nem sempre é ruim: serve, por exemplo, como uma espécie de nutriente para florestas e oceanos, alimentando-os com ferro e fósforo.

"Isso [tempestades de areia] vem acontecendo repetidamente através da história; a poeira é quase tão antiga quanto a Terra", afirma. "Não é nada de novo."

O que é novo, segundo o pesquisador, é a quantidade de poeira na Terra, que vem aumentando desde os tempos pré-industriais. Isso se deve, em grande parte, ao cultivo humano da terra, mas também às mudanças climáticas.

Para explicar como isso acontece, imagine um tufo de sujeira encrostada. Se pisarmos nessa sujeira, ou um carro passar por cima, inúmeras partículas se romperão, e "todas essas partículas são mais facilmente afetadas pelo vento".

Em relação às mudanças climáticas, o especialista cita como exemplo as fontes de água que secam durante as estiagens. Quando um lago está seco, diz o pesquisador, "os sedimentos que permanecem no lago são muito, muito erosivos e podem ser muito facilmente lançados à atmosfera".

Proteja-se das tempestades de poeira

Mas, a essa altura, os cientistas ainda não estão certos se as mudanças climáticas deverão gerar mais ou menos ventos na Terra, de maneira que é difícil prever o futuro das tempestades de areia ou poeira.

"Essa é uma das incertezas fundamentais que temos ao projetarmos o futuro, compreender como os ventos deverão evoluir em diferentes situações. Não apenas o vento comum, mas também os extremos", diz Garcia-Pando.

O especialista afirma que quem se vir em meio a uma tempestade de poeira na Europa deve seguir as mesmas recomendações de quando a qualidade do ar estiver particularmente ruim: utilizar máscaras e evitar atividades esportivas ao ar livre.

Isso vale ainda mais para pessoas com problemas respiratórios, já que a poeira causa danos à respiração. 

Ucrânia aumenta pressão para recrutar homens no exterior

"É bom que eu tenha conseguido meu passaporte em Colônia no ano passado e não precise mais ir ao consulado", diz Oleh, de Kiev, que agora mora na Alemanha com sua esposa e três filhos. Essa foi sua reação ao anúncio do ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, de que os serviços consulares não serão mais prestados integralmente a cidadãos em idade de recrutamento militar que estejam no exterior. A medida é especialmente direcionada àqueles que não se registram numa junta militar.

"Viver no exterior não isenta um cidadão de seus deveres para com seu país de origem", disse o ministro Kuleba nesta semana em uma publicação na rede X, acrescentando que será garantido "tratamento justo aos homens em idade de mobilização na Ucrânia e no exterior".

Como consequência, Kiev parou de emitir passaportes para homens entre 18 e 60 anos que estão no exterior. Isso significa que os homens ucranianos em idade de recrutamento militar só podem obter passaportes no seu próprio país. A única exceção envolve a emissão de carteiras de identidade para facilitar um eventual retorno à Ucrânia.

Penalidades e possíveis ações na Justiça

A medida está prevista no âmbito de uma lei recentemente aprovada na Ucrânia para fortalecer a mobilização e tem como objetivo incentivar os homens a retornarem para fortalecer os contingentes militares do país, debilitados após mais de dois anos de guerra com a Rússia. A lei deve entrar em vigor em 18 de maio.

De acordo com as novas regras, os cidadãos ucranianos do sexo masculino que vivem no exterior também devem se apresentar às Forças Armadas. "Não está claro como isso pode ser feito no exterior e quais documentos devem ser apresentados", diz a advogada Hanna Ishchenko, baseada em Kiev. O governo ainda não determinou como isso será feito.

A única coisa que está clara até agora é que a lei se aplica a todos os cidadãos do sexo masculino, sem exceção – tanto para aqueles que deixaram a Ucrânia após a invasão russa em 2022 quanto para os que viveram a maior parte de suas vidas no exterior.

Soldados ucranianos conversam dentro de uma trincheira
Soldados ucranianos em treinamento. Kiev tenta recrutar mais homensnull Oleksandr Ratushniak/REUTERS

As novas disposições estipulam que os cidadãos ucranianos só poderão utilizar os serviços consulares no exterior depois que for esclarecido se eles se registraram no Exército. Se esse não for o caso, eles poderão ser multados em 510 a 850 grívnias (a moeda ucraniana, equivalente a R$ 66 e R$ 110), além de terem serviços consulares negados. Reincidência pode render uma multa de 1.700 grívnias (aproximadamente R$ 220).

A advogada Ishchenko prevê que isso vai provocar ações judiciais contra as autoridades. Os tribunais ainda precisam esclarecer se as decisões estão de acordo com o princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei. "Deve haver uma compatibilidade entre as consequências para os cidadãos e os objetivos que as regras pretendem alcançar", avalia. Segundo Ishchenko, as novas medidas tomadas pelo Estado não estão de acordo com o princípio da proporcionalidade, apesar da situação de guerra.

Já Oleksandr Pavlichenko, da ONG União Ucraniana de Helsinque para os Direitos Humanos, avalia que as medidas são discriminatórias. Ele teme que as autoridades ucranianas possam no futuro se recusar a ajudar as pessoas em questão, mesmo em situações de emergência.

Como consequência, essas pessoas podem acabar buscando obter outra cidadania, seja por meio de status de refugiado ou de outros procedimentos – tudo para se livrar da cidadania ucraniana, que acabaria sendo "inconveniente" para elas. Pavlichenko também espera que os ucranianos entrem com ações na Justiça contra as novas regras, com base na Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Esperança de permanecer na Alemanha

Oleg não quer se alistar nas Forças Armadas. Ele tem medo de ser enviado para o front, embora esteja isento do serviço obrigatório de acordo com as normas atuais, pois é pai de família. "Não vou deixar minha esposa e meus três filhos sozinhos", diz.

Bohdan, que também não quer revelar seu sobrenome, deixou a Ucrânia ilegalmente, desviando dos controles de fronteira. Ele chegou à Alemanha, onde conta com status de proteção temporária, por meio de uma rota que começou na Moldávia. Bohdan não quer voltar em hipótese alguma, afirmando que se sente em casa na Alemanha e está aprendendo alemão.

Outras medidas punitivas contra homens que não se apresentaram ao Exército até agora não conseguiram persuadir aqueles que deliberadamente deixaram a Ucrânia durante a guerra a voltar para casa, diz Bohdan. "Quando eu solicitar um novo passaporte em 2032, espero já ter uma cidadania diferente, talvez alemã", diz ele.

Mulheres ucranianas de diferentes idades inspecionam livros escolares
No início da guerra, mulheres ucranianas lideravam isoladamente a busca por asilo na Alemanha; agora, a proporção de homens é praticamente igualnull Waltraud Grubitzsch/picture alliance/dpa

Quando questionado sobre o que ele faria se precisasse inesperadamente dos serviços de um consulado ucraniano, Bohdan diz: "Nada, absolutamente nada." "Tenho quase 90% de certeza de que a Alemanha providenciará para que possamos obter todos os documentos necessários aqui sem precisar dos ucranianos", emenda.

Maximilian Kall, porta-voz do Ministério do Interior da Alemanha, disse em uma coletiva de imprensa na quarta-feira (24/04) encarar a nova abordagem de Kiev "como uma questão consular que está exclusivamente nas mãos das autoridades ucranianas”. Kall enfatizou que isso não deve afetar o status de proteção dos refugiados da Ucrânia, "independentemente de serem homens ou mulheres".

As mulheres que retornam à Ucrânia

De acordo com o Departamento Federal de Estatística alemão, um número similar de mulheres (5.772) e homens (5.597) ucranianos com idade entre 18 e 60 anos buscou asilo na Alemanha em fevereiro de 2024. Dois anos atrás, dois terços dos refugiados de guerra eram mulheres, sendo que crianças constituíam a segunda maior categoria.

