Pistas para a surdez de Beethoven numa mecha de cabelo

Por volta dos 20 anos de idade, Ludwig van Beethoven (1770-1827) começou a enfrentar uma adversidade que marcaria profundamente sua vida e obra: a perda progressiva da audição. Para um músico atuante, essa deterioração tornou-se fonte de profunda angústia e vergonha.

Aos 40 anos, o compositor estava quase completamente surdo, e era atormentado por outras afecções, como problemas gastrointestinais e episódios de icterícia, indicadores de uma enfermidade hepática. Isso não o impediu de continuar compondo até morrer, aos 56 anos, obras revolucionárias, veneradas pela posteridade.

Apesar de essas batalhas de saúde serem amplamente conhecidas, as causas subjacentes têm permanecido muito no campo das especulações. Mas é possível que uma nova pesquisa científica venha lançar nova luz sobre esse mistério histórico.

Cabelo do gênio e metais pesados

A chave é o cabelo do gênio: com base no exame químico de duas mechas, a equipe liderada pelo patologista Nader Rifai, da Faculdade de Medicina de Harvard, concluiu que Beethoven sofria de envenenamento por metais pesados.

As mechas autenticadas, conhecidas como "de Bermann" e "de Halm-Thayer" contêm concentrações alarmantes de chumbo, arsênico e mercúrio. Numa delas detectaram-se 380 microgramas de chumbo por grama de cabelo; na outra, 258 microgramas. A quantidade considerada normal hoje em dia é de 4 microgramas para cada grama de cabelo.

"São as taxas mais altas que já vi em cabelo", comentou o coautor Paul Jannetto, da Clínica Mayo, ao jornal The New York Times. "Recebemos mostras de todo o mundo, e essas taxas estão uma ordem de magnitude acima." Esse fato poderia explicar tanto a surdez progressiva quanto os demais sintomas.

Mechas autenticadas do cabelo de Ludwig van Beethoven
Mechas autenticadas fornecem insghts inestimáveis sobre a vida de Beethovennull KEVIN BROWN/UNIVERSITY OF CAMBRIDGE

Por que tanto chumbo em Beethoven?

O estudo publicado pela revista Clinical Chemistry propõe várias teorias para explicar a alta carga tóxica no cabelo examinado. Uma delas seria o amor do músico alemão pela bebida: em seu tempo se acrescentava acetato de chumbo ao vinho barato, para melhorar o sabor e a transparência.

Outras fontes possíveis seriam as garrafas de vidro de chumbo, comuns na época, e o consumo frequente de peixes do rio Danúbio (Beethoven passou várias décadas em Viena), contendo arsênico e mercúrio.

Além disso, era comum usarem-se unguentos e outros medicamentos à base do metal tóxico para tratar diversas doenças: segundo The Smithsonian Magazine, o músico alemão chegou a tomar 75 medicamentos ao mesmo tempo.

Quebra-cabeça complexo

Os pesquisadores concluem que a presença do metal pesado "pode ter contribuído para as enfermidades documentadas, que o afligiram a maior parte da vida", mas não determinaram os efeitos específicos dos níveis elevados de arsênico e mercúrio para a saúde do músico.

Quanto à causa da morte de Beethoven, porém, eles descartam o envenenamento por chumbo: a teoria predominante continua sendo que ele sucumbiu a complicações derivadas da hepatite B, agravadas pelo consumo de álcool e predisposições genéticas.

Em março de 2024, também com base no exame de cabelos de Beethoven, o Instituto Max Planck de Estética Empírica (MPIEA) publicou um estudo explorando a relação – ou ausência dela – entre a genética do músico natural de Bonn e seu talento musical.

A prática de conservar mechas de cabelo de entes queridos e figuras famosas era comum em séculos passados. Hoje, esses suvenires oferecem pistas valiosas sobre destinos pessoais e aspectos sociais históricos

A equipe de Rifai resume seus achados sobre a saúde de Ludwig van Beethoven: "cremos que esta é uma peça importante de um complexo quebra-cabeça, e permitirá a historiadores, médicos e cientistas compreenderem melhor a história médica do grande compositor."

av/le (DW, ots)

Quase metade dos cientistas alemães já foi hostilizada

Quase um em cada dois cientistas alemães relata já ter sofrido ataques pessoais. Esse é o resultado de um estudo representativo. Houve muitos ataques especialmente durante a pandemia do coronavírus.

Retratos em roupas de presidiário, insultos, ameaças de morte em redes sociais - durante a pandemia de covid-19, virologistas proeminentes, como Christian Drosten, foram repetidamente assediados e ameaçados. Mas esses não foram casos isolados em uma situação excepcional. Já há algum tempo, pesquisadores de uma ampla gama de disciplinas na Alemanha têm relatado que vêm sofrendo ataques rotineiros.

É isso qe mostra uma pesquisa inédita, realizada pelo Centro Alemão de Pesquisa de Ensino Superior e Estudos Científicos (DZHW) em cooperação com a rede de projetos Kapaz (sigla em alemão para "Capacidades e competências para lidar com o discurso de ódio e a hostilidade contra a ciência"). De acordo com o levantamento, 45% dos pesquisadores alemães já sofreram hostilidade. E, muitas vezes, esses ataques têm motivação política.

A ciência como base para decisões controversas

Segundo o estudo, houve um aumento de ataques durante a pandemia, quando pesquisas cientificas foram debatidas em público. E a tensão foi especialmente forte quando resultados científicos serviram de base para decisões social e politicamente controversas. "A raiva em relação a decisões políticas ou a sensação de que o livre-arbítrio estão sendo limitadas também podem se manifestar em ataques contra pesquisadores”, aponta Clemens Blümel, que liderou a pesquisa como pesquisador do DZHW.

"Os resultados do levantamento com um total de 2.600 pesquisadores mostram que a hostilidade contra os pesquisadores é um problema sério", diz Blümel. "Os ataques nem sempre vêm de fora. Há também hostilidade e comportamento depreciativo dentro da própria comunidade científica."

protesto na pandemia
Virologistas e políticos foram retratados como criminosos em protestos durante a pandemianull Eventpress Hoensch/picture alliance

Ataques digitais

Mas não são apenas os virologistas que costumam ser alvo de ataques. Médicos, biólogos e acadêmicos também relataram sofrer com insultos e ameaças frequentes.

Neste casos, a competência dos pesquisadores é questionada ou os resultados de suas pesquisas são menosprezados e depreciados. Os comentários hostis geralmente são abertamente discriminatórios, racistas e sexistas. As mulheres têm muito mais probabilidade de sofrer ataques do que os homens.

O abuso e as ameaças ocorrem principalmente em redes sociais e canais digitais. Mas, às vezes, os pesquisadores também são atacados na vida cotidiana, na rua ou nos seus locais de trabalho. No entanto, muitas vezes os ataques verbais não passam disso. Danos à propriedade ou até mesmo ataques físicos foram raros até o momento. Entretanto, houve ameaças de agressões físicas em 17% dos casos de hostilidade.

Efeitos

De acordo com a pesquisa, campanhas populistas, discursos de ódio e ameaças de morte fizeram com que alguns pesquisadores evitassem qualquer tipo de publicidade ou deixassem de trabalhar com tópicos controversos.

"O discurso crítico é, obviamente, diferente da hostilidade e das campanhas de descrédito. Entretanto, essas últimas podem levar à autocensura entre os pesquisadores. Na pior das hipóteses, pesquisas sobre tópicos importantes, como as mudanças climáticas, podem ser interrompidas sob grande pressão", diz a pesquisadora Nataliia Sokolovska.

Em alguns casos, os perpetradores atingiram seu objetivo: prejudicaram a reputação ou silenciaram pesquisadores ou ainda impediram a divulgação de pesquisas com resultados que desagradem sua visão de mundo.

Diante desse quadro, os responsáveis pela pesquisa querem desenvolver medidas para melhor proteger os pesquisadores contra ataques. Entre as propostas estão centros de aconselhamento em todo o país para pesquisadores em caso de hostilidade específica, diretrizes para situações de crise e treinamento prático de comunicação.

O estudo mostra que há muito a ser feito, especialmente em termos de comunicação. Nesse contexto, é importante que sejam tomadas decisões muito conscientes sobre o que é comunicado e como. De acordo com Blümel, do DZHWm isso também inclui deixar claro que o processo científico também é caracterizado por imprevistos e incertezas. Os erros também precisam ser comunicados e um "quadro realista da prática científica" precisa ser divulgado em geral, de acordo com Blümel.

 

Cientistas estão um pouco mais perto de entender "baleiês"

Os cientistas estão cada vez mais perto de entender a comunicação dos animais, e a espécie que está mais próxima de ser entendida é a baleia cachalote.

Cientistas passaram anos registrando os sons de cachalotes para tentar entender as regras da língua desses animais, que eles chamaram de whalish ("baleiês").

Graças ao aprendizado de máquina, um campo de estudos da inteligência artificial, os cientistas identificaram o que eles chamam de alfabeto fonético dos cachalotes.

Num estudo publicado na revista Nature Communications, eles descrevem como fizeram uso do aprendizado de máquina para decodificar a comunicação dos cachalotes e prever o que eles iriam dizer.

"Descobrimos que suas vocalizações variam significativamente em estrutura, dependendo do contexto da conversa, o que demonstra um sistema muito mais complexo do que se pensava", diz a cientista da computação Daniela Rus, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.

Ao lado de colegas do MIT, Rus liderou a nova pesquisa com integrantes do Projeto Ceti, uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo traduzir a comunicação das baleias cachalotes.

Comunicação com codas

As baleias cachalotes normalmente vivem em clãs de cerca de dez animais. Elas se comunicam debaixo d'água a distâncias de centenas de metros, por meio de sequências altamente complexas de estalos, ou cliques.

Para o estudo, os cientistas usaram dados coletados de baleias de um clã ao largo da Dominica, no Caribe. Em 2023, a Dominica anunciou que criaria a primeira reserva de cachalotes do mundo.

As baleias foram marcadas com gravadores que rastreavam seus movimentos e registravam seus cliques. Isso revelou que os cliques dos cachalotes são organizados em pelo menos 150 padrões repetitivos conhecidos, chamados de codas.

Codas são os sinais de comunicação dos cachalotes – são sequência rápidas de cliques organizados em diferentes frequências e escalas de tempo. Essas vocalizações são um pouco como os fonemas da fala humana, como "æ", "p", "l" e "ə".

"Antes, os cientistas analisavam cliques isolados, mas, neste estudo, eles estudaram longas sequências de cliques e os intervalos entre eles", diz o cientista marinho Roee Diamant, da Universidade de Haifa, em Israel, que não participou da pesquisa.

Ao colocarem longas sequências de codas em relação com outras, os pesquisadores descobriram novas maneiras de os cliques conterem informações.

"Isso mostra que os cliques têm ritmo, um andamento, diferentes comprimentos de sons e sons extras. Isso significa que há mais maneiras de transmitir dados. As baleias estão realmente colocando um monte de informações nessas sequências de cliques", explica Diamant.

Mas o que elas estão dizendo?

Na fala humana, os fonemas "æ", "p", "l" e "ə" juntos têm um significado – eles formam a palavra apple, ou maçã em inglês.

No caso das baleias cachalotes, os pesquisadores ainda não conseguiram extrair nenhum significado das codas. "Não sabemos o que as baleias estão dizendo. Apenas sabemos que, em princípio, elas podem expressar muito mais, dado o conjunto fixo de sons que são capazes de produzir", explica Rus.

Diamant, por sua vez, disse que os cientistas estão mais perto de entender um pouco de baleiês, mas que para ir além seria necessária uma abordagem bem mais ampla do que só estudar vocalizações.

"Precisamos ver o que elas estão fazendo durante suas comunicações, e é isso que novos projetos de pesquisa estão fazendo. Por exemplo, sabemos que há um certo tipo de som que elas fazem sempre antes de mergulhar. Talvez seja como dizer 'tchau, estou mergulhando', ou algo assim", diz Diamant.

Para Diamant, o que é fascinante é que as baleias de diferentes clãs podem ter codas de significados diferentes. "Os clãs de cachalotes não se misturam. Cada clã usa um conjunto distinto de padrões de coda que funcionam de certa forma como os dialetos dos idiomas humanos. Pode ser que um clã não entenda de fato um outro", explica.

Parto domiciliar assistido por enfermeiras vira disputa judicial

Gabriela Zanettini, 31 anos, lembra-se da noite de 3 de julho de 2020 como um momento mágico. Acompanhada de familiares, comeu e bebeu o que quis, movimentou-se livremente e deu à luz sua filha Helena na sala de casa, com pouca iluminação e lareira acesa, assistida por uma enfermeira obstétrica e uma parteira. "Elas praticamente não interferiram. Só olhavam, observavam e verificavam os sinais para analisar se estava tudo certo", lembrou. "Porque quem faz o parto é a mulher."

Além de escolher quem estaria ao seu lado naquele momento e de poder estar no conforto de sua residência, Zanettini tinha receio de sofrer violência obstétrica no hospital. Por isso, contratou as profissionais. Como sua gestação era de baixo risco, pôde ter Helena em sua casa, em Florianópolis (SC). "As parteiras têm preparo e levam os equipamentos necessários. Me senti segura", contou.

