O que ainda segue travando a conclusão do acordo UE-Mercosul

Se for concluído, o acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul será o maior tratado desse tipo no mundo, atingindo um total de 780 milhões de pessoas. Contudo, em visita ao Brasil no fim de março, o presidente da França, Emmanuel Macron, avaliou que o pacto, "tal como está sendo negociado agora, é um péssimo acordo".

A fala de Macron pode ter sido uma tentativa de evitar dar aos partidos populistas de direita franceses – como o Reunião Nacional, de Marine Le Pen – munição gratuita para sua campanha antes das eleições para o Parlamento Europeu no início de junho. Ou uma tentativa de não irritar ainda mais os agricultores franceses, que paralisaram as ruas do país durante semanas com seus protestos.

As palavras do presidente francês ainda ressoam semanas depois, e o acordo entre a UE e países sul-americanos, finalizado há cinco anos, segue até hoje sem ratificação. A história se repete: foi também a França que bloqueou o acordo em 2019 – à época, em resposta ao ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro e suas políticas controversas na Amazônia.

Alemanha avança, e França freia

Agora, Macron está preocupado com o fato de que a Argentina, o Brasil e o Uruguai possam inundar a União Europeia com carne mais barata – e que os agricultores franceses voltem a fazer barricadas. Por outro lado, o setor industrial alemão está pressionando para que o acordo seja concluído, se necessário por uma maioria qualificada, mesmo sem a ratificação da França.

Grandes empresas químicas, como a Basf e a Bayer, bem como automotivas, incluindo a Daimler e a Volkswagen, veem o acordo como uma grande oportunidade de negócios. A Volkswagen disse à DW que "apoia uma política comercial aberta, livre e baseada em regras, e está defendendo a rápida ratificação do acordo com o Mercosul".

Em Bruxelas, os negociadores permanecem notavelmente calmos, apesar do atraso. "As equipes do [acordo] UE-Mercosul continuam em contato em nível técnico para resolver as questões pendentes. A UE continua se concentrando em garantir que o acordo atenda às metas de sustentabilidade da UE, ao mesmo tempo em que leva em consideração as sensibilidades da UE no setor agrícola", afirma Olof Gill, porta-voz da Comissão de Comércio e Agricultura do bloco.

E assim se desenha mais um capítulo na história aparentemente interminável das negociações entre a UE e o Mercosul. Elas começaram em 1999, com o objetivo de facilitar o comércio entre os dois continentes em determinados produtos e reduzir as tarifas. No entanto, esses 25 anos parecem ter sido uma crônica de oportunidades perdidas. A mais recente foi no final de 2023, quando o clima na França ainda estava calmo, os tratores ainda não passavam pelas cidades francesas, e o momento era de fato muito favorável.

A guerra dos agricultores com a UE

Argentina favorável

Do outro lado do Atlântico, o autoproclamado anarcocapitalista Javier Milei, antes de ser eleito presidente da Argentina, chegou a fazer campanha para deixar o Mercosul e descreveu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um "comunista furioso" e um "criminoso". Agora chefe de Estado, Milei não fala mais em sair do bloco sul-americano. Em vez disso, o entusiasta do livre-comércio já sinalizou que poderá assinar o contrato com a UE imediatamente.

"O governo do presidente Milei quer reformar a economia argentina, abrindo-a para um maior comércio e uma presença internacional mais forte", avalia Marcela Cristini, economista sênior da Fundação de Investigações Econômicas Latino-Americanas (FIEL) da Argentina. "Juntamente com os outros países do Mercosul, já foram assinados acordos de livre-comércio com Cingapura e os países da EFTA [Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça]."

Portanto, a surpresa em Buenos Aires é ainda maior porque agora a UE, ou mais precisamente a França, está no caminho. Cada vez mais vozes se levantam na Argentina para que o acordo seja novamente revisto em busca de benefícios para seu próprio país. A União Europeia insiste numa declaração adicional com sanções a quem descumprir os objetivos ambientais do acordo.

Cristini acredita que as exigências ambientais da UE são excessivas. Segundo ela, a pecuária argentina é muito mais ecologicamente correta do que a pecuária europeia. "A competitividade da indústria agrícola do Mercosul é reconhecida mundialmente, e teme-se a concorrência de suas exportações. Ao mesmo tempo, a pegada de carbono dos países do Mercosul em produtos agroindustriais está entre as mais baixas do mundo", afirma a especialista.

China se beneficia de negociações paralisadas

Por sua vez, a China vem acompanhando de perto as negociações paralisadas do acordo UE-Mercosul. "Os países do Mercosul são comerciantes globais, e a China é um dos principais compradores de produtos agrícolas e industriais, o que explica o crescimento dos fluxos comerciais bilaterais", explica Cristini.

"Essa situação não poderá mais ser revertida. No caso do Mercosul, a China é o parceiro comercial número um ou número dois de cada país", acrescenta.

Ambientalistas esperam fracasso

Enquanto isso, Macron é a última esperança para aqueles que se opõem fundamentalmente ao acordo de livre-comércio. Organizações ambientais e de direitos humanos da Europa e da América do Sul vêm lutando contra os planos há anos. Um breve comentário do presidente francês, sugerindo a negociação de um novo tratado que "leve em conta o desenvolvimento, o clima e a biodiversidade", fez com que esses grupos se organizassem.

Na vanguarda da oposição está a advogada de direito ambiental Roda Verheyen. Em um parecer jurídico encomendado pelo Greenpeace Alemanha, ela concluiu que o acordo viola a lei climática internacional.

"Esse acordo não deveria mais ser negociado, porque simplesmente não representa um acordo de livre-comércio moderno e legal, não importa o que eles acrescentem a ele", disse Verheyen à DW. "O acordo UE-Mercosul está simplesmente desatualizado e inadequado, do ponto de vista atual, para combinar proteção climática e abordagens políticas globais."

A advogada ambiental já defendeu com sucesso uma maior proteção climática na Alemanha, perante o Tribunal Constitucional Federal em Karlsruhe, em 2021. Ela afirma que, devido ao aumento do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa, a meta de proteção climática do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a um máximo de 2 graus, de preferência 1,5, está ficando fora de alcance.

Em vez disso, Verheyen exige que, no mundo de hoje, os acordos de livre-comércio se concentrem principalmente na transferência e no compartilhamento de tecnologias.

"Como o acordo com a Nova Zelândia, por exemplo, e acordos menores também, que se concentram na transformação em ambas as direções", diz. "Nosso objetivo certamente não pode ser importar produtos agrícolas do exterior mais baratos e, por outro lado, exportar motores de combustão interna para o exterior. Isso é prejudicial para todos."

"A gente cria os animais para matar. Mas não para ver sofrer"

Do telhado de casa, onde se abrigava para fugir água que avançava em sua propriedade em Cruzeiro do Sul (RS), Mauro Gilberto Soares, 61 anos, viu um porco nadando contra a correnteza por cerca de uma hora. "Parecia que ele pedia socorro. E me senti culpado por não oferecer um lugar seguro", lamentou o produtor rural. Soares, sua família e alguns vizinhos foram resgatados após passarem uma noite no sótão da residência, mas praticamente todos os animais de produção foram levados pela força do rio Taquari.

Assim como os humanos, os animais têm sofrido com as enchentes que assolam o estado gaúcho. O resgate do cavalo Caramelo, em Canoas, que passou quatro dias ilhado e foi retirado de cima de um telhado, assim como o salvamento de inúmeros bichos de estimação, têm comovido pessoas de todo o Brasil e do mundo.

Já foram resgatados cerca de 12 mil animais, segundo o governo do estado, a maioria cachorros e gatos, mas ainda é incalculável o número de bichos de produção da pecuária perdidos nas enchentes. No campo, há uma mistura de dor pela morte de vacas, bois, touros, porcos e galinhas e pelos prejuízos dos produtores rurais.

Mauro Gilberto Soares demorou a sair de sua propriedade justamente por causa dos animais de criação – 44 vacas e 15 porcos. Abriu o chiqueiro e tentou colocar os bichos em um lugar mais seguro. Nada adiantou. "Foi aterrorizante. A gente cria os animais para matar. Mas não para ver sofrer. Dói muito, é muito triste", contou.

As mortes e a fome

A Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do Rio Grande do Sul informou, por e-mail, que "liberou a movimentação de animais que estavam em áreas de risco de alagamento e junto com voluntários tem auxiliado nos transportes desses animais quando necessário".

Disse também que o Comitê de Crise da Causa Animal "resgata os animais de produção quando são encontrados com os demais, mas essa ação tem sido feita mais pelos órgãos de segurança, ONGs e entidades, com o apoio da Secretaria da Agricultura quando solicitado, como aconteceu na região de Guaíba e Eldorado do Sul."

De acordo com a bióloga Patricia Tatemoto, PhD em Medicina Veterinária e gerente de pesquisa e bem-estar animal da ONG Sinergia Animal, há evidências científicas robustas de que ao menos todos os animais vertebrados sentem dor e são capazes de entender que estão em situações desafiadoras. Embora seja difícil mensurar o tamanho do sofrimento dos bichos nas enchentes, a especialista chama atenção para aqueles que vivem confinados.   

"Grande parte dos animais na pecuária são criados em altas concentrações e são impossibilitados de fugir ou de buscar abrigo em áreas mais elevadas, como fariam na natureza. Eles não têm opção. Ficam presos em galpões ou até mesmo em gaiolas individuais, como é o caso das porcas gestantes e de centenas de bezerros na indústria do leite. Em caso de enchente, esses animais podem agonizar por horas ou até dias antes de se afogar", explica a bióloga.

Homem com três cachorros na carroceria de uma caminhonete
Mais de 12 mil animais, a maioria gatos e cachorros, foram resgatados das enchentesnull ANSELMO CUNHA/AFP

Além das mortes, as consequências para o bem-estar animal e para os produtores rurais vão durar meses, analisa a professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Liris Kindlein. Os animais que conseguiram fugir de áreas alagadas, por exemplo, provavelmente perderam peso, ficaram desidratados e sofreram estresse.

Além disso, devido à falta de logística, com estradas obstruídas e falta de grãos, muitos animais correm o risco de passar fome. "É um grande problema. Eles vão ter jejum, vão passar fome. Vai afetar o bem-estar animal com certeza. Quando se coloca comida, eles competem, então tem mais arranhões, prejuízos de bem-estar animal", frisa Kindlein. 

Segundo o vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Eugênio Zanetti, há uma campanha para que produtores de outros estados enviem pré-secados, uma espécie de pasto armazenado em rolos que serve de alimento. "Há muitas regiões onde não têm água, têm lama, e o gado não tem nem onde colocar a boca. E os silos de silagem foram perdidos", explica Zanetti.

O clima e os prejuízos

Um estudo do Observatório do Clima lançado em outubro do ano passado estimou que a produção de alimentos representou, em 2021, 73,7% das 2,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa lançadas pelo Brasil na atmosfera. O principal poluente são os desmatamentos usados em sistemas alimentares, seguidos pela agropecuária, principalmente o rebanho bovino.

Paradoxalmente, o setor é prejudicado pelos efeitos das mudanças climáticas causadas pela emissão de gases do efeito estufa, como pode ser visto no Rio Grande do Sul. Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apontam que a agricultura e a pecuária estão entre os principais prejudicados, com R$ 1,8 bilhão e R$ 207,8 milhões de prejuízos, respectivamente – os números sobem em cada nova atualização.

Quanto tempo será preciso para reconstruir o RS?

Em Taquari, por exemplo, 83 mil aves morreram afogadas na Avicampo Ovos. O sócio-proprietário Fabio Frühauf contou que a empresa investiu no ano passado em sistema automatizado e fábrica de rações. "Foram 10 anos de trabalho perdidos em um dia", afirma. Eles estimaram um prejuízo de R$ 4 milhões. Agora, a empresa está pensando em investir em uma nova área. 

Para o vice-presidente da Fetag-RR, Eugênio Zanetti, é preciso um estudo aprofundado para analisar os riscos para as propriedades rurais. "Teve áreas que em setembro, novembro e agora foram levadas embora. Tem que pensar em realocar esses agricultores para que eles possam reconstruir em um local mais seguro. Mas, sem dúvida, o produtor vai precisar de muita ajuda, com linhas de crédito e juros subsidiados para poder reconstruir".   

O produtor rural Mauro Gilberto Soares já saiu da localidade atingida pelas enchentes, na Linha Lotes, nas proximidades do rio Taquari. Agora, está em uma propriedade que sua esposa recebeu de herança, em um local mais alto do município, mas menor e sem a infraestrutura adequada. Entre os animais, levou a única que sobrou, uma leitoa moura, uma raça mais rústica que corre risco de extinção no Brasil. "Ela subiu nos galpões. Não sei como conseguiu chegar lá em cima sem se afogar", contou. 

O que fazer no futuro

Uma das inúmeras questões que ficam das chuvas no Rio Grande do Sul é o que fazer para salvar os animais de criação e garantir o seu bem-estar durante tragédias climáticas. A pasta da Agricultura gaúcha informou que "atua com planos de contingência que visam a defesa sanitária animal, englobando enfermidades como febre aftosa, peste suína, gripe aviária, entre outros", sem especificar a situação das enchentes. O Ministério da Agricultura e Pecuária não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Foto mostra vista aérea de duas pistas de uma rodovia parcialmente alagada, com muita água dos dois lados
Rodovias alagadas ou destruídas impedem que alimento chegue aos animais de produção, que poderão passar fomenull Nelson Almeida/AFP

A bióloga Patricia Tatemoto acredita que sejam necessárias algumas medidas. Para a especialista, deveria haver um sistema de alerta eficiente para que os produtores rurais pudessem ser informados com antecedência dos eventos extremos e, no mínimo, pudessem deixar seus bichos livres.

Além disso, a bióloga sugere a formação de uma rede articulada entre os produtores. "Com a informação sobre os eventos extremos, eles poderiam embarcar seus animais de áreas de risco e levá-los para fazendas mais resilientes. Seria um primeiro passo. E daria para pensar já", reflete.

Na cidade gaúcha de Triunfo, há uma solução parecida. Há 20 anos, a empresa Ramos Transporte Aquaviários, contratada pela prefeitura, resgata animais em algumas ilhas no rio Jacuí. "Como na região desembocam os rios Taquari e Jacuí, quando chove forte no centro do estado a gente avisa os produtores que vai ter enchente e começa os salvamentos", conta Luís Henrique Velho Ramos, 30 anos.

Mesmo que desta vez a enchente tenha sido mais forte, a empresa tirou cerca de 600 animais, principalmente bois e vacas, usando balsa e rebocador. Na última viagem que fizeram, no dia 9 de maio, auxiliaram em um salvamento que não fazia parte do contrato com a prefeitura.

Na ilha, bois e vacas estavam quase completamente encobertas pela água, tendo que levantar a cabeça para poder respirar. Conseguiram tirar 80 indivíduos, alguns com mais de 500 quilogramas. Como eram cinco da tarde e escurecia, o que dificultava a navegação no rio, precisaram deixar para trás cerca de 20 animais. "A gente não gosta de ver bicho morrer", lamentou Ramos.

Catástrofe no RS deve ter impacto na inflação e no PIB

O Rio Grande do Sul é tradicionalmente conhecido como um dos grandes produtores do agronegócio brasileiro, e os efeitos das históricas enchentes no estado foram prontamente alvos de preocupação para o setor. O impacto nas colheitas de arroz, soja e trigo deve ser sentido na inflação em todo o Brasil, o que também deverá ocorrer no caso do leite e de outros produtos. Além disso, a atividade industrial gaúcha também foi fortemente afetada – nove em cada 10 empresas do estado estão em cidades atingidas pelas enchentes, de acordo com levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs). Este cenário deve ter repercussões para a atividade econômica do Brasil como um todo.

Além da grande presença na alimentação dos brasileiros, o arroz chama a atenção pelo forte componente doméstico da produção do estado. O Rio Grande do Sul é responsável por mais de 70% da produção brasileira do alimento que, no último ano, representou apenas 1,4% das exportações gaúchas, segundo dados do Comex, sistema para consultas e extração de dados do comércio exterior brasileiro. Embora 80% do arroz já tivesse sido colhido, nos últimos dias o Brasil se mobilizou pela importação do grão, enquanto supermercados pelo país restringiram as compras, temendo desabastecimento em razão de danos aos estoques e à cadeia de distribuição.

Homem posa para foto em meio a uma lavoura de milho alagada
O agricultor Ademilson Tardetti teve sua lavoura de milho destruída em Guaíbanull Amanda Perobelli/REUTERS

O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea) identificou impactos em outros itens relevantes da dieta comum dos brasileiros: leite e frango. Em ambos os casos, a infraestrutura afetada, incluindo danos no processamento, devem ser responsáveis por alguma escassez, chegando ao consumidor final com alta de preços. No caso do frango, granjas já relatam dificuldade para receber alimentos para os animais devido aos problemas nas estradas.

"O viés inicial para a economia brasileira é de efeitos temporários em 2024 de maior pressão de alta na inflação de alimentos e de bens manufaturados, além de alguma moderação no ritmo de crescimento do PIB nacional", aponta o Rabobank, em relatório assinado pelos analistas Maurício Une e Renan Alves.

No último relatório Focus, os analistas de mercado consultados pelo Banco Central projetaram uma alta no índice de preços ao consumidor amplo (IPCA) de 3,76% em 2024, um pequeno aumento ante os 3,72% da semana anterior. Desde o meio do último ano, os riscos inflacionários do fenômeno El Niño vinham sendo apontados por analistas. Até as chuvas no Rio Grande do Sul, algumas estimativas chegaram a reduzir suas previsões para a inflação, o que foi revertido nos últimos dias.

Grande impacto nas cadeias de fornecimento

A analista de grãos da StoneX Ana Luiza Lodi afirma que os impactos devem afetar não apenas as plantações, mas as cadeias de fornecimento como um todo, lembrando dos prejuízos nos silos e às indústrias que usam a soja, como o caso da proteína animal – e isso sem falar nas estradas, rodovias e pontes. No caso da soja, a expectativa antes das enchentes era de uma exportação de 23 milhões de toneladas, que foi reduzida para 20 milhões. O chamado complexo da soja, que abrange ainda o farelo, é o maior produto de exportação do Brasil, tendo a China como principal compradora.

Além disso, ela aponta uma possível perda na qualidade em parte da safra, o que deve impossibilitar a exportação em alguns casos. Em 2023, o produto foi responsável por 18% das vendas internacionais do estado, o que representou um ingresso de US$ 4,1 bilhões para o Rio Grande do Sul.

Foto aérea mostra uma rodovia ao lado de uma plantação de arroz alagada
Embora o arroz seja uma cultura molhada, plantações em Eldorado do Sul chegaram a ficar submersas em 2 metros de águanull NELSON ALMEIDA/AFP

No caso do trigo, a expectativa é de queda de 6,9% na produção da safra, que será prejudicada ainda pelos impactos da chuva também em Santa Catarina. Por sua vez, para o milho, as perdas não tendem a ser tão relevantes, já que uma parte importante já havia sido colhida. Com chuvas ainda previstas para os próximos dias, Lodi afirma que é difícil estimar o tempo para uma normalização no Rio Grande do Sul. Segundo a Empresa de Extensão Técnica e Extensão Rural (Emater-RS), 76% da soja e 83% do milho plantados no estado já tinham sido colhidos antes das enchentes.

Nos últimos anos, os produtores do estado já haviam sofrido com fenômenos climáticos. No entanto, nas colheitas anteriores, ao contrário deste ano, o que ocorreu foi uma forte seca no Sul do país, impulsionado pela La Niña, que, ao contrário do El Niño, tende a causar períodos mais secos nesta parte da América do Sul.

Outro ponto a ser levado em consideração é a perda de tratores, caminhões e outras máquinas agrícolas que podem atrapalhar o plantio de algumas culturas, como o trigo. Mesmo nas áreas em que a água já baixou, o solo continua exarcado e ainda é cedo para saber as condições de plantio para as próximas safras.

Apesar do cenário de constantes problemas para o plantio, Lodi não acredita que haja grande estímulo para produtores deixarem de investir na atividade ou mudar o uso do solo. A analista lembra que a soja é muito relevante para o estado, contando com uma cadeia já pronta, que torna difícil que a produção seja substituída.

Impacto na indústria

Dos 497 municípios gaúchos, pelo menos 447 (cerca de 90%) foram afetados pelas enchentes, de acordo com o governo do Estado. Isso representa, segundo a Fiergs, 94,3% de toda a atividade econômica estadual. "Os locais mais atingidos incluem os principais polos industriais do Rio Grande do Sul, impactando segmentos significativos para a economia do Estado", afirmou o presidente em exercício da Fiergs, Arildo Bennech Oliveira, em comunicado.

Homem caminha por uma lavoura de milho destruída
Lavoura de milho destruída pela enchente na cidade de Guaíbanull Amanda Perobelli/REUTERS

A tragédia levou à paralisação de fábricas de diversos setores, de montadoras a utensílios domésticos. Empresas desligaram as máquinas e concederam férias coletivas ou deram folga aos empregados, como no caso da Tramontina e da fábrica local da General Motors. O tema chegou a atingir os vizinhos, com a Fiat suspendendo sua atividade industrial em Córdoba, na Argentina, pela falta de insumos vindos do Sul do Brasil.

Riscos ao sistema financeiro

De acordo com a ata da última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central, os desdobramentos da tragédia seguirão sendo acompanhados para definir a política monetária.

A catástrofe ocorre em um momento no qual cresce a discussão pelo mundo sobre a necessidade de bancos centrais levarem em conta as mudanças climáticas, já que os eventos extremos cada vez mais recorrentes afetam grande parte de sua área de atuação. Além de influenciar na inflação, em tragédias como a do RS, corridas bancárias, com grande volume de saques simultâneos, podem gerar algum estresse, que coloca riscos ao sistema financeiro em efeito cascata.

A Oxford Economics acredita que as enchentes no RS serão um obstáculo significativo ao crescimento nos próximos meses. Em relatório, a consultoria lembra que o governo federal anunciou um pacote de expansão fiscal de 0,5% do PIB, mas ainda vê riscos de impacto negativo para sua projeção de crescimento do PIB brasileiro de 1,2% neste ano, que já é mais baixa do que outras projeções.

Em um primeiro momento, o pacote anunciado pelo governo federal para reconstrução do Rio Grande do Sul foi de R$ 52 bilhões. Por sua vez, uma série de integrantes do governo afirmou, ao longo dos últimos dias, que o tema não deverá alterar a trajetória fiscal do país. Desta forma, os gastos não deverão entrar no limite orçamentário de 2024, o que traz dúvidas sobre o efeito para as contas públicas.

China, o contrapeso que faz a economia da Rússia não afundar

Dias após a Rússia ter invadido a Ucrânia em grande escala, em 24 de fevereiro de 2022, o Ocidente impôs sanções rigorosas a Moscou, na esperança de cortar sua capacidade de financiar a guerra. As medidas, que se dirigiram a políticos e oligarcas, incluíram o congelamento de reservas em moeda estrangeira, limitação do acesso a tecnologia ocidental e exclusão de bancos russos do sistema internacional Swift de transações bancárias.

De início, a cotação da moeda russa, o rublo, despencou, e a economia russa minguou 1,2% em 2022. No ano seguinte, contudo, o crescimento econômico ultrapassou tanto o dos Estados Unidos quanto o da União Europeia, com 3,6%, e em 2024 o país está a caminho de outro ano forte.

Grande parte desse crescimento se deve ao comércio com a China, a qual agiu como contrapeso ao Ocidente, recusando-se a impor sanções e tornando-se um importante comprador da energia russa. Apesar das pressões americanas e europeias, ambas a nações aprofundaram sua aliança desde o começo da guerra na Ucrânia.

Putin em terceira viagem a Pequim; sanções avançam

Em 2023, o presidente chinês, Xi Jinping , chegou a falar de uma "nova era" para os laços entre a China e a Rússia. Seu homólogo russo, Vladimir Putin , iniciou visita a Pequim nesta quinta-feira (16/05), sua terceira no ano corrente, com o objetivo de fortalecer as relações. Ele estará ainda na 8ª Expo China-Rússia, na cidade de Harbin, no nordeste do país asiático.

"Para a Rússia, sitiada por sanções e isolamento global, a China é uma corda de salvamento vital para sua economia de guerra", observa Philipp Ivanov, fundador a consultor-chefe da empresa Geopolitical Risks + Strategy Practice. "A China é o destino principal do comércio de energia russo e grande fornecedora de equipamento e tecnologia críticas, os quais a Rússia não tem mais acesso no Ocidente."

Bandeiras da Rússia e da China tremulando lado a lado
O comércio entre os dois países em 2023 foi de 240 bilhões de dólaresnull Vladimir Smirnov/dpa/TASS/picture alliance

À medida que as marcas europeias e americanas abandonaram o mercado russo, a fim de evitar sanções internacionais, Moscou intensificou a aquisição de mercadorias chinesas, de automóveis a smartphones. Esse aumento das importações ajudou a elevar para 240 bilhões de dólares o comércio bilateral em 2023, mais de 25% acima do ano anterior, segundo dados da alfândega chinesa.

Embora a Rússia tenha se transformado no principal fornecedor de petróleo bruto para a China, segundo certos analistas, foram as exportações de tecnologia as principais responsáveis pelo incremento do comércio bilateral. Afinal, os acordos energéticos com a China envolveram descontos consideráveis nos preços, depois de o Ocidente ter parado de confiar no petróleo e gás russos.

"A Rússia não teria suficientes caminhões, chips eletrônicos, drones ou bens intermediários sem a China, pois ela é o único país que exporta esses produtos para os russos, no momento", afirma Alicia García-Herrero, economista-chefe para a Ásia-Pacífico do banco de investimentos francês Natixis.

Muitos países temem as repercussões das sanções dos EUA e UE, porém, esse não é o caso da segunda maior economia do mundo. "Os pagamentos comerciais para a Rússia são feitos em remimbi [moeda nacional chinesa], através do sistema chinês de pagamentos internacionais [análogo ao Swift], então é mais difícil rastrear as transações", explica García-Herrero.

O sinal mais recente de que Washington está aumentando a pressão sobre a China foi a ordem executiva assinada pelo presidente Joe Biden em dezembro, permitindo sanções secundárias contra instituições bancárias estrangeiras que negociem com a máquina de guerra russa. Desse modo, o Departamento do Tesouro fica autorizado a isolá-los do sistema financeiro global baseado no dólar americano, deo qual todos os bancos dependem seriamente.

Mudança de curso chinesa improvável

Desde o começo de 2024, diversos bancos chineses suspenderam ou reduziram as transações com clientes russos, a fim de limitar o risco de serem atingidos pelas sanções. Negócios transnacionais estão sendo submetidos a checagens adicionais que podem durar vários meses, podendo arruinar os exportadores menores.

Vladimir Putin visita Xi Jinping em Pequim em 16/05/2024
Reafirmando a "nova ordem geopolítica multipolar": Putin visita Xi em Pequim (2º e 4º a a partir da esq.)null Sergei Guneyev/AFP/Getty Images

"Os EUA tiveram sucesso em impedir que os bancos chineses financiem exportações para a Rússia", afirma García-Herrero. "Agora é muito importante o país manter essa pressão; que as sanções incluam qualquer companhia que exporte para a Rússia também produtos de uso duplo [empregados tanto para fins militares quanto civis] e bancos que estejam financiando esses acordos."

Durante visita recente a Pequim, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, acusou a China de "alimentar" a máquina bélica russa, suprindo eletrônica, produtos químicos para munições e propulsores de foguetes. Ele acenou com novas medidas punitivas, caso sua maior concorrente não restrinja as exportações ligadas à defesa para a Rússia. Pequim tem rechaçado repetidamente as acusações.

Embora o governo chinês possa ser moderado ao descrever os laços com Moscou durante a visita de Putin, vai ser preciso mais persuasão até que a China reduza seu apoio econômico à Rússia. Ela própria está sujeita pelos americanos a sanções e a restrições às exportações, como parte da guerra comercial entre as duas potências.

Frisando que Moscou e Pequim estão "agindo de modo concertado para minar o sistema global atual", Ivanov afirma que a dupla está também ávida de "assegurar suas economias para o futuro", à medida que se desacopla do Ocidente, sob uma nova ordem geopolítica multipolar.

"A China não vai limitar dramaticamente seu apoio econômico, mas buscará canais mais velados para fornecê-lo, através de trânsito e transações por países terceiros, como já está acontecendo pelos da Ásia Central", completa o também fundador do Programa China-Ásia do Centro de Análise da China do Asia Society Policy Institute.

Como a China pode resolver a guerra – ou gerar uma maior

Os alemães estão se tornando preguiçosos?

O americano médio trabalhou mais de 1.800 horas por ano em 2022, enquanto o alemão médio trabalhou apenas 1.340 horas, de acordo com números da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas a conclusão de que os alemães se tornaram preguiçosos não deve ser tirada desse número, diz o especialista em mercado de trabalho Enzo Weber, do Instituto de Pesquisa de Emprego e profissão (IAB), um think tank da Agência Federal de Emprego alemã. 

"A Alemanha tem uma taxa de emprego feminino muito alta em comparação com os outros países”, diz Weber. Cerca de uma em cada duas mulheres trabalha em tempo parcial. Em termos  matemáticos, isso reduz a média anual de horas de trabalho.

Exemplo: Se dois homens trabalham dez horas em um país, o tempo médio de trabalho é de dez horas (10+10)÷2=10. Se dois homens trabalham dez horas e uma mulher quatro horas, o tempo médio de trabalho é de oito horas (10+10+4)÷3=8.