Por outro lado, 39% das pessoas que retornaram recentemente da Alemanha para a Ucrânia eram mulheres em idade produtiva. Já a proporção de homens em idade de alistamento militar que deixaram a Alemanha foi menor, de 23%.

 

Veneza começa a cobrar taxa de turistas em experimento para controlar turismo de massa

Nesta quinta-feira (25/04), feriado do Dia da Libertação na Itália, turistas visitando Veneza por um dia, sem pernoitar, tiveram, pela primeira vez, que pagar uma taxa de 5 euros (R$ 27,69) ou arriscar levar uma multa de até 300 euros (R$ 1.661,14).

O sistema, cuja adoção tem sido adiada há vários anos, será testado até o final de abril e em outros 23 dias ao longo de maio, junho e julho deste ano, num experimento da prefeitura para combater os problemas ocasionados pelo turismo de massa.

"Em princípio, é uma boa ideia", afirma Susanne Kunz-Saponaro, que mora e trabalha como guia turística na cidade do norte italiano. "Mas parece que não pensaram a coisa até o fim."

Venezianos querem limitar número de turistas

Por um lado, há uma longa lista de exceções ao sistema que diluem seu efeito, como as isenções para moradores de toda a região de Veneza e menores de 14 anos. A taxa também não é cobrada entre as 16h e as 8h30 do dia seguinte.

Ainda não está claro como a cidade dará conta de fiscalizar todos os excursionistas, que têm que baixar um QR Code no site cda.ve.it. A prefeitura afirma que fiscais estarão circulando e fazendo controles aleatórios.  Quem for pego sem o comprovante de pagamento da taxa pode acabar multado.

Mas a guia Saponaro considera especialmente problemático o fato de não se ter também introduzido logo um limite para o número de visitantes: diariamente chegam cerca de 80 mil ao centro histórico, dos quais 70 mil só pretendem passar algumas horas, gastando bem pouco, mas contribuindo bastante para a superlotação.

Conhecer Veneza com vagar – e respeito

Do mesmo que outros imãs turísticos europeus, há bastante tempo a municipalidade veneziana tenta combater ao menos as consequências mais graves do turismo de massa – como quando proibiu os grandes cruzeiros de aportarem no centro, em 2021. "Nós convidamos os que querem visitar a nossa cidade a vivenciar Veneza com vagar e a se deixar absorver por ela", propõe a encarregada de turismo Simone Venturini.

E isso não é possível em três horas, "é preciso se permitir o tempo necessário". A taxa de ingresso visa estimular o turismo de pernoite. Como essa iniciativa da cidade dos canais é pioneira no mundo, certamente será preciso fazer ajustes quando chegarem as primeiras avaliações, explica Venturini.

Rua de Veneza cheia de turistas
Taxa é voltada sobretudo a turistas que passam só algumas horas na cidade do norte da Itália, sem pernoitarnull Christoph Sator/dpa/picture alliance

Recentemente, o prefeito Luigi Brugnaro frisou, numa entrevista ao jornal Corriere della Sera, que Veneza segue acessível e aberta, e não pretende impor limite ao número de visitantes de um dia. Ele considera possível que a taxa de ingresso vá ter um efeito dissuasivo.

"A cidade precisa ser adequada tanto para os que vivem nela como para os que a visitam", argumenta Brugnaro. "Em certos dias de afluxo especialmente alto, há o perigo de que isso não ocorra."

Antes da pandemia de covid-19, Veneza recebia 5 milhões de turistas por ano, e em 2024 se deverá chegar a uma cifra comparável. Entre eles, há sempre aqueles que não mantêm o devido respeito, reclamam moradores e políticos. Por isso, nos últimos anos a prefeitura endureceu cada vez mais as regras para os visitantes.

Sob o slogan Enjoy Respect Venezia, o site www.enjoyrespectvenezia.it traz todo um catálogo de regras de conduta. É proibido, por exemplo, se instalar nas pontes e escadas, mergulhar nos canais, circular de trajes de banho pela cidade, alimentar os pombos ou jogar lixo no chão. As multas podem chegar a 500 euros (R$ 2768,56), mas o departamento de imprensa não informa o total arrecadado pela prefeitura.

Novas regras também para grupos turísticos

Quanto à nova taxa de ingresso, conta-se com a arrecadação de cerca de 700 mil euros no primeiro ano (R$ 3,87 milhões), a serem investidos na limpeza urbana e melhoria das ofertas turísticas – como já ocorre com a taxa de pernoite. Aplicada desde 2011, ela vai de um a cinco euros por noite, dependendo da categoria do hotel e da temporada. Em 2023, rendeu a Veneza 34 milhões de euros (R$ 188,26 milhões).

A partir de 1º de agosto, além disso, entram em vigor novas regras para os giros turísticos pela cidade. Cada grupo não poderá contar mais de 25 participantes, que não deverão obstruir o trânsito de pedestres enquanto escutam as explicações dos guias.

Na opinião de Susanne Kunz-Saponaro, a norma deveria ir mais longe, restringindo os grupos a 20 visitantes; ela própria trabalha com grupos menores. "É claro que o turismo é importante para Veneza", reconhece. Mas não pode ser tudo uma questão de dinheiro: "As pessoas que vivem aqui na cidade também precisam poder conviver com o turismo."

Revolução dos Cravos deu fim a regime com ligações no Brasil

Em 25 de abril de1974, a Revolução dos Cravos derrubava em Portugal o regime conhecido como Estado Novo. Iniciado em 1933, o regime, também chamado de salazarismo, possuía grande ligações com o Brasil, influenciando até movimentos políticos na antiga colônia. Hoje, 50 anos após o fim da ditadura portuguesa, o tema é alvo de fortes discussões em um momento no qual amplos setores da sociedade pressionam para que Portugal revisite seu passado.

O Estado Novo português é com frequência comparada com o período homônimo brasileiro, sob o comando de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945, incluindo a arquitetura de ambos na época. Segundo o professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP) Francisco Carlos Palomanes Martinho, a característica fundamental em comum dos dois governos é o corporativismo.

"São regimes com pendor autoritário e antiliberal, que contavam com um modelo de interesses a partir do Estado. Havia uma estrutura verticalizada com grande controle dos sindicatos", afirma. Por outro lado, o professor lembra que, no caso do português, o papel da Igreja Católica, um dos pilares do salazarismo, foi bem mais importante que no regime de Vargas.

Neste contexto, ganhou força o movimento integralista brasileiro, comandado por Plínio Salgado, que foi retomado por setores políticos brasileiros nos últimos anos. O professor de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Gilberto Grassi Calil aponta que o salazarismo e o integralismo brasileiro faziam parte do mesmo campo ideológico do fascismo internacional ascendente nas décadas de 1920 e 1930.

Com o rompimento entre os integralistas e Vargas e a fracassada "intentona integralista" de maio de 1938, Salgado se exilou em Portugal e reforçou seus laços com o salazarismo, proferindo conferências e colaborando com a imprensa vinculada ao regime e à Igreja Católica, aponta Calil.

"A identificação de Salgado com o salazarismo se deu pela camada ideológica. Vale destacar a profunda vinculação entre a Igreja Católica e a ditadura salazarista e o aprofundamento dos vínculos de Salgado com diversos membros da posição católica", pontua o professor.

Outra influência retomada na política brasileira recentemente é o lema "Deus, Pátria e Família", usado pelo salazarismo a partir dos anos 1930, e propagado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo Calil, "é um lema tipicamente fascista", que conta com "forte apelo emocional". O professor destaca que "cada um de seus termos interpela seus adeptos a um combate em defesa de valores assumidos como inegociáveis".