O Parto Domiciliar Planejado (PDP), quando a gestante é assistida por uma equipe de profissionais como enfermeiras e obstetrizes – ou mesmo médicos, vem sendo ameaçado no Brasil. Uma ação civil pública do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), de 2018, que pode acabar com a prática, chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em setembro do ano passado.

Na ação, os médicos solicitaram que as enfermeiras obstétricas Halyne Pessanha e Heloisa Lessa não realizassem partos domiciliares. Além disso, pediram que a proibição fosse estendida para toda categoria da enfermagem. Em 2021, em primeira instância, as enfermeiras venceram. Mas, no ano seguinte, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região alterou a decisão em favor do conselho.

Para Heloisa Lessa, uma decisão em favor do Cremerj resultaria no fim do parto domiciliar assistido por enfermeiras. "Por isso é tão grave. É uma decisão que atinge todas as enfermeiras e, mais do que as enfermeiras, as mulheres. Porque as gestantes vão continuar parindo em casa. Só que vão parir desassistidas, de uma maneira mais insegura. As mulheres não vão parar porque as enfermeiras não vão ao parto", avaliou.

A questão da segurança

O Cremerj não se pronuncia sobre processos judiciais. Mas reafirmou sua posição sobre o parto domiciliar. "O Cremerj reitera a importância da realização de partos em ambiente seguro, como é o caso de uma unidade hospitalar. A recomendação se dá pela possibilidade de intercorrências que podem acontecer inesperadamente durante o procedimento, afetando a mãe e o bebê. O ambiente hospitalar é o local que possui a estrutura necessária para resolver casos de urgência ou emergência com agilidade e eficiência."

A postura do Cremerj contra o PDP não recai apenas sobre as enfermeiras. Uma resolução do conselho de agosto do ano passado proibiu os próprios médicos de acompanharem partos domiciliares. Uma decisão judicial, em ação do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), suspendeu a medida.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) não se pronunciou sobre o processo do Cremerj. Desde 2012 a autarquia tem uma norma recomendando que "a realização do parto ocorra em ambiente hospitalar de forma preferencial por ser mais segura".

O Ministério da Saúde publicou, em 2021, uma nota técnica sobre o assunto. Reconhece que "toda gestante deve ter seus direitos e escolhas respeitados" desde que seja "informada sobre as vantagens e os possíveis riscos a respeito do local de sua escolha para o cenário de parto e nascimento".

O documento diz, no entanto, que, "ancorado no princípio da precaução ou prudência e baseando-se no eixo da garantia da segurança no cuidado materno-infantil, desaconselha o parto domiciliar, no contexto brasileiro". A DW questionou o ministério se havia alguma análise desta normativa, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

Como é um parto domiciliar planejado

Para o Cofen, as mulheres têm direito à escolha informada sobre o próprio parto. O conselho ressaltou que o parto domiciliar é seguro seguindo algumas regras. Em fevereiro, publicou uma resolução sistematizando os parâmetros para a assistência da enfermagem obstétrica.

Em consultas de enfermagem pré-natal – mensais até 28 semanas, quinzenais entre 28 a 36 semanas e semanais a partir de 36 semanas de gestação –, a gestante deve ser classificada como de risco habitual (baixo risco). A mulher também precisa assinar um termo de consentimento livre e esclarecido.

Durante o parto, a equipe deve contar com pelo menos duas enfermeiras obstétricas, que, entre suas funções, avaliam os riscos e a necessidade de transferência para um hospital ou outra unidade de saúde caso a gestante precise de cuidados de maior complexidade. Se for necessário o deslocamento, as enfermeiras devem acompanhar a mulher até que outro profissional ou instituição assuma a assistência.

Lessa acompanhou cerca de mil partos domiciliares em 38 anos de carreira. A enfermeira obstétrica e doutora em enfermagem disse que precisou transferir aproximadamente 80 mulheres a uma unidade hospitalar. "O parto em casa não precisa necessariamente dar certo em casa. Ele começa a mostrar que não vai dar certo cedo. Então a hora de transferir não é a hora que o problema efetivamente aconteceu. E como você está o tempo inteiro ao lado da mulher, você consegue captar precocemente os sinais de que a coisa não está indo bem", explicou.

Depois do nascimento, a norma do Cofen estabelece que a equipe de enfermagem precisa permanecer no domicílio por, pelo menos, três horas, garantindo que não haja risco de complicações para a puérpera e para o recém-nascido. Também precisa garantir a continuidade dos cuidados da mãe e do bebê no período de 45 dias.

Números

Os partos domiciliares representam menos de 1% dos nascimentos no Brasil nos últimos anos. Em 2022, por exemplo, últimos dados disponíveis no DataSUS, nasceram 2,5 milhões de bebês, sendo 17 mil em residências, ou seja, 0,67%. E vem caindo. Entre 2003 e 2012, foram realizados 337 mil. Na década seguinte (2013-2022), 195 mil.

O que ocorre no Brasil, ainda segundo o DataSUS, é uma grande queda de nascimentos em casa no Norte e Nordeste: de 329 mil no período entre 2003 e 2012 para 138 mil entre os anos entre 2013 e 2022. Já nas regiões Sudeste, Sul e Centro Oeste houve um aumento: de 44 mil para 57 mil.

"Apesar da diminuição no Norte e Nordeste, houve um aumento dos partos domiciliares nas grandes cidades. Isso está relacionado ao parto planejado. As mulheres passaram a ter acesso à informação", avaliou Lessa. De acordo com a enfermeira, a grande maioria das mulheres que opta por esse tipo de parto tem ensino superior e um poder aquisitivo mais alto. Até porque, o custo de contratação de uma equipe, embora varie bastante no país, gira em torno de R$ 10 mil.

Informações do Congresso Brasileiro de Enfermagem Obstétrica e Neonatal (Cobeon) mostram que até o fim de 2023 foram identificadas 127 equipes de enfermagem obstétrica que atuam na assistência ao PDP no Brasil, com 300 enfermeiras obstétricas e obstetrizes, além de cerca de 50 médicos obstetras, distribuídos em 21 estados brasileiros.

A escolha e a confiança

A farmacêutica Jéssica Kruger, 33 anos, também optou pelo PDP. "Como minha gestação era de risco habitual e eu entendo o parto como um processo fisiológico, não vi necessidade de ser em um ambiente hospitalar", contou.

Quando engravidou, Kruger, porém, não pensava em ter o parto domiciliar. Tanto que, inicialmente, contratou a equipe para acompanhá-la no hospital. Na medida em que foi se informando, conversando com outras mulheres, participando de rodas de gestante e lendo artigos científicos, perdeu o receio de que o parto fosse algo perigoso. Mas estava preparada para uma transferência para o hospital, caso fosse necessário. Sua filha, Lívia, nasceu no final de abril em casa. "Ela está ótima. Eu estou bem também. A recuperação foi tranquila", afirmou.

A influência da alimentação para a saúde do bebê

Abuso na infância aumenta chances de depressão pós-parto

Quando a secretária Sandra deu à luz, há dois anos, a aceitação do filho não ocorreu da maneira como ela esperava e sonhava. "Eu não tinha ânimo para nada, não queria sair da cama. Sentia um arrependimento grande por ter decidido engravidar e queria voltar à vida como era antes", conta ela, que pediu para ter seu nome trocado pela reportagem.

Agora, ela se sente recuperada. Atribui a situação ao fato de que foi diagnosticada naqueles dias com uma condição que afeta muitas mulheres em todo o mundo: a depressão pós-parto. "Fiz muita terapia e enfrentei traumas que nem me lembrava que existiam", revela.

Entre eles, o abuso que sofreu na infância. Filha de uma empregada doméstica paulistana, Sandra costumava acompanhar a mãe no trabalho, principalmente aos sábados. E, a partir do início da adolescência, a patroa passou a molestá-la. "Ela me tratava como se eu fosse inferior, dizia que eu era burra e não iria nunca ser alguém na vida. Como não queria criar problemas para minha mãe, ficava quieta. Então ela começou a me tratar também como se fosse sua empregada, mandando que eu fizesse coisas como servir chá e levar comida para o quarto dela", recorda.

Dali para os abusos se tornarem sexuais, foi um passo. "No começo, ela mandou, brava, que eu massageasse os pés dela. Logo, estava obrigando que eu fizesse coisas que eu nem sabia que eram possíveis, na minha inocência", diz ela.

Os abusos duraram dois anos e só foram interrompidos quando a mãe mudou de emprego. O abuso sexual era seguido de uma violência psicológica, já que Sandra era condicionada a ficar em silêncio porque a patroa dizia que, em caso contrário, a mãe seria demitida.

Abuso e depressão pós-parto

Separados por quase 20 anos, esses dois episódios da vida de Sandra podem estar correlacionados. Segundo um estudo publicado nesta segunda-feira (13/05) na Revista Latino-Americana de Enfermagem, mulheres que sofreram abusos na infância e na adolescência têm mais chances de desenvolverem depressão pós-parto. É a primeira vez que uma investigação acadêmica do tipo é realizada no Brasil.

O trabalho foi realizado em conjunto por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade de Rio Verde (UniRV) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O estudo contou com a participação de 253 puérperas, com filhos nascidos entre fevereiro e abril de 2022.

A pesquisa considerou critérios científicos para garantir que o grupo tivesse uma ampla gama de variáveis, dentre as quais o tempo de gestação, o status de relacionamento, histórico de diagnóstico de depressão e casos de abortos anteriores.

Traumas

As participantes da pesquisa foram recrutadas entre o segundo e o quinto dia do parto e seguiram sendo acompanhadas pelos acadêmicos ao longo de alguns meses. De acordo com o levantamento, 53% das puérperas experimentaram ao menos um tipo de trauma na infância — foram cinco os analisados: os abusos emocional, físico e sexual, e as negligências emocional e física.

O abuso emocional foi o mais comum, relatado por 34% das mulheres participantes. Outras 27% afirmaram terem sofrido negligência emocional, 26% negligência física, 23% abuso sexual e 18% abuso físico.

A pesquisa cruzou os dados com os casos diagnosticados de depressão pós-parto e concluiu que essa relação estava presente em 37% da amostra. "Esses resultados mostraram que o histórico de diferentes tipos de abuso e negligência estão associados à depressão pós-parto. Por isso é importante considerarmos as experiências traumáticas vivenciadas por mulheres na infância durante a assistência pré-natal", afirma a enfermeira Maria Neyrian de Fátima Fernandes, professora na Universidade Federal do Maranhão e uma das autoras do trabalho.

"A depressão pós-parto tem o potencial de afetar o vínculo entre mãe e filho e isso afeta o cuidado e também o desenvolvimento da criança. Então precisamos considerar essas experiências da infância que possam acarretar predisposição a desenvolver depressão pós-parto", ressalta.

A correlação mais impressionante encontrada pelo estudo está nos casos de mulheres que sofreram abuso emocional quando jovens e, depois, desenvolveram a depressão pós-parto. "Realizamos análises estatísticas multivariadas para controlar alguns fatores de confusão que poderiam influenciar. Queríamos realmente identificar os efeitos dos traumas", acrescenta o enfermeiro Elton Brás Camargo Júnior, professor na Universidade de Rio Verde e coautor do trabalho.

Ele conta que, segundo a pesquisa, mulheres que sofreram abuso emocional na infância têm 6,29 vezes mais chances de desenvolverem depressão pós-parto. O abuso emocional é uma forma de violência não-física muito difícil de ser percebida, porque costuma não deixar consequências visíveis. Mas, em geral, implica na queda da capacidade de confiança no outro.

Esse tipo de abuso pode ser cometido na forma de manipulação, quando a vítima é induzida a acreditar em uma realidade planejada, criada e mantida pelo agressor. Não raras vezes, também ocorrem ofensas, geralmente questionando as capacidades e habilidades da vítima. Essas ofensas acarretam na diminuição da autoestima.

Estresse precoce

De acordo com a enfermeira Edilaine Cristina da Silva Gherardi-Donato, professora na Universidade de São Paulo e também autora da pesquisa, a mulher vítima de violências na infância tem mais propensão a desenvolver sintomas de depressão pós-parto devido à vivência do chamado "estresse precoce". "São situações de vida que ultrapassam a capacidade dessa criança de superar [a violência], com a ausência de suporte social ou familiar", afirma.

"Temos vários processos naturais do corpo para regular nosso sistema e poder responder aos próximos eventos estressores. Quando eles são muito fortes ou prolongados, esses mecanismos se desregulam, deixando a mulher, na vida adulta, mais predisposta [a desenvolver sintomas], com menos recursos psicológicos para lidar com essas situações", comenta Gherardi-Donato.

A professora ressalta que "a gestação e o parto, por si sós, são eventos da vida que podem gerar uma crise emocional", por conta da mudança de papéis e de todas as questões envolvidas.

Por isso, os pesquisadores defendem uma avaliação de traumas pregressos durante o pré-natal, o que ajudaria a prevenir e tratar casos de depressão pós-parto.