As alemãs estão trabalhando mais

"Portanto, os números não significam que as pessoas estão trabalhando menos na Alemanha”, diz Weber. "Ao contrário, as pessoas estão trabalhando mais, incluindo as mulheres em meio expediente.” A OCDE também ressalta que os dados só são adequados para comparação internacional até certo ponto.

Os tempos mudaram: o homem com emprego integral e a mulher em casa virou exceção. Na Alemanha, hoje, 77% das mulheres trabalham, o que significa que a proporção de mulheres no mundo do trabalho aumentou significativamente nos últimos trinta anos, mesmo que muitas estejam empregadas em tempo parcial.

Mulher trabalhando em casa com o filho desenhando ao lado
Família e carreira: muitas mulheres trabalham meio período porque também precisam cuidar dos filhosnull Julian Stratenschulte/dpa/picture alliance

O desejo é trabalhar menos

As pesquisas mostram que os alemães gostariam de trabalhar menos. De acordo com um estudo do IAB, quase metade das mulheres que trabalha em tempo integral deseja reduzir suas horas de trabalho em seis horas. Quase 60% dos homens gostariam de trabalhar cerca de 5,5 horas a menos. Essa vontade existe há décadas e não mudou. 

Geração Z: apesar da fama, trabalha 

A chamada Geração Z, pessoas nascidas entre 1995 e 2010, tem reputação ruim quando se trata de trabalho. Segundo a fama:  eles querem o máximo de tempo livre e o salário mais alto possível. Esse é um preconceito muito repetido. Enzo Weber diz que esse fato não se confirma e acrescenta que para a maioria da Geração Z, o sucesso no trabalho é importante. Nesse aspecto, eles não se diferem das gerações anteriores, explica Weber.

"Acho que todos nós queremos o máximo de tempo livre e altos salários. Não se pode dizer nada contra isso. O que encontramos no comportamento dos jovens: nenhum desenvolvimento incomum no desejo de horas de trabalho, nenhum declínio incomum no comprometimento profissional, nenhuma mudança de emprego a mais do que os jovens das outras gerações costumavam fazer.”

A possível semana de X-dias

Nesse meio tempo, o estilo de vida dos alemães também mudou. "A família de um único provedor, da era do milagre econômico, quase não existe mais”, diz Weber. Hoje em dia, ambos os parceiros geralmente trabalham e, portanto, precisam de um certo grau de flexibilidade. "Todos devem ser livres para escolher em que fase da vida trabalham e o quanto”, acredita Weber. "Não precisamos de uma semana de 5 ou 4 dias, mas de uma semana de X dias e de uma flexibilização do trabalho ao longo de toda a vida.” Modelos de trabalho mais flexíveis também podem motivar as pessoas em idade de aposentadoria a continuar trabalhando."

A pandemia do coronavírus mostrou que o trabalho flexível e móvel funciona, diz Weber. Esse desenvolvimento não pode ser revertido. E faz sentido organizar o trabalho de forma que as pessoas fiquem mais satisfeitas com ele.

A negociação no mercado de trabalho mudou

As demandas por jornadas de trabalho mais curtas e flexíveis também são mais fáceis de serem implementadas em tempos de escassez de mão de obra qualificada e devido à experiência adquirida durante a pandemia do Covid-19 do que após a virada do milênio, quando havia desemprego em massa.

Um homem solda em uma fábrica
Nos próximos anos, a escassez de mão de obra qualificada deve se agravar em muitos setores null Patrick Pleul/dpa/picture alliance

Mas como "trabalhar menos” se encaixa na crescente demanda por mão de obra qualificada e no desejo de não sofrer uma perda na qualidade de vida? E também se espera que as tendências demográficas resultem em sete milhões de pessoas a menos no mercado de trabalho alemão até 2035.

A produtividade é um fator-chave

Uma ferramenta para que o número de horas trabalhadas não aumente ou até diminua é aumentar a qualidade do trabalho, ou seja, a produtividade. Enzo Weber é da opinião de que não faz sentido exigir o máximo de horas de trabalho das pessoas. Ele acredita que faz mais sentido aumentar a qualidade do trabalho: por meio de treinamento adicional, investimento em digitalização, IA e reestruturação ecológica da economia.

Weber acredita que uma política de qualificação proativa é importante. Não devemos esperar até que alguém fique para trás com as mudanças estruturais e tentar salvá-lo com uma medida emergencial. Em vez disso, as pessoas devem ser colocadas em uma posição que lhes permita tomar a iniciativa e desempenhar um papel ativo na própria qualificação.

O crescimento da produtividade desacelerou 

No momento, as coisas não estão muito boas no que diz respeito à produtividade. Weber lamenta que a estagnação esteja na ordem do dia. Entre 1997 e 2007, a Alemanha ainda teve um crescimento de produtividade de 1,6%, de acordo com um estudo do McKinsey Global Institute (MGI). No entanto, entre 2012 e 2019, o crescimento caiu pela metade, para 0,8%.

Um corredor de hospital, enfermeiro carrega paciente
A produtividade do trabalho no setor de cuidados só pode ser aumentada de forma limitadanull Marijan Murat/dpa/picture alliance

Um dos motivos é que muitos empregos foram criados em áreas com produtividade mais baixa, como serviços com uso intensivo de mão de obra. Os aumentos de produtividade só são possíveis até certo ponto nos setores de cuidado, educação e saúde.

A produtividade econômica geral também caiu, pois a economia está enfraquecida e muitas empresas estão mantendo seus funcionários devido à falta de trabalhadores qualificados, o que significa que os custos trabalhistas não estão sendo encurtados. Isso reduz a produtividade. De acordo com o Conselho Digital da BDA (Confederação das Associações de Empregadores Alemães), precisa ter mais investimento em desenvolvimento tecnológico, digitalização e transformação ecológica.

Independentemente do desenvolvimento da produtividade, a Alemanha ainda tem muitos trabalhadores potenciais inexplorados. "Isso se aplica não apenas ao emprego de mulheres e ao aumento das horas de trabalho de pessoas que trabalham em tempo parcial, mas também aos muitos migrantes e alemães que não têm qualificações escolares ou profissionais e que, muitas vezes, são privados de muitas oportunidades e de ter uma vida profissional produtiva desde cedo”, alega Marcel Fratzscher, do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW).

ONU quer combater saque de propriedade intelectual tradicional

Entre 13 e 24 de maio de 2024, realiza-se em Genebra, Suíça, uma conferência diplomática para estabelecer um instrumento legal internacional visando "intensificar a eficácia, transparência e qualidade do sistema de patentes". A cidade suíça é sede da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Wipo, na sigla em inglês). Esse conceito se refere à proteção legal e direitos sobre bens produzidos mentalmente, como invenções, arte e escritos.

Segundo essa agência das Nações Unidas, o instrumento planejado terá o fim de "evitar que patentes sejam concedidas erroneamente para invenções nem novas nem inventivas, relativas a recursos genéticos e saber tradicional associado a eles".

Há mais de 25 anos, países em desenvolvimento e povos indígenas vêm pressionando por leis de propriedade intelectual que protejam melhor, da exploração por terceiros, a flora, a fauna, saberes tradicionais e herança cultural locais. Mais recentemente, porém, tem crescido o clamor para que se responsabilizem as companhias que cometem esse tipo de abuso.

Marcas de moda têm sido advertidas por imitar padrões têxteis tradicionais em sua produção, assim como companhias farmacêuticas por transformar plantas medicinais em medicamentos comercializados. É o que os críticos denominam apropriação cultural, ou, quando se trata de uso de recursos genéticos, biopirataria.

Perda das heranças nacionais tradicionais

É conhecimento "que não se enquadra realmente no sistema de propriedade intelectual existente, como o de patentes ou de direito autoral", explica Wend Wendland, diretor de Saber Tradicional, Recursos Genéticos e Expressões Culturais Tradicionais da Wipo.

A discussão sobre proteção legal nesse campo iniciou-se em 1995, com o estabelecimento da Organização Mundial de Comércio (OMC), a qual criou um novo conjunto de padrões internacionais de direitos de propriedade intelectual, a ser implementado por todos os seus Estados-membros.

No processo de transição, a Índia, por exemplo, descobriu que diversos países – sobretudo industrializados, como os Estados Unidos – estavam patenteando produtos que há séculos eram parte das práticas tradicionais locais. Na Etiópia, o grão Eragrostis tef é cultivado há milhares de anos. No entanto, uma companhia holandesa detém a patente sobre o cereal processado.

Viswajanani Sattigeri, diretora da Biblioteca Digital de Saberes Tradicionais (TKDL) da Índia, enumera casos como o uso da cúrcuma para curar feridas ou as propriedades fungicidas do arroz basmati. Ela explica que, quando terceiros obtêm a patente para um determinado procedimento, eles se tornam seus proprietários, e "a nação perde sua própria herança e seu próprio saber tradicional".

Mulher e homem aplicam medicina ayurvédica em paciente
Medicina ayurvédica, praticada na Índia, estará mais bem protegida sob o novo instrumento legal da ONUnull Sam Panthaky/AFP/Getty Images

Novo paradigma na proteção dos bens imateriais

Nesse sentido, o encontro dos 193 Estados-membros da Wipo, este mês, promete ser uma guinada: a intenção é ratificar a primeira fase de um instrumento legal para proteger mais fortemente os patrimônios tradicionais. A organização os dividiu em três áreas consideradas vulneráveis sob o sistema atual: recursos genéticos, e saber e expressão cultural tradicionais.

O saber tradicional engloba informação transmitida de geração a geração, dentro das comunidades, geralmente por via oral. Ele pode se referir à biodiversidade, alimentos, agricultura ou cuidados de saúde, entre outros. As expressões culturais incluem criações artísticas refletindo a herança e a identidade de um grupo, como música, artes plásticas ou design.

Segundo o professor alemão de direito de propriedade intelectual Tim Dornis, essa abordagem "muda a concepção clássica" sobre esse campo jurídico, e "pode quebrar o sistema segundo o qual muitas coisas ficam desprotegidas".

Na atual legislação de propriedade intelectual, a proteção legal para criações originais tende a caducar após determinado período. Porém, muitas práticas tradicionais se desenvolveram e foram transmitidas ao longo de séculos ou mais. Não há tampouco um inventor a quem dar o crédito: o conhecimento é detido de forma comunal, sendo difícil até rastreá-lo a um grupo ou região específicos.

Países industriais se apossam do saber sem remunerá-lo

Por isso fica relativamente fácil terceiros obterem o saber da comunidade, retornarem a seus países, solicitarem patente com base no que aprenderam e lucrarem com ela. Segundo Dornis, isso permite aos países desenvolvidos se apossarem dos bens imateriais alheios sem dar nada em troca. Enquanto isso, a invenção farmacêutica ou produto medicinal baseados neles são protegidos por patente e têm que ser pagos.

O encontro este mês em Genebra se concentrará exclusivamente nos recursos genéticos contidos em materiais biológicos, como plantas e animais. Caso seja aprovado o instrumento legal pertinente, membros do Wipo que requeiram patente ficam obrigados a revelar a origem do organismo ou saber associado, e se têm permissão para usá-lo.

O projeto de lei prevê ainda a formação de bancos de dados onde essas informações sejam encontradas com facilidade – como a TKDL, que Sattigeri dirige. Para cria-la, ela passou décadas transcrevendo textos tradicionais indianos, parte em sânscrito. "Focamos nos sistemas indianos de medicina ayurveda e unani, assim como nas várias práticas de ioga. Havia ainda informações abundantes relativas à saúde, também animal e vegetal, e cosméticos".

Se o acordo sobre recursos genéticos for aprovado, o foco da Wipo passará ao estabelecimento de definições mais claras para as outras duas categorias: saber e expressão cultural tradicionais.

Wend Wendland afirma que para muitas comunidades nacionais essa regulamentação seria "um importante passo avante". "É muito técnico, mas tem uma história longa e muito simbolismo para diversos países, em especial aqueles em desenvolvimento."

O milagre econômico da Guiana

Alguns a chamam de Dubai da América Latina, outros falam em um milagre econômico sul-americano: a Guiana deve crescer até 25,4% em 2024, liderando o desenvolvimento econômico no continente. Pelo menos é o que consta do último relatório do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (Desa, na sigla em inglês).

Esse desempenho notável desperta cobiça – recentemente da vizinha Venezuela, que quer  anexar a região de Essequibo, rica em petróleo e recursos naturais. O regime de Nicolás Maduro já divulgou novos mapas que mostram uma Venezuela ampliada, incluindo a área de 160 mil quilômetros quadrados que hoje perfaz dois terços do território ocupado pela Guiana.

Indústria petrolífera em rápida expansão

O crescimento econômico da Guiana se deve principalmente à sua indústria de petróleo e gás em rápida expansão. "A Guiana optou por agentes privados com ampla experiência para realizar esse tipo de projeto", disse William Clavijo, cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em entrevista recente ao jornal chileno El Mostrador.

A trajetória do país, portanto, contrasta radicalmente com o caminho seguido pela Venezuela. A PDVSA, estatal venezuelana de petróleo, tem decaído continuamente nas últimas duas décadas. Especialistas foram substituídos por funcionários leais a Maduro, mas que não possuem a competência técnica necessária. A isso somam-se os casos de corrupção e má administração.

No duelo entre a economia planejada de um e a economia de mercado do outro, a Guiana claramente tem se saído vencedora ao seguir o caminho oposto, com empresas de petróleo apostando em especialistas experientes.

Há quase dez anos, a americana ExxonMobil fez uma das maiores descobertas de petróleo da história recente na Guiana. Apenas no chamado Bloco Stabroek estima-se que haja até 11 bilhões de barris de petróleo. Desde então, a economia do país só tem conhecido uma direção: para cima.

"Por um lado, é claro que a Guiana quer continuar explorando suas reservas de petróleo sem o risco de um conflito internacional. Por outro lado, o governo venezuelano usou uma disputa centenária como manobra política em uma tentativa fracassada de superar a falta de apoio popular", analisa Carolina Jiménez Sandoval, presidente da ONG de direitos humanos Washington Office on Latin America (Wola). "De toda forma, ambos os países deveriam usar mecanismos de resolução de conflitos para resolver suas diferenças de forma pacífica."

Ator emergente no cenário internacional

O bom desempenho econômico da Guiana também tem impacto no cenário internacional. Recentemente houve turbulências nos mercados de petróleo devido a conflitos geopolíticos, como a invasão russa da Ucrânia ou a guerra entre Hamas e Israel. Um novo ator comercial, que ainda por cima se alinha ao Ocidente, poderia, no médio prazo, acalmar os mercados e garantir mais segurança no fornecimento.

Mulheres negras em um cais simples, feito de madeira. Ao fundo, barcos de pesca artesanal e um navio comercial
Guianenses em Georgetown: com pouco mais de 800 mil habitantes, país já tem produção de petróleo per capita maior que a Arábia Sauditanull Matias Delacroix/AP Photo/picture alliance

Produção de petróleo da Guiana deve superar a Venezuela

Com pouco mais de 800 mil habitantes, a Guiana já tem uma produção per capita maior do que a Arábia Saudita. Segundo a ExxonMobil, a produção de petróleo do pequeno país na fronteira com Roraima e Pará saltou de 380 mil barris/dia em 2023 para 640 mil barris/dia em janeiro de 2024. Até 2027, a meta é chegar a um total de 1,2 milhão de barris/dia.

A Venezuela, país mais rico em petróleo do mundo, produz entre 700 mil e 800 mil barris/dia e deve ser ultrapassada pela Guiana em breve. Segundo estimativas de especialistas, a Venezuela tem reservas comprovadas de quase 300 bilhões de barris. Além dos erros de gestão em Caracas, as sanções dos EUA também contribuem para o mau desempenho da indústria petrolífera venezuelana.

Em termos de exportações, a Guiana já ultrapassou a Venezuela. Segundo relatos da mídia local, a Guiana exportou por dia 621 mil barris de petróleo em fevereiro, superando pela primeira vez as vendas do vizinho, que foram de 604 mil barris/dia.

No início do ano, o presidente guianense, Irfaan Ali, deu um passo adiante ao conclamar a indústria do país a explorar outros recursos. "É hora de também produzirmos nosso gás", disse em um grande evento de petróleo e gás em Georgetown. "Há uma janela de oportunidade até o final da década para comercializar também o gás."

Alemanha usa criatividade para financiar hidrogênio verde

Pode ser apenas um pequeno detalhe. Mas esse pequeno detalhe pode conseguir fazer o que o governo alemão não foi capaz na última década: investir em larga escala em infraestrutura.

Desde 2011, o chamado "freio da dívida" do país impõe limites rígidos ao montante de novos empréstimos que o governo alemão pode fazer por ano. Consagrado na Constituição alemã em resposta à crise da dívida da zona do euro em 2010, o limite para o aumento excessivo da dívida soberana, no entanto, restringiu os investimentos em escolas, pontes e na transição para energia renovável.

A lei é controversa mesmo dentro da coalizão de governo alemão, entre social-democratas, liberais e verdes, embora a aliança de três partidos tenha conseguido que o Parlamento suspendesse temporariamente a regra durante a pandemia de covid-19 e a guerra da Rússia na Ucrânia.

Mas o ministro alemão da Economia, Robert Habeck, acaba de apresentar um esquema para contornar a regra do freio da dívida, que, de outra forma, só poderia ser desfeita com a ajuda da oposição, que se recusa a entrar no jogo.

Na sexta-feira, um novo mecanismo para financiar os cerca de 20 bilhões de euros (R$ 110 bilhões) necessários para a rede de tubulações de hidrogênio da Alemanha passou pelo último obstáculo legislativo na câmara alta do Parlamento alemão, o Bundesrat.

Financiamento inicial

De acordo com a nova regulamentação, o governo pode lançar um investimento semente para um fundo destinado à construção da rede de hidrogênio. A rede em si será operada por um empreendimento privado de empresas que cobrará os usuários da rede de hidrogênio taxas que devem ser, no total, altas o suficiente para cobrir os custos de construção até 2055.

De acordo com especialistas, o plano está em conformidade com o freio da dívida porque o governo espera lucrar com o investimento. O financiamento do esquema deve ser fornecido pelo banco de investimento público alemão KfW e não pelo próprio governo federal.

Robert Habeck
Habeck propõe usar o novo modelo de financiamento também para recuperar rede elétrica alemãnull Michael Kappeler/dpa/picture alliance

O novo fundo inclui uma chamada "conta de amortização", um tipo de conta bancária com opção de saque a descoberto que permite ao governo equilibrar a receita das taxas pagas pelos usuários com os custos da construção da rede.

Jens Südekum, economista da Universidade de Düsseldorf, diz que o novo mecanismo permitirá que o governo subsidie as sobretaxas iniciais de uso da rede, tornando "mais barato para os clientes aderirem". Nos estágios posteriores do financiamento, "as taxas de uso seriam mais altas, visando recuperar os subsídios iniciais", disse ele à DW.

As autoridades do setor receberam bem o novo mecanismo de financiamento, afirmando que ele distribuiria os custos ao longo de décadas e, ao mesmo tempo, evitaria altas taxas de rede de hidrogênio para os clientes.

Quem assume os riscos?

A Alemanha planeja importar grandes volumes do hidrogênio que precisa para transformar setores como a indústria e o transporte ferroviário e aéreo. Os preços, no entanto, dependerão dos custos de produção em países como a Namíbia ou México.

Philip Schnaars, chefe de pesquisa de regulamentação do Instituto de Economia de Energia de Colônia, enfatiza que os preços do hidrogênio acabarão por determinar se o setor adotará o combustível nas próximas décadas. Ele diz que os enormes volumes de hidrogênio necessários e o longo tempo que leva para construir a infraestrutura podem criar incertezas sobre a viabilidade do projeto.

"Estamos falando aqui de um período que vai de agora até 2055. É quase impossível fazer afirmações válidas e sólidas sobre esse período", disse Schnaars à DW.

O risco para a empresa que administra a rede de dutos é enorme porque o governo se reservou o direito de abandonar o fundo de financiamento se o projeto se tornar inviável.

Hidrogênio, a chave para a transição energética

"No cenário em que a rede de hidrogênio não funcionar e acumularmos perdas até 2055, quem cobrirá essas perdas hipotéticas?”, perguntou o economista Südekum, observando que os investidores privados devem cobrir 25% do risco, de acordo com a regulamentação.

Modelo para financiar infraestrutura?

Enquanto isso, Habeck está planejando usar o novo mecanismo de financiamento para modernizar a defasada infraestrutura alemã.

Recentemente, o ministro disse ao semanário alemão Die Zeit que a rede elétrica do país, que é inadequada para a transição da Alemanha para a energia renovável e requer 300 bilhões de euros em investimentos nas próximas décadas, poderia ser financiada de forma semelhante.

Jens Südekum pode imaginar vários usos para esse método de financiamento. "Você poderia usá-lo em grande escala para habitação. O Estado poderia emprestar dinheiro para a construção de casas e, mais tarde, recuperar as perdas com o aluguel que receberá."

Mas o político Michael Kruse, do liberal FDP, partido que integra a coalizão de governo alemã e que defende firmemente o respeito ao freio da dívida, adverte Habeck contra o uso excessivo desses veículos de financiamento.

"Se tivermos a impressão de que esse mecanismo serve de modelo para que nossos parceiros de coalizão contornem o freio da dívida em outras áreas, então combateremos essas tentativas", avisa.

 

Por que a União Europeia ainda está comprando gás russo?

Mais de dois anos após a Rússia ter lançado a invasão em grande escala da Ucrânia, a União Europeia (UE) conseguiu reduzir bastante a quantidade de gás russo que importa, mas o hidrocarboneto ainda abastece algumas residências e empresas europeias e rende lucros para o Kremlin.

Quando a guerra começou, os líderes europeus foram forçados a enfrentar sua dependência de longa data do gás e do petróleo russos. O gás era um problema em particular: em 2021, 34% do gás da UE veio da Rússia.

Os países da Europa Central e do Leste Europeu eram especialmente dependentes. Quando a UE cogitou uma proibição, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, foi rápido em expressar sua oposição. "A Europa deliberadamente isentou o fornecimento de energia da Rússia das sanções. No momento, o suprimento de energia da Europa para aquecimento, mobilidade, eletricidade e indústria não pode ser garantido de nenhuma outra forma", disse.

Vladimir Putin explorou essa dependência. Ao longo de 2022, a Rússia reduziu as exportações de gás para a Europa, deixando os líderes europeus preocupados com uma escassez de energia no inverno. Esses temores nunca se concretizaram, mas fizeram com que a UE nunca sancionasse de fato o gás russo.

"Nunca foi uma sanção", diz Benjamin Hilgenstock, da Escola de Economia de Kiev. "Foi uma decisão voluntária dos países, e uma decisão inteligente, para diversificar o fornecimento e não ser mais chantageado pela Rússia", disse ele à DW.

Como as importações de GNL da Rússia substituíram os gasodutos

De acordo com dados da UE, a parcela de gás importado via gasoduto russo pelos Estados-membros caiu de 40% do total em 2021 para cerca de 8% em 2023. No entanto, quando o gás natural liquefeito (GNL) é incluído – gás natural resfriado até a forma líquida para que possa ser transportado por navio – a participação total do gás russo no total da UE no ano passado foi de 15%.

Uma das principais maneiras de a UE reduzir sua dependência do gás russo foi aumentar as importações de GNL de países como os Estados Unidos e o Catar. No entanto, isso levou, inadvertidamente, a um significativo volume de GNL russo que entrou no bloco com grandes descontos.

De acordo com o provedor de dados Kpler, a Rússia é agora o segundo maior fornecedor de GNL da UE. As importações de GNL da Rússia representaram 16% do fornecimento total de GNL da UE em 2023, um aumento de 40% em comparação com a quantidade que a Rússia vendeu para a UE em 2021.

Os volumes de importação em 2023 foram ligeiramente inferiores aos de 2022, mas os dados do primeiro trimestre de 2024 mostram que as exportações russas de GNL para a Europa aumentaram novamente em 5% em relação ao ano anterior. A França, a Espanha e a Bélgica têm sido importadores particularmente grandes. Esses três países foram responsáveis por 87% do GNL que entrou na UE em 2023.

Países querem interromper "transbordo" de GNL

No entanto, grande parte desse GNL não é necessária para o mercado europeu e está sendo manuseada em portos europeus antes de ser reexportada para países terceiros em todo o mundo, enquanto alguns países e empresas da UE lucram com isso.

"Grande parte do GNL russo que vai para a Europa está apenas sendo 'transbordado'", disse Hilgenstock. "Portanto, isso não tem nada a ver com o suprimento de gás natural da Europa. São apenas empresas europeias que ganham dinheiro facilitando as exportações russas de GNL."

De acordo com um relatório recente do Centro de Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo (CREA), pouco menos de um quarto das importações europeias de GNL da Rússia (22%) foram transbordadas para os mercados globais em 2023. Petras Katinas, analista de energia do CREA, disse à DW que a maior parte desse GNL foi vendida para países da Ásia.

Navio cargueiro ancorado em um terminal
A Alemanha aumentou rapidamente sua capacidade de importar GNL, construindo terminais como este em Wilhelmshavennull Michael Sohn/REUTERS

Como resultado, vários membros da UE, como a Suécia, a Finlândia e os países bálticos, estão pressionando o bloco a decretar a proibição total do GNL russo, uma medida que exigiria a concordância de todos os Estados-membros.

As discussões da UE estão atualmente concentradas na proibição da reexportação do GNL russo dos portos europeus. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, uma sanção aos principais projetos de GNL da Rússia, como o Arctic LNG 2, o terminal de GNL UST Luga e a fábrica de Murmansk, também está sendo considerada.

"Na verdade, deveríamos basicamente banir o GNL russo", disse Hilgenstock. "Não achamos que ele desempenhe um papel significativo no fornecimento de gás europeu, e ele pode ser substituído com relativa facilidade por GNL de outras fontes." Um estudo de 2023 do think tank Bruegel corrobora essa análise.

No entanto, a Acer, a agência reguladora de energia da UE, alertou recentemente que qualquer redução das importações de GNL russo deve ocorrer "em etapas graduais" para evitar um choque energético.

Alguns países da UE ainda recebem gás russo por gasoduto

O gás canalizado da Rússia também continua chegando à UE. Embora os gasodutos Nord Stream não estejam operacionais e o gasoduto Yamal não traga mais gás russo para a Europa, o gás russo ainda flui para o centro de gás de Baumgarten, na Áustria, por meio de gasodutos que atravessam a Ucrânia. A empresa estatal austríaca de energia OMV tem um contrato com a empresa de gás russa Gazprom até 2040.

Em fevereiro, a Áustria confirmou que 98% de suas importações de gás em dezembro de 2023 eram provenientes da Rússia. O governo diz que quer romper o contrato com a Gazprom o mais cedo possível, mas são necessárias sanções da UE sobre o gás russo para que isso aconteça legalmente.

Assim como a Áustria, a Hungria continuou a importar gás russo por gasoduto em grandes quantidades. A Hungria também fechou recentemente um acordo de gás com a Turquia, mas especialistas dizem que esse gás também vem da Rússia, pelo gasoduto Turkstream.

Hilgenstock diz que alguns países continuaram a comprar gás russo porque estão se beneficiando de contratos baratos e vantajosos. "Portanto, a menos e até que haja um embargo ao gás natural russo, a decisão de comprar cabe realmente a esses países."

Para Estados como a Áustria e a Hungria, o possível fim de suas importações por gasoduto da Rússia pode, em última análise, ser moldado pela Ucrânia. Kiev insiste que não renovará os acordos existentes com a Gazprom para permitir o fluxo de gás através de seu território. Esse acordo expira no final de 2024.

Hora de um embargo?

Embora o gás russo ainda seja importado para a Europa, sua participação geral nas importações de gás caiu drasticamente desde 2021. A UE diz que quer que o bloco esteja completamente livre do gás russo até 2027, uma meta que Hilgenstock diz ser cada vez mais realista.

"Se todo esse caso sórdido nos mostrou algo é que podemos, de fato, diversificar com relativa rapidez nosso fornecimento de gás e outras fontes de energia para longe da Rússia", disse.

Entretanto, ele acredita que as condições políticas "não são particularmente propícias" para um embargo total de gás no momento, especialmente um embargo de gasodutos. Ele aponta a presidência da Hungria na UE na segunda metade de 2024 como uma barreira em potencial. Budapeste tem laços mais estreitos com Moscou do que a maioria dos Estados-membros da UE.

Em relação ao GNL, ele é mais otimista e diz que, além da ação da UE, cabe aos importadores de GNL de grande volume, como a Espanha e a Bélgica, tomarem medidas. "Essa importação pela porta dos fundos de gás russo é um grande problema, especialmente do ponto de vista da mensagem que envia", disse. "E estamos ajudando a Rússia com suas cadeias de suprimento de GNL, o que não deveríamos fazer."

O impacto das mudanças climáticas na produção de energia hidrelétrica

Confiável, barata e de baixo carbono: desde que começou a ser usada, há mais de cem anos, a energia hidrelétrica se tornou uma fonte vital de energia limpa e hoje fornece mais eletricidade do que todas as outras fontes renováveis juntas.

Mas os recentes apagões no Equador e na Colômbia chamaram a atenção para a vulnerabilidade dessa forma de produção de energia às mudanças climáticas.

Uma seca intensificada pelo fenômeno climático El Niño reduziu os níveis de água dos reservatórios de usinas hidrelétricas das quais ambos os países dependem para obter a maior parte de sua eletricidade. Isso levou o Equador a declarar estado de emergência e a instituir cortes de energia. Na Colômbia, a água foi racionada em Bogotá, e o país suspendeu as exportações de eletricidade para o Equador.

Mudanças climáticas são preocupação crescente

A energia hidrelétrica obviamente depende da água. Secas, assim como inundações (que podem danificar as represas) – ambas mais frequentes e mais severas por causa das mudanças climáticas – são, portanto, uma preocupação crescente para o setor de produção de energia.