Exílio no Brasil após o fim do regime

António Salazar deixou o comando de Portugal em 1968, após sofrer um acidente doméstico que o incapacitou, vindo a morrer em 1970. O ditador foi substituído por Marcelo Caetano, que liderou o regime até 1974, quando a revolução comandada por militares e com amplo apoio popular deu fim ao salazarismo.

Naquela época, uma série de figuras relevantes do antigo regime, incluindo o próprio Caetano, rumou para um exílio no Brasil. Na visão de Martinho, que é autor de uma biografia sobre o líder português, uma das razões foi a língua, e o fato de se tratar de um país em que muitos poderiam seguir uma vida acadêmica ativa. "Foi um cenário de melhores empregos, e no qual foi possível seguir trabalhando", aponta.

O professor conta que a vida de Caetano no Brasil ficou longe do ostracismo. Ele deu aulas de Direito na Universidade Gama Filho até a sua morte, em 1980, e era bem-visto por partes da comunidade portuguesa no país.

Apoio às independências

A questão colonial foi uma das mais relevantes nos anos finais do regime, e colocou o Brasil em campo oposto a Portugal. O salazarismo apostou na manutenção de suas posses em outros continentes, que ganharam o status de "territórios ultramarinos". O resultado foi um maior isolamento de Portugal internacionalmente, e as chamadas guerras coloniais na África.

António de Oliveira Salazar
Ditadura de António Salazar possuía laços com o Brasilnull picture-alliance/dpa

Até então, o Brasil costumava apoiar a postura portuguesa. Por sua vez, segundo Martinho, nos anos 1970, o governo brasileiro percebeu que havia grande rechaço aos interesses do país no continente africano devido à sua posição. Neste cenário, o Brasil reconheceu a independência da Guiné-Bissau em 1974, o que "foi visto como uma ingerência que incomodou Lisboa".

Depois, o país foi o primeiro a reconhecer Angola como independente, em novembro de 1975, causando ainda mais insatisfação. Martinho aponta que o movimento brasileiro ofereceu ao país grande acesso ao novo Estado independente, especialmente para as empresas de construção civil e à Petrobrás nos anos seguintes.

Silêncio sobre passado colonial

A postura salazarista em relação às colônias sempre se apoiou em uma visão de que Portugal não foi um colonizador tão ruim em comparação com outras países. Em 1940, o regime realizou a Exposição do Mundo Português em Lisboa, na qual o Brasil era o convidado especial. Segundo Martinho, havia a intenção de apresentar o "bom colonialismo", especialmente naquele que à época já era considerado o "país do futuro".

Nesta época, as visões do escritor brasileiro Gilberto Freyre foram amplamente exploradas pelo salazarismo. O professor do Departamento de História do King's College de Londres Francisco Bethencourt aponta que Salazar se apoiou nas visões do sociólogo, e o convidou para visitar as colônias portuguesas em 1950, do que resultaram vários livros.

"O lusotropicalismo, que tinha sido rejeitado nos anos 1930 e 1940, passou a ser integrado na política salazarista por conta da onda descolonizadora em uma série de países", afirma. "A imagem que o regime de Salazar pretendia projetar era da excepcionalidade portuguesa e da ausência de colônias, que seriam territórios ultramarinos harmoniosos", pontua Bethencourt.

Neste cenário, diferente de países como Reino Unido e Holanda, onde movimentos recordando os crimes do passado colonial emergiram nos últimos anos, em Portugal, o reconhecimento da brutalidade do período é menor. Para Bethencourt, o problema é a ausência de políticas de memória em Portugal nos últimos 50 anos, após a Revolução dos Cravos. "Houve uma espécie de pacto de silêncio não só sobre o passado colonial", avalia.

Um dos grandes pontos de discussão são monumentos em exaltação ao período colonial, que recentemente foram derrubados em uma série de países. Em Portugal, um exemplo é o caso dos brasões do jardim da Praça do Império em Lisboa, legado do período salazarista. Na representação, constam as antigas colônias portuguesas. A prefeitura tentou acabar com a referência, o que gerou uma série de protestos, especialmente da extrema direita, que acabou vencendo a disputa.

"O resultado final foi transformar os jardins num empedrado anacrônico com os brasões das antigas colônias, um insulto aos novos países independentes", aponta Bethencourt.

Por sua vez, nesta semana, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, sugeriu que o país considere pagar reparações por crimes cometidos durante o período colonial, em uma mudança brusca na visão tradicional do governo português.

"Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto", disse.

Quando essa reparação virá ainda é uma incógnita. Após as declarações de Rebelo de Sousa, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, pediu "ações concretas" por parte de Portugal. "Nossa equipe já está em contato com o governo português para dialogar sobre como pensar essas ações e a partir daqui quais passos serão tomados", destacou.

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Há 50 anos, Revolução dos Cravos impulsionava independência das colônias africanas de Portugal

A Revolução dos Cravos, liderada por um movimento militar de esquerda, o Movimento das Forças Armadas, e apoiada pela maioria da população de Portugal, foi um ponto de virada em muitos aspectos. Ela não só pôs fim à ditadura de quase 50 anos dos governantes Salazar e Caetano, como também abriu caminho para o fim das guerras coloniais portuguesas e a independência de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Em 2024, esses cinco países africanos estão olhando com especial interesse para Lisboa, onde o 50º aniversário da Revolução dos Cravos será comemorado de forma conjunta nesta quinta-feira (25/04).

Em Angola, revolução tornou negociações possíveis

"Em Angola, a Revolução dos Cravos evoca sentimentos positivos", diz o analista Nkikinamo Tussamba, que nasceu 13 anos depois na província do Zaire, no norte de Angola. Ele avalia que a revolução portuguesa teve uma influência decisiva no processo de independência do país. "Graças a ela, a independência do nosso país foi proclamada apenas um ano e meio depois, em 11 de novembro de 1975."

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De fato, com a mudança de regime em Lisboa, negociações diretas entre o governo português e os movimentos de independência em Angola foram iniciadas. Em janeiro de 1975, o governo português assinou acordos de independência com as três organizações de libertação angolanas – MPLA, Unita e FNLA – na cidade de Alvor, no sul de Portugal.

Em Moçambique, acordo com Portugal logo após a revolução

O 25 de abril também foi um marco para Moçambique, confirma o jornalista moçambicano Fernando Lima. "A Revolução dos Cravos foi decisiva para que a frente de libertação Frelimo assinasse um acordo de independência com Portugal em Lusaka, em setembro de 1974", diz.

Nascido em Moçambique, filho de colonos portugueses, Lima decidiu-se pela cidadania moçambicana após a independência, ou seja, por permanecer "como um africano na África".

O caso do professor de relações internacionais e geopolítica Fernando Cardoso, da Universidade Autônoma de Lisboa, é diferente: ele também cresceu em Moçambique durante o período colonial, mas mudou-se para Lisboa com seus pais logo após a independência. Já adulto, viajou para Moçambique, Angola e Cabo Verde como professor e chefe de vários projetos de pesquisa.

Aumento da pressão sobre Portugal

Para Cardoso, a Revolução dos Cravos "sem dúvida" acelerou a descolonização, mas ele avalia que a independência das colônias portuguesas teria se concretizado mais cedo ou mais tarde, mesmo sem a revolução em Portugal. Na década de 1970, o império colonial português era visto internacionalmente como um "grande anacronismo".

Naquela época, a comunidade internacional exercia enorme pressão diplomática sobre Portugal, a "primeira e última potência colonial na África": praticamente toda a ONU havia solicitado a Portugal, em várias resoluções, que concedesse a independência a suas colônias, lembra o cientista político.