A pesquisa publicada nesta segunda foi realizada a partir de uma amostragem recrutada em maternidade pública na cidade de Rio Verde, no estado de Goiás. Principalmente por ser um trabalho inédito no país, a enfermeira Gherardi-Donato destaca a importância do desenvolvimento de "estudos de base nacional", o que poderia extrapolar as conclusões do momento.

A influência da alimentação para a saúde do bebê

Terapia genética vence doença sanguínea hereditária

A talassemia e a anemia falciforme (também denominada drepanocitose ou anemia drepanocítica) são distúrbios hereditários que resultam numa redução da hemoglobina nos glóbulos vermelhos do sangue. São doenças bastante difundidas, atingindo cerca de 7% da população mundial, e desencadeadas pela mutação de um único gene.

No organismo saudável, as hemácias se movem sem problemas através dos menores vasos sanguíneos. O composto proteico hemoglobina, que lhes dá a cor vermelha, contém ferro e é responsável pelo transporte do oxigênio.

Na talassemia e na anemia falciforme, um defeito genético reduz a capacidade e o tempo de vida dos glóbulos vermelhos. Nos pacientes de anemia falciforme, eles assumem forma de foice ou de lua crescente, perdem a elasticidade e obstruem os vasos sanguíneos, que se inflamam.

Em ambos os casos, o resultado é anemia crônica, causando dores e danos aos órgãos e tecidos privados do oxigênio necessário. Entre os possíveis sintomas resultantes, estão inchaço pronunciado do fígado e do baço, alteração dos espaços medulares e deformações do esqueleto. Sem terapia adequada, a anemia pode ser fatal para as crianças de até cinco anos de idade.

Revolução que vem das células-tronco

Até o momento, os únicos tratamentos possíveis para a talassemia e a anemia falciforme eram transfusões de sangue regulares, por toda a vida, ou transplante de células-tronco. No entanto é muito difícil encontrar material de transplante apropriado para cada um dos pacientes que, apesar de ambas as terapias, continuam tendo uma expectativa de vida drasticamente reduzida.

A terapia para talassemia com a tesoura genética CRISPR/Cas9, desenvolvida por 15 clínicas da Europa e dos Estados Unidos, promete agora vida basicamente normal e saudável para os portadores de talassemia. Ela foi testada em pacientes entre 12 e 35 anos de idade, dos quais mais de 90% já vivem há mais de 12 meses sem necessidade de transfusões, tendo sido publicada no New England Journal of Medicine.

O tratamento pode durar de alguns meses a um ano: são retiradas do sangue células-tronco, e modificadas com a tesoura CRISPR/Cas9, de modo a produzirem hemoglobina fetal sem defeitos e plenamente funcional.

Depois que a medula do paciente é "apagada" através de uma quimioterapia, são reimplantadas as células modificadas, que passam a produzir hemácias saudáveis, eliminando a necessidade de transfusões. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) já liberou para doentes a partir de 12 anos essa primeira terapia genética bem-sucedida.

Tesoura genética CRISPR/Cas9
Com tesoura genética CRISPR/Cas9, células-tronco são modificadas para tornar os genes novamente funcionaisnull Gregor Fischer/dpa/picture alliance

Ao longo do "cinturão da malária"

A talassemia se manifesta sobretudo na Índia, Paquistão, Bangladesh, Afeganistão, China Meridional, Sudeste Asiático, Península Árabe, Iraque, África Ocidental e Setentrional, na Turquia, região do Mar Negro e Mediterrâneo.

Curioso é que a distribuição da talassemia no mundo corresponde, grosso modo, à do "cinturão da malária" histórico. Os pacientes da enfermidade genética, de fato, resistem melhor ao parasita plasmódio, causador da malária, por possuírem mais glóbulos vermelhos, mesmo se com menos hemoglobina.

O novo método genético não substituirá inteiramente o transplante de células-tronco, explica Peter Lang, diretor da Clínica de Medicina Infanto-Juvenil de Tübingen, Alemanha: "A terapia é, antes, para os enfermos para quem não se encontrou doador ou que, por algum motivo, não podem receber células-tronco alheias. Pode ser também realizada naqueles que já se submeteram a um transplante e depois tiveram uma recaída."

Assim como a de Düsseldorf, a Clínica da Universidade de Tübingen está entre as 15 que participaram da pesquisa. Para Lang, "nossa terapia é um exemplo fantástico de que tratamentos genéticos são eficazes e podem ser empregados no dia a dia clínico".

Edição genética em humanos: devemos fazer isso?

Como Brasil criou o 3º maior registro de doadores de medula

DJ e artista performático de São José do Rio Preto (SP), Murillo Serantoni, hoje com 30 anos, tatuou nas costas palavras em um idioma desconhecido. Mesmo não sabendo ler as frases que carrega na pele, elas significam muito: reproduzem uma carta enviada por sua doadora de medula óssea, uma mulher que mora do outro lado do oceano, na Alemanha.

Murillo enfrentou a leucemia com apenas 17 anos, e o transplante de medula foi a segurança para o câncer não voltar, já que suas células eram uma "bomba relógio", de acordo com os médicos. Hoje ele leva uma vida normal e saudável.

Histórias como a de Murilo só são possíveis graças ao Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). Criado em 1993, o banco tem atualmente cerca de 5,7 milhões de doadores cadastrados, e atua em conjunto com 112 hemocentros em todos os estados.

Vinculado ao Ministério da Saúde e coordenado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), é o terceiro maior banco de doadores voluntários no mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Alemanha, e o maior de financiamento exclusivamente público.

Carta escrita à mão à esquerda, e tatuagem de frases à direita
Carta recebida por Murilo Serantoni de sua doadora alemã e reproduzida em tatuagem nas suas costasnull Murillo Seranton/Arquivo pessoal

O Redome quase dobrou o número de doadores cadastrados nos últimos dez anos e a chance de se encontrar um doador compatível no sistema beira os 90%. O propósito do registro é viabilizar transplantes de medula entre pessoas que não são parentes. Em 2023, o órgão possibilitou a realização de 366 procedimentos do tipo.

Busca por genes compatíveis

É na medula óssea que se localizam as células-tronco hematopoéticas, responsáveis pela geração de glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas. Assim, o transplante é indicado para tratar doenças relacionadas com a fabricação de células sanguíneas e com deficiências no sistema imunológico, como leucemias e linfomas. A primeira saída é buscar compatibilidade entre familiares próximos, mas se ela não ocorrer, a pessoa recorre ao registro para buscar doador compatível na população regional ou mundial.

Mais de 75% dos doadores compatíveis identificados para pacientes no Brasil são do banco nacional. Já cerca de 10 a 15% dos transplantes realizados são feitos com material vindo de registros do exterior. O Redome atua articulado a cadastros de outras partes do mundo e também envia células de doadores brasileiros para diversos países.

Foi assim que Murilo encontrou compatibilidade de 100% com uma doadora cadastrada no registro alemão com atuação internacional, o DKMS. Em 2012, o então estudante realizou o transplante em um hospital público de Jaú (SP). A compatibilidade depende de genes específicos altamente variáveis chamados de genes HLA, que controlam a resposta imunológica e que, ao longo da evolução humana, foram se distribuindo nas diferentes populações.

Após cinco anos do transplante, foi autorizada a quebra de sigilo pelo Redome, que pede uma autorização prévia às duas partes. Assim, Murilo surpreendeu sua doadora alemã com um e-mail e a foto da sua tatuagem. À DW, ele conta que sente uma ligação com a doadora e por isso quis eternizar na pele suas palavras na caligrafia da carta: "Fiquei emocionado em saber o nome dela. Por tudo que eu e minha família passamos, a gratidão é inexplicável."

Conquista nacional

Por tratarem-se de estruturas complexas e bastante custosas, os registros estão presentes de forma bastante desigual ao redor do mundo. O primeiro registro de doadores de medula entre não aparentados é da Inglaterra, onde também ocorreu o primeiro transplante entre não parentes, em 1973.

Atualmente, o maior em número de doadores é o americano NMDP. O segundo, é o DKMS, que foi fundado na Alemanha em 1991 e opera também em diferentes países, como Polônia, Reino Unido, Índia, África do Sul, e recentemente no Chile e na Colômbia. O Redome é o terceiro da lista.

Para a coordenadora do Redome, Danielli Oliveira, o fato de o Brasil ter um registro expressivo é notável: "Isso não é comum entre países com nosso IDH. É mais uma das conquistas ou contradições que temos no Brasil, é um luxo".

Foto de Danielli Oliveira olhando para frente e sorrindo
Danielli Oliveira, coordenadora do Redome: registro dessa magnitude "não é comum entre países com nosso IDH"null REDOME/Divulgação

De fato, em comparação com outros países latino-americanos, o Redome é uma estrutura mais madura. "Na América Latina poucos países têm registro. O México tem, mas é muito pequeno ainda. Apenas Uruguai e Argentina têm registros consolidados, e o Chile começou a ter registro há apenas 5 anos", diz Oliveira.  

Além disso, o Brasil possui um dos registros mais diversos do mundo, "por sermos uma população altamente miscigenada", afirma a coordenadora.

Contemplar a variedade étnica

Foi justamente essa possibilidade de diversidade de genes HLA que inspirou a luta pela criação do Redome. O projeto foi idealizado e pleiteado pelo casal de médicos especialistas em imunogenética Jose Roberto Moraes, já falecido, e Maria Elisa Hue Moraes, 76 anos.

No final da década de 80, os dois estudavam nos Estados Unidos na área de biologia molecular, com uma bolsa de pesquisa do Inca, quando testemunharam um caso que os comoveu: "Havia uma menina latina que precisava de transplante e não encontrava doador nos registros existentes na época, que eram basicamente o americano NMDP e o inglês Anthony Nolan. Vimos que era praticamente impossível encontrar doador se não tivesse a genética caucasiana."

Então perguntaram-se: por que não criar um registro brasileiro que pudesse contemplar pacientes com a nossa diversidade? Os pesquisadores tinham convite para ficar nos Estados Unidos, mas decidiram retornar ao Brasil para investir na ideia.

"Em um primeiro momento propomos o projeto para o Inca, uma instituição que já realizava transplantes entre parentes, tinha laboratórios e estrutura. Mas o Brasil estava em uma fase econômica difícil, e não foi prioridade para o Inca, era um investimento muito alto", diz Moraes.

Duas pessoas de costas vestindo camisetas brancas, em uma está escrito "doador" e na outra, "receptor"
No Redome, chance de se encontrar um doador compatível beira os 90%null Associação da Medula Óssea (AMEO)

No entanto, a Fundação Pró-Sangue de São Paulo comprou a ideia e em 1993 começaram a ser cadastrados os primeiros doadores voluntários do registro brasileiro. "No começo foi aos trancos e barrancos, como eram poucos cadastrados era difícil das pessoas verem retorno naquilo. Mas aí quando estávamos em mil e poucos cadastrados encontramos a primeira compatibilidade", conta a médica. Essa primeira conquista culminou no primeiro transplante realizado com doador não aparentado do registro brasileiro, em 1995 em São Paulo.

"No início era tudo concentrado em São Paulo. Mas sabíamos que para ter um registro que contemplasse a nossa miscigenação, o Brasil inteiro tinha de estar envolvido." Em 1998 esse envolvimento nacional tornou-se realidade: o Inca assumiu as operações do Redome, que foi transferido de São Paulo para o Rio. E o registro viveu um boom. "É um sonho que se concretizou, e acho que foi uma grande contribuição para o Brasil e para o mundo também", diz Moraes.

Responsabilidade dos cadastrados

Existem dois diferentes métodos para o procedimento de doação: aférese e punção. No de aférese, o doador faz uso de uma medicação com o objetivo de aumentar a produção de células-tronco circulantes no seu sangue periférico, e então é feita uma coleta através das veias do braço. "É o método que mais tem sido utilizado, por ser menos invasivo", explica Denys Eiti Fujimoto, médico hematologista do Hemocentro Santa Casa de São Paulo. Já no método da punção é realizado um procedimento sob anestesia, em que medula óssea é retirada do interior do osso da bacia.

Apesar dos métodos serem altamente seguros, ainda existe certo receio e estigma por parte da população. Um doador que conversou com a DW relatou que quando foi chamado para realizar a doação, muitas pessoas da sua família pediram para que não fosse, tinham medo do que podia ocorrer. "A maior confusão é que, pelo termo medula óssea, as pessoas pensam em medula espinhal, mas não tem nada a ver", explica Fujimoto.

O especialista esclarece que o medicamento usado na coleta por aférese estimula a produção de glóbulos brancos, o que pode causar sintomas de gripe, mas não provoca efeitos colaterais e é usado há mais de 25 anos. "Já na coleta por punção, utiliza-se a anestesia raquidiana e o doador é internado, mas passa por rigorosa avaliação com anestesista e é liberado já no dia seguinte", acrescenta Fujimoto.