Usinas hidrelétricas são construídas levando em conta que haverá mudanças no clima – armazenando água na estação chuvosa para usá-la na estação seca, por exemplo. Mas Colômbia e Equador tiveram eventos extremos em 2023, de aumento de temperatura e baixa precipitação.

Esse problema para a geração de energia foi exacerbado por um aumento no consumo de energia e também de água: com as altas temperaturas e a seca, as pessoas ligaram mais seus aparelhos de ar-condicionado e abriram mais suas torneiras.

Como os painéis solares funcionam?

Queda histórica na produção

O Equador e a Colômbia não são casos isolados. Embora a energia hidrelétrica continue sendo a maior fonte renovável de eletricidade do mundo e sua produção tenha aumentado 70% nas últimas duas décadas, no primeiro semestre de 2023 a produção global sofreu uma queda histórica, de acordo com a Ember, um think tank de energia com sede no Reino Unido.

Segundo a Ember, secas – provavelmente exacerbadas pelas mudanças climáticas – levaram a uma queda de 8,5% na produção de hidroeletricidade em todo o mundo no primeiro semestre de 2023.

A China, maior geradora de hidroeletricidade do mundo, foi responsável por três quartos desse. Em 2022 e 2023, secas fizeram com que rios e reservatórios chineses secassem, causando falta de energia e forçando o país a racionar eletricidade.

No mundo, pouco mais de um quarto de todas as represas hidrelétricas estão em regiões que, segundo projeções, terão risco médio a extremo de escassez de água em 2050, segundo um estudo de 2022.

Dependência excessiva aumenta vulnerabilidade

Países com alta dependência de energia hidrelétrica são particularmente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, afirma o pesquisador Giacomo Falchetta, do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados. Por exemplo na África, onde a energia hidrelétrica é responsável por mais de 80% da geração de eletricidade na República Democrática do Congo, na Etiópia, no Malaui, em Moçambique, no Uganda e na Zâmbia. Muitos desses países também enfrentam secas severas.

"Além da alta dependência, eles têm capacidade instalada limitada para geração de energia alternativa e infraestrutura de transmissão limitada para importar energia", observa Falchetta. Para esses países, a solução é diversificar as fontes de energia, incorporando outras tecnologias renováveis – como a eólica e a solar – em seu mix energético, diz Falchetta. Ele destaca Gana e Quênia como dois exemplos de países que estão passando por uma transição bem-sucedida de uma situação de alta dependência da energia hidrelétrica para um portfólio mais variado de tecnologias.

Inovações como colocar painéis solares flutuantes na superfície da água em usinas hidrelétricas – o que países como China e Brasil já estão fazendo – têm um bom potencial, diz Matthew McCartney, especialista em infraestrutura hídrica sustentável do International Water Management Institute, com sede no Sri Lanka.

"Em alguns casos, você só precisa cobrir cerca de 15% a 20% do reservatório e pode gerar tanta eletricidade quanto com a energia hidrelétrica", diz.

Países com alta dependência de energia hidrelétrica, como Colômbia e Equador, precisam trabalhar para obter uma combinação ideal de energias renováveis, diz a especialista Lei Xie, da International Hydropower Association, um grupo que representa o setor hidrelétrico. "Costumamos dizer que água, vento e sol dão conta do recado."

O caminho para a neutralidade de carbono

Apesar dos riscos climáticos associados à produção de energia hidrelétrica, muitos especialistas ainda consideram que ela continua desempenhando um importante papel na descarbonização da economia global. "É uma tecnologia cujo uso definitivamente ainda será ampliado porque ela permite fornecer energia barata em grande escala", diz Falchetta.

A construção de usinas de médio porte, em vez das megabarragens do passado, ajudaria a diminuir os riscos climáticos associados à dependência excessiva de uma única grande infraestrutura.

Apesar de a Agência Internacional de Energia prever que a energia hidrelétrica acabará sendo superada pela energia eólica e solar, ela também afirma que as usinas hidrelétricas continuarão sendo a maior fonte de geração de eletricidade renovável do mundo até a década de 2030. No entanto, a agência prevê que uma desaceleração significativa no crescimento do setor na atual década poderá comprometer as ambições de neutralidade de carbono.

A capacidade hidrelétrica precisa dobrar até 2050 se o mundo quiser continuar no caminho para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C, de acordo com a Agência Internacional de Energia Renovável. Ela estima que isso exigiria um aumento significativo no investimento – aproximadamente 130 bilhões de dólares anuais até 2050.

Papel estabilizador

Embora as mudanças climáticas aumentem os riscos de uso da energia hidrelétrica, uma melhor gestão da água e a forma como as usinas hidrelétricas são integradas a outras energias renováveis podem melhorar a resistência à seca, diz McCartney.

A energia hidrelétrica também é necessária para estabilizar a geração de eletricidade, produzindo quando a energia eólica e a solar não conseguem, acrescenta. "A energia hidrelétrica pode funcionar como uma bateria muito grande, porque você pode ligá-la e desligá-la muito rapidamente", explica McCartney. Em geral, usinas hidrelétricas são capazes de aumentar e diminuir a geração de eletricidade mais rapidamente do que o carvão, a energia nuclear ou o gás natural.

"Uma central hidrelétrica de bombeamento, que bombeia água para cima quando a eletricidade é barata e a libera para baixo quando a eletricidade é cara, também pode ajudar", diz McCartney. Esses sistemas consomem relativamente pouca água porque ela é reciclada. Eles não são totalmente imunes à seca, mas mais do que os sistemas hidrelétricos tradicionais.

Como Irã e Rússia escapam às sanções do Ocidente

O Irã sabe, a China sabe e, aparentemente, os Estados Unidos também sabem: apesar das sanções atualmente vigentes contra a indústria petroleira da república islâmica, Teerã tem exportado volumes recordes da commodity a Pequim.

Colunista que cobre energia e comércio de matérias-primas para a agência de notícias americana Bloomberg, Javier Blas explica como isso acontece: "Se você acredita no que o governo chinês diz, eles não estão importando nenhum combustível do Irã. Zero. Nem um barril sequer. Ao invés disso, compram [petróleo] não refinado aos montes da Malásia – tanto que, segundo dados da alfândega chinesa, de algum jeito estão comprando mais que o dobro do que a Malásia de fato produz."

A revenda do petróleo iraniano fez da Malásia o quarto maior fornecedor do recurso em 2023, atrás apenas de Arábia Saudita, Rússia e Iraque.

Por muitos anos, o Irã tem usado os Emirados Árabes Unidos para se esquivar das sanções. Dubai, um dos sete emirados da monarquia, é o principal ponto de entrada de bens proibidos que suprem Teerã  – exceto petróleo. Há tempos, a República Islâmica modificou suas cadeias de suprimentos para obter quase tudo que for embargado pelos Estados Unidos ou pela União Europeia, através de polos comerciais e financeiros como Dubai.

Ásia Central é o novo hub comercial russo

Devido às sanções do Ocidente decorrentes da guerra na Ucrânia a Rússia estabeleceu rotas comerciais semelhante, a fim de assegurar o fornecimento contínuo de bens vitais para sua economia.

As antigas repúblicas soviéticas na Ásia Central têm se mostrado ideais para contornar os embargos, já que países como Cazaquistão e Quirguistão integram uma união aduaneira com Moscou. Além disso, as vastas distâncias – só o Cazaquistão compartilha uma fronteira de mais de 7.500 quilômetros com a Rússia – praticamente inviabilizam a aplicação das sanções.

Graças à estratégia russa de minar as sanções, a Armênia, por exemplo, viu em 2023 suas importações de carros alemães e componentes aumentarem quase 1.000%.

Sanções abundam, mas com efeitos tímidos

No papel, a Rússia é o país mais sancionado do mundo, segundo dados da base global Castellum.AI. Na prática, porém, a economia russa está longe do colapso: cresceu robustos 3,6% em 2023, e o ministro russo das Finanças Anton Siluanov declarou que a expectativa é que a taxa de 2024 se mantenha "no mesmo nível".

O prognóstico é apoiado pelo Fundo Monetário Internacional FMI), que projeta uma expansão de 3,2% do PIB russo – em parte devido aos altos níveis dos gastos públicos e investimentos relacionados à guerra na Ucrânia, mas também devido aos lucros com a exportação de petróleo.

Um prédio espelhado de três andares visto do outro lado da rua
Filial do banco russo Alfabank em Almaty, Cazaquistão: bancos russos na Ásia Central apoiam comércio ilegal do Kremlinnull Anatoly Weisskopf/DW

No total, a Rússia encara mais de 5 mil sanções – mais do que o total imposto a Irã, Venezuela, Myanmar e Cuba juntos. Alvos desses embargos são políticos e funcionários do governo de Vladimir Putin, bem como oligarcas russos, grandes empresas, instituições financeiras e o complexo militar-industrial do Kremlin.

Sanções financeiras restringiram o acesso dos bancos russos a mercados financeiros internacionais, excluindo-os do sistema de pagamentos Swift, usado na maioria das transações internacionais.

Além disso, o Banco Central russo teve suas reservas bloqueadas nos países do G7 – Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Japão e Canadá.

A questão é que apenas sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas têm força legal em todo o mundo. Além disso, diversos países, como Índia, China e Brasil – este último recentemente alçado à posição de maior importador de diesel russo –, não endossaram esses embargos.

Questão de coerência

Se é assim, por que nações do Ocidente continuam a emitir sanções que não têm capacidade de impor na prática?

"Se não houvesse sanções, seria quase como um apoio tácito. Ou como se não houvesse reação a esse ataque ilegal [da Rússia contra a Ucrânia]", explica Christian von Soest, especialista em sanções no Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga, na sigla em inglês).

Os EUA e a Europa precisam calibrar suas ações para "forçar a Rússia e o Irã a mudar de comportamento", opina o também autor do livro Sanctions: Powerful weapon or helpless maneuver? (Sanções: Armas poderosas ou manobra impotente?).

China na mira dos EUA

Segundo o diário americano The Wall Street Journal, Washington planeja também sancionar diversos bancos chineses para garantir que as restrições sejam eficazes. Segundo fontes anônimas ouvidas pelo jornal, o governo de Joe Biden quer excluir Pequim do sistema financeiro global, de modo a interromper o fluxo de capital que irriga a máquina de guerra russa.

Na UE, o irlandês David O'Sullivan foi nomeado em janeiro enviado para sanções. Cabe-lhe conduzir esforços diplomáticos que tornem eficazes as sanções do bloco europeu. Isso inclui negociações com ex-repúblicas soviéticas para persuadi-las a reforçar o cumprimento das sanções de forma mais rigorosa, segundo pesquisador Von Soest. Mas "o problema geral, que foi reconhecido, é que há formas de contornar essas sanções, tanto por parte da Rússia quanto do Irã".

Algum impacto, porém, já está sendo sentido: na Turquia, por exemplo. Lá, a ameaça dos americanos de sancionar empresas do mercado financeiro que negociem com a Rússia provocou a queda acentuada das exportações de Ancara a Moscou, que haviam explodido em 2023.

Indústria nacional de aviação vai bem depois de crise na pandemia

No hangar da fabricante Embraer, que só abre suas portas para fazer entregas, três jatos E195-E2 estão prontos para voar. Só um dos aviões vai transportar passageiros no Brasil, os demais seguirão para o Canadá e Espanha.

O clima na fábrica de São José dos Campos, interior de São Paulo, é bom: até o fim de 2024, serão entregues 80 jatos comerciais naquele mesmo espaço. A carteira de pedidos tem engordado, e a previsão é de contratação de novos 900 funcionários.

O cenário é bem diferente daquele visto em 2020, quando a empresa brasileira disse ter sido pega de surpresa com a desistência de compra pela Boeing. A fusão, anunciada em 2018, um negócio de 5,2 bilhões de dólares (R$ 26,9 bilhões), criaria a joint venture Boeing-Brasil Commercial, com 80% de controle para os americanos e 20% para os brasileiros.

"O cenário mudou depois da pandemia. O mundo mudou, o mercado mudou. Com aquele evento, nós criamos um plano estratégico para o futuro e estamos executando isso de forma brilhante", afirma à DW Francisco Gomes Neto, CEO da Embraer.

Segundo ele, foi a melhora na eficiência e o aumento nas vendas que fizeram "a Embraer andar muito bem com as próprias pernas" após o rompimento brusco que custou milhões aos cofres da empresa. 

Na sexta-feira (26/04), momentos antes, Gomes Neto havia batizado com espumante o jato com capacidade para 136 passageiros entregue à companhia aérea Azul, criada no Brasil em 2008. Outros 13 aviões do mesmo modelo farão parte da frota.

Luiz Inácio Lula da Silva participou da cerimônia. Ao lado de diversos ministros, como Silvio Costa Filho, de Portos e Aeroportos, o presidente disse que vai investir em infraestrutura aeroportuária na Amazônia e em outras regiões para incentivar o turismo regional.

"Esse país só vai melhorar quando as pessoas mais humildes puderem andar de avião", disse Lula, instigando as demais companhias aéreas nacionais a comprarem aviões da fabricante.

O presidente Lula batiza com espumante uma aeronave fabricada pela Embraer
O presidente Lula batiza com espumante uma aeronave fabricada pela Embraernull Andre Ribeiro/TheNEWS2/ZUMA/picture alliance

Reação em cadeia

Fundada em 1969 pelo governo militar, a Embraer é atualmente a terceira maior produtora de aviões comerciais do mundo. Líder no segmento de jatos executivos, ela é a principal fabricante de aeronaves de até 150 assentos. Com mais de 40 modelos desenvolvidos, incluindo cargueiros militares, a empresa trabalha atualmente no chamado "carro voador", ou eVTOL, uma aeronave elétrica de decolagem e pouso vertical.

"O bom desempenho da Embraer tem aquecido a indústria nacional de componentes. As empresas têm contratado mais. Não dá para dizer que o setor se recuperou por completo, mas tem melhorado nos últimos dois anos", avalia Rodrigo Garbelotto, vice-diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) em São José dos Campos.

De acordo com Garbelotto, desde 2023, os fornecedores de peças para aviões executivos da fabricante brasileira dobraram o número de funcionários. Neste ano, há alta demanda por componentes do modelo E1-175.

A cadeia de fornecedores dessa indústria é, historicamente, bastante focada na Embraer. Muitas fábricas operam numa relação de dependência: chegam a receber a matéria-prima da própria empresa para retornar o produto industrializado.

"Como fazem essas atividades integradas com a Embraer, elas têm dificuldade em buscar outros clientes para reduzir a dependência. São fornecedores com grande capacidade técnica, mas limitante. É bom e ruim, pois toda vez que a Embraer tem dificuldade, estas empresas ficam muito expostas", explica André Camargo, consultor de empresas do mercado aeronáutico. 

Retomada do setor é mais rápida na América Latina, mas dólar alto é risco

Depois dos anos de aviões em terra por conta da pandemia, as companhias aéreas dão sinais de recuperação. Dados da International Air Transport Association (IATA) apontam que a retomada na América Latina, em termos percentuais, tem sido mais rápida que no restante do mundo.

Em 2023, o Brasil bateu a marca de 112,6 milhões de passageiros em voos, um crescimento de 10,5% em relação ao ano anterior. O número significa quase um retorno ao patamar de antes da emergência sanitária, com cerca de 119 milhões de passageiros domésticos e internacionais em 2018, maior marca da série, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

"As perspectivas são positivas. O programa nacional que busca reduzir o valor das passagens e a ociosidade das empresas também deve surtir efeito", avalia Vérica Marconi Freitas de Paula, professora da Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Mas há motivos para preocupação, adiciona a pesquisadora. O combustível, que representa 40% do custo nas contas das aéreas, e o endividamento das empresas, agravado durante a pandemia, são alguns exemplos.

"O dólar alto favorece a venda de aviões feitos aqui, que são principalmente para exportação. Mas no mercado de operação é o contrário: a alta do dólar, principalmente nos combustíveis, impacta negativamente", afirma Rodrigo Garbelotto, da Ciesp.

Com dívidas renegociadas no ano passado, a Azul recebe as novas encomendas da Embraer e diz ter investido R$ 3 bilhões em novos jatos. A Gol enfrenta um processo de recuperação judicial para sanar suas dívidas, que ultrapassaram a marca de R$ 20 bilhões.

Briga por cérebros

Desde que desistiu da compra da Embraer sob a alegação de que a brasileira não estava cumprindo sua parte no acordo, a Boeing, segunda maior no mercado, tem enfrentado outros tipos de problemas. Em janeiro, um incidente com o modelo 737 Max 9 nos Estados Unidos levou as autoridades a iniciarem uma investigação sobre a qualidade da aeronave e deflagrou uma crise na companhia.

Para diversas fontes ouvidas pela DW, foi bom a compra da Embraer não ter se efetivado. "A Boeing provavelmente transformaria a empresa brasileira numa fábrica pura. Todo o conhecimento, estratégia, tecnologia não ficariam aqui, mas seriam coordenados dos grandes centros que a Boeing já têm", opina o consultor Camargo.

Funcionários da fabricante brasileira dizem que a concorrente parece empenhada em capturar sua mão de obra. A americana se instalou no berço do setor aeroespacial brasileiro, em São José dos Campos, e tem contratado engenheiros e outros trabalhadores qualificados que atuam na Embraer.

"Não é honesto vir roubar os nossos engenheiros se eles não gastaram um real para formá-los", ironizou Lula durante a visita à Embraer.

Segundo o sindicato da categoria, a fabricante emprega mais de 3 mil engenheiros o que seria a maior quantidade desses profissionais por metro quadrado do Brasil. Ao todo, a empresa tem 18 mil colaboradores.

É possível poluir menos ao voar de avião?

 

O que deve mudar com a regulamentação da reforma tributária

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enviou ao Congresso Nacional nessa quarta-feira (24/04) a primeira proposta de regulamentação da reforma tributária.O projeto de lei complementar trata das regras para os impostos criados pela reforma, aprovada em 2023 e que pretende simplificar o regime de tributação sobre o consumo no país.

No lugar do antigo arranjo de tributos federais, estaduais e municipais, que tinham uma alíquota média total de 34%, o governo propõe um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) de 26,5%.

A regulamentação total da reforma tributária deve ocorrer entre 2024 e 2025, a depender da aprovação de deputados e senadores. A transição para o novo modelo está prevista para começar em 2026.

Confira os principais pontos da proposta do governo:

Novos impostos

O texto define que o IVA será composto por dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), gerido pela União; e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por Estados e municípios.

O IVA entrará no lugar de três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS).  A proposta prevê uma alíquota média de 26,5%, podendo variar entre 25,7% e 27,3%, segundo informou o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy.

Foi criado ainda o Imposto Seletivo (IS), de natureza regulatória, para desestimular o consumo de bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Essa taxa será cobrada sobre veículos, embarcações e aeronaves, produtos fumígenos (cigarros, cigarrilhas, charutos, tabaco, entre outros), bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas e bens minerais extraídos.

A lista não incluiu alimentos ultraprocessados, apesar da indicação de especialistas da área da saúde em defesa da cobrança sobre esses produtos.

Devolução de impostos

O projeto cria também um sistema de devolução personalizada de impostos, popularizado pelo termo em inglês "cashback", para a população mais pobre. 

Famílias com renda per capita de até meio salário mínimo (o equivalente a R$ 706 atualmente) inscritas no Cadastro Único dos programas sociais do governo terão direito a receber de volta até 50% dos tributos na conta de luz, água, esgoto e gás natural, e de até 100% na aquisição do gás de botijão.

Cesta básica e higiene

O governo listou 18 categorias de produtos da cesta básica nacional que serão integralmente desonerados. A seleção considerou a diversidade regional e cultural da alimentação do país e quais alimentos são mais consumidos pela população de baixa renda.

Os produtos com a alíquota zero previstos são: arroz, leite, manteiga, margarina, feijões, raízes e tubérculos, cocos, café, óleo de soja, farinhas em geral, açúcar, massas alimentícias, pão do tipo comum, ovos, produtos hortícolas e frutas.

Já os produtos que terão redução de 60% das alíquotas de IBS e CBS incluem: carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal, peixes (exceto salmonídeos, atuns; bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos), crustáceos (exceto lagostas e lagostim) e moluscos, leite fermentado, bebidas e compostos lácteos, queijos, mel, mate, tapioca, sal, sucos e polpas de fruta.

Também terão desoneração de 60% produtos de higiene pessoal e limpeza, entre eles sabonete, pasta de dente, papel higiênico, água sanitária e sabões em barra.

Desoneração para profissionais

Foi proposta ainda a redução em 30% das alíquotas da CBS e do IBS sobre a prestação de serviços de 18 profissões regulamentadas de natureza científica, literária ou artística. Considerando a alíquota média de 26,5% para os novos tributos, os serviços desses profissionais seriam de 18,6%.

As profissões com desoneração são: administradores, advogados, arquitetos e urbanistas, assistentes sociais, bibliotecários, biólogos, contabilistas, economistas, economistas domésticos, profissionais de educação física, engenheiros e agrônomos, estatísticos, médicos veterinários e zootecnistas, museólogos, químicos, profissionais de relações públicas e técnicos industriais e agrícolas.

Serviços de educação

A proposta ainda reduz em 60% a CBS e o IBS de serviços de educação, como ensino infantil, fundamental, médio, técnico, superior, ensino para jovens e adultos, ensino de sistemas linguísticos, de natureza visual-motora e de escrita tátil, ensino de línguas nativas de povos originários e educação especial destinada a portadores de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

sf/cn (abr, ots)

Economia de Israel dá sinais de recuperação apesar da guerra

A economia israelense está mostrando sinais de retorno à normalidade, apesar da pressão que a guerra contra o grupo terrorista Hamas exerceu sobre ela.

Apesar de os dados econômicos oficiais dos primeiros três meses de 2024 ainda não terem sido divulgados pelo governo, dados recentes do mercado de trabalho do órgão oficial de estatísticas e de transações com cartões de crédito do Banco Central sugerem que a economia de Israel está se recuperando do choque causado pelos ataques terroristas de 7 de Outubro e da guerra que se seguiu.

A economia israelense sofreu uma grande contração no último trimestre de 2023, após os ataques terroristas: ela encolheu 5,2% em comparação com o trimestre anterior. Grande parte desse cenário se deve à diminuição da força de trabalho resultante da convocação de cerca de 300 mil reservistas para as Forças Armadas.

Entretanto, o economista Benjamin Bental, da Universidade de Haifa, diz que o mercado de trabalho está se recuperando da saída repentina de tantos trabalhadores e proprietários de pequenas empresas.

"O mercado de trabalho está realmente se estabilizando com bastante rapidez", diz. Ele ainda não alcançou o nível anterior à guerra, mas o desemprego formal está 1% menor do que em setembro de 2023, observa.

O retorno contínuo de alguns reservistas elevou a oferta de mão de obra, enquanto os dados positivos dos cartões de crédito sugerem o retorno do otimismo do consumidor após uma grande queda no final de 2023.

No entanto, Bental lembra que certos setores continuam a ser gravemente afetados pela escassez de mão de obra, especialmente a construção civil. Isso se deve, em grande parte, ao fato de o setor depender muito de trabalhadores palestinos vindos da Cisjordânia ocupada por Israel, que agora não podem trabalhar em Israel devido à situação de segurança.

Cerca de 75 mil palestinos costumavam se deslocar diariamente da Cisjordânia para Israel para trabalhar na construção civil. A ausência deles fez com que o trabalho nas obras fosse quase totalmente interrompido: a construção residencial caiu 95% no final de 2023.

O setor se recuperou um pouco depois que Israel trouxe milhares de trabalhadores da Índia, do Sri Lanka e do Uzbequistão, mas o quadro completo só estará claro quando os dados do primeiro trimestre forem divulgados.

Déficit orçamentário

A guerra forçou o governo israelense a um forte aumento de gastos, sobretudo na defesa, mas também na reconstrução associada aos ataques do Hamas e na necessidade de realojar dezenas de milhares de israelenses deslocados no norte e no sul do país.

No mês passado, Israel anunciou um orçamento revisado para 2024 de 584 bilhões de shekels (cerca de R$ 800 bilhões). O orçamento prevê um déficit de 6,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, acima do nível anterior à guerra, de 2,25%. Mas Bental diz que já está claro que o novo percentual está subestimado e que um déficit de 8% parece mais realista.

"Isso supondo que não haja uma deterioração ainda maior da situação de segurança", disse ele, referindo-se às atuais tensões com o Irã.

Há uma pressão óbvia sobre as finanças do governo, que planeja emitir dívidas no valor de cerca de 60 bilhões de dólares este ano, além de aumentar impostos, e insiste que isso tudo é possível.

"Os fundamentos econômicos estão aí", afirmou o contador-geral do Ministério das Finanças israelense, Yali Rothenberg, ao jornal britânico Financial Times antes do anúncio do orçamento revisado. Ele citou como exemplos os indicadores do setor de alta tecnologia, dos investimentos em infraestrutura e do consumo privado.

Aprender com o passado

Antes dos ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro, a economia de Israel estava indo bem. "A inflação estava caindo, e toda a situação monetária estava sob controle", observa Bental. Ele destaca que Israel caminhava para um crescimento de 3,5% antes dos ataques terroristas e que ainda conseguiu um crescimento de 2% em 2023, apesar do choque do último trimestre.

Bental enfatiza que nas ruas de cidades como Tel Aviv ou Haifa há pouca evidência de uma economia de guerra ou qualquer sensação de escassez ou privação. No entanto, ele adverte que a experiência de Israel com o impacto na economia de guerras e crises de segurança anteriores deve orientar o atual governo.

Bental se diz preocupado com os elevados gastos em defesa, por exemplo. Durante a Guerra do Yom Kippur de 1973, Israel também aumentou drasticamente os gastos com defesa, a ponto de chegarem a 30% do PIB, o que é "totalmente insustentável".

Junto com a crise do petróleo e a crise econômica global da época, o conflito de então "levou a um verdadeiro desastre econômico" para Israel, com "uma inflação muito alta e basicamente nenhum crescimento por quase dez anos".

Para Bentai, a Segunda Intifada dos palestinos, que ocorreu entre 2000 e 2005, tem mais semelhanças com o conflito atual por envolver civis. "É possível aprender um pouco sobre os danos causados pela perda de confiança da população civil e a perda da sensação de segurança durante esse episódio específico", diz. "E há estimativas de que, ao longo desses anos, digamos três ou quatro anos, o PIB israelense encolheu cerca de 10% só por causa disso."

Outro exemplo que ele deu foi o conflito de 2006 com o Hisbolá e o Líbano – um conflito que mostrou a rapidez com que a economia pode se recuperar quando os combates cessam.

"Estamos falando de uma situação em que, por basicamente um mês, a região norte de Israel não funcionou", observa. "Mas quando você olha para os dados e procura qualquer vestígio disso, não encontra. Isso é realmente incrível. A economia, findo o conflito, recuperou-se em pouco tempo."

Bental espera que esse seja o caso quando o conflito atual terminar e sugere que os recentes sinais de recuperação indicam que assim deverá ser.

UE cria direito de conserto de eletroeletrônicos

Na Europa, aparelhos como geladeiras e smartphones geralmente não são consertados quando estragam, pois costuma ser mais barato jogar o produto fora e comprar um novo. Uma nova lei da União Europeia (UE), aprovada nesta terça-feira (23/04) no Parlamento Europeu, quer mudar isso e introduzir o chamado direito de reparo para os consumidores.

O direito de reparo quer impulsionar a economia circular na UE e reduzir as montanhas de lixo de produtos eletroeletrônicos. De acordo com os cálculos da Comissão Europeia, cerca de 35 milhões de toneladas de lixo são produzidas todos os anos porque produtos são jogados fora muito cedo em vez de serem consertados. Para os consumidores, o prejuízo anual estimado é de 12 bilhões de euros.

No Parlamento Europeu, 584 deputados votaram a favor do direito ao reparo, com três votos contra e 14 abstenções. O Conselho dos 27 estados-membros ainda precisa aprovar formalmente a lei. Por fim, os estados-membros têm dois anos para transpor o direito de reparo às suas leis nacionais.

Eco Brasil: Os benefícios da economia circular

O que se quer com o direito de reparo?

Com a lei, a UE está introduzindo um direito a consertos para os consumidores: qualquer pessoa que queira consertar um produto elétrico deverá ter a opção de fazê-lo, desde que o produto ainda possa ser consertado e mesmo se a garantia já estiver vencida. Isso significa que os fabricantes devem oferecer consertos e ter instruções e peças de reposição suficientes disponíveis.

Mesmo após o término da garantia, os consumidores devem poder realizar um reparo simples e econômico sempre que possível.

A lei também tem como objetivo reduzir o lixo eletroeletrônico e reduzir as emissões de CO2.

A quais aparelhos a lei se aplica?

Eletrodomésticos em geral, como geladeiras, freezers, máquinas de lavar, secadoras, lava-louças, aspiradores de pó e televisores, por exemplo. Os smartphones e as bicicletas elétricas também são abrangidos pelas novas regulamentações. A Comissão Europeia ainda se reserva o direito de futuramente ampliar a lista.

E o que fazer quando o aparelho estragar?

Os consumidores poderão entrar em contato diretamente com o fabricante para fazer consertos, mesmo que tenham comprado o aparelho defeituoso de um varejista. Se essa não for uma opção, por exemplo, porque a empresa fabricante não existe mais, a responsabilidade poderá recair sobre o varejista.

Por quanto tempo a garantia legal é válida?

Isso varia de país para país. Na Alemanha, em geral, é de dois anos. Na Holanda está vinculada à vida útil esperada do produto.

Haverá garantia também para produtos consertados?