António de Oliveira Salazar
Revolução militar de abril de 1974 encerrou a ditadura criada por António Salazarnull CPA Media Co. Ltd/picture alliance

A pressão militar sobre Portugal também aumentou: em Angola, as organizações de libertação MPLA, Unita e FNLA receberam suprimentos cada vez maiores de armas e treinamento militar da União Soviética e de outros países do bloco comunista, bem como da China. Isso permitiu que elas exercessem pressão sobre o poder colonial, principalmente nas áreas rurais.

Em Moçambique, os combatentes do movimento de libertação Frelimo avançavam cada vez mais do norte em direção ao centro do país. Era apenas uma questão de tempo até que o exército colonial português perdesse o controle de grandes áreas do país.

Na opinião de Cardoso, não está totalmente claro o que teria acontecido em São Tomé e Príncipe e nas ilhas de Cabo Verde se não houvesse a Revolução dos Cravos. "Não houve movimentos de libertação armados em nenhum dos arquipélagos, mas havia vozes elevadas pedindo autonomia abrangente ou até mesmo independência completa para as ilhas."

Independência já estava avançada na Guiné-Bissau

Era na Guiné-Bissau que o processo de independência estava mais avançado. Nesse país da África Ocidental, o movimento liderado por Amílcar Cabral já havia declarado unilateralmente a independência de Portugal em 25 de setembro de 1973, exatamente sete meses antes da Revolução dos Cravos.

Quando a ditadura portuguesa e com ela o regime colonial entraram em colapso, a Guiné-Bissau já havia sido reconhecida como um Estado independente por 34 países-membros da ONU. Militarmente, o Exército português já havia perdido o controle de grande parte do país há muito tempo.

"Nós, guineenses, não queremos ser imodestos, mas ouso dizer que fizemos uma contribuição não desprezível para o sucesso da Revolução dos Cravos", diz a ex-ministra da Justiça da Guiné-Bissau Carmelita Pires, em entrevista à DW. "Por meio de nossa bem-sucedida guerra de libertação, apoiamos indiretamente as demandas do povo português pelo fim da era colonial e da guerra e pela liberdade."

"Ao mesmo tempo, ajudamos a garantir que os outros países colonizados pelos portugueses seguissem nosso exemplo. Naquela época, éramos verdadeiros modelos para nossos países irmãos, que também estavam lutando contra o colonialismo", acrescenta.

Relações após a independência

Nos primeiros anos após a independência, as relações entre os novos países e a antiga potência colonial eram consideradas difíceis. Ideologicamente, eles seguiram caminhos diferentes: enquanto Portugal se voltava para a União Europeia, os cinco estados africanos embarcaram no caminho do socialismo e estabeleceram sistemas marxistas de partido único com a ajuda do bloco oriental.

No início, esses novos regimes acusaram repetidamente Lisboa de hospedar e apoiar diplomaticamente representantes de organizações rebeldes, especialmente a Renamo, de Moçambique, e a Unita, de Angola, que lutavam contra os regimes marxistas em seus países.

Mas a discórdia entre Portugal e as antigas colônias não durou muito. Portugal conseguiu estabelecer uma cooperação estreita com os demais países lusófonos muito rapidamente. Todas as ex-colônias adotaram o português como língua oficial e, para muitos jovens e empresários africanos, Portugal se tornou a porta de entrada mais importante para a Europa.

Todas as antigas colônias africanas estão intimamente ligadas a Portugal do ponto de vista econômico e, em 1996, foi fundada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que compreende todos os nove países do mundo nos quais o português é uma língua oficial.

UE cria direito de conserto de eletroeletrônicos

Na Europa, aparelhos como geladeiras e smartphones geralmente não são consertados quando estragam, pois costuma ser mais barato jogar o produto fora e comprar um novo. Uma nova lei da União Europeia (UE), aprovada nesta terça-feira (23/04) no Parlamento Europeu, quer mudar isso e introduzir o chamado direito de reparo para os consumidores.

O direito de reparo quer impulsionar a economia circular na UE e reduzir as montanhas de lixo de produtos eletroeletrônicos. De acordo com os cálculos da Comissão Europeia, cerca de 35 milhões de toneladas de lixo são produzidas todos os anos porque produtos são jogados fora muito cedo em vez de serem consertados. Para os consumidores, o prejuízo anual estimado é de 12 bilhões de euros.

No Parlamento Europeu, 584 deputados votaram a favor do direito ao reparo, com três votos contra e 14 abstenções. O Conselho dos 27 estados-membros ainda precisa aprovar formalmente a lei. Por fim, os estados-membros têm dois anos para transpor o direito de reparo às suas leis nacionais.

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O que se quer com o direito de reparo?

Com a lei, a UE está introduzindo um direito a consertos para os consumidores: qualquer pessoa que queira consertar um produto elétrico deverá ter a opção de fazê-lo, desde que o produto ainda possa ser consertado e mesmo se a garantia já estiver vencida. Isso significa que os fabricantes devem oferecer consertos e ter instruções e peças de reposição suficientes disponíveis.

Mesmo após o término da garantia, os consumidores devem poder realizar um reparo simples e econômico sempre que possível.

A lei também tem como objetivo reduzir o lixo eletroeletrônico e reduzir as emissões de CO2.

A quais aparelhos a lei se aplica?

Eletrodomésticos em geral, como geladeiras, freezers, máquinas de lavar, secadoras, lava-louças, aspiradores de pó e televisores, por exemplo. Os smartphones e as bicicletas elétricas também são abrangidos pelas novas regulamentações. A Comissão Europeia ainda se reserva o direito de futuramente ampliar a lista.

E o que fazer quando o aparelho estragar?

Os consumidores poderão entrar em contato diretamente com o fabricante para fazer consertos, mesmo que tenham comprado o aparelho defeituoso de um varejista. Se essa não for uma opção, por exemplo, porque a empresa fabricante não existe mais, a responsabilidade poderá recair sobre o varejista.

Por quanto tempo a garantia legal é válida?

Isso varia de país para país. Na Alemanha, em geral, é de dois anos. Na Holanda está vinculada à vida útil esperada do produto.

Haverá garantia também para produtos consertados?

Sim, deve ser introduzida uma garantia válida por um ano após o reparo. O objetivo é dar aos consumidores a certeza de que o conserto vale a pena.

Onde os consumidores podem encontrar a oficina certa para o conserto?

A UE deverá criar um portal online onde os consumidores poderão procurar oficinas, lojas de aparelhos antigos consertados ou interessados em comprar aparelhos com defeito. Os preços dos consertos devem ser transparentes.

Como as oficinas independentes podem ser fortalecidas?

Muitos fabricantes dificultam o conserto de seus aparelhos por oficinas independentes ou mesmo por amadores, como o próprio comprador. Por exemplo exigindo uma ferramenta especial para os reparos ou por meio de configurações de software. Muitas empresas também não vendem suas peças de reposição para oficinas independentes. A nova lei da UE proíbe medidas desse tipo.

As novas regras também facilitam o reparo de um produto por parte de amadores. Isso começa já na fase de desenvolvimento do produto. Os fabricantes serão obrigados a garantir que os produtos sejam fáceis de consertar, ou seja, que não haja obstáculos embutidos no software ou no hardware que dificultem a abertura com ferramentas comuns. Além disso, os serviços de reparo independentes não serão mais impedidos de instalar peças de reposição usadas ou impressas em 3D.

A ideia é que telefones celulares, laptops e máquinas de lavar possam ser consertados com mais facilidade, rapidez e economia.

A lei tornará os reparos mais baratos?

É o que se espera.  A Comissão Europeia espera que a lei crie concorrência entre as oficinas, fazendo com que os preços caiam. Atualmente, as peças de reposição são o maior fator de custo dos consertos. Nesse caso, a lei também pode fazer com que os preços caiam porque os fabricantes terão que manter mais peças de reposição em estoque.

De que outra forma os reparos serão incentivados?