Mulher em escritório olhando para tela de computador com gráficos
Funcionária do Redome analisando exame de genes HLAnull Associação da Medula Óssea (AMEO)

Se a compatibilidade entre um paciente e algum doador do banco existe, ela é identificada em poucos dias. Então são solicitados exames confirmatórios e a coleta é agendada. Dados de 2016 (mais recentes divulgados pelo Redome para a instituição) apontam que 40% dos doadores convocados pelo Hemocentro da Santa Casa de São Paulo para exames confirmatórios desistem da doação ou não são encontrados.

"Muitas pessoas se cadastram no impulso, porque ouviram uma história, porque alguém conhecido precisava, mas sem entender totalmente como o registro e a doação funcionam", aponta a médica hematologista Carmen Vergueiro, coordenadora e fundadora da Associação da Medula Óssea do Estado de São Paulo (Ameo).

A organização fundada em 2002 presta assistência a pacientes que realizam o transplante e também promove educação e informação a respeito do procedimento. A coordenadora destaca a importância do comprometimento por parte de quem se registra como doador.  "Diferente da doação de sangue, não é só a coleta inicial e pronto, tem de manter dados atualizados e responder rápido quando contatado. Pacientes estão esperando, estão perdendo tempo", aponta Carmen.

Tendo atuado por quase 30 anos em testes de compatibilidade e atendimento a pacientes, a médica enfatiza: "Não pode achar milhões de outros iguais, é agulha no palheiro. E doação de medula é uma questão de vida ou morte, o doador pode salvar uma vida."

[Arquivo DW] Como se preparar para enchentes extremas?

A tragédia sem precedentes no Rio Grande do Sul se segue às cheias do final do ano de 2023 e aconteceu depois que, segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), metade da chuva prevista para todo o ano de 2024 caiu no estado nos últimos dias.

As enchentes que começaram a se espalhar no estado nos últimos dias de abril são a manifestação mais recente de situações extremas que afetaram diferentes regiões do mundo nos últimos anos.

Além das chuvas no Sul do Brasil, em particular em Santa Catarina, em 2023, enchentes causaram a morte de mais de 40 pessoas no nordeste da China após as chuvas torrenciais causadas pelo tufão Doksuri, que atingiu a capital, Pequim, e o entorno. Na Eslovênia, na Europa central, dois terços do país foram alvo de inundações, deslizamentos e o rompimento de uma barragem após precipitações intensas. Eventos severos também afetaram Áustria, Polônia, Croácia e Eslováquia no ano passado.

O verão no Hemisfério Norte também acabou sendo marcado por tempestades fatais no último ano. No início de julho, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Espanha testemunharam chuvas sem precedentes que causaram enchentes-relâmpago, deixaram vítimas e destruíram infraestruturas em  diversas regiões.

Estratégias de adaptação às mudanças climáticas

Os recordes de inundações em países como Brasil, Alemanha e Paquistão ligados ao agravamento da crise climática nos últimos anos levantam a questão de como países e comunidades podem se adaptar melhor para limitar os danos dos eventos extremos.

Cheias devastadoras no oeste europeu, especialmente no Vale do Ahr, na Alemanha, deixaram pelo menos 200 mortos. Após a tragédia, Lamia Messari-Becker, professora de engenharia civil da ​Universidade de Siegen, especializada em construção e design sustentáveis, disse à DW que era preciso falar sobre a adaptação às mudanças climáticas de forma urgente e concreta. "Agora é a hora dos engenheiros", diz. "Precisamos de ajuda real, ideias, soluções. Não podemos confiar em processos ou procedimentos normais agora. Estamos lidando com uma situação excepcional."

Reconstruindo melhor

Quando se trata de adaptar edifícios para resistir a enchentes, Messari-Becker traça paralelos com a arquitetura resistente a terremotos. Em tais edifícios, a profundidade da fundação, o projeto estrutural e materiais de construção são escolhidos especificamente para serem capazes de lidar com inundações extremas. Muitas casas desabadas nas regiões mais afetadas tinham centenas de anos, construídas em torno de uma estrutura de madeira incapaz de suportar massas de água.

"É exatamente assim que temos que operar aqui, quando estamos lidando com tamanha quantidade de água", ressalta. "Precisamos reforçar os porões para que eles também possam se encher de água, e as pessoas possam chegar rapidamente à segurança. Também são importantes aqui medidas de reforço para paredes externas, para telhados."

Família olha para um vale com casas de estilo enxaimel destruídas
Casas centenárias não foram construídas para suportar a força da enxurradanull Harald Tittel/dpa/picture alliance

Boris Lehmann, professor de engenharia hidráulica da Universidade Técnica de Darmstadt, lembra que medidas como válvulas de retenção em conexões de esgoto, que evitam que as enchentes voltem para as casas, e impermeabilização de janelas e portas nos níveis mais baixos dos edifícios também são essenciais.

"Nossas avaliações de danos mostram que medidas de precaução privadas podem reduzir significativamente os danos causados ​​por enchentes", relata Annegret Thieken, professora que se concentra em pesquisas sobre riscos naturais na Universidade de Potsdam.

Ela também aponta a necessidade de se proteger elementos potencialmente destrutivos, como tanques de combustível usados ​​para aquecer casas. "O óleo combustível pode penetrar profundamente na alvenaria e também danificar prédios vizinhos", explica. "Em casos severos, os danos do óleo podem tornar os edifícios inabitáveis. A proteção contra inundações pode evitar que os tanques de óleo subam dos porões, reduzindo os danos aos edifícios e ao meio ambiente."

Cidades à prova de intempéries

Não é suficiente focar apenas em edifícios. As cidades e outras áreas urbanas precisam pensar em controlar a água antes que ela tenha a chance de inundar os porões, reforçando os reservatórios e represas que podem ajudar a absorver as torrentes repentinas.

As enchentes mostraram que pequenos riachos em vales estreitos, onde a água não tem muito espaço para se espalhar  – como na devastada região de Ahr, ao sul de Bonn – podem se transformar em enxurradas mortais em poucas horas. Nesses lugares, segundo Messari-Becker, represas e diques precisam ser erguidos e expandidos para proteger melhor as cidades de altos níveis de água.

Solidariedade após enchentes devastadoras na Alemanha

Ela alerta, no entanto, que isso não é barato – simplesmente ampliar um dique, por exemplo, pode custar pelo menos 1 milhão de euros (R$ 5,4 milhões) por quilômetro. "E quanto mais estreito é um vale, mais caras são essas medidas", acrescenta. "Para proteger a infraestrutura de maneira eficaz contra esses eventos extremos, o projeto atual de nossos sistemas de gerenciamento de água e engenharia hidráulica não é suficiente – como mostram as atuais calamidades", diz Lehmann.

Trabalhando com a natureza, e não contra ela

Devido à impossibilidade de se reformar e reforçar todas as estruturas urbanas, planejadores e engenheiros afirmam ser necessário encontrar maneiras de trabalhar com o mundo natural, em vez de tentar controlá-lo. Sempre que possível, segundo Messari-Becker, deve-se permitir que os cursos de água fluam como a natureza pretende, sem serem alterados ou retificados. "Isso concentra e acelera ainda mais os volumes de água durante uma enchente", diz.

Em vez de se confinar os rios, os diques devem ser movidos de volta, para abrir espaço para planícies aluviais – espaços verdes abertos que podem servir como reservatórios de transbordamento durante as enchentes. Esses locais foram expandidos ao longo do rio Elba, no leste da Alemanha, após vários eventos de enchentes destrutivas no início dos anos 2000.

Vista do rio Elba com Dresden ao fundo
Planícies aluviais do Elba foram ampliadas em Dresden após enchentes nos anos 2000null Sylvio Dittrich/imago images

Outra abordagem é tornar as áreas urbanas mais permeáveis, para que a água seja mais facilmente absorvida em uma área mais ampla e não se concentre em pontos específicos. De acordo com a Agência Federal do Meio Ambiente da Alemanha, 45% das áreas residenciais e de tráfego da Alemanha já foram cobertas com concreto ou asfalto. Como resultado, a água não consegue penetrar naturalmente no solo, levando a sistemas de esgoto a transbordar e aumentar o risco de inundações.

A cidade de Leichlingen, a sudeste de Düsseldorf, foi atingida por inundações severas várias vezes nos últimos anos. Para aliviar o estresse na gestão da água, eles pretendem fazer uso de um novo modelo de planejamento conhecido como "cidade-esponja".

A ideia é canalizar a água da chuva de telhados, praças e ruas para valas cobertas de grama ao lado das ruas. O excesso de água poderia então ser drenado naturalmente e adicionado ao lençol freático local, reduzindo a carga sobre a infraestrutura de gerenciamento de água. Cisternas de reserva também seriam instaladas para coletar o excesso e poderiam ser usadas para regar os espaços verdes da cidade.

Vista aérea da barragem de Steinbach, em Euskirchen, Alemanha
Cheia até a borda, a barragem de Steinbach, em Euskirchen, ainda está em risconull Sebastien Bozon/Getty Images/AFP

Preparando a população para o pior

Melhorar a infraestrutura e os sistemas de gerenciamento de água não adiantará muito se a população não souber como reagir diante de uma parede de água. É por isso que Lehmann, da Universidade Técnica de Darmstadt, enfatiza a necessidade de uma maior conscientização pública.

"Especialmente no caso de inundações repentinas causadas por condições meteorológicas extremas, não há apenas muita água, também há uma grande quantidade de detritos flutuantes, lixo e outras coisas se movendo com a água", diz, acrescentando que as pessoas que entram nessas águas correm o risco de se afogar e serem esmagadas. Ele afirma que campanhas contínuas de educação são necessárias para ensinar o público como reagir em situações extremas – por exemplo, como escapar de um carro preso em uma corrente.

"'Fuja da água e fique em segurança o mais rápido possível' –  devemos começar a ensinar essas regras de conduta já no ensino fundamental", sublinha. "Em caso de emergência, isso pode salvar vidas."

Em casos extremos, as pessoas terão que reconsiderar onde estão morando. Em vez de reconstruir no mesmo local, alguns podem ser forçados a ir para terras mais altas, longe de zonas de inundação potencialmente perigosas. Algumas áreas podem não ser mais sustentáveis.

"Mas se os investimentos necessários em medidas de proteção forem feitos de forma rápida e eficaz agora, pode não ser tarde demais", diz Messari-Becker.

Detox das redes melhora autoestima em mulheres, diz estudo

As infinitas possibilidades de observação da vida alheia que as redes sociais oferecem e a abundância de "corpos perfeitos" nesses ambientes digitais podem estar abalando a autoestima e a autoimagem de mulheres jovens, aponta um estudo da York University em Toronto, no Canadá, publicado recentemente no jornal científico ScienceDirect.

A conclusão veio após um experimento com 66 estudantes de graduação da universidade com idade entre 17 e 24 anos, divididas em dois grupos: um ficou uma semana inteira sem usar TikTok, Instagram, Twitter e Facebook; o outro seguiu usando as plataformas como de costume.

Todas as participantes responderam a questionários aplicados antes e depois do experimento, informando sobre como se sentiam em relação a si mesmas e como percebiam seus próprios corpos – se estavam, por exemplo, satisfeitas com o que viam no espelho e se gostariam de ser como as modelos que estampam capas de revistas.

Segundo os autores do estudo, o grupo que fez o detox digital teve melhora significativa em termos de autoestima e autoimagem, sendo que as mulheres suscetíveis ao ideal de magreza foram as que tiveram maiores ganhos nesse sentido.

"Dar uma pausa nas redes sociais parece ser uma estratégia especialmente útil para mulheres que correm o risco de desenvolver distúrbios de alimentação por valorizarem excessivamente a magreza", dizem os pesquisadores do departamento de psicologia da York University.

As autoras do estudo, porém, ressaltam que as causas dessa melhora devem ser mais bem investigadas, já que essas mulheres podem estar mais expostas a conteúdos que reforcem esse ideal de magreza. A pausa nas redes, neste caso, interromperia um ciclo vicioso onde a baixa autoestima e uma imagem ruim do próprio corpo se retroalimentam.

"A exposição repetida a imagens de corpos idealizados, aliada à valorização e insatisfação com a própria imagem, podem levar um indivíduo a se enxergar de forma mais negativa", assinalam as pesquisadoras. "Da mesma forma, a baixa autoestima pode tornar um indivíduo mais vulnerável a pressões sociais, como possuir o corpo perfeito", de modo que o detox digital limitaria as oportunidades para ficar se comparando aos outros.

Outra hipótese é que o detox digital pode ter levado à adoção de novos comportamentos, ou comportamentos diferentes, como passar mais tempo ao ar livre, socializar com amigos, dormir mais ou se exercitar – todas atividades que comprovadamente contribuem para a saúde mental e física. Isso, por sua vez, poderia ter induzido mais pensamentos e sentimentos positivos em relação ao próprio corpo.

Conscientização sobre riscos das redes

Coordenadora do estudo, a professora de psicologia Jennifer Mills pesquisa há mais de duas décadas mídias usadas por mulheres e a relação delas com o bem-estar e distúrbios alimentares.