Sim, deve ser introduzida uma garantia válida por um ano após o reparo. O objetivo é dar aos consumidores a certeza de que o conserto vale a pena.

Onde os consumidores podem encontrar a oficina certa para o conserto?

A UE deverá criar um portal online onde os consumidores poderão procurar oficinas, lojas de aparelhos antigos consertados ou interessados em comprar aparelhos com defeito. Os preços dos consertos devem ser transparentes.

Como as oficinas independentes podem ser fortalecidas?

Muitos fabricantes dificultam o conserto de seus aparelhos por oficinas independentes ou mesmo por amadores, como o próprio comprador. Por exemplo exigindo uma ferramenta especial para os reparos ou por meio de configurações de software. Muitas empresas também não vendem suas peças de reposição para oficinas independentes. A nova lei da UE proíbe medidas desse tipo.

As novas regras também facilitam o reparo de um produto por parte de amadores. Isso começa já na fase de desenvolvimento do produto. Os fabricantes serão obrigados a garantir que os produtos sejam fáceis de consertar, ou seja, que não haja obstáculos embutidos no software ou no hardware que dificultem a abertura com ferramentas comuns. Além disso, os serviços de reparo independentes não serão mais impedidos de instalar peças de reposição usadas ou impressas em 3D.

A ideia é que telefones celulares, laptops e máquinas de lavar possam ser consertados com mais facilidade, rapidez e economia.

A lei tornará os reparos mais baratos?

É o que se espera.  A Comissão Europeia espera que a lei crie concorrência entre as oficinas, fazendo com que os preços caiam. Atualmente, as peças de reposição são o maior fator de custo dos consertos. Nesse caso, a lei também pode fazer com que os preços caiam porque os fabricantes terão que manter mais peças de reposição em estoque.

De que outra forma os reparos serão incentivados?

A diretiva propõe várias outras medidas, das quais os estados-membros só precisam implementar uma. Essas medidas incluem a emissão de vales para reparos, nos quais o Estado assume parte dos custos de um conserto, e a criação de campanhas informativas, a oferta de cursos de conserto ou incentivos fiscais. Na Alemanha, alguns estados já oferecem esses incentivos, como o bônus de reparo na Turíngia.

Que impacto o projeto terá sobre o meio ambiente?

As novas regras terão um impacto positivo no meio ambiente, pois a tendência é de que menos produtos sejam descartados devido a pequenos defeitos. Quando a Comissão Europeia apresentou a proposta, ela estimou que 18,5 milhões de toneladas de emissões de gases do efeito estufa e 1,8 milhão de toneladas de recursos seriam economizados e que 3 milhões de toneladas a menos de lixo seriam produzidas em 15 anos.

Alta do dólar inquieta economias, e não só as emergentes

O fortalecimento do dólar desde o início de 2024 tornou-se uma grande preocupação em países de todo o mundo, causando temores não apenas nas economias emergentes, mas também em países industrializados avançados.

As moedas do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, estão quase todas se desvalorizando. A lira turca lidera o declínio desde o início do ano, com mais de 8%. No mesmo período, o iene japonês caiu 8% e o won, da Coreia do Sul, 5,5%.

Nos últimos sete dias, o dólar disparou também em relação ao real. A moeda americana se valorizou mais de 5% nesse curto espaço de tempo e valia por volta de R$ 5,25 nesta quarta-feira (17/04).

Essa tendência de alta da moeda dos EUA se verifica também nas economias desenvolvidas, com o dólar australiano, o dólar canadense e o euro em queda de 4,4%, 3,3% e 2,8%, respectivamente.

Por que o dólar está subindo?

O principal impulso por trás da alta do dólar é a perspectiva cada vez menor de que o Banco Central dos EUA reduza suas taxas de juros em breve. O índice de preços ao consumidor (CPI), divulgado na quarta-feira passada, subiu um pouco acima das expectativas do mercado, o que significa que a inflação continua acelerando nos EUA.

Consequentemente, os investidores reduziram suas apostas em possíveis cortes nas taxas de juros pelo Fed, o que impulsionou a alta do dólar.

Além disso, as crescentes tensões no Oriente Médio após o ataque sem precedentes do Irã a Israel também impulsionaram a moeda americana devido ao seu status de porto seguro.

E embora muitas economias em todo o mundo estejam experimentando um crescimento moderado, os indicadores econômicos dos EUA, desde os números de emprego até as vendas no varejo, superam consistentemente as expectativas.

Haddad falando em microfones
Para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dois terços da valorização do dólar frente ao real relacionam-se a eventos externos ao Brasilnull UESLEI MARCELINO/REUTERS

Se várias economias emergentes ainda oferecem rendimentos mais altos em seus títulos do que os EUA, essa diferença está caindo. No início do ano passado, a taxa de juros do Brasil era de 13,75%, a do Chile era de 11,25% e a da Hungria, de 13%.

Desde então, os bancos centrais dessas três economias reduziram suas taxas básicas, diminuindo a vantagem de rendimento para os possíveis investidores. Atualmente, a Selic está em 10,75% ao ano.

No Brasil, há ainda o fator local. O dólar disparou nesta terça-feira depois de o governo anunciar a revisão da meta fiscal para 2025, que passou de um resultado primário de 0,5% para zero.

"Tem muita coisa que está fazendo com que o mundo esteja atento ao que está acontecendo nos Estados Unidos, e o dólar está se valorizando frente às demais moedas. Eu diria que isso não explica tudo o que está acontecendo no Brasil, mas explica dois terços", comentou o ministro das Finanças, Fernando Haddad, minimizando a relação entre a revisão da meta fiscal e a alta do dólar.

Riscos para os emergentes

Países em desenvolvimento são particularmente sensíveis aos efeitos negativos da alta do dólar, pois esse aumento faz com que os juros de suas dívidas em dólar subam, aumentando a sua carga total de juros.

De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), um aumento de 10% do dólar reduziria o Produto Interno Bruto (PIB) das economias emergentes em 1,9% após um ano, com efeitos econômicos adversos que durariam mais de dois anos.

Em 2022, quando um fortalecimento semelhante do dólar estava em andamento, o Sri Lanka entrou efetivamente em default com a desvalorização de sua moeda. Outras economias emergentes tentaram evitar a desvalorização de suas moedas aumentando as taxas de juros antes do Fed em 2021 e 2022.

No início de 2024, muitos acreditavam que as taxas de juros dos EUA cairiam até o fim do ano e que a alta do dólar seria contida. Mas agora há sinais de que o dólar pode estar apenas no início de uma longa curva de valorização e que o retorno aos patamares anteriores pode demorar mais do que o esperado.

BC interveio no câmbio

Governos de alguns países emergentes já começaram a agir. No início de abril, o Banco Central do Brasil interveio no mercado de câmbio pela primeira vez no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Embora governo e Banco Central não tenham explicado claramente suas intenções, o palpite no mercado é de que o objetivo era controlar a desvalorização do real.

O Banco Central da Indonésia vem intervindo para sustentar a rupia, que está em seu nível mais baixo em quatro anos, oscilando em torno de 16 mil rupias por dólar. O Banco Central da Turquia também aumentou sua taxa de juros em 5 pontos percentuais, para 50% em março, em resposta à desvalorização da lira e à aceleração da inflação.

No entanto, aumentar as taxas de juros, com o objetivo de conter a inflação, também tem um efeito negativo na economia, pois o encarecimento do crédito desestimula o consumo e desacelera o crescimento.

O analista Kota Hirayama, da SMBC Nikko Securities, afirma que o risco de um retorno da inflação está aumentando nas economias emergentes devido às taxas de câmbio e ao aumento dos preços do petróleo.

"Entretanto, é improvável que esses países aumentem as taxas de juros. Em vez de reagir com a política monetária, é provável que respondam temporariamente à desvalorização de suas moedas por meio de intervenções para ganhar tempo", afirmou, numa nota aos investidores.

A China, por exemplo, está usando sua fixação diária de moeda para apoiar o yuan, e alguns bancos estatais chineses estão vendendo reservas em dólares. O Banco da Indonésia está mais ou menos fazendo o mesmo, pois usa suas reservas cambiais para comprar rupias.

G20 abordará a força do dólar

Essas preocupações não se limitam apenas às economias em desenvolvimento: o Japão e outros países desenvolvidos estão nervosos com a contínua desvalorização de suas moedas.

O ministro das Finanças do Japão, Shunichi Suzuki, disse que o dólar deverá estar na pauta da próxima reunião dos ministros das Finanças e dos presidentes dos bancos centrais do G20, que será realizada esta semana em Washington, nos EUA. "Já discutimos a fuga de capitais anteriormente", declarou.

O que muda com o anúncio da nova meta fiscal?

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu que não conseguirá cumprir a meta de gastar menos do que arrecada no próximo ano. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, enviado nessa segunda-feira (15/04) pelo Executivo ao Congresso, prevê resultado primário zero em 2025, a mesma meta definida para este ano. 

Em abril do ano passado, o Ministério da Fazenda divulgou uma meta de superávit das contas de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) para 2025. Agora, esse desempenho é esperado apenas para 2027.

Essa mudança de expectativa reflete uma diminuição no ritmo do ajuste fiscal, promessa da atual gestão para diminuir a dívida pública brasileira e melhorar o cenário econômico, com queda nos juros. 

Segundo estimativas da equipe econômica do governo, é preciso um superávit de 1% do PIB para estabilizar a dívida pública, o que agora só deve ser alcançado em 2028.

Confira o que mudou com a nova projeção:

  • A meta de superávit para 2025 passou de 0,5% do PIB para zero;
  • Para 2026, a meta fiscal deixou de ser de 1% do PIB e passou para 0,25%;
  • O documento prevê superávit de 0,5% do PIB em 2027, e de 1% em 2028.

Em todos os casos, há uma margem de tolerância de 0,25 ponto percentual para mais ou menos, o que abre a possibilidade de as contas públicas fecharem no próximo ano com um pequeno déficit. Segundo a projeção do governo, isso representa um valor de R$ 31 bilhões, para mais ou para menos. 

Salário mínimo de R$ 1.502

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias é o primeiro passo para a construção do Orçamento. O texto enviado nessa segunda prevê que, para o ano que vem, o salário mínimo será de R$ 1.502, valor 6,37% maior do que o atual, de R$1.412. Pela lei aprovada em 2023, o aumento deve considerar a variação da inflação e o crescimento da economia, portanto ainda se trata de uma estimativa.

Outros gastos, como benefícios da Previdência Social, o abono salarial e o seguro-desemprego, são atrelados à variação do mínimo. De acordo com o Ministério do Planejamento, cada aumento de R$ 1 tem um impacto de aproximadamente R$ 370 milhões no Orçamento. 

Arrecadação frustrada

Apesar de ter emplacado projetos positivos para as contas públicas, como o de taxação de super-ricos, que prevê a cobrança antecipada de Imposto de Renda dos fundos exclusivos e introduz a taxação de offshores (empresas no exterior), o governo teve alguns revezes neste ano nessa área. 

Ao anunciar a flexibilização do arcabouço fiscal, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, justificou que o governo contava com medidas para melhorar a arrecadação que não foram aprovadas pelo Legislativo. 

Houve, por exemplo, resistência na discussão de medidas como a reoneração da folha de pagamentos de empresas e prefeituras e o fim do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), criado durante a pandemia para aliviar o setor, que continua vigorando. 

sf/bl (ots)

Como os mercados repercutiram o ataque iraniano a Israel

Muitos investidores estão prendendo a respiração após o ataque sem precedentes de drones e mísseis do Irã contra Israel ocorrido em 13 de abril. O bombardeio foi o primeiro ataque direto lançado do território iraniano e ocorreu no mesmo dia em que a Guarda Revolucionária do Irã deteve um navio de contêineres ligado a Israel perto do Estreito de Ormuz.

O ataque iraniano foi amplamente antecipado depois que o Irã culpou Israel pela destruição de parte do complexo da embaixada iraniana em Damasco, na Síria, em 1º de abril.

Ainda assim, há o temor de uma escalada no conflito entre os dois países, mesmo com a ONU e os Estados Unidos pressionando Israel a demonstrar moderação. A maioria das empresas não gosta de incertezas, e a possibilidade de uma guerra aberta mais ampla deixa a região nervosa.

Preços do petróleo e energia

Se o conflito se alastrar pelo Oriente Médio, o maior risco para a economia global será a resposta dos mercados de energia, especialmente nos preços do petróleo.

"Um aumento nos preços do petróleo complicaria os esforços para trazer a inflação de volta à meta nas economias avançadas, mas só terá um impacto significativo sobre as decisões dos bancos centrais se preços mais altos de energia se infiltrarem no núcleo da inflação", escreveu Neil Shearing, economista-chefe do grupo da consultoria Capital Economics, em uma nota aos clientes.

Entretanto, os preços do petróleo não se moveram muito desde o ataque. Parece que o mercado já havia levado em conta a atual situação de instabilidade e não se assustou com o ataque iraniano no fim de semana.

Helicóptero sobre um cargueiro de contêineres em alto mar
Cerca de um quinto do suprimento diário de petróleo do mundo passa pelo cada vez mais perigoso Estreito de Ormuznull picture alliance/AP

Cotas de produção da OPEP+

De fato, os preços do petróleo bruto Brent subiram de 83 dólares por barril há um mês para mais de 90 dólares por barril na semana passada, onde permaneceram, "estimulados, em parte, por preocupações com os suprimentos e os riscos geopolíticos dos conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia", escreveu Shearing.

O economista destacou que outro motivo para a calma no mercado de petróleo é a pressão de alguns membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e Aliados (Opep+) para aumentar as cotas de produção. "Uma expansão na oferta de petróleo obviamente ajudará a limitar qualquer aumento em seu preço", seja devido às crescentes tensões ou a problemas na cadeia de suprimentos, como as perigosas rotas marítimas do Mar Vermelho.

Jorge Leon, vice-presidente sênior da empresa norueguesa de análise do ramo de energia Rystad Energy, concorda. Embora a Opep+ tenha uma tarefa complicada de coordenar e gerenciar o mercado de petróleo, é provável que ela reduza os cortes voluntários de produção em uma reunião em junho, escreveu ele em uma nota na segunda-feira. Isso poderia liberar 6 milhões de barris por dia em capacidade ociosa para limitar as pressões sobre os preços, já que é do interesse do grupo evitar uma crise energética global.

Se os preços do petróleo aumentarem e permanecerem altos, isso poderia alimentar a inflação global em uma época em que vários países sofrem com a inflação alta de longo prazo.

Isso poderia criar um dilema para os bancos centrais, como foi observado após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, argumentaram os analistas do Deutsche Bank em uma nota aos clientes. "Por um lado, existe o risco de que um choque geopolítico prejudique o crescimento, antecipando o momento dos cortes nas taxas", de acordo com o banco.

Ouro como porto seguro

Quanto às bolsas de valores, quando os mercados abriram na segunda-feira, muitos índices de ações asiáticos, como o Nikkei, estavam em baixa. "Mas isso reflete, em parte, uma recuperação da venda que já havia ocorrido na sexta-feira após o fechamento, quando surgiram manchetes sugerindo que poderia ocorrer um ataque", escreveram os analistas do Deutsche Bank.

Mapa mostra tráfego aéreo sobre Oriente Médio
Algumas companhias aéreas cancelaram voos ou redirecionaram rotas após ataque iranianonull Flightradar24.Com/Handout via REUTERS

Por sua vez, os mercados europeus abriram em alta. De modo geral, os analistas não veem muitas mudanças entre os principais ativos desde sexta-feira, "com os investidores esperançosos de que qualquer escalada será contida".

Um pequeno sinal de que os investidores estão procurando um investimento mais seguro é a alta do preço do ouro, que subiu 0,51% na segunda-feira, para pouco mais de 2.356 dólares (cerca de R$ 12.200) a onça.

Ainda é cedo, e o conflito pode se ampliar e atingir outros países, levar a mais sanções dos EUA contra o Irã ou danificar ou destruir a infraestrutura de petróleo. Algumas companhias aéreas ocidentais suspenderam temporariamente os voos para a região, enquanto outras redirecionaram rotas para evitar o espaço aéreo do Oriente Médio.

Se o Irã ou os rebeldes houthi continuarem a atacar navios ligados a Israel na importante rota comercial através do Estreito de Ormuz, "existe o risco de falsos alvos e danos colaterais", de acordo com a Ambrey, uma empresa de gerenciamento de riscos marítimos. Esse ou outro ataque aéreo poderia atrair ainda mais os EUA para o conflito, aumentar os custos globais de transporte e causar estragos na economia mundial.

Há um ano, Alemanha encerrava sua era nuclear

Há um ano, as últimas três usinas nucleares que ainda estavam em operação em território alemão foram desconectadas da rede, marcando o fim da era nuclear no país, mais de seis décadas após a inauguração do primeiro reator. O encerramento das operações em 15 de março de 2023 marcou uma vitória decisiva de uma campanha de décadas de ativismo ambiental contra essa forma de produção de energia.

À época, políticos de esquerda e centro-esquerda celebraram, enquanto liberais e conservadores descreveram o fechamento das últimas usinas como um "dia sombrio" para a Alemanha.

Um ano depois, as previsões mais pessimistas envolvendo "apagões" ou aumento do uso de carvão não se confirmaram, e especialistas apontam que a transição foi mais suave do que se esperava. A matriz energética alemã nos últimos meses passou a ser mais limpa e os preços para o consumidor caíram, mas por outro lado o país passou a importar mais energia do exterior – e parte dela continua sendo nuclear.

Emissões diminuíram e parcela de renováveis aumentou

O fim da era nuclear alimentou o temor que a emissão de CO2 de fontes sujas como o carvão aumentaria na Alemanha para compensar o fechamento das últimas usinas. Mas isso não se concretizou.

De acordo com o governo alemão, a participação das energias renováveis no consumo, incluindo importações, aumentou significativamente desde o fim da era nuclear. No período de 1º de abril de 2022 a 15 de abril de 2023, quando as usinas nucleares ainda estavam em funcionamento, essa participação foi de 48,7%. No período de 16 de abril de 2023 a 31 de março de 2024, subiu para 58,3%.

As emissões de CO2 no setor de energia alemão também caíram 24%, disseram ativistas do grupo ambiental Greenpeace. Apesar da eliminação da energia nuclear na Alemanha, a produção de eletricidade a partir de linhito (-29%), carvão mineral (-47%) e gás (-5%) também caíram significativamente.

Por outro lado, o consumo de eletricidade no país também caiu em cerca de 2%, em grande parte por causa da estagnação da economia.

Preços caíram

Uma das profecias mais sombrias envolvendo o fechamento das usinas envolvia o temor de uma disparada dos preços de energia para os consumidores. No entanto, isso não se materializou. Pelo contrário, os preços caíram no último ano, embora continuem mais altos do que antes da disparada provocada pela invasão russa da Ucrânia e cortes no suprimento de gás que vinham do leste europeu.

Segundo o site de comparação de tarifas Verivox, os preços médios para os consumidores caíram 17%. Enquanto uma família com um consumo de eletricidade de 4.000 quilowatts-hora pagava 1.703 euros pela eletricidade em abril de 2023, atualmente esse valor é de 1.412 euros.

Segundo o governo alemão – uma coalizão que conta com o Partido Verde, adversário histórico da energia nuclear –, se as usinas atômicas ainda estivessem na ativa, os preços teriam sido mais altos, já que a operação delas era mais custosa que fontes renováveis.

Produção caiu e importação aumentou

No final de 2022, as três últimas usinas nucleares forneciam apenas 6% do consumo total de eletricidade da Alemanha.

De acordo com o Instituto Fraunhofer para Sistemas de Energia Solar ISE, a Alemanha produziu 476 terawatts-hora de eletricidade nos doze meses anteriores ao fechamento. No ano seguinte ao encerramento das operações das usinas das usinas  – ou seja, no período entre 16 de abril de 2023 e 15 de abril de 2024 – foram gerados 425 terawatts-hora na Alemanha.

Paralelamente, a Alemanha passou a importar mais energia de outros países europeus. Em 2023, a Alemanha importou mais eletricidade do que exportou pela primeira vez desde 2006. No total, foram 11,8 bilhões de quilowatts-hora, ou 2% do consumo bruto de eletricidade.

No entanto, esse aumento da importação não está todo atrelado ao fechamento das usinas, segundo especialistas. Nesse ponto, o mercado europeu de energia desempenha um papel crucial. Não é que a Alemanha não tinha capacidade para produzir toda a energia que precisa, mas porque era mais barato importar eletricidade de países vizinhos. E uma boa parte dessa eletricidade veio de novas fontes renováveis – de hidrelétricas da Suíça e de outras fontes renováveis da Noruega e Dinamarca.

"As importações de eletricidade são um sinal de um mercado da UE em funcionamento", disse Carolin Dähling, da concessionária de energia elétrica alemã Green Planet Energy, ligada ao Greenpeace.

No entanto, uma parte dessa eletricidade, especialmente a que vem da França, continua sendo gerada por usinas nucleares, já que o mercado não faz distinção entre fontes, mas sim entre preços, e, no verão, o excedente da energia atômica francesa costuma ser financeiramente mais competitivo. Ao todo, 24% da energia importada em 2023 veio de fontes nucleares. No entanto, o governo alemão e ativistas destacam que isso representa apenas 3,6% do consumo total na Alemanha, e que na realidade a participação da energia nuclear na oferta de eletricidade no país vem caindo ano a ano, passando de 7,27% para 3,01% nos últimos dois anos.

A usina de Isar 2, umas das últimas que foram fechadas na Alemanha
A usina de Isar 2, umas das últimas que foram fechadas na Alemanhanull Wolfgang Maria Weber/IMAGO

Fornecimento seguro

Um ano depois, o ministro federal de Economia e Proteção Climática da Alemanha, o verde Robert Habeck disse que as previsões pessimistas após o fechamento das usinas não se concretizaram.

"Podemos ver hoje que o fornecimento de energia ainda é seguro, os preços da eletricidade caíram após o abandono da energia nuclear e que as emissões de CO2 também estão caindo", disse Habeck, que também ocupa o posto de vice-chanceler federal da Alemanha, no domingo.

"Se algumas pessoas ainda estão se concentrando em um retorno à energia nuclear, devem se dar conta de que a energia nuclear não é competitiva internacionalmente e os custos dos projetos atuais estão explodindo", enfatizou Habeck. "É melhor, portanto, não questionar constantemente algo com o qual o país já concordou, mas se concentrar na solução dos problemas atuais", disse o político verde.

Décadas de disputa

Dificilmente algum tema polarizou o público, especialmente na Alemanha Ocidental, por tantas décadas quanto a energia nuclear. O dia 17 de junho de 1961 marcou o início da era nuclear alemã, quando a usina de Kahl, na Baviera, forneceu eletricidade à rede pública pela primeira vez. Passaram-se 22.596 dias entre a inauguração da primeira usina e o fechamento das últimas – e foram muitos os debates acalorados.

Pouco mais de 20 anos atrás, 19 reatores de usinas nucleares alemãs forneciam até um terço da eletricidade do país. Especialmente na antiga Alemanha Ocidental, antes da Reunificação, a oposição à energia nuclear levou centenas de milhares de jovens às ruas nas décadas de 1970 e 1980.

Então, em 1986, a catástrofe do reator de Tchernobil, na então União Soviética, pareceu confirmar as advertências sobre os perigos da energia nuclear. Em 2002, na Alemanha, o então ministro do Meio Ambiente, Jürgen Trittin, do Partido Verde, aprovou o primeiro cronograma de abandono da energia nuclear. O plano foi inicialmente postergado e minimizado por governos posteriores, mas o desastre da usina em Fukushima, no Japão, em 2011, finalmente selou o destino das usinas nucleares alemãs. A então chanceler Angela Merkel (CDU) usou o episódio para decretar o fim da energia nuclear na Alemanha.

Protesto antinuclear em 1986
Protesto antinuclear em 1986null Sven Simon/imago images

No final de 2022, as três últimas usinas nucleares forneciam apenas 6% do consumo total de eletricidade da Alemanha. Originalmente, o fechamento final estava previsto inicialmente para o final de dezembro de 2022. Mas ele foi posteriormente adiado por pouco mais de três meses por causa dos efeitos da guerra na Ucrânia. Mas, conforme o 15 de abril de 2024, se aproximava, o governo alemão, formado por uma coalizão de social-democratas, verdes e liberais, não sinalizou a possibilidade de novos adiamentos.

À época, as usinas nucleares Isar 2, na Baviera, Neckarwestheim, em Baden-Württemberg, e Emsland, na Baixa Saxônia, eram as últimas em funcionamento na Alemanha. A primeira usina a ser desligada foi Emsland, construída em 1988. Depois, foi a vez de Isar 2, desconectada, depois de mais de 30 anos de operação. A última usina a confirmar o desligamento foi Neckarwestheim, depois de 45 anos de funcionamento.

A decisão foi no sentido contrário de outros países, como Estados Unidos, China, França e Grã-Bretanha, que contam com a energia nuclear para substituir os combustíveis fósseis que aquecem o planeta. Até o Japão temvoltado atrás em seus planos de eliminar gradualmente a energia nuclear.

jps (DW, AFP, epd, ots)

Um balanço sobre a lei alemã de cadeia de suprimentos

Extrair grãos do cacau com facões e carregar sacos pesados durante a colheita é o que meninos e meninas em idade escolar de Gana e outros lugares não deveriam estar fazendo. Mas uma investigação da emissora americana CBS e da suíça SRF revelou que a fabricante de chocolates Mars e a empresa suíça Lindt & Sprüngli poderiam estar envolvidas em casos de trabalho infantil no país africano. Estudos sugerem que cerca de 700 mil crianças continuam trabalhando na indústria do cacau em Gana.

Grandes empresas alemãs também estão sendo criticadas. Fornecedores dos supermercados Edeka e Rewe supostamente violaram direitos ambientais e humanos, afirma a organização não governamental Oxfam. De acordo com investigações das emissoras públicas NDR e WDR e do jornal Süddeutsche Zeitung, um fornecedor da BMW também é suspeito de poluição ambiental.

Tudo isso seriam violações à Lei da Cadeia de Suprimentos, que está em vigor na Alemanha desde o início de 2023. O objetivo da norma é garantir que as matérias-primas importadas de países do Sul Global não tenham sido obtidas por meio de violações de direitos humanos, trabalho infantil e destruição ambiental.

Quando questionada pela DW, a ministra alemã do Desenvolvimento, Svenja Schulze, fez uma avaliação inicial positiva da norma. A Lei da Cadeia de Suprimentos da Alemanha já trouxe conquistas, diz: "Estamos ouvindo de muitos países parceiros que os sindicatos estão sendo levados mais a sério, que escritórios de denúncias estão sendo criados e que há um movimento nas condições de trabalho locais."

Como funciona a lei

As empresas alemãs com pelo menos mil funcionários devem verificar se seus produtos e serviços atendem aos requisitos rigorosos da lei. O Ministério Federal do Trabalho e Assuntos Sociais, que é responsável pela norma, afirma que o objetivo é incentivar as empresas a cumprir as "obrigações de devida diligência". "Essas obrigações se aplicam às suas próprias operações comerciais, às ações de um parceiro contratual e às ações de outros fornecedores (indiretos). Isso significa que a responsabilidade das empresas não termina mais nos portões de suas próprias fábricas, mas se estende por toda a cadeia de suprimentos."

Em particular, a proteção deve ser fornecida contra trabalho infantil e forçado, grilagem de terras, destruição ambiental e salários injustos. O ministro do Trabalho alemão, Hubertus Heil, também lutou por essa lei durante muito tempo. A Alemanha é neste momento uma pioneira, disse ele quando questionado pela DW em uma coletiva de imprensa. Apesar de todas as críticas de algumas empresas, há também companhias engajadas "porque não querem ser criticadas".

O ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, e a ministra alemã do Desenvolvimento, Svenja Schulze, observam costureira trabalhando em um local com diversas outras costureiras.
O ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, e a ministra alemã do Desenvolvimento, Svenja Schulze, em uma fábrica têxtil em Gana em 2023 null Christophe Gateau/dpa/picture alliance

Na Alemanha, uma autoridade federal é responsável pelo monitoramento da Lei da Cadeia de Suprimentos. O Escritório Federal de Economia e Controle de Exportação (BAFA), que também monitora os subsídios e as exportações de armas. Embora tenha havido inspeções iniciais e reclamações sobre violações da lei, ainda não foram aplicadas multas ou penalidades.

Críticas de empresas e da sociedade civil

Para muitas organizações não governamentais, as exigências da lei não são suficientes. As organizações empresariais, por outro lado, reclamam do excesso de burocracia e do custo para recolher toda a documentação.

Em resposta a uma consulta da DW, o presidente da Federação das Indústrias Alemãs (BDI), Siegfried Russwurm, afirmou por escrito: "Muitos efeitos negativos e não intencionais e altos encargos burocráticos estão evidentes na implementação da Lei da Cadeia de Suprimentos."

A organização ambiental e de direitos humanos Germanwatch elogiou de forma geral a norma em uma entrevista à DW. No entanto, seu assessor Finn Schufft também disse: "Ainda há pontos fracos. Entre outras coisas, o fato de que as empresas não podem ser responsabilizadas no âmbito civil."

Ninja Charbonneau, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), define a norma como um "marco", mas gostaria que os direitos das crianças tivessem sido incluídos de forma mais explícita. E "no longo prazo, seria bom se todas as empresas fossem incluídas".