A diretiva propõe várias outras medidas, das quais os estados-membros só precisam implementar uma. Essas medidas incluem a emissão de vales para reparos, nos quais o Estado assume parte dos custos de um conserto, e a criação de campanhas informativas, a oferta de cursos de conserto ou incentivos fiscais. Na Alemanha, alguns estados já oferecem esses incentivos, como o bônus de reparo na Turíngia.

Que impacto o projeto terá sobre o meio ambiente?

As novas regras terão um impacto positivo no meio ambiente, pois a tendência é de que menos produtos sejam descartados devido a pequenos defeitos. Quando a Comissão Europeia apresentou a proposta, ela estimou que 18,5 milhões de toneladas de emissões de gases do efeito estufa e 1,8 milhão de toneladas de recursos seriam economizados e que 3 milhões de toneladas a menos de lixo seriam produzidas em 15 anos.

Automóveis encalham nos estacionamentos dos portos europeus

Automóveis são um tipo especial de mercadoria: por um lado, mais manuseáveis do que plataformas de petróleo, por exemplo, já que são expedidos individualmente e com "montagem completa". Por outro, são tão grandes que não é possível simplesmente colocá-los na prateleira: cada unidade ocupa até dez metros quadrados, mesmo se não é utilizada.

Isso causa problemas aos portos em que são carregados e descarregados os navios que os transportam. Na Alemanha, os principais são os das cidades de Emden e Bremerhaven. O Autoterminal Bremerhaven, no norte, é um dos maiores portos automobilísticos do mundo. Segundo seus próprios dados, o grupo BLG Logistics embarca lá mais de 1,7 milhão de veículos por ano.

Julia Wagner, porta-voz dessa empresa, especifica que o porto, com lugar para cerca de 70 mil carros, é utilizado por todas as montadoras de renome e "cada ano mais de mil porta-automóveis chegam ao terminal". Mas uma mudança nos trânsitos tem se registrado nos últimos anos: "Por muito tempo, tivemos 80% de exportações e 20% de importações. Agora essa proporção está em 50-50."

O porto de Zeebrügge, na cidade medieval belga Bruges, recebe duas vezes mais carros do que Bremerhaven. Também lá, no momento, está estacionado um grande número de veículos que foram descarregados, mas cujo transporte ainda não prosseguiu.

Segundo Elke Verbeelen, do departamento de comunicação dos portos de Antuérpia/Bruges, "isso acontece em todos os portos europeus que transportam grande quantidade de automóveis". Contudo, a estadia prolongada se deve menos ao enorme volume de carros importados, mas sim "por eles não serem levados embora rapidamente".

Por enquanto, a capacidade dos grandes terminais ainda permite que os carros fiquem estacionados, não havendo "uma 'constipação' do terminal, como alegam alguns meios de comunicação", assegura Julia Wagner, de Bremerhaven. O mesmo se aplica a Antuérpia/Bruges.

Redução de vendas contribui para encalhe nos portos

Na prática, o transporte marítimo de automóveis é um negócio pouco transparente, pois não há como determinar, à primeira vista, onde cada um foi fabricado, nem onde será vendido. Fabricantes ocidentais como a Tesla mandam produzir seus carros na China e aí os trazem para a Europa. Ao mesmo tempo, muitas montadoras abastecem mercados asiáticos, ou sucursais específicas nos Estados Unidos – entre outros motivos, a fim de evitar as taxas aduaneiras.

Outro aspecto é que "não temos a menor ideia de quantos carros são embarcados em contêineres", admite Verbeelen. Essa forma de transporte costuma ser empregada por pessoas físicas ou por negociantes que só expedem poucos veículos. Pelo fato de ficarem "empacotados" por todo o caminho, entretanto, esses carros não ocupam vagas de estacionamento.

Porta-automóveis carregado em estrada
Falta de motoristas de caminhão dificulta o transporte rodoviário dos carros estacionados em terminais marítimosnull Raphael Knipping/dpa/picture alliance

Diversos outros fatores contribuem para o acúmulo de automóveis nos portos europeus. Um deles é o modelo de venda direta ao cliente, adotado por algumas marcas: "Aí o carro fica no porto [até ser comprado], não chegando a ir para o showroom da concessionária", explica a encarregada de comunicação de Antuérpia/Bruges.

Fatores conjunturais como "vendas relativamente baixas" também geram a grande lotação dos estacionamentos portuários. Julia Wagner de Bremerhaven confirma: "A permanência dos automóveis de todas as montadoras no terminal se prolongou com o corte dos subsídios estatais para mobilidade elétrica", diminuindo as vendas na Alemanha.

Por outro lado, o faturamento automotivo em geral cresceu, aponta Verbeelen. Ainda não se alcançou o nível de antes da pandemia de covid-19, porém se importa e exporta bem mais, "em comparação com 2020-2021.

AutoLog: quando os autônomos se autoembarcam

A falta de mão de obra especializada no setor de expedições também se faz notar, com uma capacidade diminuída de transporte rodoviário de automóveis, devido à escassez de motoristas de caminhão. Tudo isso resulta em permanências mais prolongadas nos estacionamentos dos portos.

A sucursal da Volkswagen em Emden, no norte alemão, e o terminal automobilístico no porto local buscam outros caminhos para combater o fenômeno, pretendendo acelera a carga e descarga dos navios, também com redução do pessoal.

O jornal Ostfriesen Zeitung informa que o Ministério dos Transportes da Alemanha está patrocinando com 3,2 milhões de euros o projeto AutoLog, para testar se é praticável os carros autônomos se embarcarem e desembarcarem por conta própria.

Os experimentos se encerram em 2026. Caso bem-sucedidos, resultarão na "economia" de até 2 mil postos de trabalho em Emden, e o processo poderá se estender "por toda a cadeia de distribuição, da montadora à concessionária", abrindo assim vagas nos estacionamentos dos portos europeus.

Europa esquenta mais rápido que o mundo – e recordes alarmam

Os efeitos das mudanças do clima global ficam cada vez mais óbvios, e a Europa não é exceção. Isso comprovam os dados compilados no relatório mais recente do Copernicus Climate Change Service (C3S) e da Organização Mundial de Meteorologia (WMO): foram registrados os três anos mais quentes no continente desde 2020, assim como os dez mais quentes desde 2007.

Ao lado de 2020, 2023 foi o ano europeu mais quente, cerca de 1ºC acima do período de referência, 1991 a 2020. Ao todo, tratou-se de um ano complexo e diversificado, resume o diretor do Copernicus, Carlo Buontempo: "Em 2023, houve na Europa os maiores incêndios florestais já registrados, foi um dos anos mais úmidos, com fortes ondas de calor marinhas e inundações devastadoras em larga escala."

Ao todo, as chuvas na Europa estiveram cerca de 7% acima do usual, e um terço dos rios apresentou cheias, em parte severas. Cerca de 1,6 milhão de cidadãos foram afetados por enchentes, pelo menos 40 morreram, segundo estimativas provisórias do Banco de Dados Internacional para Catástrofes (EM-DAT). As tempestades fizeram 63 vítimas, incêndios florestais, outras 44. Os eventos meteorológicos e climáticos na Europa provocaram, ao todo, danos de 13,4 bilhões de euros, mais de 80% devido a inundações.

"A crise do clima é o maior desafio da nossa geração. Os custos das medidas climáticas podem parecer altos, mas os da inação são muito maiores", adverte Celeste Saulo, secretária-geral da WMO.

Enchente na região Karavelovo, na Bulgária
Enchente na região Karavelovo, na Bulgárianull Impact Press Group/NurPhoto/IMAGO

Saúde em perigo, seca e incêndios

Os cientistas alertam, ainda, para um aumento do impacto dos eventos extremos sobre a saúde humana. O número dos mortos devido ao calor cresceu cerca de 30% nos últimos 20 anos. O ano 2023 na Europa também bateu o recorde de dias com calor extremo – o qual a ciência define como uma sensação térmica acima de 46ºC, quando torna-se indispensável tomar medidas para evitar consequências como a insolação.