Ao portal alemão Tagesschau, Mills aponta que o consumo de informações por mulheres mudou muito nesse período. Se antes elas podiam passar apenas um tempo limitado consumindo revistas de moda e beleza que saíam apenas uma vez por semana, hoje, com as redes sociais, essa possibilidade aumentou exponencialmente.

Por isso, a psicóloga defende que é preciso conscientizar mais as pessoas sobre os riscos das redes sociais, e que as plataformas precisam dar mais autonomia aos usuários para que possam decidir como interagir com essas tecnologias.

ra (ots)

Startup alemã lança foguete movido a cera de vela

A startup alemã do setor aeroespacial HyImpulse anunciou ter realizado com sucesso o teste de um foguete impulsionado por parafina de cera de vela, o primeiro lançamento comercial de uma empresa alemã em décadas.

Segundo um porta-voz da empresa, o dispositivo de doze metros de comprimento e estágio único (ou seja, que viaja ao espaço sem descartar nenhuma de suas partes) decolou nesta sexta-feira (03/05) no sul da Austrália, por volta das 2h da manhã do horário de Brasília.

O foguete, que não tem potência suficiente para alcançar uma órbita terrestre, foi projetado para atingir uma altitude de 250 quilômetros e transportar 250 quilos de carga. Para este teste, porém, foi planejada uma altura menor, de 60 quilômetros, de modo que o limite do espaço não foi ultrapassado.

A Hyimpulse utiliza um tipo inovador de propulsão que combina oxigênio líquido com parafina – e isso sem "risco de explosão" e com uma tecnologia mais simples, segura e barata, segundo a empresa, que alega que a construção do veículo é "cerca de 40% mais barata do que os sistemas de propulsão convencionais".

Com o teste, a startup, que está mirando no mercado de lançamento de pequenos satélites, queria coletar dados sobre o funcionamento do propulsor e dos sistemas de controle. As informações serão usadas no desenvolvimento de um segundo modelo de foguete, com 32 metros de comprimento e capacidade para até 600 quilos de carga útil a uma altitude de 500 quilômetros, e cujo voo está planejado para o final de 2025.

"Foguete é como um táxi"

Cofundador da startup de 65 funcionários criada em 2018 e com sede em Neuenstadt am Kocher, no estado de Baden-Württemberg, Christian Schmierer explicou em entrevista ao jornal alemão Tagesspiegel o diferencial do foguete. Segundo ele, os veículos atualmente disponíveis no mercado são como ônibus que descarregam satélites apenas em determinados pontos da órbita terrestre. "Nosso foguete é como um táxi", disse.

Mario Kobald, outro cofundador da startup, celebrou o teste como demonstração da "capacidade da nação espacial Alemanha" e ampliação do "acesso da Europa ao espaço sideral".

Na Europa, várias empresas estão competindo no desenvolvimento de mini foguetes lançadores. Na Alemanha, a Hyimpulse compete com as também neófitas Isar Aerospace de Munique e Rocket Factory Augsburg; na França, com a Maiaspace e Latitude; e na Espanha, com a PLD Space.

ra (AFP, ots)

 

Fogões a gás são um perigo para a saúde?

Como em outros países europeus, fogões a gás e elétricos ainda competem nas cozinhas da Alemanha. Quem cozinha com gás sabe das vantagens: fogo direto, temperatura e chama reguláveis com flexibilidade, sem necessidade de panelas especiais, como nos fogões de indução. Além disso, o gás é mais econômico do que eletricidade. Eles são especialmente apreciados nas cozinhas de restaurantes.

No entanto essa tecnologia mais antiga é frequente objeto de controvérsia. Em Nova York, fogões a gás devem ficar proibidos na maioria dos prédios novos, a partir de 2026. Em primeira linha, trata-se de reduzir as emissões de gases derivados de petróleo e causadores do efeito estufa. Porém, segundo pesquisadores da Universidade de Stanford, Estados Unidos, eles também acarretam riscos de saúde.

A maior fonte de preocupação é o dióxido de nitrogênio (NO2), produzido em grande quantidade durante processos de incineração, por exemplo em fábricas, usinas, aparelhos de calefação e, acima de tudo, no trânsito. E no processo de cozimento, seus efeitos nocivos não se restringem à cozinha.

O professor Robert B. Jackson, da Escola de Sustentabilidade Stanford Doerr, um dos principais autores do estudo publicado na revista online Science Advances, explica que "dentro de uma hora após a utilização do fogão a gás, as concentrações tóxicas no quarto de dormir ultrapassam as taxas de referência para a saúde, e continuam muito altas ainda horas depois de se ter desligado o fogão". Portanto esse tipo de poluição não seria apenas um problema para os cozinheiros, mas "para toda a família".

Homem e mulher trabalham em cozinha de restaurante
Ritmo acelerado das cozinhas de restaurantes se beneficia da rapidez e flexibilidade do fogo a gásnull Tom Little/REUTERS

Perigos do dióxido de nitrogênio

O dióxido de nitrogênio é um gás irritante corrosivo, que ataca as mucosas de todo o trato respiratório, sobretudo dos brônquios e alvéolos pulmonares, resultando em dificuldade de respirar, tosse e bronquite, além de uma maior propensão a infecções respiratórias e redução da capacidade pulmonar.

Contam como grupos de risco, sobretudo os portadores de doenças respiratórias como asma ou bronquite crônica, assim como pacientes cardíacos e crianças, cujo desenvolvimento pulmonar pode ficar comprometido. Os autores de Stanford calculam que o coquetel tóxico emitido pelos fogões a gás é responsável por até 200 mil casos atuais de asma infantil nos Estados Unidos, um quinto dos quais atribuíveis especificamente ao NO2.

Eles calculam que 19 mil mortes por ano são consequência da exposição permanente ao dióxido de nitrogênio em casa. Isso equivale a 40% dos casos de morte por fumo passivo no país. Ao mesmo tempo, ressalvam tratar-se de apenas uma estimativa, por não considerar uma exposição repetida a taxas extremamente altas de NO2, por períodos breves, como ocorre nas casas com fogões a gás.

Além disso, o cálculo se basearia em estudos anteriores sobre os efeitos nocivos do gás ao ar livre, onde também estão presentes outros agentes tóxicos emitidos por carros e usinas, frisam os pesquisadores.

Exaustor e ventilação

A equipe científica da Universidade de Stanford já publicou diversos estudos sobre os fogões á gás. Os anteriores analisaram como esses dispositivos domésticos emitem gás metano e o cancerígeno benzol. A presente pesquisa é mais uma peça no quebra-cabeça para compreender os efeitos dessas emissões para a saúde humana.

Desta vez, analisaram quão fortemente as substâncias tóxicas se propagam numa residência, concentram-se e, por fim, se dissipam. Nesses cálculos, a área residencial constituiu uma grandeza mensurável. Constatou-se, ainda, que os próprios alimentos emitem muito pouco a nenhum NO2, e os fogões elétricos, absolutamente nenhum NO2 ou benzol. "O problema é o combustível, não os alimentos", assegura Jackson.

Ele e sua equipe aconselham o uso de um exaustor de cozinha, se disponível. Ventilar regularmente a casa também reduz a carga poluente.

 

Dinossauros não eram mais inteligentes que macacos, mostra estudo

Os dinossauros não eram tão inteligentes como se acreditava e, embora a sua inteligência pudesse ser comparável à dos grandes répteis, em nenhum caso pode ser comparada à dos macacos.

Essa foi a conclusão a que chegou uma equipe internacional de pesquisadores, contradizendo assim um estudo anterior, publicado no ano passado, segundo o qual o Tyrannosaurus rex tinha um número excepcionalmente elevado de neurônios. Isso supostamente estaria diretamente relacionado à sua inteligência, e eles compararam alguns de seus hábitos com os dos macacos.

Avaliação paleontológica e neurológica

Uma equipe internacional formada por pesquisadores de paleontologia, ciências comportamentais e neurologia reexaminou o tamanho e a estrutura do cérebro em diferentes dinossauros e concluiu que eles se comportavam de maneira semelhante à dos crocodilos e lagartos.

Participaram do novo trabalho pesquisadores das universidades britânicas de Bristol e Southampton, de Heinrich Heine (Alemanha), de Alberta e do Royal Ontario Museum – ambos no Canadá – e do Instituto- Catalão de Paleontologia Miquel Crusafont (ICP). As conclusões da pesquisa foram divulgadas na revista científica The Anatomical Record.

T-Rex em museu de história natural.
Estudo recente desbanca a ideia de que dinossauros tinham número excepcionalmente elevado de neurônios.null Peter Schneider/KEYSTONE/picture alliance

No estudo anterior, publicado no ano passado, os investigadores sustentaram que o elevado número de neurônios estava diretamente relacionado com a inteligência dos dinossauros. Eles também citaram a transmissão cultural de conhecimento ou a utilização de ferramentas como exemplos de características cognitivas que a espécie poderia ter apresentado.

Nova contagem de neurônios

No entanto, os pesquisadores examinaram de perto as técnicas usadas para estimar o tamanho do cérebro dos dinossauros e o número de neurônios e concluíram que suas deduções não eram confiáveis.

Ao longo das últimas décadas, paleontólogos e biólogos examinaram o tamanho e a anatomia dos cérebros dos dinossauros e usaram esses dados para inferir qual era seu comportamento e estilo de vida.

A equipe de pesquisa deduziu que o tamanho do cérebro, especialmente a parte anterior, havia sido superestimado em estudos anteriores e, portanto, também a contagem de neurônios, e concluiu que as estimativas do número de neurônios não são um indicador confiável da inteligência desses animais.

A equipe de cientistas defende no novo artigo que, para reconstruir solidamente a biologia das espécies extintas, é necessário analisar diferentes aspectos, como a anatomia do seu esqueleto, a histologia óssea, o comportamento dos parentes atuais ou vestígios fossilizados.

Ilustração de dinossauro do tipo Acrocantossauro.
Cientistas afirmam que estimativas de neurônios não são um indicador confiável da inteligência dos dinossauros. null MIRO3D/IMAGO

Inteligência "fascinante" dos dinossauros

"Para determinar a inteligência dos dinossauros e de outros animais extintos, é necessário incorporar diferentes evidências, que vão desde a anatomia geral até pegadas fósseis, e não focar apenas em estimativas do número de neurônios”, explicou Hady George, da Escola de Ciências da Terra da Universidade de Bristol.

As contagens de neurônios "não são bons preditores do desempenho cognitivo, e usá-las para prever a inteligência em espécies extintas pode levar a interpretações muito enganosas”, afirmou a pesquisadora Ornella Bertrand, do Instituto Catalão de Paleontologia Miquel Crusafont.

"A possibilidade de o T. rex ter sido tão inteligente como um babuíno é ao mesmo tempo fascinante e assustadora e significa reformular a nossa visão do passado”, concluiu Darren Naish (Universidade de Southampton). Ela garantiu que os novos dados "vão contra esta ideia" – eles eram mais como crocodilos gigantes inteligentes, e isso é igualmente fascinante.

Futurando - edição de 20/03/2023

sf (DW, EFE)

Como é ser médico estrangeiro na Alemanha?

A Alemanha vem emergindo como destinação preferencial para médicos migrantes – uma bênção para uma nação afligida por carência aguda de profissionais da saúde. Segundo a Associação Médica Alemã (BÄK), trabalham atualmente no país aproximadamente 60 mil médicos de outras nacionalidades, cerca de 12% da força médica nacional.

A maioria provém de outros países europeus ou do Oriente Médio, sobretudo da Síria. Antes de poder trabalhar num hospital do país, os médicos que vem para a Alemanha precisam se submeter a um procedimento de aprovação rigoroso, a fim de obter a licença profissional. Ele inclui dois exames provando proficiência em geral e conhecimentos da linguagem profissional em alemão.

Para certos observadores, os médicos que desejam trabalhar no país necessitam mais apoio para atravessar esse processo tão exigente, senão o sistema de saúde sairá prejudicado. Jürgen Hoffart, diretor geral da Associação Médica da Renânia-Palatinado, enfatiza: os profissionais não devem ser tratados como mão de obra barata, mas sim integrados ao sistema do modo mais rápido e eficaz possível.

Por que a escassez de médicos na Alemanha?

Organizações internacionais de saúde alertam que a escassez de profissionais de saúde é tão grande, em todo o mundo, que em breve o acesso a um médico próximo de casa pode se tornar um luxo  em muitos países. O gargalo é especialmente agudo em nações de baixa renda, muitas das quais não alcançam a proporção recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de um médico para cada mil habitantes.

Segundo dados federais, a Alemanha dispõe de 4,53 médicos praticantes para mil habitantes, concentrando 30% dos 1,82 milhão de profissionais da Europa. No entanto, a cifra está caindo rapidamente.

Assim como os demais países-membros da União Europeia, em breve a Alemanha apresentará carência de pessoal médico: os que se aposentam não estão sendo substituídos com a rapidez necessária, sobrecarregando sobretudo os profissionais do setor público. A situação é agravada por uma população cada vez mais idosa, que exige maior atenção clínica.

Em 2023, 41% dos generalistas do país tinha mais de 60 anos, assim como 28% dos especialistas. Estima-se que nos próximos anos, entre 5 mil e 8 mil consultórios vão fechar, em especial devido a aposentadorias.