Ruína de edifício desabado, com muitas pessoas em volta observando tratores trabalharem nos destroços
Norma em parte reagiu ao desastre do Rana Plaza em Bangladesh em 2013, que matou mais de 1.100 funcionários de uma fábrica têxtilnull Abir Abdullah/dpa/picture alliance

A lei alemã se insere em um contexto mais amplo de iniciativas normativas de países importadores de matérias-primas para ter maior controle sobre as condições ambientais e trabalhistas em que elas foram obtidas. Um exemplo é a lei antidesmatamento da União Europeia (UE), que proíbe a importação de produtos oriundos e áreas de mata recém-derrubadas, inclusive no Brasil, mas que também sofre críticas sobre sua implementação.

UE deve adotar norma semelhante 

Uma lei europeia sobre a cadeia de suprimentos deve receber luz verde na UE em abril. Ela é semelhante à lei alemã, mas é mais rígida em alguns aspectos. Por exemplo, ela será aplicada a empresas a partir de 500 funcionários. Na Alemanha, o corte ainda é de mil funcionários. Além disso, as empresas que violarem as futuras exigências da UE poderão ser processadas por danos.

No entanto, ainda levará alguns anos até que todos os obstáculos burocráticos sejam superados e a lei da UE entre em vigor. O ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, disse que a lei alemã continuará a ser aplicada até lá. E acrescentou: "Sem a solução alemã, não teria havido o ímpeto para a solução europeia".

Revisão da vida toda: entenda o que muda com decisão do STF

Está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) a forma de calcular os benefícios previdenciários de quem contribuía para o sistema há 30 anos ou mais. De acordo com estimativa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), trata-se de um universo de mais de 3 milhões de pessoas.

Após mudança de entendimento da Corte sobre o assunto, tem prevalecido a tese de que esses segurados devem seguir as regras estabelecidas na reforma da Previdência de 1999. Ela excluiu do cálculo dos benefícios os valores das contribuições anteriores a julho de 1994, quando a moeda brasileira passou a ser o real.

Quem se sentiu prejudicado, por ter feito boas contribuições antes desse marco, passou a pedir na Justiça que todos os salários, incluindo os anteriores a 1994, fossem considerados para o cálculo. Esse é o princípio da revisão da vida toda. 

Histórico

Até a reforma de 1999, o INSS levava em conta a média dos três últimos anos de contribuição do trabalhador para calcular o benefício. O novo regime definiu que:

  • para quem já estava no sistema, seriam consideradas 80% das maiores contribuições;
  • para os segurados mais antigos, haveria uma regra de transição que excluía do cálculo os salários anteriores a julho de 1994;
  • os trabalhadores que passaram a contribuir depois da reforma entrariam em um regime que considera a média dos salários de todo o período segurado, sem especificar tempo, com o desconto do chamado fator previdenciário (cálculo que leva em conta a idade, o tempo de contribuição e a expectativa de vida na data da aposentadoria). 

De acordo com a advogada especializada em direito previdenciário Sarah Capassi, a regra prejudicou sobretudo trabalhadores mais antigos de classe média ou baixa, que acumularam dois ou mais serviços e horas extras quando jovens e que, no decorrer da vida, tiveram uma queda na renda. 

Em 1999, duas ações foram movidas na Justiça contra a mudança -- uma por quatro partidos políticos (PT, PSB, PCdoB e PDT), outra pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. 

Idas e vindas

Em dezembro de 2022, com base nessas ações, o STF reconheceu o direito de revisar os benefícios de trabalhadores que começaram a contribuir para o INSS antes de 1994 e que se aposentaram entre novembro de 1999 e novembro de 2009. 

O recálculo só beneficiaria quem tinha altos salários antes de 1994. Se fosse mais vantajoso, o segurado poderia seguir com a regra como estava. 

Os benefícios que poderiam ser revisados são:

  • aposentadoria por idade, 
  • aposentadoria por tempo de contribuição, 
  • aposentadoria especial, 
  • aposentadoria da pessoa com deficiência;
  • aposentadoria por invalidez;
  • pensão por morte.

No entanto, em julgamento de recurso do governo contra o recálculo, em março deste ano, o Supremo derrubou a possibilidade ao definir que o regime de transição para os contribuintes anteriores a 1994 é obrigatório. Segundo o entendimento da maioria dos magistrados, não é possível optar pela regra mais vantajosa, como havia sido decidido em 2022. 

Ainda há discussões pendentes em relação aos segurados que já haviam conquistado o direito à revisão, e um outro recurso do governo contra a metodologia está para ser julgado pelo Supremo, ainda sem data prevista. 

Por que a China está acumulando tanto ouro

O preço do ouro bateu um novo recorde histórico essa semana, chegando a 2.300 dólares (cerca de R$ 11,3 mil) a onça, à medida que questões geopolíticas, expectativas de cortes nas taxas de juro nos Estados Unidos e o acúmulo do metal pela China estimulam o interesse dos especuladores.

O ouro é visto por investidores como um porto seguro em tempos de turbulência e uma cobertura contra a desvalorização de moedas, em um momento em que o mundo vive conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia que influenciaram no recente aumento dos preços, juntamente com o pico da inflação pós-pandemia.

A medida do Banco Popular da China (PBC, na sigla em inglês) de comprar grandes quantidades de ouro se refletiu em outros bancos centrais – sobretudo de mercados emergentes. Mas por que, afinal, a China está acumulando tanto ouro?

Aumento da reserva de ouro da China

O PBC tem aumentado as suas reservas de ouro nos últimos 16 meses consecutivos, de acordo com o Conselho Mundial do Ouro –uma associação comercial internacional para a indústria do ouro com sede no Reino Unido. Em 2023, o PBC comprou mais ouro do que todos os outros bancos centrais do mundo.

Mulher desfocada ao fundo segura pulseiras de ouro largas
Consumidores chineses também têm comprado moedas, barras e joias de ouro após recentes problemas econômicos na segunda maior economia do mundo.null CFOTO/picture alliance

O Conselho Mundial do Ouro calculou as compras do metal precioso pela China no ano passado em 225 toneladas métricas, pouco menos de um quarto das 1.037 toneladas compradas por todos os bancos centrais do planeta

Só em janeiro e fevereiro, o PBC aumentou as suas reservas de ouro em 22 toneladas, escreveu, na plataforma X, Krishan Gopaul, analista sênior de Europa, Oriente Médio e África do Conselho Mundial do Ouro.

Agora, o banco central da China detém cerca de 2.257 toneladas de ouro nos seus cofres.

Tal como o PBC, os consumidores chineses têm comprado moedas, barras e joias de ouro depois de seus investimentos imobiliários, a moeda yuan e o mercado de ações do país terem desvalorizado devido aos recentes problemas econômicos na segunda maior economia do mundo.

"Desde o início do ano, temos visto enormes compras no varejo chinês, quantidades recordes de compras na Bolsa de Ouro doméstica de Xangai", disse à Bloomberg TV no mês passado John Reade, estrategista-chefe de mercado do Conselho Mundial do Ouro.

Alternativa ao dólar

A China depende fortemente do dólar americano para o comércio com o resto do mundo. Sendo a moeda de reserva mundial, a maioria das matérias-primas são cotadas em dólares e mais de metade do comércio mundial é realizado utilizando a moeda americana.

Ao mesmo tempo que cresceu para desafiar o domínio econômico dos EUA ao longo dos últimos 30 anos, a China acumulou enormes reservas cambiais, principalmente em dólares. Mas Pequim teme ter-se tornado demasiado dependente do dólar e está empenhada em diversificar as reservas do PBC.

Painel com o nome "Brics"
Brics cogita moeda comum para fazer frente ao dólarnull Sergei Bobylev/TASS/dpa/picture alliance

A China vem reduzindo gradualmente suas participações em dólar, que dominuíram em um terço desde 2011, para cerca de 800 bilhões de dólares, segundo dados dos EUA. A queda se acelerou desde a pandemia de covid-19.

O objetivo da diversificação alinha-se com os de outros países do Brics – grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que deve dominar a economia global até 2050.

O Brics até discutiu a ideia de uma moeda comum no futuro, o que poderia potencialmente desafiar o dólar como moeda de reserva mundial. 

Por que a China quer diversificar

As nações do Brics, incluindo a China, estão preocupadas com a forma como Washington utiliza o dólar como arma para preservar a sua posição econômica e geopolítica global.

O atual status do dólar permite aos EUA pedir dinheiro emprestado a um custo muito mais baixo. Washington também pode utilizar a moeda como instrumento diplomático, por exemplo, ao impor sanções à Rússia, ao Irã e à Coreia do Norte.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, os EUA e a União Europeia impuseram várias rodadas de sanções a Moscou, incluindo o congelamento das reservas cambiais do banco central russo.

Sob pressão dos EUA, a maioria dos bancos russos também foi expulsa do sistema de pagamentos SWIFT, que facilita as transferências internacionais de dinheiro.

"Penso que [as sanções] fizeram com que muitos bancos centrais pensassem cuidadosamente sobre o que detêm nas suas reservas", disse Reade à Bloomberg no mês passado.

Os líderes chineses estão preocupados que o país possa enfrentar restrições semelhantes dos EUA se decidir lançar alguma ofensiva militar ou se a guerra comercial com Washington piorar.

O presidente chinês, Xi Jinping, disse que seu país poderia reconquistar Taiwan, uma ilha democraticamente administrada que Pequim considera seu próprio território, pela força, se necessário. Se uma tentativa de anexação de Taiwan vir a cabo, Pequim poderia sofrer fortes sanções americanas, por exemplo.

O analista do Conselho Mundial do Ouro espera que as compras dos bancos centrais continuem durante vários anos, um sinal de que a diversificação está longe de terminar.

Mesmo depois de vários meses de compras, as reservas de ouro da China representam cerca de 4% do total do PBC – valor bem abaixo do limite de reserva dos bancos centrais dos países desenvolvidos.

Muitos analistas acreditam que o preço do ouro tenha sido sobreinflacionado pelos especuladores e que a procura contínua por parte de bancos centrais como o da China pode não estimular os preços a subirem muito.

Mesmo assim, ao contrário do papel-moeda, o ouro tem valor intrínseco, pois é uma mercadoria rara e difícil de extrair. Também tem múltiplos usos econômicos, em eletrônica, odontologia, ferramentas médicas e nos setores de defesa, aeroespacial e automotivo.

Empresas alemãs estão trocando a China pelo Japão

Uma pesquisa recente com empresas alemãs mostrou que cerca de 38% delas estão transferindo suas fábricas da China para o Japão. Já 23% disseram que vão realocar também suas funções de gerenciamento regional. As companhias apontaram estabilidade econômica, política e social como principal argumento para a mudança.

Ao todo, 164 empresas responderam à pesquisa, conduzida pela Câmara Alemã de Comércio e Indústria no Japão (AHK) e pela gigante de contabilidade KPMG na Alemanha.

O resultado ecoa a conclusão de outro estudo divulgado um pouco antes pela Organização de Comércio Exterior do Japão, que apontava o país asiático como um destino atraente para empresas estrangeiras que desejam evitar incertezas geopolíticas, comerciais e financeiras.

"Por muito tempo, empresas alemãs tiveram um foco muito forte na China por causa dos custos baixos de mão de obra e por ser um mercado importante e em crescimento", afirma o economista Martin Schulz, da Unidade de Inteligência de Mercado Global da empresa Fujitsu.

Segundo ele, essa tendência está mudando, e isso traz muitos desafios. "Significativamente, há questões políticas e geopolíticas crescentes a serem consideradas pelas empresas, como preocupações sobre se será mais difícil exportar da China para os Estados Unidos, por exemplo."

Tensões entre China e EUA

Os atritos comerciais entre Washington e Pequim se agravaram nos últimos anos, com os EUA interessados em impedir que a China obtenha as tecnologias mais avançadas, especialmente em microchips.

Além disso, há a preocupação de que uma mudança na presidência americana no início do próximo ano possa levar à imposição de restrições comerciais, taxas e sanções entre os dois países.

Assim, Schulz explica que, ao transferir suas instalações de produção para o Japão, as empresas alemãs reduzem – embora não eliminem totalmente – o risco de se envolverem em uma guerra comercial entre os EUA e a China.

"Os custos também estão aumentando na China e não sabemos qual será o futuro da economia chinesa durante a reestruturação pela qual está passando", acrescenta o economista.

As companhias têm ainda outros motivos para se preocupar, como a espionagem industrial e o atrito com as autoridades chinesas que, em casos extremos, podem levar uma empresa a ser banida do país.

Um executivo alemão de uma companhia com operações no Japão e na China relatou que as empresas precisam preparar "contramedidas" para o caso de serem banidas pelas autoridades de Pequim ou ameaçadas de banimento. O executivo não quis se identificar.

Japão é escolha "estável"

Martin Schulz concorda que há boas razões para as empresas transferirem "operações sensíveis" para o Japão, um país que por si só carrega muitos pontos a favor.

"O Japão é econômica e politicamente estável, as empresas daqui estão bem conectadas com o resto da Ásia, o que é importante para parcerias, e o país está intimamente integrado às cadeias de suprimentos globais", afirma Schulz.

Por sua vez, Klaus Meder, presidente no Japão da gigante alemã Bosch, diz que tanto a China quanto o Japão têm motivos convincentes para um investimento significativo de tempo e esforços da empresa. Mas ele aponta que, no Japão, "há estabilidade, confiança, o sistema é baseado em regras e a maioria das empresas está satisfeita com seus retornos financeiros".

"O Japão pode ser um mercado difícil de entrar, com muitos obstáculos, a barreira do idioma e especificações diferentes. Mas uma vez que você esteja estabelecido e tenha conquistado a confiança de seus clientes, poderá construir parcerias duradouras", diz Meder, que está no país há 12 anos.

Ele confirma que a presença no Japão é fundamental porque muitos parceiros no país atuam em outras partes do mundo, principalmente no Sudeste Asiático, Europa, China e nas Américas do Norte e do Sul. Segundo o executivo, é importante estar perto das sedes dessas empresas para manter relacionamentos.

Outros atrativos do Japão

Marcus Schürmann, CEO da AHK, que conduziu o estudo mencionado no início desta reportagem, afirma que os resultados da pesquisa enfatizam a importância das conexões das empresas com o Japão, "o país industrializado mais antigo da Ásia", e a tendência crescente de as funções de gerenciamento estarem sediadas ali.

Mais de 90% das companhias que participaram da pesquisa disseram que a estabilidade – tanto econômica e comercial como social – é o principal motivo para estarem no Japão.

Em seguida, vieram uma força de trabalho qualificada e uma infraestrutura avançada. Um ambiente político estável baseado em princípios democráticos e a proteção legal da propriedade intelectual também foram mencionados como razões importantes.

"As compras e o sourcing regionais podem ser feitos facilmente no Japão, e há muitos participantes globais importantes aqui, o que significa que faz muito sentido que as empresas levem isso em consideração quando estiverem pensando em um local para suas funções de gerenciamento regional", diz Schürmann.

Segundo ele, o Japão também se destaca pelos preços e custos "razoáveis". A força de trabalho é qualificada e capacitada, o potencial de receita é positivo e o aumento do uso da robótica e da automação está ajudando a superar os problemas associados ao envelhecimento da população.

"Além disso, os salários aqui são muito competitivos e entre 20% e 30% mais baixos do que na Alemanha, o que torna o Japão mais atraente", afirma.

As empresas alemãs ainda consideram mais fácil convencer os funcionários a se transferirem para cargos no Japão do que na China porque as condições de vida e o ambiente geral no Japão são mais atraentes, principalmente para famílias com filhos, conclui Schürmann.

Transição verde eleva preços do cobre e impulsiona furtos

O aumento nas interrupções de serviços como luz e telecomunicações no Brasil pode ser impulsionado pela busca por metais valiosos para a transição energética, principalmente, o cobre. O aumento nos furtos de fios deste metal tem uma relação direta com a explosão nos preços internacionais do cobre, o que levou também a uma mudança no perfil dos criminosos.

Nos últimos seis meses, o cobre na London Metal Exchange (LME), referência das cotações de metais, avançou mais de 10%, ficando cotado próximo dos 9 mil dólares por tonelada. Apenas em março, a alta foi superior a 4%. O quadro consolida um novo patamar de preços que vem desde a pandemia. Antes, o cobre não costumava passar dos 6 mil dólares, mas os choques na oferta causados pelas restrições do período e o avanço de indústrias como a de carros elétricos e de paneis solares, que usam grandes quantidades do metal, repercutiram na cotação.

Na visão de uma série de analistas, o boom está apenas começando, e a alta deve seguir em forte nos próximos trimestres. Além disso, a atividade industrial na China e a política monetária dos Estados Unidos são temas observados pelos investidores.

"Se espera que o lado da demanda aumente lentamente neste ano, especialmente no setor da energia verde. Nos veículos elétricos, o cobre é uma componente chave que é usado em motores, baterias e fiação, bem como em estações de carregamento", aponta a analista de commodities do banco ING Ewa Mantley, em relatório.

"O cobre não tem substituto para a sua utilização em veículos elétricos, energia eólica e solar, e o seu apelo aos investidores como um metal verde fundamental apoiará preços mais elevados nos próximos anos", afirma ainda. Alguns analistas apostam que o metal atingirá 15 mil dólares por tonelada em 2025.

No caso dos ferros-velhos brasileiros, a mudança de patamar de preços foi bastante sentida. Hoje, o cobre é cotado em cerca de R$ 40 o quilo, segundo uma série de tabelas disponíveis online em perfis sobre o tema. Antes da pandemia, o metal costumava ser cotado entre R$ 15 e R$ 20, nas categorias conhecidas como "mel" e "misto".

A relação do avanço dos preços da commodity com a alta de furtos é bastante conhecida, e não é exclusividade do Brasil. No estudo intitulado Roubo de cobre: uma preocupação crescente para as indústrias em todo o mundo, a empresa Faster Capital destacou o Brasil como uma das cinco nações mais afetadas pelo problema, junto de Estados Unidos, Índia, África do Sul e China.

Segundo a publicação, o país sofreu um aumento nos incidentes do tipo, impulsionado principalmente pelos extensos projetos de infraestrutura e pelo alto valor do cobre no mercado negro. Cerca de 30% do cobre comercializado no Brasil tem origem ilícita, um mercado que movimenta cerca de R$ 2,4 bilhões ao ano, segundo o Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel).

Lucratividade atrai novos atores

O furto de fios de cobre era visto tradicionalmente como uma questão envolvendo pessoas socialmente vulneráveis, com destaque para dependentes químicos. No entanto, nos últimos anos, grupos mais especializados passaram a atuar nestas ações no Brasil, que realizam operações maiores contando até com funcionários ligados às companhias detentoras dos fios.

Em setembro de 2023, uma falsa equipe de manutenção de equipamentos de telefonia foi presa em flagrante na zona sul da capital paulista com 118 metros de cobre roubado, material avaliado em R$ 36,8 mil. Os criminosos estavam uniformizados e utilizavam um veículo que simulava uma empresa deste setor.

Em março deste ano, um funcionário de uma terceirizada de cabeamento de telefonia foi preso em flagrante por receptação qualificada e revenda online de fios de cobre e de chumbo em Belo Horizonte. Foram apreendidos 315 quilos de material prontos para envio a um ferro-velho.

Aumento constante no Brasil

Em 2023, mais de 5,4 milhões de metros de cabos de telecomunicações foram furtados no Brasil, uma alta de 15% com relação ao ano anterior, segundo levantamento do Sindicato Nacional de Empresas de Telefonia (Conexis). Em comparação com 2021, o avanço foi de 31,70%.

Segundo Daniela Martins, diretora de Relações Institucionais da Conexis, um fator que contribui para este cenário é o interesse dos receptadores pelos materiais. "As punições brandas, que não reconhecem o impacto desses crimes para a sociedade, também são outro fator que vemos como relevante", avalia.

"O aumento nos preços internacionais do cobre pode ser um fator que torna os cabos de telecomunicações mais valiosos no mercado ilegal, o que pode impulsionar o aumento dessas ações", acrescenta Martins.

A explosão nos roubos de fios e cabos de cobre levou a Câmara Municipal de São Paulo a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o tema no ano passado. Na ocasião, representantes da companhia energética Enel apontaram que os furtos deste material na Grande São Paulo tiveram um aumento exponencial superior a 1000% nas ocorrências no período de 2018 a 2022. De acordo com os dados, somente de 2021 a 2022, os casos aumentaram mais de 121%.

"O elo perverso nessa corrente é o receptador, que é quem incentiva isso. Quando o preço do cobre sobe no exterior, aumentam os furtos de fios aqui", afirmou em seu Instagram o vereador Coronel Salles (PSD), relator da CPI.

Em nota à DW a Secretária de Segurança Pública de São Paulo afirmou: "na Capital, a 3ª Delegacia da Divisão de Crimes Patrimoniais realiza operações e investigações constantes em ferros-velhos e demais locais de venda de metais, para combater esses delitos. Neste primeiro bimestre de 2024, já foram apreendidas 20,1 toneladas de fios".

Interrupções de todo tipo

Os prejuízos para consumidores com os furtos são inúmeros. Segundo o Conexis, 7,6 milhões de brasileiros foram diretamente afetados pelo problema ao longo de 2023. As empresas do setor lembram que, além das interrupções dos serviços, os custos com o reparo das fiações acabam impedindo ampliações e melhoras na infraestrutura.

"Em uma sociedade cada vez mais conectada, isso resulta em prejuízos financeiros para quem trabalha usando a internet e, também, na prestação de serviços públicos como bombeiros, polícia e emergências médicas", afirma Martins.

Na CPI, a central de operações da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo relatou que, em 2021, foram registradas 4.798 falhas em semáforos em decorrência de furtos de fios de cobre, em 2022, foram 5.900 ocorrências e, até final de abril de 2023, foram contabilizadas 2.223 falhas. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) também expôs os prejuízos às suas operações com o problema.

De onde deve vir o lítio para as nossas baterias?

O segredo do milagre econômico italiano

Há 25 anos, junto com o irmão e o pai, Mario Congedo descobre e reforma pequenos tesouros arquitetônicos no Salento, uma península na região da Apúlia, no extremo sudoeste da Itália, o "salto da bota". "Está indo bem, novamente", comenta o arquiteto de 50 anos ao telefone.

Os apartamentos e casas que ele restaura na região, ainda bastante isolada, atraem também compradores da Alemanha e da Inglaterra. Durante a pandemia de covid-19, seu negócio ficou quase completamente paralisado, mas o que está acontecendo agora no setor no país é "crazy", comenta, prolongando bem o "êêêiii". Embora ele também tenha ressalvas à nova explosão econômica da Itália.

Enquanto nos anos pré-pandemia os governos nacionais primavam por apresentar prognósticos de crescimento negativos e encabeçar os rankings de endividamento, agora a Itália é um dos motores econômicos da Europa. No primeiro trimestre de 2024, ela apresentou crescimento de 0,6% – enquanto a economia da Alemanha encolhia 0,3%.

No prazo mais longo, a terceira maior economia europeia também faz bela figura: o economista-chefe do Commerzbank, Jörg Krämer, observa que desde 2019 o crescimento italiano foi de 3,8%, "o dobro da economia francesa e cinco vezes mais do que a alemã".

A bolsa de valores se beneficia igualmente do clima de euforia: em 2023, o índice FTSE MIN, que reúne as 40 maiores empresas nacionais, teve um acréscimo de cerca de 28%, mais do que todos os índices europeus.

Praia Torre Sant'Andrea na região de Salento, Itália
Além da beleza natural, região de Salento, no salto da bota da Itália, tem atraído investidores estrangeiros com seus imóveis reformadosnull Yuriy Brykaylo/Pond5 Images/Imago Images

Política fiscal frouxa e Superbonus 110

No entanto, quando a ultradireitista Giorgia Meloni assumiu o governo, em 2022, os economistas inicialmente reagiram com cautela. Em sua campanha eleitoral, o partido Irmãos da Itália (FdI) anunciara um curso nacionalista ao estilo "made in Italy", agitando contra os migrantes e sem se distanciar claramente da Rússia. Na época, a revista alemã Stern definiu Meloni como "a mulher mais perigosa da Europa".

Na política econômica, contudo, a primeira-ministra manteve basicamente o curso de seu antecessor Mario Draghi. Para o mercado de títulos de dívida, isso certamente foi positivo, pois os juros que a Itália paga para tomar dinheiro emprestado se mantêm estáveis desde então.

Numa coletiva de imprensa no início de 2024, a populista de direita tentou capitalizar para si esse boom, atribuindo o freio da economia à falta de estabilidade política passada. Contudo, Krämer rebate a tese de Meloni: "o forte crescimento econômico é facilmente explicável pela política fiscal frouxa da Itália".

Ou seja, a causa principal da bonança seriam novos empréstimos: se antes da pandemia o endividamento nacional consistia em 1,5% do produto interno bruto (PIB), nos últimos anos ele vem se multiplicando, alcançando 8,3% já no primeiro semestre de 2023.

A montanha de dívidas italiana também se eleva: em janeiro, a Comissão Europeia calculava que ela chegará a 140% do PIB até o fim de 2024, e continuará crescendo no ano seguinte. Em comparação, a quota de endividamento da França é de pouco menos de 100%, e da Alemanha, de 66% do PIB.

Por outro lado, desde o fim de 2020 Roma tem subvencionado diversas medidas de saneamento, algumas em 50%, outras mais. Porém, a favorita é o Superbonus 110, para saneamento energético, introduzido pelo Movimento Cinco Estrelas (M5S): quem reforma seu imóvel para uma maior eficiência energética, recebe de volta todos os gastos mais 10%, na forma de uma redução da carga tributária parcelável por vários anos.

"Dá para imaginar que os investimentos em construção catapultaram", comenta Krämer, do Commerzbank. "Esse efeito explica dois terços do forte crescimento que estamos observando".

Chefes de governo da Alemanha, Olaf Scholz, e Itália, Giorgia Meloni
Contrariando expectativas, governo de Meloni tem sido mais bem-sucedido economicamente do que o de Olaf Scholz (esq.) na Alemanhanull Kay Nietfeld/dpa/picture alliance

Fim do milagre econômico italiano se aproxima?

Mauro Congedo não está muito entusiasmado com o Superbonus: além da inflação, que aqueceu os preços, a medida estatal teria também impulsionado muito os custos de material e mão de obra. Afinal, "se o Estado paga tudo, o povo não se importa com o tamanho da conta".

Além disso, não há quem controle os preços: diversas firmas de Nápoles, Bari ou Lecce lhe ofereceram "maquiar" os custos para cima. "Elas queriam que eu fizesse um orçamento duas vezes acima do real. Eu me recusei. É como estar roubando", critica o arquiteto.

Em geral, ele é a favor de um bônus para a modernização energética das construções, mas os proprietários deveriam arcar com parte dos custos, em vez de receber tudo do Estado. Assim, apesar de não ser muito favorável à chefe de governo, Congedo considera um mérito ela ter dado fim ao Superbonus 110. Em 2023, de fato, Meloni reduziu a 70% o incentivo para saneamento energético, e em 2024, para 65%.

No entanto, os cortes tributários do programa original reduzirão consideravelmente as arrecadações italianas nos próximos anos. Por isso, são muito bem-vindas as verbas bilionárias que estão fluindo de Bruxelas. A Itália é o país europeu que mais receberá verbas do fundo da União Europeia para reconstrução pós-pandemia: quase 200 bilhões de euros até 2026, na forma de subsídios e empréstimos.

"Até esse ponto, no máximo, o Estado italiano precisa ter reduzido seu enorme déficit orçamentário. Se só aí ele começar a poupar, sem ter aproveitado esses anos para reformas estruturais, provavelmente o milagre econômico também terá fim", adverte Jörg Krämer.

Congedo também se preocupa que o Superbonus ainda vá persegui-lo por muito tempo, já que "os preços estão muito altos, e fizemos muitas dívidas". Mas tão cedo não lhe faltarão contratos: no momento, o arquiteto está trabalhando em oito projetos simultaneamente.

Quem se beneficia com a disparada no preço do cacau?

Os preços do cacau subiram a níveis sem precedentes nos últimos meses: registram recordes à medida que o valor da commodity dispara. Nesta terça-feira (26/03), o produto atingiu o valor de 10 mil dólares por tonelada métrica, tornando-o mais caro do que o cobre, que atualmente é negociado a cerca de 8.700 dólares por tonelada.

O preço atual do cacau contrasta fortemente com o de um ano atrás, quando os valores da commodity estavam abaixo de 3 mil dólares.

A dinâmica do mercado de cacau revela alguns aspectos preocupantes, pois a atual explosão não traz benefícios a todas as partes do negócio. Os produtores de cacau, por exemplo, estão presos na pobreza há anos, incapazes de sobreviver apenas com seu trabalho. Relatos de desnutrição e trabalho infantil são frequentes no setor. A esperança é de que os preços mais altos do cacau aliviem, em algum momento, essa situação.

Outro problema é a concentração desproporcional da produção, comCosta do Marfim e Gana respondendo coletivamente por quase dois terços da produção global de cacau.

O que faz os preços subirem?

A atual disparada dos preços decorre de quebras substanciais da safra nessas importantes regiões produtoras, segundo explica Friedel Hütz-Adams, especialista em cacau do Instituto Südwind em Bonn, na Alemanha. "No momento, estima-se que a colheita na Costa do Marfim e em Gana tenha diminuído em pelo menos um terço", afirma à DW.

O especialista descreve a situação como uma "mistura catastrófica" de eventos climáticos. O fenômeno El Niño, agravado por fatores ambientais locais, exacerbou o problema das colheitas ruins. Hütz-Adams destaca ainda que o desmatamento intensifica os efeitos do El Niño na região, levando a períodos prolongados de chuvas ou secas que prejudicam a produção de cacau.

Além disso, as restrições financeiras enfrentadas por muitos produtores de cacau pioram a situação, tornando-os impotentes diante dos desafios agrícolas. "Em Gana, por exemplo, no ano passado, não choveu em muitas regiões no início e depois choveu por tanto tempo que os cacaueiros ficaram submersos na água por um longo período, o que levou à disseminação de doenças nos frutos."