Europa vive crise antes impensável: falta de água

No auge da onda em julho, 41% do sul europeu esteve exposto a calor forte, muito forte ou extremo, com muitos casos de estresse térmico. O termo descreve os efeitos sobre o corpo humano das temperaturas altas, combinadas com fatores como umidade, velocidade do vento, radiação solar e térmica.

Estresse térmico prolongado pode agravar doenças já existentes, além de elevar a probabilidade de exaustão e insolação, sobretudo em crianças pequenas, idosos e portadores de moléstias preexistentes. Ainda assim, tanto os pertencentes aos grupos de risco quanto parte dos serviços de saúde costumam subestimar os perigos do calor crescente, apontam o C3S e a WMO em seu relatório.

As temperaturas de 2023 afetaram, ainda, todas as geleiras europeias, que perderam muito gelo, nos Alpes até mesmo em dimensão fora do comum – também pelo fato de, no inverno, a precipitação de neve também ter sido excepcionalmente baixa. Nos últimos dois anos, as geleiras alpinas reduziram seu volume em 10%, indica o serviço Copernicus.

Esse fato evidencia as conexões entre calor, neve e seca: devido à camada de neve insuficiente, o nível do rio Po, nos Alpes italianos, permaneceu abaixo da média, e essa água fez falta ao norte da Itália, já afligido pela seca.

Calor e seca também alimentam os incêndios florestais, que em 2023 ocorreram em toda a Europa, consumindo uma área equivalente a Londres, Paris e Berlim juntas. O maior incêndio já registrado na União Europeia foi na Grécia, destruindo uma superfície comparável ao dobro da metrópole Atenas.

Incêndio florestal na Grécia, 2023
Maior incêndio florestal já registrado na União Europeia foi na Grécia, em 2023null Achilleas Chiras/AP/picture alliance

Por que tanto calor na Europa?

A Europa é o continente que se aquece com maior velocidade, cerca de duas vezes mais rápido do que a média global. A vice-diretora do Copernicus, Samantha Burgess, atribui a proximidade ao Ártico, cujas temperaturas sobem quatro vezes mais rápido do que no resto do planeta.

Outro fator seria também a melhora da qualidade do ar na Europa. Esta resulta na presença, na atmosfera, de menos partículas que refletem a luz solar e contribuem para o esfriamento, explica Burgess.

Em contrapartida, nunca houve no continente tanta energia de fontes renováveis: em 2023 elas foram responsáveis por 43% da geração de eletricidade – contra 36% ainda no ano anterior. As tempestades do outono e inverno proporcionaram energia eólica acima do usual, e os níveis altos de alguns rios possibilitaram mais energia hidrelétrica.

Apesar de ter sido o segundo ano com mais energia renovável do que de combustíveis fósseis, danosos ao clima, o relatório do C3S-WMO acusa em 2023 uma elevação das emissões de gases do efeito estufa, corresponsáveis pelo aquecimento do planeta.

O diretor Buontempo considera improvável que os efeitos climáticos prejudiciais vão diminuir, pelo menos no curto prazo. Portanto, acrescenta Burgess, já se pode contar com recordes sucessivos, até que as emissões de gases-estufa atinjam o zero líquido e o clima global se estabilize. A vice-diretora do C3S já antecipa novos recordes de temperatura no próximo verão europeu (junho a setembro), em especial pelo fato de o efeito El Niño ter fim em 2024.

Sem munição dos EUA, defesa da Ucrânia ameaça colapsar

O oficial de artilharia na linha de frente no leste da Ucrânia resume rapidamente a situação: "sem munição de artilharia, toda frente está condenada", diz o homem à DW. Suas descrições atuais do que se passa no front são desanimadoras diante da falta de munição que sofrem as Forças Armadas ucranianas. O oficial deseja permanecer anônimo. A patente, o nome e o cargo do comandante de uma unidade de artilharia ucraniana são conhecidos pela DW.

Disparos russos em massa

"As perdas aumentarão porque não é possível responder adequadamente fogo com fogo." Os atacantes russos, por outro lado, podem disparar de forma massiva. Os soldados ucranianos estão sendo cobertos com fogo de barragem da artilharia russa. Os caças russos bombardeiam as posições ucranianas com bombas planadoras – disparadas de uma distância segura, mais atrás da linha de frente, fora do alcance das defesas aéreas ucranianas, que, de qualquer forma, são igualmente insuficientes.

"Em algum momento nos encontraremos em uma situação em que mais ninguém vai conseguir defender a frente – todos estarão mortos ou feridos", diz o oficial. E ele deixa claro o que espera. O resultado seria "a perda de posições e uma frente desmoronada".

As descrições da frente ucraniana são apoiadas por uma análise recente do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), dos EUA. De acordo com ela, os atacantes russos estão "avançando lentamente, mas de forma constante, em vários setores do front".

Russos ganham área do tamanho de Detroit

De acordo com um cálculo do ISW de meados de abril, as Forças Armadas russas conquistaram "mais de 360 quilômetros quadrados desde o início do ano – área do tamanho de Detroit", a maior cidade do estado americano de Michigan, escreve o ISW em uma análise recente.

Na atual situação, o risco de a Ucrânia perder diante das tropas do presidente russo, Vladimir Putin, é o maior desde o início da guerra, em 2022, segundo o ISW. Em outras palavras, sem um suprimento substancial de armas e munições dos países ocidentais que apoiam Kiev. O diretor da CIA, Bill Burns, e Christopher Cavoli, comandante das Forças Armadas dos EUA na Europa, deixaram isso claro em declarações dadas neste mês em Washington.

"Há um risco muito real de que os ucranianos percam no campo de batalha até o final de 2024 ou, pelo menos, Putin chegue a uma posição em que possa ditar os termos de um acordo político", disse Burns durante um discurso que fez na capital americana, de acordo com relatos da mídia dos EUA.

Reação só é possível com suprimentos dos EUA

O decisivo, segundo Burns, é que os EUA entreguem os suprimentos rapidamente agora. Isso, por sua vez, daria à Ucrânia uma boa chance de "resistir" neste ano.

O fato de o chefe da CIA, Burns, falar atualmente em "resistir" aponta para a esperança de que Kiev, em algum momento, possa aumentar sua produção bélica a tal ponto que a Ucrânia seja capaz de se defender a longo prazo. E também que seja estabelecida uma força aérea através da assistência ocidental. Desde 2023, pilotos ucranianos têm sido treinados para atuarem em caças F-16 dos EUA. Mas o treinamento vem sendo realizado há muito mais tempo do que previam os especialistas militares da Otan.

Em resposta a uma pergunta enviada por escrito pela DW sobre a capacidade operacional do F-16 e o progresso do treinamento de pilotos ucranianos em países europeus da Otan, como Romênia, Reino Unido ou França, o porta-voz da Força Aérea ucraniana não quis responder em detalhes. "Essa é uma questão muito delicada", escreve, argumentando que não pode dizer nada sobre o assunto.

Pilotos ucranianos têm baixo nível de inglês

O comandante das forças americanas na Europa, Christopher Cavoli, disse recentemente, durante uma visita a Washington, que os pilotos ucranianos, em geral, não têm conhecimentos de inglês.

Assim como o chefe da CIA, Cavoli apresenta um quadro sombrio da situação dos ucranianos no front. Embora ele "não possa prever o futuro", pode "fazer cálculos simples", disse o general do Comando Europeu das Forças Armadas dos EUA (EUCOM). "Em minha experiência de mais de 37 anos nas Forças Armadas dos EUA, se um lado pode atirar e o outro não pode revidar, o lado que não pode revidar perde."