Uma vez que não há suficientes formandos para tomar o lugar dos que se aposentam, recrutar médicos do exterior é a única solução de curto prazo para o sistema de saúde seguir funcionando com o padrão atual.

Como os médicos estrangeiros estão se saindo na Alemanha?

"Na Alemanha, todos os profissionais médicos, inclusive os não nativos, recebem confiança e apreciação", afirma Fabri Beqa, natural do Kosovo, que trabalha no país há mais de 18 anos. "Na minha experiência, médicos estrangeiros são gente motivada, disposta a aprender e encarar os desafios de trabalhar no sistema sanitário de um outro país."

"A infraestrutura de saúde alemã é consideravelmente mais bem financiada do que a de muitos outros países, inclusive o Kosovo, meu país natal. Para um profissional da medicina, isso significa trabalhar com ferramentas mais avançadas e se beneficiar do desenvolvimento profissional de alta qualidade."

Ele frisa que "muitas vezes dos médicos estrangeiros têm que trabalhar em salas de emergência ou em hospitais, onde a carga de trabalho é mais alta, em comparação". No entanto, isso vale a pena, graças a um bom equilíbrio trabalho-vida: "Você ganha bastante e tem tempo suficiente para aproveitar a vida."

Beqa reconhece que, devido à falta do devido apoio estrutural, os estrangeiros precisam empregar mais esforço no desenvolvimento da própria carreira do que seus pares alemães. Por exemplo: estabelecer a própria clínica ou consultório em geral leva bem mais tempo, sobretudo devido a uma lacuna na lei alemã.

"A Alemanha só reconhece o treinamento médico básico, portanto se um especialista quer praticar aqui, ele precisa passar novamente pelo treinamento específico", o que acarreta investir ainda mais anos nos estudos.

Quão séria é a barreira de língua para os médicos estrangeiros?

Hoffart, da Associação Médica da Renânia-Palatinado, relata reclamações esparsas de pacientes que dizem não ter podido entender totalmente seus clínicos estrangeiros.

"Vez por outra eu recebo telefonemas de pacientes com a pergunta: 'Pode me indicar um hospital onde os médicos falem alemão direito?" E por vezes a crítica é justificada: "Tenho repetidamente recebido relatórios médicos muito difíceis de entender, pelo menos em parte", conta Hoffart.

Apesar de os médicos estrangeiros terem que fazer testes de idioma durante o processo de aprovação, estes se concentram no alemão padrão, mas não ajudam a entender dialetos e sotaques locais. Um estudo de 2016 da Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, registrou que um grande número de médicos estrangeiros se debatia com problemas do idioma alemão e uma falta de conhecimento da cultura e do sistema clínico nacional.

Outro estudo, de 2022, da Universidade de Basileia, em dois grandes hospitais universitários da Alemanha, constatou que grande parte dos profissionais, incluindo enfermeiros e clínicos, sofria discriminação relacionada ao idioma, nacionalidade, raça e etnicidade.

Por sua vez, o kosovar Beqa diz não ter observado nenhum problema na integração dos médicos ou com sua capacidade de aprender alemão: "Na minha experiência, a maioria pega o idioma bem rápido. Além disso, mesmo que você fale bem alemão, sempre há pacientes que não falam. Então a barreira de língua não é só um problema para os médicos."

Para Jürgen Hoffart, um modo de resolver os problemas seria mais médicos estabelecidos da Alemanha se ocuparem de seus colegas do exterior e lhes passarem as especificidades do sistema nacional. "Se necessário, eles podem fazer cursos adicionais de idioma e comunicação", sugere o diretor geral.

Em que países o TikTok é proibido ou restrito?

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, aprovou na última quarta-feira (24/04) uma lei dando ao TikTok nove meses de prazo para vender suas operações em solo americano a uma empresa nacional, ou ser interditada.

A alegação é que sua empresa-matriz, a Bytedance, estaria sujeita à influência do governo da China, podendo repassar-lhe dados sensíveis de cidadãos americanos. A ByteDance nega as imputações.

Na União Europeia, a polêmica em torno do TikTok é de outra ordem: as autoridades consideram que o aplicativo de vídeos breves chinês representa um grande risco de dependência, sobretudo para usuários jovens, podendo também causar outras formas de dano psíquico.

Em reação às ressalvas, a companhia suspendeu no novo app TikTok Lite, lançado em abril na França e Espanha, a função de recompensa, que premia as visualizações com vales-brindes para produtos reais.

Onde o TikTok está banido

A Índia, vizinha da China, esteve entre as primeiras nações a impor restrições ao TikTok, proibindo-o, junto com cerca de 60 outros apps chineses, durante uma confrontação militar ao longo da fronteira comum do Himalaia. Desde 2020 vigora interdição total, justificada com a segurança de dados dos cidadãos indianos.

No Afeganistão, o Talibã alegou ressalvas morais para banir a plataforma em 2022, cerca de um ano após retomar o poder no país. Os governos do Quirguistão, Uzbequistão, Nepal igualmente adotaram a medida, por motivos análogos.

O TikTok está também vetado no Irã, por ter supostamente bloqueado endereços de protocolo da internet (IP) do país. Fato, porém, é que o regime totalitário de Teerã interditou praticamente todas as grandes plataformas sociais, como YouTube, X, Instagram, WhatsApp, Facebook e Telegram.

Países com proibição parcial do TikTok

Quase todos os governos que impuseram restrições ao TikTok afirmam ter agido para proteger seus cidadãos de consequências negativas como abuso de dados pessoais, desinformação e "propaganda inimiga", assim como de danos morais e psíquicos.

Em diversas ocasiões, o Paquistão, por exemplo, baniu o aplicativo temporariamente por conteúdo inadequado. Na maioria dos casos ele voltou a estar disponível depois de a empresa ajustar seus filtros para bloquear o material ofensivo.

Na Rússia é considerado ofensivo tudo que apresente a invasão russa da Ucrânia de modo divergente da narrativa oficial do Kremlin. Na China o aplicativo é bloqueado em aparelhos estrangeiros, de forma que só a versão chinesa pode ser usada.

Situações de conflito também têm suscitado o bloqueio temporário do TikTok. O Azerbaijão tomou a medida em 2020, quando se acirrou o conflito com a Armênia em torno da região de Nagorno-Karabakh. Da mesma forma, o Senegal o proibiu em seguida à prisão do oposicionista Ousmane Sonko.

Países com TikTok restrito para funcionários do governo

No momento, em 16 países, a maioria europeus, está interditada a instalação do TikTok nos telefones celulares do governo. O âmbito dos bloqueios varia grandemente. Nos Estados Unidos e Canadá, desde o início de 2023 os funcionários públicos federais não podem tê-lo em seus aparelhos de trabalho. A medida vale também para a maioria dos governos estaduais americanos.

Em março de 2023 houve uma avalanche de ordens de governos democráticos instando seus funcionários a cancelarem o aplicativo. Entre esses países estiveram Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Holanda e Noruega.

Na Dinamarca, a proibição só se aplica aos funcionários do Ministério da Defesa; na Letônia, aos do Ministério do Exterior. Desde setembro o app está excluído dos celulares oficiais no Parlamento Europeu.

TikTok na Alemanha

Os partidos que compõem a atual coalizão governamental alemã – Social-Democrata (SPD), Verde e Liberal Democrático (FDP) – estão atualmente considerando se regulamentam ou proíbem o uso do TikTok nos celulares dos funcionários públicos. A oposicionista conservadora União Democrata Cristã (CDU) tem reivindicado até mesmo o banimento total.

No momento, porém, não há qualquer restrição ao aplicativo no país. A populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) tem tido especial sucesso em empregá-lo para acessar o eleitorado jovem.

Samu completa 20 anos como símbolo de êxito do SUS

Aliviado, apesar da situação, o aposentado José Roberto Dias, de 65 anos, assiste à sobrinha embarcar quase inconsciente a bordo de uma Unidade de Suporte Avançado (USA) do Samu, enquanto é cuidada por uma equipe com médica, enfermeiro e técnico-condutor. Foram eles que a retiraram com sinais vitais fracos do segundo andar da casa onde mora com os tios, na região central de Santo André.

"Toda profissão é honrada, mas o trabalho dos socorristas de emergência é muito nobre, conseguem dar um suporte a pacientes e familiares muitas vezes nos momentos mais vulneráveis", afirma Dias.

O comentário do aposentado é emblemático da percepção que a população tem do Samu, como é conhecido comumente o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência. Uma pesquisa feita pelo Samu de São Paulo revelou que 90% dos moradores percebem positivamente o serviço que completa 20 anos neste sábado (27/04).

"Acho que a melhor parte do trabalho é poder confortar; salvar uma vida às vezes é difícil, o êxito nem sempre acontece, mas confortar um parente, uma família, é o principal", avalia Francis Fuji, de 45 anos, 16 deles dedicados ao cuidado pré-hospitalar. "Por pior que seja o desfecho, a família agradece porque a gente confortou, acolheu, e teve amor naquilo que fez."

Nascimento

O Samu nasceu oficialmente em 27 de abril de 2004, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto 5.055 que institui o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência em municípios e regiões do território nacional. O número 192 foi estabelecido para acionar o serviço em todo o país.

O decreto universalizou o atendimento que já vinha sendo testado desde 2003, após a publicação, no ano anterior, da portaria ministerial 2.048, que determina regras de atuação, tais como equipamentos e protocolos a serem seguidos – decisões que, para os "pais" do Samu, não eram nada triviais à época.

"Quais equipamentos íamos colocar na ambulância? As mochilas vão ter quais medicações? O que vamos levar dentro de uma mochila do enfermeiro, dentro da mochila do médico?", exemplifica o coordenador do Samu de São Paulo, Laelcio Ramos. 

Passadas duas décadas, o Samu alcança 187,2 milhões de pessoas em 3,9 mil municípios, segundo o Ministério da Saúde, o que equivale a cerca de 92% da população – graças a algumas mudanças feitas no modelo francês que serviu de referência na implementação do serviço, como, por exemplo, o uso de motocicletas no atendimento a partir de 2008.

Em Sergipe, 85% dos atendimentos são feitos com as chamadas "motolâncias", com tempo de resposta de até dez minutos a partir de uma das 40 bases, segundo o superintendente do Samu no estado, Denison Pereira. "Em 1998, havia duas ambulâncias do Corpo de Bombeiros em todo o estado; hoje eles contam com cinco, enquanto o Samu utiliza 43 Unidades de Suporte Básico (USB) e 16 USA, além de quatro motos por base", acrescenta o enfermeiro.

Já "ambulanchas" são utilizadas em regiões como a Amazônia e partes do litoral fluminense para atender comunidades ribeirinhas e costeiras. Na capital amazonense, quatro lanchas dão suporte a comunidades rurais localizadas a até 100 quilômetros da cidade pelo rio Negro e rio Amazonas. "Nesta última estiagem tivemos de lidar com dezenas de comunidades isoladas, sendo impossível chegar até elas pela água", conta Ellen Assunção, enfermeira coordenadora do Samu de Manaus.

"Neste período, pegamos por exemplo um senhor vítima de infarto, que só foi salvo porque conseguimos um helicóptero emprestado para chegar até ele. Mesmo de lancha o deslocamento pode levar quatro horas, dificultando o socorro", conta.

Pandemia

Mas nenhum deslocamento foi mais desafiador, diz Assunção, do que as remoções de pacientes de covid-19 dos hospitais superlotados e com falta de oxigênio de Manaus para todo o Brasil. Com o colapso do sistema de saúde da capital amazonense, as autoridades fizeram a remoção de 248 pacientes para cidades como Recife, Goiânia e até Uberaba.

"Foi muito tenso porque usávamos todo aquele equipamento de proteção individual, com macacão, máscara, óculos, faceshield. A movimentação dentro da aeronave era ruim, chegar próximo do paciente e fazer os procedimentos com aquela roupa, naquele espaço pequeno, era um desafio", relembra Assunção.

Uma ambulância do Samu com as portas abertas. Do lado de fora, um paciente em cima de uma maca, cercado por profissionais de saúde
Socorristas atuando durante a pandemianull Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance

Naquela ocasião, o governo federal custeou o deslocamento dos pacientes – um aporte financeiro comum ao Samu, que conta com cerca de R$ 1,94 bilhão anuais em verba federal para a distribuição por todo o país das viaturas (sendo 3.847 carros, 256 motos e 13 lanchas, além de 21 equipes de resgate aeromédico).

O custeio das operações é dividido entre município, estado e União. Uma operação cara, mas que posiciona o serviço como ponta de lança e excelência dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).

Para Ramos, que é coordenador médico do Samu de São Paulo, trata-se de um mérito enorme para o SUS, que revela a eficiência de um serviço público que a iniciativa privada, na sua avaliação, não tem como substituir. "Os serviços privados equivalentes não dão conta, não têm tempo resposta, não têm prontidão, não têm a agilidade do Samu. Tudo isso é muito caro, não é rentável para o privado", afirma.