A União Europeia (UE) emergiu como um ator fundamental no mercado de cacau. O bloco é o maior consumidor do mundo, sendo o destino de aproximadamente metade da produção mundial. Os Estados Unidos vêm logo atrás como o segundo maior consumidor. Os produtores de cacau recebem apenas uma fração dos rendimentos do setor, sendo que a maior parte dos lucros fica com os fabricantes e comerciantes, sediados na Europa e nos EUA.

De cada euro gasto em uma barra de chocolate, apenas cerca de sete centavos vão para os produtores de cacau, enquanto os fabricantes e comerciantes recebem cerca de 80 centavos, segundo o Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.

A ciência do chocolate perfeito

Apostando no futuro

Para mitigar os riscos associados à flutuação dos preços do cacau, os fabricantes de chocolate fazem o que se chama de negociações de futuros – ou seja, negociam contratos de compra em uma data adiante e por um preço pré-definido. Assim, eles asseguram os grãos de cacau bem antes da colheita.

Contudo, essa prática geralmente deixa os agricultores vulneráveis, pois suas colheitas são vendidas a valores mais baixos antes do aumento dos preços. Os agricultores da Costa do Marfim e de Gana, por exemplo, venderam 80% de sua produção já em outubro do ano passado, mesmo antes do início da temporada de colheita.

"A tragédia é que os agricultores da Costa do Marfim e de Gana quase não estão se beneficiando na atual temporada porque as safras foram vendidas antes do aumento dos preços", diz Hütz-Adams. A maioria dos agricultores vendeu a tonelada a apenas 1.800 dólares na época e agora enfrenta graves perdas de safra.

O especialista em cacau enfatiza, porém, que os preços atuais nas negociações de futuros indicam um período sustentado de preços altos nos próximos um ou dois anos, oferecendo um vislumbre de esperança para os agricultores dos principais países produtores.

"O preço de troca é mais do que o dobro do que era há um ano, mesmo para entregas no final de 2025. Se garantirmos que uma grande parte desse dinheiro chegue aos agricultores, essa explosão de preços pode ser uma oportunidade", afirma.

Chocolate mais caro

Embora a demanda por chocolate esteja aumentando, especialmente em mercados emergentes como a China e a Índia, a extensão de seu impacto sobre o consumo global de cacau permanece limitada. "Há 15 anos venho ouvindo que os chineses logo comerão muito mais chocolate, mas até agora isso não aconteceu", diz Hütz-Adams.

Segundo o especialista, novos aumentos no preço do chocolate na Europa parecem inevitáveis.

 "Mesmo antes do Natal de 2023, os preços do chocolate na Alemanha foram elevados com base no aumento do preço da matéria-prima", ainda que os valores tenham sido calculados com base na temporada anterior, quando os preços do cacau ainda estavam significativamente mais baixos.

Enquanto os países produtores de cacau menores lutam para atender à demanda, os preços continuam a subir. Embora isso possa representar uma oportunidade para os agricultores, os problemas de longa data do setor, como pobreza, desnutrição e trabalho infantil, continuam sem solução.

Como disparada no preço do cacau impacta o mercado brasileiro

A tradicional constatação sobre os altos preços dos ovos de Páscoa ganhou neste ano ainda mais forças. A razão vem dos principais produtores do mundo, países na África Ocidental, onde uma tempestade perfeita entre clima e baixos investimentos na produção levou a um recorde na cotação internacional do cacau. E, para os brasileiros, o chocolate deve seguir ainda mais caro depois do feriado.

O cacau vem renovando suas máximas históricas nas últimas semanas devido à escassez de oferta, o que se deve a colheitas mais fracas nos dois países produtores mais importantes, Costa do Marfim e Gana. Em Nova York, a tonelada da commodity atingiu nesta terça-feira (26/03) pela primeira vez na histórica a marca de 10 mil dólares. Em um ano, os preços triplicaram, enquanto a alta somente em 2023 é maior que 130%.

"O mercado do cacau deverá registrar um déficit de oferta recorde neste ano-safra, com os estoques caindo para o seu nível mais baixo em décadas. Não se espera qualquer alívio no curto prazo, o que significa que é perfeitamente possível um novo aumento dos preços", descreve o analista de commodities do Commerzbank Carsten Fritsch. Ele destaca que, no último ano, o cacau já havia sido a matéria-prima com maior alta dentre as monitoradas pelo banco.

"Ainda poderá haver revisões em baixa na oferta nos próximos meses se as colheitas intercalares na Costa do Marfim e no Gana, que começam em abril, também se revelarem fracas devido à seca e aos fortes ventos do Harmattan", aponta, mencionando o fenômeno climático proveniente do Deserto do Saara notório por carregar nuvens de areia na África Ocidental.

Além disso, a região lida com uma falta de recursos para novas colheitas. "O aumento dos preços não chega aos produtores africanos, ficando em grande parte com intermediários, o que causa desinvestimento", pontua Leonardo Rossetti, analista de inteligência de mercado da StoneX. Uma reversão no cenário não é simples, ele lembra, já que não se trata de uma cultura anual, com os cacaueiros demorando entre quatro e cinco anos para gerarem frutos.

Este cenário está refletido nas últimas previsões da Organização Internacional do Cacau (ICCO), que prevê que a oferta global da commodity deverá cair mais de 10% no atual período 2023/24, e que projeta um déficit recorde de 374 mil toneladas neste ano. Neste caso, será o terceiro ano consecutivo do mercado registrando maior consumo do que oferta, algo que não ocorria desde 1969.

Cenário no Brasil

Apesar de ser o sétimo maior produtor do mundo, o cenário para o Brasil também é de déficit, com grande necessidade de importação, principalmente dos exportadores africanos. No último ano, o país teve um consumo de 253 mil toneladas, enquanto produziu 220 mil toneladas de cacau bruto.

Sobre as exportações nacionais, Rossetti aponta que um destaque do país é o envio de manteiga de cacau para a América Latina e os Estados Unidos. Quanto aos chocolates em si, os envios nacionais não contam com grande repercussão.

Com o cenário da alta de preços, o analista acredita que há estímulos para avanço. "No Brasil o produtor é mais bem remunerado que nos países africanos, então deve investir mais, como na compra de fertilizantes. As perspectivas são positivas", avalia.

Rossetti aponta projetos para o país ser autossuficiente, e crê que o mundo olha "com bons olhos" para o Brasil, especialmente quando em comparação com a produção de algumas nações africanas, que se notabilizaram pelas más condições de trabalho.

Cacau
Costa do Marfim e Gana tiveram colheita de cacau fracanull Imago Images/blickwinkel

A produção brasileira é dominada por pequenos produtores. Segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 93 mil produtores de cacau no Brasil, sendo a maioria de agricultura familiar, com tamanhos médios de propriedades que variam entre cinco e dez hectares.

Os principais cultivos hoje no país estão localizados no sul da Bahia e no Pará. Rossetti avalia que há espaço para maiores investimentos, e que há condições de expandir as áreas de plantação atuais. No caso paraense, ele lembra que o cacau costuma ser beneficiado como um produto de reflorestamento na Amazônia.

No ano passado, a produção voltou a ser afetada por pragas, um problema que assola o cacau brasileiro há décadas. Com os avanços do agronegócio do país, Rossetti reconhece que a cadeia do cacau sofre uma defasagem quando comparada a outros produtos com maior relevância para as exportações nacionais, como a soja. Por sua vez, ele avalia que a alta dos preços possa chamar mais atenção para a matéria-prima, o que poderia reverter este cenário.

O Brasil chegou a estar no topo da produção mundial nos anos 1980. No entanto, a diminuição de investimentos aliada a uma praga conhecida como vassoura-de-bruxa impactou duramente a cadeia do cacau no país. Causada por um fungo, o problema afetou por anos os cultivos no sul da Bahia, fazendo com que boa parte das colheitas da região fosse perdida, chegando a 80% de perda em alguns casos.

A praga prejudicou outros países da América do Sul. Um destaque foi o Equador, que hoje está à frente do Brasil no ranking mundial de produção, ocupando o quinto lugar. Peru e Colômbia são outras nações com produções de destaque. Para Rossetti, com o mercado seguindo aquecido, "estes outros produtores também se beneficiam, já que estão sendo muito bem remunerados". Desta forma, a expectativa é de que os cultivos também possam se expandir pela região.

Efeitos para o consumidor

Uma estimativa da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) apontou que os ovos de Páscoa podem sofrer uma variação de até 15% na média dos preços. No entanto, a expectativa é de alta no consumo entre 13% e 15% em comparação com o ano passado.

Rossetti lembra que o chocolate para este feriado não foi produzido com os preços atuais, e, sim, com os dos últimos trimestres do ano passado, quando havia uma alta nas cotações, mas não tão forte quanto agora. Ele destaca, no entanto, que a tendência é de que as altas nos preços da commodity sigam sendo repassadas ao consumidor, com os valores atuais provavelmente se refletindo entre maio e junho.

A ciência do chocolate perfeito

América Latina se torna palco de disputa comercial entre China e EUA

Nos últimos meses, autoridades do governo americano fizeram uma série de sinalizações sobre a necessidade do país se atentar mais à América Latina, especialmente por conta da presença chinesa na região. Enquanto isso, a China, que se notabilizou por uma série de grandes obras de infraestrutura, vem diversificando suas parcerias, como na cadeia de veículos elétricos, no que vem sendo chamado de "nova-infraestrutura".

Essas iniciativas revelam o destaque internacional que a região ganhou nos últimos anos, em parte devido a conflitos geopolíticos como a guerra na Ucrânia e à disputa comercial entre Washington e Pequim. O potencial energético latino-americano também contribuiu para que a região subisse no rol de prioridades do Ocidente.

"A América Latina possui um amplo mercado, além de ser uma fonte rica em energia e minerais. Enquanto os Estados Unidos se afastaram na última década, a China aumentou sua presença na região, com fortalecimento de laços comerciais e investimentos em infraestrutura", avaliam Christopher Garman, diretor executivo para as Américas na Eurasia, e Julia Thomson, pesquisadora da mesma consultoria.

"Alguns países, como México, beneficiam-se mais do que outros, pela proximidade com os Estados Unidos", lembram os especialistas, destacando principalmente o fenômeno conhecido por nearshoring – estratégia que leva a produção para mais perto dos mercados consumidores –, com Washigton buscando assegurar sua cadeia de suprimentos em países mais próximos e com os quais tenha maior aliança.

Visando ampliar o nearshoring pelo continente, tramita no Congresso americano a chamada Lei de Investimento Comercial dos EUA, que contempla um investimento de 14 bilhões de dólares na América Latina e um plano de redução de impostos. Além disso, a secretária de Comércio dos Estados Unidos, Gina Raimondo, mencionou algumas vezes a possibilidade de o Brasil fazer parte da cadeia de investimentos do país em semicondutores, um dos temas mais sensíveis das disputas comerciais atualmente.

Por sua vez, o diplomata Marcos Caramuru, que foi embaixador do Brasil na China, tem uma opinião mais cética sobre a real capacidade de Washington fazer frente aos investimentos de Pequim na região. "A China funciona com empresas estatais, que muitas vezes possuem uma visão mais acoplada a do governo, o que não ocorre nos Estados Unidos", aponta, sugerindo que para que o capital privado americano chegue à região, não basta vontade política.

"Nova infraestrutura"

Enquanto isso, a China amplia seus planos de investimento, especialmente focando no que vem sendo chamado de "nova infraestrutura". Para Margaret Myers, diretora do programa de Ásia e América Latina do Inter American Dialogue, e autora de um estudo recente sobre o tema, estes setores incluem a fabricação de veículos elétricos e outras indústrias de ponta, telecomunicações, energia renovável e linhas de transmissão de ultra-alta tensão.

Nos últimos meses, as montadoras chinesas BYD e GWM fizeram uma série de anúncios para novos projetos na região, com destaque para o Brasil. Um dos mais recentes foi o da produção de baterias da primeira na Zona Franca de Manaus.

O interesse da China nas chamadas "novas infraestruturas" é em grande parte impulsionado pelos seus próprios esforços para melhorar a sua economia, aponta Myers. Segundo ela, Pequim observa que o crescimento futuro, mesmo a taxas moderadas, exigirá um maior grau de competitividade e até domínio dos setores fronteiriços.

De acordo com Myers, os projetos são geralmente de menor escala do que os grandes e emblemáticos da Nova Rota da Seda na América Latina, e tendem a incorrer em menos riscos operacionais, financeiros e de reputação. "Isto é importante num momento em que a China procura reduzir o risco da iniciativa", avalia.

O boom de grandes construções financiadas por Pequim teve como legado obras importantes, como o porto de Chancay no Peru, que é visado por vários países da região, mas não escapou de polêmicas. Na Colômbia, a represa de Hidroituango, a maior do país, ficou marcada por problemas contratuais com empresas chinesas. A inciativa da China também impulsionou a alta nos endividamentos nacionais, algo que ficou marcado especialmente no continente africano, acrescenta Caramuru.

No Brasil, em meio ao entusiasmo com os as promessas de investimentos de Pequim, o Ministério Público da Paraíba (MPPB) instaurou um procedimento extrajudicial para investigar um projeto que propunha a construção de um porto de águas profundas e de uma cidade futurística em Mataraca, no Litoral Norte da Paraíba. Os investimentos previstos seriam de R$ 9 trilhões, o que levantou suspeita.

Um estudo do Inter American Dialogue revelou que dados sobre o investimento estrangeiro direto chinês na região mostraram uma notável tendência decrescente nos anúncios de projetos nos últimos anos. A queda é atribuível a numerosos fatores, mas está, pelo menos parcialmente, relacionada a uma recalibração em curso das prioridades de investimento por parte do governo da China e das suas empresas, concluiu. "A China está apostando em projetos menores e com utilização intensiva de tecnologia para fazer crescer a sua própria economia e reduzir o risco da sua presença internacional", pontua Myers.

Tendências de não alinhamento

Os analistas convergem na visão de que os países da região deverão manter uma postura sem alinhamentos automáticos. "O quadro na América Latina tende a ser mais pragmático. Se trazem empregos e investimentos, serão bem-vindos", avalia Caramuru. O diplomata reconhece que Washington até poderá tentar exercer maiores pressões para um afastamento de Pequim, mas não crê que isso gere grandes resultados.

Os analistas da Eurasia compartilham da visão, e acreditam que este movimento pode ocorrer em algum momento no futuro, mas não enxergam como algo próximo. "A tradição de não alinhamento é um marco na política externa brasileira, e da maioria da América Latina", avaliam. "Diplomatas americanos reconhecem os laços comerciais grandes com a China, mas não vão forçar uma escolha. Isso ficou evidente com o fracasso da tentativa de forçar a exclusão da Huawei na adoção do 5G ", lembram, citando o episódio em 2020 quando houve pressão para que o Brasil não adotasse a tecnologia da empresa chinesa.

"É evidente que iniciativas como o anúncio da construção de uma fábrica da Huawei no Brasil, por exemplo, poderiam gerar certa consternação para os americanos, potencialmente acarretando uma queda na temperatura diplomática", apontam. No entanto, tal evento, por si só, dificilmente se converteria em um divisor de águas nas relações bilaterais, ponderam os especialistas.

"Nações como Peru e Chile exemplificam essa dinâmica ao manterem acordos comerciais tanto com a China quanto com os Estados Unidos, demonstrando a habilidade da região em equilibrar e sustentar conexões políticas e econômicas com as duas potências", concluem.

Banco Central da Alemanha confronta passado nazista

O Deutsche Bundesbank, o Banco Federal da Alemanha, lançou luz sobre suas raízes nazistas em um estudo publicado nesta sexta-feira (15/03) e prometeu que nunca mais permitirá ser usado de forma semelhante.

A instituição, equivalente ao Banco Central brasileiro, divulgou detalhes de como o Reichsbank, antecessor do Bundesbank, financiou os esforços de guerra do regime de Adolf Hitler e esteve envolvido na exploração, expropriação e confisco de bens e dinheiro.

O Bundesbank encomendou um estudo abrangente sobre a história dos bancos centrais na Alemanha entre 1924 e 1970. Os resultados mostram que o Reichsbank desempenhou um papel significativo no funcionamento do regime nazista entre 1933 e 1945.

O banco ajudou a financiar armamentos para a guerra e permitiu a exploração financeira dos territórios ocupados pela Alemanha, bem como o registo e processamento de bens apreendidos. Os investigadores descobriram que o banco estava profundamente envolvido no confisco, expropriação e venda de bens judeus.

O Reichsbank chegou a movimentar ouro e moeda estrangeira retirados dos assassinados nos campos de concentração e extermínio.

"O Reichsbank agiu como um fantoche voluntário e receptor de bens roubados no contexto do Holocausto financeiro", disse Albrecht Ritschl, professor de história econômica na London School of Economics, um dos dois principais historiadores contratados para realizar o estudo.

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O que o Bundesbank aprendeu com o passado?

Após a Segunda Guerra Mundial, ex-funcionários do Reichsbank que haviam sido "desnazificados" foram contratadosprimeiro pelo sucessor inicial do Reichsbank, fundado em 1948, o Bank deutscher Länder, e depois no Bundesbank, após a sua criação em 1957.

Muitos gestores intermédios do Reichsbank foram mantidos, refletindo a situação em muitas das instituições públicas sucessoras da Alemanha após a guerra.

"O grau de continuidade em termos do que poderíamos chamar de elite funcional está, portanto, no mesmo nível daquele observado em ministérios e outras instituições públicas", disse o coautor Magnus Brechtken, do Instituto de História Contemporânea de Munique.

No entanto, o estudo concluiu que não houve continuidade no que diz respeito à própria instituição, com nenhum dos novos bancos sendo sucessores legais do Reichsbank. Todo o ouro do Reichsbank foi confiscado pelos Aliados e as atuais participações em ouro do Bundesbank são o resultado de excedentes que a Alemanha registou desde a década de 1950.

"O próprio Bundesbank procurou refletir criticamente sobre o passado", disse o presidente do Bundesbank, Joachim Nagel, na coletiva de imprensa em que os acadêmicos apresentaram as conclusões do estudo.

"O que faltava até agora, porém, era uma visão geral da política do banco central alemão antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial", explicou Nagel. "Essa é uma imagem que temos agora", acrescentou.

Nagel disse que os pesquisadores forneceram "um tesouro de insights e descobertas" que serão totalmente disponibilizados ao público em breve.

"O estudo mostra como os banqueiros centrais se tornaram cúmplices voluntários de um regime criminoso", afirma Nagel. "Isso mostra o quão suscetíveis eles eram ao racismo, ao antissemitismo e ao pensamento antidemocrático".

"As minorias nunca mais deverão ser excluídas e sujeitas à tirania estatal. Nunca mais deverão ser permitidos aos órgãos governamentais como o banco central pisotear os valores democráticos", concluiu.

Quais livros foram queimados pelos nazistas? | Camarote.21

Cortiça: material que serve para o vinho e o espaço

A plantação leva o nome do Rio Frio. Mas raramente faz frio no sul de Portugal, não muito longe da foz do Tejo. Isso é bom para os sobreiros. "Eles gostam de clima quente e morno", diz Nuno Oliveira. O engenheiro florestal tem uma tarefa importante: tornar aquela floresta de sobreiros mais produtiva.

Oliveira trabalha para a Corticeira Amorim. Com um faturamento anual de cerca de 1 bilhão de euros, a empresa portuguesa é a maior produtora de rolhas de vinho e champanhe do mundo.

Há poucos casos de cultivo comercial e em larga escala de sobreiros – mais de 90% das árvores foram semeadas de forma natural. Tradicionalmente, a produção de cortiça era apenas uma atividade secundária dos proprietários de terras. Eles pastoreavam seus rebanhos nas florestas e realizavam outras atividades.

Em geral, demora 25 anos para que a casca dos sobreiros fique espessa o suficiente para ser descascada pela primeira vez. Depois disso, a colheita é possível a cada nove anos. Mas somente após a segunda colheita é que a casca tem a qualidade que as rolhas precisam para selar vinhos de alta qualidade. Até lá, mais de 40 anos se passaram desde que o sobreiro começou a crescer.

Florestas de sobreiro armazenam muito CO2

Como a produção de cortiça é uma tradição em Portugal há mais de cem anos, esse longo período de maturação ainda não prejudicou o abastecimento da indústria. As árvores podem viver por 200 anos e a área total em Portugal, na Espanha e em outros países ao redor do Mediterrâneo é grande o suficiente para garantir o abastecimento.

Normalmente, a Amorim compra a cortiça de produtores independentes. Durante uma visita à fábrica em Santa Maria de Lamas, perto do Porto, o CEO Antonio de Rios Amorim diz que agora a empresa está se dedicando à engenharia florestal com a Rio Frio: "Queremos reduzir pela metade o tempo até a primeira colheita, para dez a doze anos. Assim, o investimento será compensado após 30 anos e se tornará interessante para investidores institucionais, como fundos de pensão e companhias de seguro, que buscam investir em armazenamento de carbono."

Sobreiros em um campo
Extração da cortiça de sombreiros é uma tradição em Portugal há mais de cem anosnull Amorim/Foto: Augusto Brazio

O sobreiro não é derrubado e pode ter sua casca coletada cerca de vinte vezes durante sua vida útil, e a cortiça armazena muito CO2. "São 73 toneladas por tonelada de cortiça", calcula Antonio Amorim. Uma floresta de cortiça que possa ser extraída mais rapidamente seria "financiável" e suprir o aumento esperado da demanda, diz.

Cortiça para a SpaceX

Além de sua pegada climática positiva, a cortiça também é interessante para muitos setores graças às suas propriedades técnicas. Os ônibus espaciais da Nasa e os foguetes da SpaceX usam a cortiça como escudos térmicos, por exemplo. Isso se deve ao fato de o material ser naturalmente não inflamável.

Durante os devastadores incêndios florestais dos últimos verões europeus, as chamas se espalharam principalmente por eucaliptos e pinheiros. As florestas de cortiça, por outro lado, são barreiras. E onde as florestas de cortiça crescem no norte da África, por exemplo, elas impedem que o deserto se espalhe.

Pilhas de cortiça em um depósito de armazenamento
Além de rolhas, cortiças servem para fazer isolantes, solas de sapato, assentos de trem e outros produtosnull Oliver Ristau/DW

A Amorim tem várias fábricas em Portugal onde a casca é seca e transformada em rolhas inteiras para vinhos caros. O restante é processado em granulado de cortiça, um matéria-prima usada em muitas outras aplicações, como revestimentos de pisos, isolantes, solas de sapatos e assentos para trens.

Material natural versátil

O motivo de sua versatilidade é a estrutura da casca do sobreiro. Ela tem a forma de favos de mel com cerca de 40 milhões de células por centímetro cúbico. Cada célula funciona como um isolante térmico e absorve sons e choques. Quimicamente, 45% da cortiça é composta pelo polímero suberina, que forma as paredes celulares. Na natureza, ele ocorre quase exclusivamente na cortiça.

"Não há limites para a cortiça", diz Antonio Amorim. "Temos dez funcionários que estão constantemente trabalhando em novas aplicações. Foi assim que tivemos a ideia de usar as propriedades de amortecimento de vibração e de isolamento da cortiça para transformadores de energia." Ele avalia que, se a eletrificação evoluir como esperado, a demanda crescerá muito.

Nuno Oliveira em campo com sobreiro
Engenheiro florestal Nuno Oliveira desenvolve formas para aumentar a produtividade dos sobreirosnull Oliver Ristau/DW

E isso exigirá florestas mais produtivas, como as planejadas em Rio Frio. O engenheiro florestal Oliveira está convencido de que isso pode funcionar naquela que é provavelmente a mais antiga e, com 5 mil hectares, a maior plantação de sobreiros cuidada pelo homem no mundo.

Uma das medidas é aumentar o número de árvores por hectare, de 100 para 400. Depois, deve-se permitir que elas cresçam. Isso ocorre porque as pessoas tradicionalmente podam as árvores para produzir lenha, o que inibe seu crescimento. Como resultado, os troncos têm dois ou três metros de altura. "Se você deixar as mudas em paz, elas crescerão rapidamente e em direção ao sol", diz Oliveira. E é mais provável que atinjam uma altura de três a quatro metros.

As vantagens ecológicas das florestas de sobreiros devem ser preservadas, apesar de as árvores estarem mais próximas. "A biodiversidade é um dos aspectos mais importantes do montado [ecossistema da região]", diz Oliveira. "Ele fornece um habitat para um grande número de espécies de flora e fauna. Entre elas estão espécies ameaçadas de extinção, como o lince ibérico." Isso se deve principalmente ao fato de que os humanos podem, em grande parte, deixar a floresta em paz. Também não é necessário muito manejo, pois a planta é pouco exigente, requer pouca água e pode se desenvolver em solos arenosos.

Os prós e contras da expansão do Airbnb na América Latina

As plataformas de locações de temporada, como o Airbnb, mudaram a maneira como as pessoas viajam e também a própria hospedagem e mesmo quais áreas são visitadas.

E elas também transformaram centros urbanos inteiros por meio da gentrificação. E isso não só na Europa e nos Estados Unidos como também na América Latina.

A oferta desse tipo de aluguel de curto prazo nas principais capitais e cidades latino-americanas teve um aumento considerável desde a pandemia de covid-19. Só no quarto trimestre de 2023, ele foi de 22% na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Os dados mais recentes, fornecidos à DW pela AirDNA – uma plataforma que monitora alojamentos temporários em todo o mundo – apontam o Brasil e o México como os mercados mais fortes, respondendo por 35% e 20% de toda a oferta na América Latina, seguidos pela Colômbia e pela Argentina.

Rápida expansão

Para a geógrafa argentina Natalia Lerena, do órgão de fomento à pesquisa Conicet, plataformas como o Airbnb proliferaram devido a um contexto latino-americano de "inquilinização", ou seja, "de aumento de inquilinos em relação a proprietários"; no qual faltam de políticas de aluguel social; e no qual, ao contrário da Europa, "o acesso à moradia tem sido tradicionalmente através da propriedade privada, da ocupação ou da autoprodução individual".

Mas há várias razões para essa expansão. Em primeiro lugar, trata-se de um tipo de tecnologia de muito fácil acesso – mais de 6 milhões de downloads em 2022 somente na América Latina –, o que facilita a entrada de proprietários privados e também a de profissionais. E, em segundo lugar, por ação ou omissão dos governos locais, como diz Lerena. "Quase não há regulamentações e, quando elas existem, sua aplicação não é controlada ou é muito pouco controlada."

Lerena também menciona um terceiro motivo: esse setor permite aos proprietários terem acesso a consumidores que usam moedas estrangeiras fortes, algo que, "em alguns países, como a Argentina, é uma estratégia da classe média para aliviar a crise econômica".

O desafio da regulação

Com a proliferação desse tipo de aluguel temporário, algumas cidades optaram pela regulação. Medidas já foram implementadas em Barcelona, Parise Londres e, mais recentemente, em Nova York.

Em alguns países da América Latina existem algumas regulações, mas a falta de fiscalização compromete a sua aplicação. Em Buenos Aires, por exemplo, há um registro obrigatório de aluguéis temporários que tem apenas cerca de 500 propriedades listadas, embora no Airbnb haja mais de 35 mil ofertas, de acordo com a plataforma Inside Airbnb.

Vista de Buenos Aires
Buenos Aires é uma das cidades em que há tentativas de regular o aluguél de curto prazonull DW

De acordo com o economista Ignacio Ibarra, do Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey, no México, a falta de elementos regulatórios e protocolos rigorosos faz do Airbnb uma plataforma segura para o proprietário, que não precisa recorrer a "mecanismos informais" nos contratos.

Ibarra também lembra que há um certo relaxamento na aplicação dos regulamentos devido às limitações de pessoal nos órgãos públicos responsáveis, bem como nas próprias plataformas, que não realizam os controles exigidos.

Gentrificação, "a consequência lógica"

A expansão do Airbnb pressionou o mercado de aluguéis tradicionais em praticamente todas as grandes cidades latino-americanas, mas especialmente em Buenos Aires, na Cidade do México, no Rio de Janeiro ou em outras cidades de médio porte, como Cancún, Bariloche e Salvador da Bahia.

"Há um efeito de 'deslocamento em cadeia', em que a classe média precisa 'ir mais para lá' para encontrar um bairro para morar", diz Lerena. Ela acrescenta que "não há um efeito de 'democratização' territorial, mas uma valorização ainda maior das áreas mais abastadas da cidade, que são as mais atraentes para os visitantes estrangeiros".

À DW, o Airbnb enfatizou que está ajudando a redistribuir o turismo para bairros menos populosos, o que "traz benefícios econômicos para comunidades que antes não os tinham".

Para Ibarra, no entanto, as plataformas de aluguel estão se aproveitando das vantagens já oferecidas por esses bairros. Esse é o caso da Cidade do México, com bairros que atraem nômades digitais, que, por sua vez, impulsionam a procura por aluguel e o consumo de um modo geral, a ponto de gerar um "processo de reconversão", explica. "A gentrificação é a consequência lógica", resume.

Para a consultora em desenvolvimento urbano Rosalba González, da Universidade Católica do Chile, "é contraditório criar um projeto que atrairá mais habitantes de alto poder aquisitivo a uma área cada vez menos acessível para os habitantes locais", citando como exemplo o projeto criado pela Cidade do México em 2022 em parceria com o Airbnb e a Unesco para promover o nomadismo digital.

"A questão é como tornar essa colaboração entre as plataformas de aluguel de curta duração e os governos locais justa para todos", ressalta.