Jato F-16
Treinamento de ucranianos em jatos F-16 demora mais tempo do que o previsto pela Otannull Sgt. Heather Ley/U.S. Air Force/AP Photo/picture alliance

Após meses de bloqueio dos republicanos e de intensos apelos de Kiev, a Câmara dos Representantes dos Estado Unidos aprovou neste sábado (20/04) um pacote de ajuda à Ucrânia no valor de 61 bilhões de dólares. Além do dinheiro para o orçamento ucraniano e para a ajuda econômica, 51,7 bilhões de dólares são destinados ao fornecimento de munição e armas, de acordo com um comunicado à imprensa emitido pelo primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, após sua recente visita aos EUA.

O pacote segue agora para aprovação no Senado, o que deve ocorrer na terça-feira e é dado como certo, já que os democratas detêm a maioria apertada na casa. 

Sucessos ucranianos ofuscam real situação

O quanto o rápido fornecimento de munição dos EUA é vital para a Ucrânia nessa fase da guerra é um fato repetidamente ofuscado por relatos de sucessos da Ucrânia, especialmente em plataformas de mídia social. Neste mês, o país anunciou a derrubada de um bombardeiro supersônico russo Tupolev Tu-22M3 pela primeira vez. Também foram atingidas novamente posições de radar na península da Crimeia ocupada pela Rússia, que Moscou usa para organizar suprimentos para suas tropas no sul da Ucrânia.

No entanto, esses ataques parecem ser apenas alfinetadas em comparação com a enorme pressão russa no front e pelo ar, como os recentes ataques à cidade de Chernihiv, 70 quilômetros a nordeste da capital Kiev, ou o bombardeio regular da segunda maior cidade ucraniana de Kharkiv, no nordeste, na fronteira com a Rússia.

Putin quer tomar Chassiv Yar antes de 9 de maio

Após uma visita à frente de batalha, o comandante-chefe dos soldados ucranianos, Oleksandr Syrskyj, escreveu no serviço de mensagens Telegram que a Rússia está atualmente concentrada em "romper nossas defesas a oeste de Bachmut, obter acesso ao canal Siversky-Donets-Donbass, capturar o assentamento de Chasiv Yar e criar as condições para um avanço maior em direção à área de Kramatorsk".

O povoado de Chasiv Yar fica em uma colina que oferece vantagens para os defensores ucranianos. Syrskyj escreve no Telegram que a captura dessa posição é uma ordem de Putin para as Forças Armadas russas, "até 9 de maio". É nessa data que Putin comemora o aniversário da vitória soviética sobre a Alemanha nazista.

O especialista em segurança alemão e especialista em Ucrânia Nico Lange escreveu em uma análise recente que a Ucrânia "não pode manter a linha de frente no leste, podendo apenas retardar o avanço russo".

Especialmente por meio do uso de drones equipados com dispositivos explosivos. "Mas drones não substituem artilharia", alerta o oficial de artilharia entrevistado pela DW no leste da Ucrânia. O fator decisivo é se ele e seus homens receberão suprimentos de munição agora – o mais rápido possível.

Bienal de Veneza sob o signo da guerra no Oriente Médio

A Bienal de Veneza é um dos festivais internacionais de artes plásticas mais prestigiosos do mundo. Em 2024, ela se realiza de 20 de abril a 24 de novembro, paralelamente à Documenta de Kassel. Na edição anterior, a cidade italiana dos canais bateu recordes, atraindo mais de 800 mil amantes das artes, dois terços vindos do exterior.

Bienal de Veneza faz história com destaques femininos

Na 60ª edição, o exacerbamento do conflito no Oriente Médio confere uma nova tensão ao evento. Um coletivo de ativistas pró-palestinos, Art Not Genocide Alliance (ANGA – Aliança Arte Não Genocídio) tem reivindicado a exclusão de Israel. Em carta aberta, criticou os "padrões duplos" dos organizadores que, tendo condenado a guerra de agressão russa na Ucrânia, agora silenciam sobre as operações militares de Israel na Faixa de Gaza. O documento online já reúne quase 24 mil signatários.

A Bienal rejeitou os apelos por boicote: seus curadores já teriam decidido sobre a concepção e os participantes da exposição central muito antes dos atentados de 7 de outubro de 2023 em solo israelense pelo grupo fundamentalista islâmico Hamas, que suscitaram a retaliação em Gaza.

Pavilhão russo fechado na Bienal de Veneza 2022
Desde início da guerra contra a Ucrânia, pavilhão russo está fechadonull Antonio Calanni/AP Photo/picture alliance

Israel protesta, pavilhão da Rússia segue vazio

Mas agora as portas do pavilhão israelense permanecerão fechadas, de qualquer modo. A artista que o protagoniza, Ruth Patir, nascida em Nova York em 1984, anunciou em nota, na terça-feira (16/04), que a mostra só será inaugurada "quando for alcançado um acordo de cessar-fogo e libertação de reféns".

"A decisão da artista e dos curadores é não se cancelarem, nem a exposição; em vez disso optaram por assumir uma posição de solidariedade com as famílias dos reféns e a ampla comunidade que está exigindo mudança em Israel", consta do website de Patir. Israel mantém desde 1950 um pavilhão nacional em Veneza.

A obra M/otherLand (um jogo de palavras entre "Terra-Mãe" e "Outra terra") contém uma instalação de vídeo com antigas estatuetas de museu: "mulheres quebradas voltam à vida e participam de uma procissão, numa expressão pública coletiva de luto, dor e cólera. O ponto de vista da câmera é o de um observador ou testemunha da cena, alegando, portanto, uma visão subjetiva, corpórea, dos eventos mundiais."

Enquanto isso, o pavilhão permanente da Rússia ficará mais uma vez vazio. A Bienal não excluiu o país oficialmente, mas após a invasão em ampla escala da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, os artistas e curadores russos selecionados renunciaram a participar sob a bandeira nacional. A Ucrânia está presente com a mostra coletiva Net making (Fabricação de redes).

"Estrangeiros por toda parte" em alemão, em instalação do coletivo parisiense Claire Fontaine na Bienal de Veneza 2024
"Estrangeiros por toda parte" em 53 idiomas, na instalação do coletivo parisiense Claire Fontainenull Galerie Neu, Berlin

Estrangeiros por toda parte, luz sobre a descolonização

Intitulada Stranieri ovunque – Foreigners everywhere, a mostra principal tem curadoria do brasileiro Adriano Pedrosa, que é o primeiro diretor da Bienal de Veneza proveniente do Sul Global. Sua meta é mostrar arte de regiões menos privilegiadas e menos industrializadas.

Assim, o foco primário da mostra – que se estende pelo parque Giardini della Biennale, os galpões do estaleiro histórico Arsenale e outras locações da cidade na Laguna – são "artistas, eles mesmos, estrangeiros, expatriados, diaspóricos, émigrés, exilados ou refugiados", explicou Pedrosa em comunicado.

O título da 60ª edição, da qual participam 330 artistas, inspira-se num trabalho do coletivo parisiense Claire Fontaine, apresentando o slogan "Estrangeiros por toda parte" em 53 idiomas diferentes, em letreiros de neon que agora iluminam o Arsenale. Lá também a maioria dos 88 países que não tem pavilhão próprio apresenta suas exposições.

Quatro nações estreiam em 2024 no mais antigo festival de arte do mundo: Benin, Etiópia, Tanzânia e Timor-Leste; enquanto Nicarágua, Panamá e Senegal terão pela primeira vez seu pavilhão. O continente africano tem reforçado de maneira especial sua presença em Veneza: Gana e Madagascar estrearam em 2019, Uganda, Camarões e Namíbia seguiram-se em 2022.