Ameaças

Primeiro médico a bordo de uma ambulância de suporte avançado em todo o país, ainda em 1996, antes mesmo da criação oficial do Samu, Ramos acompanhou com vista privilegiada os avanços e conquistas do serviço, além de ameaças que ele enfrenta e enfrentou na cidade mais rica do país.

Devido à existência de um serviço de resgate ligado ao Corpo de Bombeiros, o Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências (Grau), o governo paulista nunca bancou a parte que lhe caberia para o custeio do Samu. O resultado é uma prestação de serviço que fica abaixo do recomendado.

Em São Paulo, os cerca de 11,5 milhões de habitantes contam com 122 ambulâncias – 15 delas UTI móveis –, o que garante uma média de uma a cada 94 mil habitantes. A média está dentro do coeficiente de um para cada 100 mil pessoas proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas é metade do defendido pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos para países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Este contingente atende aproximadamente 390 mil ocorrências por ano – mais de 900 por dia.

Em Manaus, com 2 milhões de habitantes, as 45 ambulâncias, 16 motolâncias e duas ambulanchas, além de duas de suporte, realizaram, em 2023, 55,5 mil atendimentos. Com uma ambulância para cada 44 mil habitantes, os desafios na capital amazonense são as distâncias a serem vencidas.

Um problema que em São Paulo parecia superado, até que em 2019, a prefeitura, sob a gestão de Bruno Covas, decidiu fechar 31 bases do serviço pela cidade, centralizando as viaturas em hospitais – uma decisão que acabou afetando o socorro de pacientes ao longo da pandemia. Para piorar, há seis anos o Governo Federal não faz nenhuma doação de ambulâncias ao programa paulista do serviço.

Entre os problemas enfrentados pelas trocas constantes de gestões e lentidão na adoção de novos procedimentos e tecnologias, profissionais consideram a adesão de contratos com organizações de saúde (OS) o ponto mais crítico. Regimes de contratação mais precários e uso de materiais de menor qualidade são alguns dos reflexos destas gestoras da saúde, afirmam.

Com relação aos atendimentos, os socorristas citam como principal problema as informações falsas prestadas por pacientes para furar a fila de espera.

Sonda orbital da ESA detecta "aranhas" em Marte

Uma imagem captada recentemente pela sonda ExoMars Trace Gas Orbiter ,da Agência Espacial Europeia (ESA), revelou uma série de formações na superfície de Marte que, à primeira vista, se assemelham a um grupo de aranhas.

Essas formações bastante peculiares, encontradas em uma região no polo sul do planeta vermelho chamada de "Cidade Inca", resultam do gelo que, com a mudança do inverno para a primavera marciana, libera gás carbônico, formando canais que vão de 45 metros a um quilômetro de diâmetro.

"Essas pequenas rachaduras se formam quando a luz do sol primaveril recai sobre a cobertura de dióxido de carbono depositada durante os meses escuros de inverno", explicou a ESA.

"A luz solar transforma em gás o gelo de dióxido de carbono que está na base dessa cobertura, o que faz com que se acumule e rompa as placas de gelo superiores. O gás se libera na primavera marciana, arrastando matéria de coloração escura para a superfície e rompendo as camadas de gelo de até um metro de espessura."

O gás, carregado de um pó escuro, é lançado em altas colunas através das fendas no gelo, formando gêiseres e se depositando sobre a superfície, o que cria as manchas escuras observadas nas imagens. Esses processos formam padrões sob o gelo que, vistos de cima, lembram aranhas.

"Cidade Inca" em Marte

Descoberta em 1972 pela sonda Mariner 9 da Nasa, a "Cidade Inca", também chamada de Angustus Labyrinthus, deve seu nome a cordilheiras lineares, sobre as quais se pensava inicialmente se tratar de dunas de areia petrificada, ou restos de antigas geleiras.

Segundo o portal científico Live Science, descobertas da sonda Mars Orbiter de 2002 indicavam a existência de uma cratera circular de 86 quilômetros de largura, possivelmente criada após um impacto de um corpo celeste. As cristas geométricas poderiam ser formadas pelo magma acumulado após a colisão.  

Exemplo clássico de pareidolia

O fenômeno que ocorre quando nossas mentes nos enganam, fazendo-nos ver coisas que não existem, é conhecido como pareidolia. É o acontece ao detectarmos rapidamente padrões familiares que podem ter um valor evolutivo para identificar, por exemplo, possíveis perigos, como uma serpente. Daí às vezes enxergarmos coisas que não existem, como as tais "aranhas marcianas".

Em Marte, já houve diversas pareidolias, como a famosa "cara de urso", uma "porta alienígena" captada pelo rover Curiosity e uma rocha em forma de gato registrada pelo robô Perseverance. Na Lua, o rover chinês Yutu 2 encontrou uma "cabana misteriosa" que, na verdade, era apenas uma rocha de formato peculiar.

rc/ra (DW)

"Burnon": quando o estresse constante leva à depressão

Muitas pessoas parecem estar constantemente eletrificadas. Elas são apaixonadas por suas profissões; seus celulares são suas companhias constantes e elas sempre podem ser encontradas, à noite ou nos finais de semana. Elas gostam do trabalho, embora seus afazeres continuem acumulando cada vez mais. De um lado, os prazos; de outro, os problemas. Isso tudo além da família, crianças e amigos: eles querem tratar todos da maneira correta. Apesar desse ritmo frenético, ainda querem praticar esportes e comparecer a eventos.

Mas, permanecer o tempo todo "aceso" pode ser perigoso. O estresse constante, sem pausas reais, pode adoecer as pessoas. Essa sobrecarga crônica é descrita como um termo relativamente novo: burnon.

Diferenças entre burnon e burnout:

O termo burnon foi criado pelos psicólogos Timo Schiele e Bert te Wildt, da clínica psicossomática em Kloster Dießen, próximo a Munique, que oferece tratamento a pacientes com síndrome de burnout.

Os sintomas de burnout incluem exaustão, performance reduzida e cinismo – uma distância mental do trabalho.

No caso do burnon, os sintomas são diferentes, explica Timo Schiele à DW. "Ao contrário, as pessoas afetadas descrevem uma conexão demasiadamente próxima e entusiástica com seu trabalho, às vezes mais como uma super excitação. Isso fez com que surgisse a descrição da síndrome de burnon."

Sintomas de burnon

As pessoas afetadas possuem paixão pelo trabalho, mas o estresse constante gera tensões constantes. Muitos sofrem inicialmente de dores no pescoço, nas costas, dores de cabeça e bruxismo (ato de ranger os dentes).

A vida exaustiva em suas rodas de hamster os leva ao desespero. Eles perdem a esperança de melhorar suas condições, não conseguem mais se sentir felizes e questionam o sentido das coisas.

"Além das comorbidades psicológicas e doenças secundárias, como depressão, ansiedade ou vícios, também acreditamos que os afetados podem sofrer cada vez mais de fenômenos psicossomáticos, como pressão alta, e suas possíveis consequências", diz, Schiele. A pressão sanguínea alta aumenta significativamente o risco de ataques cardíacos e derrames. 

Causas mais comuns de burnon

Nossas vidas cotidianas estão cada vez mais frenéticas. O sucesso profissional e o reconhecimento social têm importância central. A competição intensa, as crises econômicas e os preços altos podem aumentar o estresse.

Até agora, existem mais dados sobre o burnout. A empresa alemã de seguros de saúde Provona registrou um aumento de 20% nos casos em 2023, em comparação com o ano anterior, sendo que um quinto dos trabalhadores teme adquirir a síndrome.

Qualquer pessoa que queira não apenas concluir vários afazeres em seu cotidiano frenético, mas também completá-los da melhor maneira possível, está especialmente propensa à síndrome de burnon. "Acreditamos que muitas das pessoas afetadas possuem alto nível de motivação para realizar funções e se sentem mal ao cometer erros ou não fazer as coisas de maneira perfeita".

Segundo Schiele, essas pessoas pensam ter uma capacidade de ação reduzida devido a determinadas restrições. "Com frequência, vemos pessoas que impõem muitas restrições a si mesmas, por exemplo, através do perfeccionismo."

Como tratar o burnon

Para conseguir escapar da roda de hamster e da tensão crônica constante, é necessário, primeiramente, reconhecer o problema, diz o especialista.

"O primeiro passo no tratamento, como costuma ser o caso, é se tornar consciente do problema. As pessoas com síndrome de burnon com frequência aparentam estar funcionais, motivo pelo qual costumamos nos basear em relatos de familiares ou pessoas próximas. É também importante refletirmos sobre nossos próprios valores pessoais."

Homem em frente a computador leva as mãos à cabeça
O estresse constante sem pausas reais pode levar pessoas ao desespero e à perda de esperança null Pond5 Images/IMAGO

Principalmente pessoas apaixonadas pelo trabalho tendem a negligenciar suas necessidades pessoais em meio ao cotidiano estressante.

"Se isso se torna uma condição permanente, ficamos cada vez mais insatisfeitos. Por isso, é importante parar para perguntar a si mesmo: 'O quão importante para mim são as coisas com as quais preencho minha vida diária? Estou usando minha energia nas áreas adequadas para mim?' Se a resposta for negativa, é porque está na hora de mudar algo e tentar ver quais espaços pequenos somos capazes de criar, interna e externamente. Este é, com frequência, um grande passo", diz Schiele.

Como reduzir o estresse constante

O tipo de relaxamento que é bom para cada pessoa depende das preferências individuais. Podem ser caminhadas, meditação ou ioga. O importante é desacelerar a vida diária e se acalmar.

Também faz sentido buscar ajuda profissional, como cuidados terapêuticos ou médicos.

A importância de se dar nome à doença

O burnout é considerado já há algum tempo uma doença da moda. Até hoje, nem o burnout ou o burnon foram definidos como doenças mentais autônomas, mesmo que seus graves impactos à saúde sejam reconhecidos.

Os sintomas possuem grande variação, o que dificulta classificar as síndromes de maneira uniformizada, como na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS), que também relaciona problemas mentais.

Ainda assim, a existência do termo burnon é de extrema importância para as pessoas afetadas para descrever seus sintomas, diz Schiele.

"Encontrar a si mesmo em um fenômeno definido é um alívio bastante grande para muitas das pessoas atingidas, e um primeiro passo rumo a uma mudança. Essas pessoas sentem que não estão mais sozinhas. Eles podem ganhar esperança ao verem que há outras pessoas que também sofrem do mesmo mal."

Quando o café deixa de ser benéfico à saúde e vira vício

Uma xícara logo pela manhã, um cafezinho com os colegas ou amigas: ele relaxa, anima, é um elo de conexão social. Enfim: a infusão marrom-escuro é parte inalienável da vida de muita gente. Mas o café "pode definitivamente criar dependência", alerta o toxicologista Carsten Schleh, autor do livro Die Wahrheit über unsere Drogen (A verdade sobre as nossas drogas).

Diversos estudos chegam à mesma conclusão, ao ponto de o distúrbio de consumo de cafeína (caffeine use disorder) ser atualmente um diagnóstico médico reconhecido. Segundo a revista Psychopharmacology, o café é a droga psicoativa mais consumida do mundo.

O país onde se consome mais café é Luxemburgo, com 8,5 quilos per capita anuais. Na Alemanha, essa cifra é de 4,8 quilos, acima dos 4,5 quilos por ano do Brasil. É possível que nos próximos anos o consumo vá cair, já que as mudanças climáticas ameaçam sua produção e colheita, fazendo subirem os preços. No momento, contudo, a tendência vai na direção de alta.

Pintura 'Café', de Candido Portinari
Atividade agrícola inspirou 'Café', de Candido Portinarinull Yadid Levy/IMAGO

O que contém o café?

O café é uma mistura complexa de mais de mil substâncias, entre as quais polifenóis, corantes e flavorizantes naturais, vitamina B e magnésio. No entanto, o que torna seus grãos tão cobiçados é o alcaloide cafeína, também presente nas favas de cacau e em grande quantidade nos energy drinks. Certas folhas de chá contêm teína, uma substância quase idêntica.

Entre 15 a 30 minutos após o primeiro gole, a cafeína chega ao cérebro, onde se conecta aos receptores de adenosina.

A adenosina tem como função bloquear a liberação de neurotransmissores como dopamina e noradrenalina, ela "põe o cérebro para dormir, deixa a gente cansada e preguiçosa", explica Schleh.

Ao se conectar a esses receptores e bloqueá-los, a cafeína impede a ação tranquilizante e adormecedora da adenosina, deixando o organismo desperto. O efeito positivo, então, é que "o café estimula a tensão arterial, deixando mais disposto, ágil e produtivo".

Quando o café vira vício?

Assim como muitas outras substâncias psicoativas, a cafeína também eleva a liberação de dopamina, apelidada "hormônio da felicidade" por seu efeito físico estimulante. E essa ação é ainda potencializada pelo fato de os receptores da adenosina já estarem bloqueados pela cafeína.