O Airbnb foi lançado em 2008 em San Francisco, nos EUA, e atualmente tem mais de 7,7 milhões de anúncios ativos em mais de 200 países e 100 mil cidades. De acordo com o portal SearchLogistics, seis hóspedes são acomodados por um anúncio do Airbnb a cada segundo.

As várias turbulências enfrentadas pela Boeing

Reportagens recentes na imprensa dos Estados Unidos revelaram uma série de investigações contra a empresa aeronáutica americana Boeing, que se tornou alvo de inquéritos após uma sequência de incidentes que colocaram em dúvida a qualidade e a segurança de seus aviões.

Desde o episódio de janeiro, em que o painel de porta de um 737 MAX 9 da Alaska Airlines se desprendeu do avião em pleno voo, a Boeing passou a ser investigada de maneira mais minuciosa por diferentes agências do governo americano, que encontraram evidências de falhas durante o processo de fabricação. No entanto, acidentes anteriores e posteriores também colocam em xeque a reputação da empresa. 

A saga do 737 MAX

Em 2018 e 2019, dois acidentes em um intervalo de seis meses com aeronaves Boeing 737 MAX 8 mataram todos os 346 passageiros e tripulantes, o que gerou uma crise na empresa e desencadeou os maiores prejuízos financeiros da história da companhia.

O primeiro acidente ocorreu em outubro de 2018, em um voo da Lion Air saído de Jacarta, na Indonésia, que caiu no mar minutos após a decolagem. O segundo acidente, em março de 2019, ocorreu imediatamente após a decolagem em Joanesburgo, na África do Sul, em um voo operado pela Ethiopian Airlines.

Em 2020, um relatório do Congresso dos Estados Unidos apontou "falhas de design e uma cultura de acobertamento" na companhia, bem como falhas por parte da Administração Federal de Aviação (FAA).

Porta do avião se solta em pleno voo

Este ano, o modelo 737 MAX voltou aos holofotes, e de forma negativa. Em 5 de janeiro de 2024, uma peça da fuselagem de um Boeing 737 MAX da Alaska Airlines se desprendeu e fez com que uma das portas da aeronave se abrisse em pleno voo nos Estados Unidos, forçando os pilotos a realizarem um pouso de emergência. O acidente, que não teve vítimas, levou à suspensão por três semanas do modelo 737 Max 9 pela FAA. A medida afetou mais de 170 aviões.

Uma reportagem do jornal The New York Times divulgada nesta segunda-feira (11/03) revelou que, durante uma investigação após o incidente sobre o processo de produção do Boeing 737 MAX, a FAA realizou 89 auditorias, com 33 reprovações. 

Segundo o jornal, a FAA encontrou "múltiplos casos" nos quais a Boeing e seus fornecedores fracassaram ao cumprir exigências de controle de qualidade. As auditorias na Boeing também examinam a produção de diferentes partes dos 737 MAX, como as asas e uma série de outros sistemas.

Rombo deixado na fuselagem do Boeing 737 MAX da Alaska Airlines após uma das portas da aeronave se desprender em pleno voo
Rombo deixado na fuselagem do Boeing 737 MAX da Alaska Airlines após porta da aeronave se desprender em pleno voonull Kyle Rinker via X/via REUTERS

NYT relatou que muitos dos problemas encontrados pelos auditores dizem respeito ao não cumprimento de "processos aprovados de fabricação, procedimento ou instrução", enquanto outros se referem a problemas com a documentação do controle de qualidade da empresa.

A investigação da FAA constatou que a Boeing foi reprovada em uma verificação sobre o componente chamado plug door, que resultou no incidente com o 737 MAX da Alaska Airlines.

Falhas na empresa fornecedora

A empresa fornecedora Spirit AeroSystems, que produz a fuselagem do 737 MAX, foi aprovada em apenas seis das 13 auditorias realizadas. Outra investigação na empresa, centrada no plug door, relatou ter encontrado cinco defeitos e acrescentou que a empresa foi reprovada em um teste de instalação desse componente.

A auditoria elevou as preocupações em relação aos técnicos que realizam esse trabalho e concluiu que a Spirit "fracassou em determinar o conhecimento necessário para a operação desses processos". Outras auditorias, nas quais a empresa também fracassou, envolviam uma porta de carga e a instalação das janelas da cabine.

Este não foi o primeiro caso de problemas gerados pela Spirit AeroSystems junto à Boeing.

No início de fevereiro, revelou-se a descoberta de falhas em duas perfurações na fuselagem de aeronaves 737 MAX, que teriam sido realizadas fora dos padrões determinados pela empresa, segundo informou a própria Boeing.

No ano passado, a entrega dos 737 teve que ser suspensa também por falhas em centenas de perfurações na fuselagem – mais precisamente, no anteparo de pressão traseira, barreira que sela a cauda da aeronave.

Antes, no início de 2023, a Spirit também foi responsabilizada por problemas na cauda de quase 170 novas aeronaves 737 MAX, especificamente na conexão entre a fuselagem e o estabilizador vertical.

Inquérito no Departamento de Justiça

O secretário americano dos Transportes, Pete Buttigieg, disse esperar que a Boeing colabore totalmente com as investigações abertas pelo Departamento de Justiça dos EUA e pelo Conselho Nacional de Segurança nos Transportes (NTSB).

Enquanto a Boeing é alvo de múltiplas investigações, Buttigieg disse que a empresa precisa passar por mudanças profundas no que diz respeito à qualidade de seu processo de fabricação e em questões de segurança.

No final de semana, o diário americano Wall Street Journal relatou que o Departamento de Justiça deu início a uma investigação criminal sobre o incidente com o avião da Alaska Airlines, após a Boeing informar ao Congresso que não conseguiu encontrar um registro relevante detalhando seu trabalho no painel que se soltou da aeronave.

Peritos examinam destroços do 737 MAX da Lion Air que caiu no mar minutos após decolar de Jacarta, na Indonésia
Peritos examinam destroços do 737 MAX da Lion Air que caiu no mar minutos após decolar de Jacarta, na Indonésianull BAY ISMOYO/AFP/Getty Images

A Boeing comentou os inquéritos das agências governamentais de maneira bastante sucinta através de uma nota: "Continuaremos a cooperar totalmente e de maneira transparente com todas as investigações e auditorias do governo, enquanto adotamos medidas compreensivas para melhorar a segurança e a qualidade".

A Alaska Airlines também disse colaborar com a investigações.

Acordo jurídico sob questão

O Departamento de Justiça informou anteriormente que realizava a revisão de um acordo de 2021 sobre uma acusação criminal federal contra a empresa, relacionada aos dois acidentes fatais com aeronaves 737 MAX.

Sob esse acordo, a Boeing se comprometeu a pagar mais de 2,5 bilhões de dólares, na maior parte, em forma de compensação para seus clientes. Por sua vez, o Departamento de Justiça concordou em retirar a acusação de que a Boeing fraudou a FAA ao omitir informações relevantes para a aprovação do Max.

Não ficou claro, porém, se a nova investigação criminal relatada pelo Wall Street Journal estaria relacionada à revisão do acordo de 2021 ou a um caso separado.

O acordo foi criticado como sendo muito leniente com a Boeing e por ter sido fechado sem que as famílias das 346 vítimas fossem consultadas.

Outros problemas em aeronaves da Boieng

Mas não é somente o 737 MAX que está envolvido em incidentes aéreos: outras aeronaves da Boeing também apresentaram problemas. Em 13 de janeiro deste ano, um Boeing 737-800 operado pela companhia aérea japonesa All Nippon Airways teve que retornar à pista de decolagem no Japão após uma rachadura ser descoberta na janela da cabine do piloto em pleno voo.

O voo comercial NH1182 tinha partido de Sapporo-New Chitose (CTS), em Hokkaido, com destino a Toyama (TOY), em Honshu, a uma hora e meia de viagem. Segundo a companhia, a rachadura comprometeu apenas a camada mais externa da janela, a primeira de quatro, e todos os 59 passageiros e seis tripulantes saíram ilesos.

A All Nippon Airways, disse que a rachadura não "afetou o controle do voo ou pressurização [da cabine]".

Esta semana, autoridades da Nova Zelândia passaram a investigar o que levou um Boeing 787 da Latam a perder altitude abruptamente durante um voo entre Sidney e Auckland.

A Comissão de Investigação de Acidentes de Transportes (Taic) da Nova Zelândia informou que vai analisar a caixa-preta do avião com a gravação dos registros da cabine de comando. O incidente, no voo com 263 passageiros a bordo, deixou 50 pessoas feridas.

Autoridades chilenas abriram uma investigação sobre o caso, uma vez que o incidente ocorreu no espaço aéreo internacional e a Latam tem sede no Chile. Após a escala em Auckland, o voo prosseguiria até Santiago.

rc/le (AP, Reuters, ots )

O que está por trás do valor recorde do Bitcoin

O valor do Bitcoin atingiu seu recorde de mais de 71 mil dólares nesta segunda-feira (11/03), surpreendendo investidores com uma recuperação notável após a queda da criptomoeda em 2022, em meio à turbulência do mercado. O preço do Bitcoin subiu mais de 300% em comparação a novembro de 2022, quando caiu para menos de 20 mil dólares.

 A capitalização de mercado da criptomoeda também atingiu um recorde de quase 1,35 trilhão de dólares. O valor combinado do mercado total de cripto está atualmente em cerca de 2,5 trilhões de dólares, seu nível mais alto desde novembro de 2021 e apenas 10% abaixo do seu máximo histórico de 2,8 trilhões de dólares.

ETFs impulsionam o interesse no Bitcoin

O "ressurgimento do Bitcoin", por assim dizer, pode ser atribuído, em grande parte, ao entusiasmo dos investidores em torno de um novo produto financeiro vinculado à moeda digital: os ETFs de Bitcoins, aprovados  pela Comissão de Valores Mobiliários americana (SEC) e que estrearam em 10 de janeiro deste ano na bolsa.

Com a aprovação de ETFs de Bitcoin, negociar essa criptomoeda nos EUA ficou mais fácil. ETF significa Exchange-Traded-Fund – traduzido como "fundo negociado em bolsa" –, também chamado de fundo de índice. Os ETFs também são usados ​​para replicar índices de ações, como o alemão DAX. Os investidores agora podem se beneficiar ou não do aumento da cotação através de cotas nesses investimentos. Os Bitcoins já podiam ser negociados nos EUA – mas apenas em contas em bolsas de criptografia especialmente projetadas ou de forma privada nas chamadas carteiras digitais.

Esses fundos tornam mais fácil para os investidores obterem exposição ao Bitcoin sem terem diretamente a moeda virtual. De acordo com a Bloomberg Intelligence, foram investidos mais de 7 bilhões de dólares nesses produtos, impulsionando a rápida ascensão do Bitcoin. Os reguladores financeiros dos EUA há muito são cautelosos em permitir ETFs de Bitcoin, citando preocupações sobre fraude e manipulação.

"[O clima favorável para o Bitcoin nos EUA] não ocorre porque os reguladores querem ser mais favoráveis", diz Jonathan Biers, diretor de investimentos da Farside Investors, um fundo de investimento em ações com sede no Reino Unido. "Isso é impulsionado principalmente por vitórias judiciais da indústria de criptografia, que derrotou a SEC nos tribunais, resultando em um clima regulatório mais favorável e em mais legitimidade, o que está atraindo mais fluxo de investidores americanos", explica à DW.

O que é uma criptomoeda?

Recuperação do ouro envia sinal contraditório

Paralelamente à recuperação das criptomoedas, o ouro também atingiu máximos recordes, enviando mensagens contraditórias sobre o apetite dos traders pelo risco nos mercados globais. Historicamente um porto seguro para os investidores, o ouro é frequentemente procurado em tempos de tensões geopolíticas e quando os investidores estão preocupados com uma potencial retração nas ações globais após uma recuperação. O valor do ouro tem aumentado de forma constante desde outubro, quando eclodiu a guerra entre Israel e o Hamas. Os mercados de ações também atingiram máximos históricos nos últimos meses. Muitos suspeitam que uma correção ocorrerá em breve.

A ascensão do ouro contrasta com a do Bitcoin, cuja utilidade para além do investimento especulativo continua sendo um tema de debate. Embora a ascensão do ouro sugira que os investidores estejam agindo defensivamente, o aumento do Bitcoin reflete uma fome por ativos digitais alimentada pelo fervor especulativo e pela inovação tecnológica.

"A história da criptografia pode estar ligada ao que está acontecendo nos mercados de ações e à tomada de riscos mais ampla", disse Kyle Rodda, analista sênior de mercado da Capital.Com Inc, à Bloomberg. "Estamos vendo um ressurgimento de moedas meme que sugerem comportamento irracional e de tomada de risco – o que é consistente com o que está acontecendo em algumas partes do mercado acionário".

Os sinais do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos (FED) de que as taxas de juro deverão cair este ano também podem estar alimentando a recuperação, uma vez que os investidores antecipam custos de financiamento mais baixos.

Pilha de barras de ouro
Ouro é visto, historicamente, como um investimento seguronull Frank Hoermann/SVEN SIMON/picture alliance

Livre de laços de fraude

O Bitcoin surgiu após a crise financeira de 2008 como uma alternativa descentralizada às finanças tradicionais. Inicialmente concebido para transações peer-to-peer (sem intermediários, por exemplo, sem passar por um banco), o seu valor aumentou nos anos seguintes, convidando à especulação e à extrema volatilidade. O day trading (ordens que começam e terminam no mesmo dia) amador durante a pandemia de covid-19 exacerbou a sua ascensão. Mas a bolha acabou explodindo, marcada por colapsos corporativos como o da grande bolsa de criptomoedas FTX em novembro de 2022, que apagou milhares de milhões em riqueza dos investidores e despencou o valor do Bitcoin para cerca de 16 mil dólares.

"A FTX era essencialmente um negócio fraudulento", disse Bier, "então é claro que é bom para a sociedade que esta fraude tenha sido exposta e desmoronada".

"Halving" de Bitcoin

Então, o que vem a seguir? O evento iminente de halving do Bitcoin, programado em seu código-fonte original, está definido para reduzir pela metade a quantidade de novos Bitcoins que entram em circulação.

O Bitcoin é produzido por meio de um processo chamado "mineração", em que computadores poderosos resolvem quebra-cabeças matemáticos complexos para verificar e registrar transações no blockchain, dando aos "mineradores" (os donos desses computadores ou quem os administra) novos bitcoins como recompensa. Os eventos de redução pela metade, que ocorrem aproximadamente a cada quatro anos, diminuem a recompensa dada aos mineradores e, consequentemente, a taxa de geração de novos bitcoins.

Esta escassez de oferta de Bitcoin foi citada por analistas como uma força motriz por trás do recente aumento de preços. Com a redução pela metade prevista para ocorrer nesta primavera no hemisfério norte, os fãs do Bitcoin antecipam novos saltos de preços.

Mas os críticos continuam céticos em relação ao ativo digital, destacando as preocupações sobre a sua utilidade, bem como os desafios regulamentares após a crise de 2022.

"Não há valor inerente", disse John Reed Stark, ex-funcionário da SEC e crítico declarado da indústria de criptografia, ao New York Times. "Não há histórico comprovado de adoção ou confiança".

Quem sai ganhando com a legalização da maconha na Alemanha?

Para o empresário Dirk Rehan ainda não chegou a hora de estourar a champanhe: "Bem seguro da coisa, ainda não estou." No entanto ele tem motivos para comemorar, pois desde 23 de fevereiro multiplicaram-se os acessos a seus dois websites de equipamento para cultivo de plantas.

Nesse dia o parlamento alemão aprovou um projeto de lei "para uso controlado da cânabis", impulsionado pelo ministro da Saúde Karl Lauterbach, dando a cada adulto o direito a ter três plantas e 50 gramas da erva em casa, além de poder portar consigo 25 gramas. A lei deveria entrar em vigor em 1º de abril, mas segundo a imprensa poderá levar mais tempo.

Por isso Rehan se mantém cauteloso. Mas desde já está claro: se a lei for implementada como previsto, ele é um dos que vão lucrar. Seu negócio – que pode ser descrito como técnica de estufas e artigos de jardinagem – inclui tudo o que tem a ver com o cultivo da maconha.

Empresário Dirk Rehan em plantação de maconha
Dirk Rehan aposta grande no comércio online de equipamento para cultivo da ervanull Dirk Rehan

Seu campeão de vendas são os "grow sets" prontos: tendas do tamanho de geladeiras com lâmpadas, sistemas de ventilação e aparelhos de medição, com preços que vão de 500 a 1.500 euros. Mas no momento os estoques estão esgotados, pois "o pessoal perdeu os escrúpulos de plantar cânabis por conta própria".

Depois de pegar dois anos de cadeia por conivência com plantio ilegal de maconha, em 2011 ele abriu seu negócio atacadista. Com apenas quatro funcionários fixos, suas duas lojas, Drehandel e Dirks Growshop, faturaram 2 milhões de euros em 2023. No ano corrente conta com 3 milhões a 4 milhões de euros. Em suas conversas de consultoria, Rehan tinha que falar de chilis, tomates e brócolis. Agora está contente por poder "aconselhar bem normalmente".

Azar para quem apostou na legalização geral

O clima é animado também entre outros comerciantes do setor. Seja o vendedor austríaco de sementes de cânhamo Seeds 24, seja o vendedor Growmark, de Hamburgo, todos anunciam prazos de entrega prolongados. O estabelecimento online Grow Guru adverte: "No momento todas as lojas e fornecedores estão lotados de clientes".

Porém nem todos têm por que festejar: quem apostou numa legalização abrangente na Alemanha, se deu mal. Segundo a nova lei, a cânabis recreativa só pode ser ou cultivada em casa ou em "associações de plantio não comerciais". Não haverá estabelecimentos especializados em venda de maconha: importadores, vendedores, donos de lojas, todos vão ter que procurar um novo modelo comercial.

"Por sorte o nosso modelo de negócios nunca dependeu da legalização", comenta Philip Schetter, diretor-gerente da fornecedora de cânabis medicinal Cantourage, que mantém uma clínica especializada em Londres. Segundo seus próprios dados, a firma de Berlim emprega 50 funcionários na Alemanha e 25 no Reino Unido.

No fim de 2022 a Cantourage entrou para a bolsa de valores, mas desde então suas ações perderam a metade do valor. Seu problema é o mesmo de tantas outras do setor: falta o empurrão definitivo. "Mas, ao contrário de outras empresas do setor, nós crescemos bem fortemente é não queimamos dinheiro", defende Schettler, que registrou um faturamento de 17 milhões de euros nos primeiros nove meses de 2023.

Ministro alemão da Saúde Karl Lauterbach
Se depender do ministro alemão da Saúde, Karl Lauterbach, a partir de 01/04/2024 a cânabis estará liberada com restriçõesnull Kay Nietfeld/dpa/picture alliance

Vendendo pás e peneiras na corrida do ouro

Para muitos, o maior potencial está na reclassificação da erva. Graças à reforma da lei, ela não será mais categorizada como entorpecente no uso medicinal, facilitando significativamente sua prescrição. No momento há no país quase 200 mil pacientes que recebem cânabis por receita médica; o setor movimenta um total de 200 milhões de euros e deverá crescer mais ainda.

"As companhias que hoje já estão no negócio da cânabis medicinal vão lucrar desproporcionalmente com isso", prevê Finn Hänsel, fundador e diretor-gerente da Sanity Group, que, devido aos atrasos na legalização, já teve que se desligar de algumas seções e demitir funcionários. Ainda assim ele segue apostando no setor medicinal: "Ao todo, esperávamos mais, mas ainda há muito potencial no mercado farmacêutico."

Porém uma portinha continua aberta para os que pretendam investir na maconha recreativa: no médio prazo, o Estado também considera licenciar "cadeias de abastecimento comerciais" em círculos e cidades seletos. Projetos-modelos poderão render milhões de euros adicionais em Berlim Colônia e outras metrópoles.

Novos dados sobre a proposta devem ser divulgados em meados do ano: quem quiser continuar competindo no setor vai precisar de fôlego longo. O que não é o caso do comerciante online Dirk Rehan, para quem vale o que já se constatou nas corridas do ouro: quem tem as melhores chances de lucro é quem vende as pás e as peneiras aos garimpeiros.

Mas o empresário também não quer se fixar totalmente: o setor da maconha é muito dinâmico e, no médio prazo, talvez outros modelos comerciais se revelem mais promissores. Ele faz uma comparação: "As lojinhas de produtos naturais pioneiras nos centros das cidades foram quase todas expulsas pelas grandes cadeias. Conosco também pode acontecer algo parecido."

Em Cuba, "às vezes não há nem água para enganar o estômago"

Está faltando pão em Cuba, um alimento básico cuja escassez simboliza a gravidade da fome que atinge o país caribenho.

O pão subsidiado é vendido por um peso cubano, e os moradores têm direito a um número limitado de pães por mês, anotados em um cartão de racionamento.

Mas está faltando farinha de trigo para produzir o alimento. Em padarias privadas, ainda é possível encontrar pão, mas a um preço muito mais caro e inacessível para boa parte da população.

O governo reconhece a falta de pão, e diz que o problema continuará pelo menos até final de março.

O Food Monitor Program, um observatório que monitora a segurança alimentar em Cuba, afirma que parte dos cubanos está desnutrida. E que muitas escolas não oferecem mais café da manhã aos alunos, e um almoço insuficiente.

Uma pesquisa do Observatório Cubano de Direitos Humanos publicada em setembro passado apontou que 88% dos cubanos viviam em extrema pobreza, situação que força muitos a tentar emigrar.

Protestar nas ruas é uma alternativa apenas para os destemidos. A última onda de manifestações, em 2021, foi duramente reprimida pelo governo e muitos acabaram presos.

A DW entrou em contato com dois aposentados no leste do país por meio do Food Monitor Program. Eles relataram como estão lidando com a situação, mas preferem permanecer anônimos. Por esse motivo, vamos chamá-los de Alicia e Felipe. Cuba tem hoje cerca de 1,6 milhão de aposentados, segundo dados estatais.

DW: Como é um dia comum em sua vida? É difícil conseguir pão?

Alicia (80 anos): A primeira coisa que faço é ver se a água está chegando para que eu possa bombeá-la para as caixas de armazenamento. Depois, vou à bodega para comprar o pão subsidiado. A bodega fica aberta entre 8h e 12h e depois entre 16h e 18h. É preciso ir cedo porque a senhora que faz as entregas sai um pouco antes das 11h e só volta à tarde, que é quando a maioria das pessoas chega do trabalho. Às vezes você chega cedo à bodega, mas o pão demora muito para chegar, porque é feito na padaria. Então você tem de ir à bodega várias vezes para ver se já chegou.

Felipe (78 anos): Eu me levanto cedo, entre 5h e 5h30. Depois, dou uma longa volta nas lojas, mercados e na bodega para ver o que chegou e se há algo que eu possa comprar para casa. Por exemplo, estamos no final de fevereiro e ainda faltam alimentos, entre os cinco ou seis que chegam mensalmente pela cesta básica. O pão é a primeira coisa que procuro pela manhã. É praticamente a única coisa que se pode comer no café da manhã, pois não há mais leite ou iogurte, e até mesmo o café é escasso.

Quanto tempo geralmente demora a fila para comprar pão subsidiado?

Alicia: A fila para comprar pão na minha bodega não é muito longa agora porque somente os aposentados vão lá. A essa hora, as crianças estão na escola e os pais estão trabalhando. Mas isso depende de cada bodega. Minha sobrinha enfrenta uma longa fila porque em sua bodega eles fazem o pão ali mesmo e a área para a qual essa bodega entrega é muito grande. Antes era mais fácil comprar pão extra na bodega, mas desde a pandemia está muito mais difícil, porque às vezes nem chega tudo.

Felipe: Minha bodega fica perto, a meia quadra de distância. Quando vejo uma fila grande, vou para casa e espero para ir um pouco mais tarde; caso contrário, espero para comprar na padaria, o que geralmente leva cerca de 15 minutos. Outras pessoas que não moram tão perto têm de ficar na fila por muito tempo pela manhã, o que pode levar cerca de uma hora.

Funcionária de bodega reparte pães subsidiados para entregar a cubanos
Governo cubano reconheceu a falta de pão subsidiado e disse que o problema seguirá pelo menos até o final de marçonull picture-alliance/Demotix

Você também compra pão em padarias particulares? Qual é a situação nelas?

Alicia: Às vezes, é preciso comprar pão de padarias particulares ou de pessoas que vendem na rua. Mas nem sempre é possível fazer isso, porque é muito caro. O pão subsidiado da bodega custa 1 peso, mas na padaria particular custa 25 ou 30 pesos por pão. Um igual ao da bodega. Os de crosta dura ou outros tipos de pães vendidos em padarias particulares ou lojas de doces podem custar até 500 pesos ou mais. Nos estabelecimentos que cobram preços médios, mas fazem pães de boa qualidade, há filas enormes. Você pode ficar na fila por duas horas.

Felipe: Sim, as padarias particulares costumam ter filas curtas, cerca de 15 minutos em média. As padarias estatais também costumam oferecer a opção de comprar o chamado "pão liberado". Nesse caso, as filas que vejo duram cerca de duas horas, pois há muito mais demanda e o preço é um pouco mais baixo do que nas particulares.

Embora eles geralmente ofereçam pão na maioria dos dias, o principal problema são os preços. Por exemplo, os pães costumam custar cerca de 25 pesos cada um, portanto posso gastar facilmente entre 200 e 500 pesos quando compro pão para casa. Na minha casa, meu filho e meus netos também compram pão, mas, por exemplo, em cinco dias de fevereiro nos quais comprei pão gastei 200 pesos. Depois comprei em dois dias pacotes de bolachas, por 300 pesos cada, porque não havia mais pão. E ontem, no dia 25, tive de gastar 700 pesos em bolachas. Até agora, neste mês, isso soma quase 1.500 pesos só em pão. Minha pensão é de 1.600 pesos. Como você pode ver, não tenho dinheiro nem para comprar pão para toda a minha família.

Para quantas pessoas em sua casa você precisa comprar pão?

Alicia: Há seis pessoas morando na minha casa e duas delas não estão no registro estatal. Portanto, elas não recebem pão da cota. É difícil porque há duas crianças em idade escolar em casa e é preciso garantir o pão delas para que não saiam para a escola com o estômago vazio. O pão que sobra, às vezes, cortamos em fatias e fazemos torradas para que pelo menos todos nós possamos comer uma fatia, mas geralmente também guardamos para o lanche da tarde das crianças, que chegam da escola famintas, porque o almoço lá é tão ruim que elas estão sempre com fome.

Felipe: Somos sete pessoas em casa, mas um dos meus netos mora conosco três ou quatro dias por semana.

Você sentiu fome recentemente ou já foi para a cama sem comer?

Alicia: No meu caso, raramente fui para a cama sem comer porque a sobrinha com quem moro prioriza a minha alimentação e a dos filhos dela. Mas é comum que ela faça apenas uma refeição por dia porque não há o suficiente para que todos nós façamos três refeições por dia. Há também muitos idosos na vizinhança que estão sozinhos, porque seus filhos ou parentes foram embora ou não querem cuidar deles. Eles passam muita fome e dependem apenas do que podem comprar na bodega, que não é suficiente nem para uma semana. No dia em que o pão não chega, eles ficam com o dobro da fome.

Felipe: Graças a Deus, eu não passei fome. Mas sei de pessoas que passam. De vez em quando, algumas pessoas passam lá em casa pedindo algo para comer, principalmente pessoas mais velhas. Elas dizem que estão com fome e pedem pão ou algo para comer. Além disso, perto da minha casa há um idoso que mora sozinho e várias vezes tive de lhe dar um pão para que ele comesse alguma coisa. Não sei se eles dormem sem comer, mas durante o dia eles passam fome.

O que você gostaria que mudasse em Cuba e o que planeja fazer no futuro se a situação não melhorar?

Alicia: Não sei, mas algo tem de mudar. A única coisa que resta para a minha geração é ficar sozinha. Os jovens estão deixando o país porque ninguém consegue suportar a fome. Os poucos que fizeram alguma coisa acabaram na prisão. Nós, idosos, estamos ficando cada vez mais desamparados porque o Estado não cuida de nós. Às vezes, acho que as pessoas do governo estão esperando que morramos, assim terão que distribuir menos pão.

Em Cuba, há fome de muitas coisas. Como explicar a uma criança que diz estar com fome que você não tem comida para dar a ela, porque às vezes não há nem mesmo água para enganar o estômago. É muito difícil conviver com isso. São crianças que crescem achando que a fome é algo natural, quando não deveria ser.

Felipe: Eu gostaria que o sistema governamental mudasse. Se a situação não melhorar, não tenho para onde correr. Acho que vou ter de ficar aqui até morrer de fome. Pela minha idade, só me resta esperar se as coisas continuarem a piorar. Talvez um dia o povo saia às ruas, como aconteceu em 11 de julho de 2021, e haja uma violência estatal desproporcional em que setores do poder, como o exército, decidam intervir. Isso é o que eu prevejo para Cuba, mais cedo ou mais tarde haverá uma nova explosão social, mais violenta do que a anterior.

Indústria e sindicatos alemães juntos contra extrema direita

Associações de empregadores e sindicatos de trabalhadores do estado sulista de Baden-Württemberg, na Alemanha, se uniram contra o extremismo de direita numa aliança formalizada nesta segunda-feira (26/02) em Stuttgart.

Eles atendem, assim, a um apelo do presidente Frank-Walter Steinmeier por uma ampla aliança na sociedade alemã pela democracia e contra o extremismo, feito em janeiro. Steinmeier foi à capital do estado para o lançamento da iniciativa, que ele saudou.

"Trata-se de concretamente combater os extremistas de direita, os inimigos da Constituição, para os quais a dignidade humana não vale nada", declarou.