Antes da abertura da edição, o curador do Benin, o crítico de arte nigeriano Azu Nwagbogu, declarou à imprensa que pretende lançar nova luz sobre a descolonização da arte: além da restituição de objetos, ele quer promover uma "restituição de saber". Com a ajuda de uma "biblioteca de resistência", pretende dar voz às mulheres em temáticas como identidade africana, ecologia e ciência.

Indagado se acha que as vozes africanas estão suficientemente representadas em Veneza, ele disse que "gostaria de ver muitas mais": "mais importante, eu gostaria de ver mais infraestrutura cultural construída e apoiada no continente [europeu] e mais apoio àqueles eventos imponentes que já construímos por toda a África".

Alemanha "no limiar", estreia do papa

Paredes vazias e grandes ideias no pavilhão da Alemanha

Entre os 28 pavilhões permanentes nos Giardini, o programa da Alemanha abre com uma instalação do diretor de teatro Ersan Mondtag, de Berlim, e do artista israelense Yael Bartana: sob o título Thresholds (Limiares), eles empreendem uma exploração do passado e do futuro inspirada por diversos conceitos artísticos.

A curadora alemã em 2024 é a arquiteta natural de Istambul Çağla Ilk, codiretora do salão de arte Kunsthalle Baden-Baden. Quanto ao título da mostra, ela explica que no limiar "não há certeza sobre nada".

Por sua vez, o Vaticano é responsável por uma das exposições que mais despertam atenção em 2024: seu pavilhão se localiza no presídio feminino de Veneza, dentro do qual detentas acompanharão os visitantes num itinerário artístico. O papa Francisco prometeu visitar o pavilhão, como primeiro pontífice na Bienal de Veneza em toda a história do evento.

Italien | Kunstbiennale Venedig 2024 | Giardini
Mural do coletivo indígena Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU), da Amazônia, na entrada da Bienal 2024null Felix Hörhager/dpa/picture alliance

Indígenas: estrangeiros em sua própria terra

O pavilhão do Brasil exibirá a exposição Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam, de Glicéria Tupinambá e convidadoscom curadoria de Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana. Durante a mostra, o local será renomeado para Pavilhão Hãhãwpuá, termo dos Pataxó para o território que, depois da colonização, ficou conhecido como Brasil, mas que já teve muitos outros nomes.

A exposição brasileira destaca a memória da floresta, da capoeira e dos pássaros camuflados, como uma metáfora das lutas dos povos indígenas brasileiros e suas estratégias de ressurgimento e resistência.

A artista Glicéria Tupinambá traz a perspectiva do tema geral da Bienal, "estrangeiros por toda parte", para a realidade dos povos indígenas do Brasil, cuja história inclui séculos de marginalização em seu próprio território.

Entusiasmo e apreensão antecedem Jogos Olímpicos de Paris

A contagem regressiva começou: nas ruínas do Templo de Hera, na antiga cidade de Olímpia, no sudoeste da Grécia, com 2.600 anos de existência, foi acesa nesta terça-feira (16/04) a chama olímpica para os Jogos de Paris. De 26 de julho a 11 de agosto, apresentam-se na metrópole europeia 10.500 atletas de 32 categorias, vindos de 206 países.

Quais são as precauções de segurança?

Estarão diariamente de prontidão até 45 mil policiais e gendarmes, assim como 18 mil soldados e 20 mil seguranças particulares. Além disso, mais de 2 mil policiais estrangeiros observam os Jogos Olímpicos, entre os quais agentes da Polícia Federal da Alemanha. Após o atentado por terroristas islamistas em Moscou, em fins de março, com mais de 140 mortos, também na França vigora alerta máximo antiterrorismo.

A cerimônia de abertura já será um gigantesco empreendimento logístico para as forças de segurança: estima-se que mais de 300 mil espectadores vão assistir aos esportistas atravessarem seis quilômetros da metrópole sobre o rio Sena, em 160 barcos.

"Podemos fazê-lo e vamos fazê-lo", declarou o presidente Emmanuel Macron. Caso se anuncie uma ameaça terrorista aguda, há planos alternativos na gaveta, como realizar a festa de abertura num estádio esportivo.

Como os Jogos Olímpicos vão afetar o dia a dia parisiense?

A incerteza da situação mundial – sobretudo com a guerra de agressão russa na Ucrânia e a ameaça de escalada no Oriente Médio – compromete o entusiasmo em torno dos Jogos Olímpicos. Ainda assim, a capital francesa se prepara para receber mais de 15 milhões de visitantes. Já foram vendidos quase 8 milhões de ingressos para os diferentes eventos, dos 10 milhões disponíveis.

Operários em obra de construção, com Torre Eiffel ao fundo.
Capital francesa se prepara para receber cerca de 15 milhões de turistasnull Guillaume Baptiste/AFP/Getty Images

A infraestrutura parisiense será testada até o limite. Clément Beaune, até a reformulação do governo em janeiro de 2024 ministro dos Transportes, classificou como "hardcore" os planos para organizar a mobilidade. De fato, haverá diversas barricadas de segurança e desvios, sobretudo em torno da Torre Eiffel e da Praça da Concórdia, no centro da cidade. Algumas estações de metrô ficarão fechadas.

O fato de que os bilhetes de metrô custarão o dobro do preço normal durante o torneio não contribui para o entusiasmo dos moradores em relação aos Jogos. Numa enquete do instituto Odoxa, 44% dos parisienses classificaram o acolhimento do evento esportivo como "uma coisa ruim".

Rússia e Belarus participam dos Jogos Olímpicos 2024?

Em dezembro de 2023, o Comitê Olímpico Internacional (COI) liberou com restrições a participação de atletas individuais da Rússia e de Belarus, que deverão concorrer sob bandeira neutra. Times não são permitidos.

Os hinos nacionais de ambos os países não serão executados; bandeiras e outros símbolos nacionais estão proibidos; os participantes ativos estão excluídos da cerimônia de abertura. Além disso, não podem ter conexões com as Forças Armadas ou órgãos de segurança, nem ter manifestado apoio ativo à invasão da Ucrânia.

Segundo o COI, até agora só se qualificaram 12 russos e cinco belarussos – números que poderão chegar a até 36 e 22, respectivamente. Em Tóquio 2021, havia 330 russos e 104 belarussos. Na semana anterior ao acendimento da chama olímpica, a Ucrânia exigiu mais uma vez a total exclusão da Rússia e Belarus.

Equipe alemã na abertura dos Jogos Olímpicos 2021, em Tóquio
Jogos Olímpicos em 2021 foram um sucesso, apesar da pandemia de covid-19null Dylan Martinez/Getty Images

Que pressões pesam sobre o COI devido à decisão sobre Rússia e Belarus?

"Sim, é possível competir duro e, ao mesmo tempo, conviver pacificamente sob o mesmo teto", comentou o presidente do COI, Thomas Bach, na antiga cidade grega, ao acender a chama olímpica para os Jogos de Paris.

Apesar de enfatizar sem cessar os efeitos do esporte para a amizade entre os povos, o próprio dirigente alemão está atravessando tempos turbulentos, pois as decisões do COI sobre Rússia e Belarus o expuseram a hostilidades de diversos lados.

Uma porta-voz do Ministério russo do Exterior o acusou de "racismo e nazismo"; enquanto o ministro ucraniano do Exterior, Dmytro Kuleba, alega que o Comitê teria dado ao Kremlin "luz verde para usar os Jogos Olímpicos como arma". E a ONG alemã Sociedade para os Povos Ameaçados tachou Bach de "dinossauro incapaz de aprender".

O COI dá total respaldo a seu presidente, rechaçando as críticas. Como o mandato de Bach se encerra em 2025, estes seriam seus últimos Jogos. Alguns membros da organização reivindicam uma alteração dos estatutos, para que o alemão de 70 anos possa continuar chefiando por mais quatro anos. Ele próprio disse que só decidirá depois do evento em Paris.