A associação de empregadores Südwestmetall e a seção estadual do sindicato dos metalúrgicos IG Metall seguiram o apelo do presidente lançando a campanha Business for Democracy. As montadoras Mercedes-Benz e Porsche, que têm sede em Stuttgart, apoiaram a declaração.

O partido que faz alemães temerem a volta do nazismo

Para a poderosa e influente indústria automobilística alemã, muito está em jogo: ela sofre com a falta de mão de obra qualificada e precisa de trabalhadores estrangeiros.

Por um lado, a sociedade alemã está envelhecendo, com muitos representantes da geração baby bommer entrando na aposentadoria. Por outro, cada vez menos pessoas do Leste Europeu estão optando pela Alemanha.

Nesse cenário, trabalhadores de fora da União Europeia (UE) tornam-se cada vez mais importantes. Mas os representantes do setor industrial temem que eles se sintam intimidados pelas notícias na imprensa sobre racismo e discriminação e nem mesmo optem pela Alemanha – ou deixem o país depois de passarem por situações discriminatórias.

Pelos cálculos da agência governamental para o emprego, a Alemanha precisa de 400 mil trabalhadores estrangeiros por ano. A Câmara Alemã de Indústria e Comércio (DIHK) estimou que há, em todo o país, 1,8 milhão de postos de trabalho não preenchidos, considerando todos os setores da economia.

 Frank-Walter Steinmeier
"Trata-se de concretamente combater os extremistas de direita, os inimigos da Constituição, para os quais a dignidade humana não vale nada", declarou Steinmeiernull Marijan Murat/dpa/picture alliance

"Baden-Württemberg não seria capaz de produzir carros, de construir máquinas e nenhum ônibus iria mais andar aqui se não tivéssemos uma diversidade de nações em nossas empresas e administrações", declarou a líder estadual do IG Metall, Barbara Resch.

"Somente se pessoas engajadas de todo o mundo se sentirem em casa aqui é que elas virão até nós, e somente assim continuaremos sendo um lugar atraente para trabalhar e viver no longo prazo", disse o presidente da DIHK, Peter Adrian, ao jornal Rheinische Post.

Estudos evidenciam racismo

Racismo em empresas alemãs não é um caso isolado. Um exemplo documentado pelo órgão antidiscriminação do governo é o de um grupo de trabalhadores de origem turca que, nas horas de pausa, conversava entre si em turco e alemão. O empregador não concordava com isso e proibiu que se falasse turco na empresa. Para o órgão antidiscriminação do governo, trata-se de um caso claro de "discriminação devido à origem étnica".

Diversos estudos mostraram, nos últimos anos, que discriminação faz parte do cotidiano de muitas pessoas na Alemanha que tem uma origem migratória visível, por exemplo por causa da cor da pele.

Em 2016, a Universidade de Linz, na Áustria, chamou a atenção com um estudo no qual ela enviou currículos fictícios para vagas em aberto na Alemanha. Um estudo mostrou que mulheres com nomes muçulmanos raramente eram chamadas para entrevistas de emprego. Se o currículo da candidata fictícia, além do nome, tivesse também uma foto com um véu islâmico, a taxa caía ainda mais.

Em 2023, um estudo da União Europeia (UE) mostrou que especialmente pessoas pretas na Alemanha se sentem discriminadas. O país teve o pior resultado entre os 13 da UE considerados pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA). Especialmente na procura por emprego, muitos entrevistados se sentem discriminados. Na Alemanha, o percentual chegou a 51%.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IAW), da Universidade de Tübingen, também se dedicou ao tema há cerca de um ano. De acordo com um estudo, 51% dos entrevistados relataram ter sofrido discriminação – entre os profissionais altamente qualificados de países não europeus, foram dois terços. Para pouco mais de 5%, a discriminação foi um motivo para deixar a Alemanha.

Europa investe na reciclagem de baterias de carros elétricos

Um recipiente de vidro cheio de pó preto de granulação fina que desliza pelas paredes do frasco e brilha à luz da fábrica. No rótulo do frasco está escrito blackmass, ou massa negra. Soa um pouco misterioso. O pó contém metais valiosos, como lítio, níquel e cobalto, que são extraídos de baterias de veículos elétricos trituradas.

Essa massa negra pode ser fundamental nos esforços da União Europeia (EU) em relação aos veículos elétricos e ajudar o bloco a alcançar a China, líder mundial na fabricação e reciclagem de baterias deste tipo de automóveis.

A fábrica de reciclagem de baterias de carros elétricos administrada pela empresa Duesenfeld fica na cidade de Wendeburg, nos arredores de Hanover, norte da Alemanha. Wendeburg é uma cidade tranquila com muitas casas típicas alemãs em estilo enxaimel, com jardins frontais, cercadas por bosques e campos.

A Duesenfeld está pesquisando como tornar lucrativa a reciclagem de baterias de carros elétricos.

Reciclagem – a mina do futuro

A União Europeia, que está apostando em veículos elétricos na luta contra as mudanças climáticas, planeja construir na próxima década dezenas de grandes fábricas de baterias, as chamadas gigafábricas. No entanto, o bloco é quase totalmente dependente das importações das principais matérias-primas necessárias para a fabricação dessas baterias. Isso a torna extremamente vulnerável a choques nas cadeias de suprimentos.

A reciclagem poderia não apenas ajudar a UE a reduzir sua dependência de materiais importados, mas também tornar as baterias mais sustentáveis do ponto de vista ecológico. A UE estipula até mesmo quantidades mínimas obrigatórias de metais reciclados para novas baterias de carros elétricos.

Muitas empresas na Europa, incluindo fabricantes de automóveis como a Volkswagen e a Mercedes-Benz, assim como a fabricante sueca de baterias Northvolt, estão investindo na reciclagem de baterias para torná-la economicamente viáveis.

Atualmente, a Mercedes-Benz está construindo uma fábrica-piloto para a reciclagem de baterias de carros elétricos em Kuppenheim, no sudoeste da Alemanha, que deverá entrar em operação em meados deste ano.

Julius Schumacher
Julius Schumacher, da Duesenfeld: "Reduzir emissões de CO2 também significa reduzir custos de produção"null Nadine Michollek/DW

Jörg Burzer, membro do conselho de administração do Grupo Mercedes-Benz, vê o processo de reciclagem como a "mina do futuro". "Ter os recursos disponíveis, ter um processo sustentável, tudo isso é um componente estratégico para nós", diz.

O problema é que o processo ainda é caro demais para muitas empresas. E mesmo Burzer não sabe dizer quando exatamente seu processo de reciclagem passará a valer a pena economicamente.

Aproveitando a eletricidade residual

Já a Duesenfeld acredita que seu processo de reciclagem já está dando lucro. Julius Schumacher, chefe de engenharia de fábrica da Duesenfeld, demonstra como isso funciona.

Um funcionário vestindo um macacão preto em meio a cabos azuis e vermelhos conecta um cabo após o outro para descarregar totalmente baterias, que são do tamanho de uma maleta. Ele está em uma área separada por fita zebrada preta e amarela. As baterias de veículos elétricos são perigosas devido à sua alta densidade de energia.

"Essa corrente residual cobre cerca de metade dos custos de energia da fábrica", diz Schumacher. Isso constitui uma grande vantagem, considerando o alto custo de desmontagem das baterias. Outro funcionário empurra as baterias descarregadas para uma esteira, que as leva a um triturador. Essa fase de trituração costuma ser a mais difícil, porque as baterias de carros elétricos são altamente inflamáveis.

A maioria dos recicladores usa um dos dois métodos possíveis. Em um deles, os materiais são separados por tratamento térmico, o que consome muita energia. No outro método, as baterias são trituradas no vácuo ou no nitrogênio líquido, o que pode produzir gases tóxicos. Ambas as formas de reciclagem têm suas desvantagens.

Duesenfeld crê em sua solução

A Duesenfeld usa este último método, que é o da trituração em uma atmosfera de nitrogênio, para evitar que as baterias entrem em combustão.

As baterias são então secas a baixas temperaturas em um vácuo. Esse é essencialmente o mesmo efeito que ocorre nas altas montanhas: a água ferve a uma temperatura abaixo de 100 graus Celsius quando a pressão externa é menor.

O eletrólito das baterias, que atua como condutor, evapora e é retido. Schumacher aponta para um tubo de vidro por onde flui um líquido transparente, o eletrólito reciclado. No entanto, esse método ainda pode produzir gases tóxicos. Então, qual é a diferença?

Schumacher diz que a Duesenfeld tritura as baterias em temperaturas extremamente baixas. "E nós descarregamos profundamente as baterias antes de triturá-las. A combinação desses dois elementos faz com que nenhum gás tóxico possa ser produzido", explica.

Tubo de vidro conectado a mangueiras e cabos
Tubo contendo eletrólito recicladonull Nadine Michollek/DW

O processo de reciclagem da empresa é neutro em termos de carbono, segundo ele. "Reduzir as emissões de CO2 também significa reduzir os custos de produção", ressalta.

A Duesenfeld recebeu o Prêmio Alemão de Sustentabilidade 2024, que homenageia os pioneiros da sustentabilidade na economia alemã.

Extração de lítio, o "ouro branco"

Uma grande peneira móvel, do tamanho de uma mesa de jantar, separa os diferentes materiais das baterias trituradas: cobre, alumínio, plástico e a preciosa massa preta que contém os valiosos metais da bateria.

A massa preta é então submetida a um processo químico chamado hidrometalurgia, para separar o lítio, o níquel, o manganês e o cobalto. O lítio, por exemplo, é um metal precioso que a UE precisa para atingir suas metas de veículos elétricos.

China está muito à frente

A China é o maior produtor e mercado de veículos elétricos do mundo. Também é líder em reciclagem de baterias. "O mercado de reciclagem de baterias de veículos elétricos da China é cerca de dez vezes maior do que o da União Europeia", diz Christoph Neef, cientista do Instituto Fraunhofer de Pesquisa de Sistemas e Inovação, na Alemanha.

A China, grande produtora e processadora de matérias-primas essenciais para baterias, como lítio e grafite, poderia substituir o lítio obtido por mineração por lítio reciclado em baterias de veículos elétricos a partir de 2059, de acordo com um estudo da Universidade de Münster, na Alemanha.

Em comparação, espera-se que a Europa e os EUA atinjam esse marco somente após 2070. No que diz respeito ao níquel, a China provavelmente poderá atender à demanda por meio da reciclagem em 2046, enquanto a Europa chegaria ao mesmo patamar em 2058 e os EUA, a partir de 2064.

De onde deve vir o lítio para as nossas baterias?

Pesquisadores do Instituto Fraunhofer afirmam que a experiência da Europa na industrialização de tecnologias inovadoras pode ajudar a torná-la uma das principais protagonistas na reciclagem ecológica e eficiente de baterias.

O instituto de pesquisa prevê que a quantidade de baterias a serem recicladas na Europa chegue a 2.100 quilotons por ano em 2040, bem acima dos atuais 50 quilotons de baterias usadas que são recicladas anualmente.

A sueca Northvolt, que produziu em 2021 sua primeira célula de bateria para automóveis elétricos com níquel, manganês e cobalto 100% reciclados, planeja aumentar sua capacidade na Europa e tem como meta aproximadamente 70 mil toneladas de baterias até 2025 e 300 mil toneladas de baterias até 2030.

"A UE começou cedo com atividades para controlar e expandir o processo de reciclagem", disse Neef. "Portanto, a UE pode definitivamente recuperar o atraso na reciclagem." 

Ainda não está claro qual método de reciclagem prevalecerá, mas o estudo do Instituto Fraunhofer classifica o método como o usado na fábrica de Duesenfeld – um processo mecânico combinado com hidrometalurgia – como o mais promissor até o momento.

Ativismo contra a guerra em Gaza chega ao mundo corporativo

Protestos pró-palestinos e as reações das forças de segurança têm abalado universidades americanas nas últimas semanas. Cenas semelhantes têm se repetido também na Europa.

Os protestos contra a conduta de Israel em sua guerra contra o Hamas desde os ataques terroristas de 7 de outubro também começaram a levantar questões no setor corporativo. O caso mais notável até agora é o do Google, que em abril demitiu 50 funcionários por participarem de protestos em dois de seus escritórios nos Estados Unidos.

"Somos um local de trabalho e nossas políticas e expectativas são claras: este é um negócio, e não um lugar para agir de forma que perturbe os colegas ou os faça sentir-se inseguros", escreveu o CEO da gigante do setor de tecnologia, Sundar Pichai, em um e-mail aos funcionários.

Os protestos foram organizados pelo No Tech for Apartheid ("sem tecnologia para o apartheid", em tradução livre). O grupo é formado principalmente por trabalhadores do Google e da Amazon contrários ao fornecimento, por parte das empresas, de serviços de web e tecnologia de nuvem ao governo e ao Exército israelenses. Esses serviços são prestados como parte de uma operação de computação em uma nuvem israelense conhecida como Projeto Nimbus.

Os trabalhadores demitidos entraram com uma queixa no Conselho Nacional de Relações de Trabalho dos EUA. A DW procurou o Google para comentar esse assunto, mas não obteve resposta até a publicação deste artigo.   .

Na avaliação de Sam Schwartz-Fenwick, advogado trabalhista no escritório Seyfarth Shaw em Chicago, dado que o protesto ocorreu na forma de uma ocupação que possivelmente perturbou outros funcionários, o Google provavelmente sairia vitorioso em uma disputa jurídica.

"Se você desafia uma decisão comercial de seu empregador que não afeta os termos e condições de seu emprego, isso não é algo protegido por lei", disse Schwartz-Fenwick à DW.

Força de trabalho americana está cada vez mais politizada

Nos últimos anos, as empresas têm se deparado com uma força de trabalho cada vez mais ativista em questões políticas, sociais e culturais diversas.

"Isso está se tornando parte do cotidiano. Os empregadores têm que lidar constantemente com essas questões", afirma Schwartz-Fenwick.

Um cartaz colorido com o rosto de George Floyd é erguido durante uma manifestação
O assassinato de George Floyd, em 2020, levou diversas companhias a se posicionarem publicamentenull STRF/STAR MAX/IPx/picture alliance

Co-autor do recém-lançado Speak Out, Listen Up ("Fale, escute", em tradução livre), livro que aborda o ativismo político de trabalhadores, John Higgins diz que o assunto está se tornando uma característica definidora do local de trabalho e é algo ao qual as empresas muitas vezes não sabem como reagir.

Higgins explica que nos anos 1980 e 1990 predominava no mundo empresarial a noção de que os negócios eram alheios às questões globais. "Mas o que estamos vivendo agora é o desafio a essa noção. É dizer que as empresas não podem simplesmente se preservar por conta própria."

Segundo Steve Rochlin, CEO da empresa de consultoria estratégica Impact ROI, essa onda de pronunciamentos oficiais das empresas e "tomadas de posição" atingiram seu pico nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd em 2020 e a proibição do aborto pela Suprema Corte em 2022.

Posicionamento defensivo e cauteloso sobre o conflito israelo-palestino

Para Higgins, a guerra Israel-Hamas e questões mais amplas em torno do conflito Israel-Palestina são especialmente desafiadoras para o mundo corporativo. Declarações públicas a respeito são, em suas palavras, "incrivelmente cautelosas".

"A maioria das respostas deles tem sido defensiva. Muitas empresas globais estão bastante acostumadas com isso porque, se você faz negócios em Israel e no Oriente Médio, sempre teve que andar na corda bamba", diz Higgins.

"Muitas empresas entendem que não podem ficar em silêncio sobre o conflito Israel-Hamas", afirma Rochlin. "Mas não querem correr o risco de ofender ou alienar qualquer um dos lados. Muitas estão focando em apoiar seus funcionários. Eles decidiram que a melhor maneira de discutir o problema é lembrar os funcionários das políticas corporativas de não discriminação e não violência, e lembrá-los sobre programas de assistência aos funcionários para aqueles que estão achando difícil processar o conflito."

Dado que as empresas têm clientes e funcionários com perspectivas e lealdades tanto israelenses quanto palestinas, muitas têm sido cuidadosas para não serem vistas escolhendo um lado.

"Em muitos casos, eles precisam ser capazes de explicar a linha que estão seguindo, dizer: 'Estamos cientes de que temos funcionários palestinos e judeus, e sabemos que há uma tensão entre eles. É nossa responsabilidade manter os dois grupos seguros'", diz Higgins.

Ativismo dos funcionários veio para ficar

Até agora, protestos de trabalhadores contra as ações de Israel em Gaza – onde, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas, mais de 35 mil pessoas foram mortas em mais de sete meses de conflito – têm sido relativamente raros.

Crianças observam à distância bombardeios
Crianças assistem a bombardeios a Rafahnull -/AFP

Mas os protestos no Google mostram que esse tipo de ativismo está se tornando cada vez mais possível.

Em 8 de maio, mais de 100 funcionários da União Europeia se reuniram do lado de fora da sede da Comissão Europeia em Bruxelas para protestar pelo mesmo motivo.

Higgins diz que a forma como as empresas lidam com o conflito acabou chamando atenção para como elas reagem ao aumento dos níveis de ativismo dos funcionários como um todo.

Segundo ele, quando muitas companhias, nos últimos anos, passaram a incentivar os trabalhadores a "trazerem todo o seu eu para o trabalho", elas não estavam necessariamente preparadas para as opiniões políticas potencialmente divisivas. "Há um pouco de: 'Bem, se você vai me permitir trazer todo o meu eu, então também vou trazer minhas questões políticas'", explica Higgins.

Para o advogado Schwartz-Fenwick, as empresas enfatizam hoje junto aos trabalhadores que valorizam suas identidades completas no trabalho, mas chefes precisam entender que isso vai englobar também questões políticas e sociais. "Coisas que as pessoas antes talvez não compartilhassem no trabalho, elas se sentem mais confortáveis em fazer isso agora."

Tanto Higgins quanto Schwartz-Fenwick apontam que uma grande parte do desafio para as empresas é que muitos trabalhadores se tornaram cada vez mais intolerantes em relação a outras perspectivas – um fenômeno, segundo Schwarz-Fenwick, acentuado pela pandemia, já que muitas pessoas teriam vivido esse período em "bolhas".

Ambientalismo deve ser o próximo front

Higgins diz esperar que o ambientalismo seja um grande impulsionador do ativismo de trabalhadores nos próximos anos. "Estamos apenas no começo", afirma. "A taxa de engajamento sério com o meio ambiente ainda é lenta dentro do setor corporativo. E a geração mais jovem está realmente revoltada com isso".

Segundo ele, as empresas terão que se preparar para enfrentar acusações de "greenwashing", além de aprenderem se e quando responder a questões políticas, ambientais e sociais levantadas pelos trabalhadores.

"A questão é: como escolhemos sobre quais questões vamos ter uma opinião, e quais não? Porque você não precisa ter uma opinião sobre tudo."

Rochlin ressalta que as empresas estão constantemente sendo julgadas por seu impacto nas pessoas e no mundo em geral. "Toda empresa deve entender que haverá uma variedade de questões sobre as quais elas não podem se dar ao luxo de ficar caladas", diz.

 

Xi Jinping na Europa: dividir para conquistar?

O presidente da China, Xi Jinping, concluiu nesta sexta-feira (10/05) seu giro de alto perfil pela Europa, o primeiro desde 2019. Entre as apreensões que deixa para trás, está o apoio continuado de Pequim à Rússia em sua guerra contra a Ucrânia; e a inundação dos mercados europeus com veículos chineses baratos.

A viagem foi também rodeada de suspeitas crescentes de que o país asiático tenta tirar vantagem das discórdias entre os europeus. Para analistas, o itinerário de Xi pela região não foi mera coincidência: França, Sérvia e Hungria têm todas "relações bilaterais especiais" com Pequim, enfatiza Bertram Lang, pesquisador da Universidade Goethe, de Frankfurt, especializado na política externa chinesa.

A liderança chinesa teria gradualmente dividido a Europa em dois grupos: "os amistosos com a China e os não amistosos". O atual giro visou reforçar os laços com os primeiros.

A viagem começou na França

Primeira estação do giro do chefe de Estado chinês, os dois dias de visita à França e conversações com seu homólogo Emmanuel Macron se concentraram na Ucrânia e nos desequilíbrios comerciais com a União Europeia. Embora a China de Xi prefira interações bilaterais, o francês procurou enfatizar a unidade europeia ao incluir no encontro a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, que concluiu recentemente uma visita à China, foi convidado até Paris, mas declinou. Em 2 de maio, contudo, antes da visita de Xi, ele se encontrara com Macron para uma sincronização das políticas relativas à China.

Em Paris, os comentários públicos de Von der Leyen se dirigiram às "práticas de distorção de mercado" de Pequim, com subsídios volumosos para os setores siderúrgico e de automóveis elétricos. Ela assegurou que a UE "não hesitará em tomar as decisões duras, necessárias a proteger sua economia e segurança".

Xi respondeu que não existe um "problema de supercapacidades da China", quer do ponto de vista da vantagem comparativa, quer da demanda do mercado global, informou a emissora estatal Xinhua.

Zsuzsa Anna Ferenczy, ex-consultora política do Parlamento Europeu, analisa que "estamos vendo uma convergência maior entre os Estados-membros da UE" e "uma Comissão bastante determinada".

Ainda assim, a mídia estatal chinesa avaliou como um sucesso a passagem do líder pela França. O Global Times citou 18 "acordos de cooperação" entre agências governamentais em aviação, agricultura, intercâmbio entre povos, desenvolvimento verde e de pequenas e médias empresas, como "um sinal positivo para os empresários europeus" e "um estabilizador dos laços comerciais China-Europa" perante o "desacoplamento econômico".

Guerra russa na Ucrânia: "questão de vida ou morte para Europa"

Pequim ainda não foi capaz de convencer as potências ocidentais que não está apoiando a Rússia na guerra contra a Ucrânia. Ela também se esquivou dos apelos de líderes americanos e europeus para que empregue sua influência sobre Moscou, no sentido de desempenhar um papel construtivo pelo fim do conflito.

Washington afirma que a China está fornecendo aos russos maquinário, motores de drones e tecnologia para mísseis de cruzeiro, além de apoiar a economia russa fornecendo bens industriais e de consumo.

Em suas declarações públicas em Paris, Xi reagiu com veemência a tais acusações, alegando que "a crise da Ucrania está sendo usada para projetar responsabilidade sobre um país terceiro, conspurcar sua imagem e incitar uma nova Guerra Fria", sublinhando que seu país "não é participante" da crise.

Segundo Jean-Philippe Beja, especialista em assuntos chineses e pesquisador-chefe do Centro de Estudos Internacionais (Ceri), da universidade parisiense de pesquisa Sciences Po, durante as conversações deixou-se claro para Xi que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é "uma questão de vida ou morte para a Europa", e esse é "um fator altamente negativo para as relações sino-europeias".

Construção de ferrovia Budapeste-Belgrado pela China
Iniciativa Cinturão constrói ferrovia Budapeste-Belgradonull Attila Volgyi/Xinhua/dpa/picture alliance

Erguendo infraestrutura na Sérvia

O tour europeu de Xi tomou um tom mais positivo na Sérvia e Hungria, ambas grandes beneficiárias dos investimentos chineses e alinhadas com a Rússia.

Embora a Sérvia não integre a UE, a visita a Belgrado projeta uma imagem do presidente Xi como "figura-chave não só na UE, mas na vizinhança dela", observa Ferenczy, que também é professora assistente da Universidade Nacional Dong Hwa, no Taiwan.

A Sérvia é uma importante recipiente europeia de empréstimos chineses no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota, com projetos que incluem uma conexão ferroviária de alta velocidade com a Hungria. Companhias chinesas estão também envolvidas na construção de usinas de esgotos e águas residuais, e operam grandes fábricas siderúrgicas.

Embora louvando os laços econômicos profundos, a visita de Xi foi também a chance de dar um tapa com luva de pelica na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), pois mno exato aniversário do bombardeio, pela aliança atlântica, da representação diplomática de Pequim em Belgrado.

"Não devemos esquecer que neste dia, 25 anos atrás, a Otan desavergonhadamente bombardeou a embaixada chinesa na Iugoslávia", escreveu o líder comunista em artigo de opinião para um jornal sérvio.

Hungria: golpe de misericórdia na unidade europeia?

A última parada de Xi Jinping foi na Hungria, que não faz segredo de seu apoio continuado à Rússia a partir da União Europeia. O país também representa um importante ponto de apoio para Pequim dentro do bloco: por diversas vezes o governo de Viktor Orbán barrou propostas para condenar ações da China.

E, enquanto a UE tenta encontrar um modo de lidar com os carros elétricos chineses que invadem seu mercado, a Hungria se posiciona como centro de produção para companhias chinesas de eletromobilidade: em dezembro de 2023, a fabricante BYD anunciou a construção de uma fábrica de automóveis de passageiros na húngara Szeged, perto da fronteira com a Sérvia.

A visita do chefe de Estado veio num momento em que a China se reafirma como principal fonte de investimentos estrangeiros diretos para Budapeste, e pouco antes de o país assumir a presidência rotativa do Conselho Europeu, em 1º de julho. Na coletiva de imprensa juntamente com o primeiro-ministro Orbán, Xi frisou que "a China respalda a Hungria em representar um papel maior na UE, e promover maior progresso na relações sino-europeias".

Para a analista política Ferenczy, a estratégia geral da China é transparente: "minar a unidade da UE", enquanto aumenta sua influência sobre países-membros individuais".

Com esse fim, a potência asiática estaria passando por cima da comunidade europeia para oferecer aos diferentes países acesso especial a seus mercados, tentando fazê-los "sentirem-se privilegiados por ter uma relação privilegiada com a China".

"O futuro não parece melhor para a UE-China depois da visita de Xi Jinping", resume Zsuzsa Ferenczy: "há um déficit de confiança entre as duas parceiras". Na sequência, a analista política estima que a União Europeia continuará a rechaçar essa estratégia, enquanto Pequim resistirá, abordando continuamente os Estados-membros de forma bilateral, a fim de amainar "o apetite deles para reduzir riscos".

 

Racismo e pobreza na Alemanha: dois lados de uma moeda?

Que o racismo é difundido na Alemanha, não se discute. Mas quais são as consequências para os afetados? O Centro Alemão de Pesquisa em Integração e Migração (DeZIM), sediado em Berlim, abordou a questão no estudo intitulado Limites da igualdade: racismo e risco de pobreza.

As sociólogas Zerrin Salikutluk e Klara Podkowik basearam-se em dados do Monitor Nacional para Discriminação e Racismo (NaDiRa), uma consulta representativa recorrente sobre experiências quotidianas de racismo, financiada desde 2020 pelo Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão).

"Nas estatísticas oficiais ou nos relatórios do governo sobre pobreza e riqueza, os dados costumam ser divididos segundo se há origem migratória ou cidadania alemã", explica Salikutluk. "O que até agora não pudemos determinar, é como realmente estão indo aqueles que são afetados pelo racismo."

Discriminação quotidiana na Alemanha

As pesquisadoras identificaram discriminação no sistema educacional, nos mercados de trabalho e imobiliário, e no setor de saúde. Estudos anteriores haviam demonstrado que imigrantes ou seus descendentes em geral são discriminados quando procuram emprego, o que eleva o risco de terem que viver abaixo da linha da pobreza. Na Alemanha, risco de pobreza significa uma renda mensal de menos de 60% da média estatística, que em 2023 era de 1.310 euros (R$ 7.160).

Dos consultados para a pesquisa do DeZIM, 5% dos alemães sem origem migratória, empregados em regime integral, se declararam abaixo da linha da pobreza. No entanto, essa cifra sobe para 20%, em média, entre os participantes negros, muçulmanos ou asiáticos.

Nem mesmo uma alta formação universitária ou treinamento profissional protegem contra um resvalo na pobreza: para quem sofre de discriminação racista, esse risco é de duas a sete vezes maior do que entre os cidadãos alemães sem origens estrangeiras.

Risco de pobreza máximo entre refugiados

A ameaça é especialmente grave para os muçulmanos do sexo masculino, com uma taxa de 33%. A socióloga Salikutluk atribui o fato ao alto número de refugiados com esse perfil que chegaram ao país desde 2013.

Cerca de 20% dos participantes muçulmanos provém da Síria e do Afeganistão, países seriamente afetados por guerras e pobreza, "e já sabemos que refugiados estão sob risco maior de pobreza, devido a seu acesso limitado ao mercado de trabalho".

Contudo, é alvo de discriminação mesmo quem tem origens estrangeiras mas vive na Alemanha há muitos anos, ou nasceu no país, ou tem cidadania alemã. A pesquisadora recorda experimentos em que os mesmos documentos de candidatura para um emprego foram submetidos sob nomes diferentes. O resultado: "indivíduos com um sobrenome que soe turco, por exemplo, têm menos chances de ser convidados para uma entrevista de seleção."

Como reduzir a taxa de pobreza entre os refugiados?

Na opinião de Zerrin Salikutluk, as constatações da enquete evidenciam a necessidade de medidas direcionadas para combater a pobreza e promover igualdade de oportunidades para os grupos desfavorecidos. Um passo nesse sentido seria a Alemanha reconhecer as qualificações educacionais e profissionais adquiridas no exterior.

"Isso ia acelerar a entrada dos refugiados e outros imigrantes no mercado de trabalho alemão e dar acesso a profissões adequadas para os trabalhadores qualificados que adquiriram suas credenciais no exterior", recomenda o estudo.

Para acelerar a integração ao mercado, as sociólogas pleiteiam acesso mais rápido a cursos de idioma e integração. Sua conclusão é que a única forma de reverter a taxa de pobreza entre os refugiados seria garantir que possam financiar sua subsistência com os ganhos do próprio trabalho.