Isso também desencadeia efeitos fisiológicos: "Quando se bebe muito café, formam-se novos receptores de adenosina", e com isso a demanda dessa substância calmante aumenta, diz Schleh. A falta da bebida pode resultar em cansaço e irritabilidade, e outros sintomas de abstenção são: dores de cabeça, falta de concentração, prostração e insatisfação.

O toxicologista desfaz a ilusão: "A sensação deliciosa, relaxante da primeira xícara de café matinal também se deve ao abrandamento desses sintomas de privação."

Com o café, "a dose faz o veneno"

Apesar de seu potencial de criar dependência, um consumo moderado de café não é prejudicial para adultos saudáveis: "A dose é que faz o veneno", resume Schleh. A Autoridade Europeia para Segurança Alimentar (EFSA) recomenda um máximo de 400 miligramas de cafeína ao longo do dia, ou seja, de duas a cinco xícaras, dependendo do tamanho. Gestantes não devem exceder os 200 miligramas diários.

Dentro desses limites, a infusão tem francas vantagens para a saúde, sendo associada a uma menor probabilidade de diabetes 2, moléstias cardíacas, câncer hepático e uterino, de doença de Parkinson e depressão.

Quem reage à retirada do café com sintomas como tremores, suor frio ou ansiedade depressiva, pode estar sofrendo de dependência de cafeína. Como durante muito tempo ela não foi reconhecida como vício, é comum os afetados não serem devidamente levados a sério.

Carsten Schleh aconselha que quem ingere cafeína acima dos limites recomendados vá reduzindo o consumo gradativamente. Como "a cafeína é uma das drogas mais inofensivas", raramente é preciso uma privação radical, a qual, além de potencialmente envolver sintomas bem desagradáveis, aumenta o risco de uma recaída.

A grande crise mundial do café está chegando?

IA pode tornar a previsão do tempo mais exata?

Ao longo das décadas, a previsão do tempo se tornou muito mais exata, graças aos dados que as estações de medição, satélites, navios, boias e também aviões comerciais estão constantemente coletando.

Na terra e no ar medem-se, por exemplo, temperatura, pressão atmosférica e precipitações. Esses dados são processados em computadores segundo modelos de física, permitindo prognósticos meteorológicos bastante exatos para um determinado período.

No entanto, a atmosfera terrestre é o que se denomina um sistema caótico e conta com o que se popularizou como "efeito borboleta": "Mesmo as menores diferenças de temperatura, pressão, vento, podem ter um grande efeito, até em locais relativamente distantes e com grande defasagem de tempo", explica o meteorologista Peter Knippertz, do Instituto de Tecnologia de Karlsruhe (KIT).

Num sistema caótico tão complexo como esse, não há frequência de medição que baste para garantir certeza: "Mesmo com computadores cada vez maiores, satélites cada vez melhores ou outros sistemas de medição, sempre haverá uma margem de insegurança."

Como previsões absolutas são impossíveis, portanto, a meteorologia opera com probabilidades em relação a chuva, borrascas, tempestades e outros fenômenos.

Por que os apps de meteorologia são às vezes menos confiáveis?

Aplicativos meteorológicos do smartphone se apresentam como extremamente precisos, capazes de "ver dez dias pelo futuro adentro, predizer exatamente como vai ser o tempo", diz Knippertz. Na realidade, eles trabalham com informações fortemente comprimidas.

"Quando um app prevê, por exemplo, '21ºC com leve nebulosidade', o usuário pensa: 'OK, parece muito preciso'." Na realidade, eles estão sujeitos às mesmas inseguranças que os serviços de meteorologia, só que sem qualquer controle de qualidade de âmbito mundial.

"Atualmente é um mercado aberto, qualquer um pode lançar seu aplicativo meteorológico e, por exemplo, ganhar dinheiro com publicidade. De onde vêm as informações e como são processadas, a maioria dos operadores comerciais não vai necessariamente querer que a gente saiba."

A inteligência artificial vai melhorar os prognósticos no futuro?

Até agora, a previsão do tempo tem se baseado em modelos físicos, enquanto previsões por meio de inteligência artificial (IA) se baseiam principalmente em dados compilados e têm um caráter mais estatístico.

A inteligência artificial deriva padrões e estruturas a partir dos dados meteorológicos disponíveis, e elabora suas previsões a partir de um algoritmo. Ou seja, ela aprende as leis da física de maneira indireta.

Knippertz admite que os progressos da IA são impressionantes, também na meteorologia. No entanto, como estabelece os padrões a partir de dados do passado, partindo de um valor médio, sobretudo em circunstâncias extremas a IA bate em seus limites.

"Por isso no futuro deve-se tentar cada vez mais construir sistemas de previsão híbridos, combinando métodos convencionais com equações físicas e recursos de IA, a fim de continuar reduzindo os riscos de prognósticos errados."

IA pode ser uma alternativa em regiões com pouca infraestrutura?

Como nem todos os locais dispõem de dados de estações de medição, boias, etc., há quem deposite na inteligência artificial grandes esperanças de previsões confiáveis. O meteorologista do KIT é cético.

"Nas regiões do mundo em que até agora há poucas observações, necessitamos mais esforços para fechar essas lacunas, talvez também da comunidade internacional. De olho nos eventos meteorológicos extremos, seria importante para a meteorologia global expandir as capacidades de observação na África, América Latina ou no Sudeste Asiático. Na minha opinião, nenhuma IA pode assumir essa tarefa por nós."

Como as mudanças climáticas afetam as previsões do tempo?

As mudanças climáticas em nada alteram as leis da física e os problemas básicos da previsão meteorológica. No entanto as zonas climáticas se modificam e, com elas, também os eventos extremos. "Furacões, temporais e também secas podem se tornar ainda mais violentos do que no passado, e o impacto sobre os seres humanos, proporcionalmente maior."

Daí resultam "novos desafios na previsão, no processo de alerta, mas também na prontidão da população a levar a sério tais alertas e se comportar de forma condizente", observa Knippertz.

Por que os alertas de tempestade costumam ser tão dramáticos?

Em caso de temporal, borrasca ou tempestade, é comum as advertências das autoridades serem mais dramáticas do que o evento meteorológico na prática, o que muitas vezes gera incompreensão e um certo grau de dessensibilização.

"Se os cidadãos são evacuados e depois não acontece nada, costuma em seguida cair uma shitstorm nas redes sociais e na internet: 'Que besteira foi essa? Eles ficaram malucos? Que histeria!'", comenta Peter Knippertz.

Alertas são sempre uma decisão difícil. "Os custos de uma evacuação – dormir uma noite no ginásio de esportes, no colchonete de camping – são, a meu ver, bem pequenos comparando com uma morte cruel por afogamento no próprio porão. Mas acho que para isso há muito pouca consciência e compreensão entre a população."

Mulheres reconhecem a velhice mais tarde que homens, diz estudo

Um estudo publicado pela Psychology and Aging, revista da Associação Americana de Psicologia, traz uma outra percepção sobre a velhice. Segundo a pesquisa, para os adultos de meia-idade (40 a 60 anos) e mais velhos, ter 70 anos já não tem o mesmo significado que antigamente. Para eles, a velhice agora começa mais tarde. O aumento da expectativa de vida e o atraso no ato de se aposentar podem explicar essa mudança na percepção do público sobre a chamada terceira idade.

Em relação à forma como o gênero influencia, o estudo constatou que as mulheres consideram que a velhice começa dois anos mais tarde do que os homens – e esta percepção tem aumentado ao longo do tempo.

Isso pode estar relacionado ao fato de as mulheres geralmente viverem mais tempo e também enfrentarem mais estigmas à medida que envelhecem. Markus Wettstein, da Universidade Humboldt de Berlim, que liderou a investigação, diz que as mulheres podem definir a velhice mais tarde para se distanciarem das conotações negativas associadas a ela.

Em geral, de acordo com Wettstein e sua equipe, os adultos de hoje sentem que a velhice começa mais tarde do que as pessoas nascidas nas décadas anteriores.

"A expectativa de vida aumentou, o que pode contribuir para uma percepção mais tardia do início da velhice. Além disso, alguns aspectos da saúde melhoraram ao longo do tempo, de modo que pessoas de uma determinada idade que eram consideradas velhas no passado podem não ser mais hoje", diz Wettstein.

Duas décadas e meia de pesquisa

A equipe, composta por investigadores das universidades de Luxemburgo, Stanford (Estados Unidos) e Greifswald (Alemanha), examinou dados de 14.056 participantes no Inquérito Alemão sobre o Envelhecimento, um estudo que inclui pessoas residentes na Alemanha nascidas entre 1911 e 1974.

Os participantes responderam perguntas até oito vezes ao longo de 25 anos (1996-2021), enquanto tinham entre 40 e 100 anos. À medida que as primeiras gerações da pesquisa entravam na velhice, a equipe recrutava novos participantes (com idades entre 40 e 85 anos).

Por que jovens de antigamente pareciam mais velhos?

Embora os participantes tivessem que responder muitas perguntas, a principal era: "com que idade você descreveria alguém como velho?"

Assim, os pesquisadores descobriram que, em comparação com os participantes nascidos mais no cedo, os que nasceram mais tarde percebiam a velhice mais tardiamente.

Por exemplo, quando os participantes nascidos em 1911 tinham 65 anos, definiram o início da velhice aos 71 anos. Em contrapartida, quando os participantes nascidos em 1956 tinham os mesmos 65 anos, diziam que a velhice começava, em média, aos 74.

Os investigadores também descobriram que a tendência para perceber o início da velhice mais tarde diminuiu nos últimos anos.

"A tendência para adiar a velhice não é linear e pode não continuar necessariamente no futuro", conclui Wettstein.

Quanto mais velho você for, mais longe estará a velhice

Os pesquisadores também analisaram como a percepção dos participantes sobre a velhice mudava à medida que eles envelheciam

Segundo o estudo, a resposta dos participantes com 64 anos era, em média, a de que a velhice começava aos 74,7 anos. Mas, quando esses mesmos participantes chegaram aos 74 anos, eles passaram a dizer que a velhice começava aos 76,8 anos. Em média, a percepção do início da velhice aumentou aproximadamente um ano para cada quatro ou cinco anos de envelhecimento real.

Foi descoberto também que as pessoas que se sentiam mais solitárias e tinham pior saúde e acabavam se sentindo mais velhas. Elas afirmaram que a velhice começava mais cedo, em média, do que aquelas que se sentiam menos solitárias, que tinham a saúde melhor e, portanto, se sentiam mais jovens.

Para os pesquisadores, os resultados podem ter implicações sobre quando e como as pessoas se preparam para o seu próprio envelhecimento e como encaram os idosos em geral.

enk/le (ots)

Envelhecimento recorde: Brasil mais perto da Europa

Por que o mundo não consegue eliminar a malária

Na década de 1990, instituições de caridade, governos e filantropos individuais investiram bilhões de dólares em uma meta: o controle da malária. Até 2010, eles queriam reduzir pela metade o número global de mortes pela doença, lembrada nesta quinta-feira (25/04), Dia Mundial da Luta contra a Malária.

Na época, a malária representava uma das maiores ameaças mundiais à saúde. Pelo menos um milhão de pessoas morriam em decorrência da doença a cada ano, a grande maioria crianças pequenas.

A campanha "Roll Back Malaria" foi lançada oficialmente em 1998. Com bilhões de dólares em financiamento de instituições globais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Banco Mundial, os parceiros começaram a distribuir nas regiões afetadas mosquiteiros e sprays de inseticida para ambientes internos. Também introduziram novos medicamentos para tratar pacientes em áreas onde o parasita havia se tornado resistente à cloroquina, principal antimalárico usado na época.

Esses esforços contribuíram para reduzir quase pela metade o número de mortes por malária em menos de duas décadas.

Estagnação e salto no número de casos

Mas, em 2015, as coisas começaram a se estagnar. Nos anos seguintes, os números de casos estimados permaneceram os mesmos – e, depois, começaram a aumentar.

Em 2020, as mortes globais por malária atingiram o nível mais alto em seis anos. E, em 2022, o número estimado de casos de malária em todo o mundo disparou para mais de 248 milhões, frente a 230 milhões em 2014.

Essas estatísticas decepcionantes levaram Nicholas White, especialista em malária e professor de medicina tropical da Universidade de Oxford, a publicar na revista científica The Lancet um apelo à OMS. Ele disse que, de acordo com os números da própria organização, a cifra de casos de malária estimada em 2022 era exatamente a mesma de 2000.

Se isso fosse verdade, o que estaria acontecendo de errado? "Será que, depois de bilhões de dólares de investimento global, anos de pesquisa sobre terapias preventivas e o desembolso de bilhões em tratamentos, o número de casos não mudou?", questionou o cientista.

A OMS respondeu à pergunta de White, dizendo que ele havia interpretado os números de forma errada, pois não havia levado em conta o crescimento da população global.

"Se a taxa global de incidência e mortalidade da malária em 2000 fosse aplicada às populações em risco anualmente até 2020, os investimentos feitos nos últimos 20 anos teriam contribuído para salvar cerca de 11 milhões de vidas e evitar 1,7 bilhão de casos desde 2000", escreveu a OMS.

Ainda assim, a organização reconheceu no título de sua resposta que "a mensagem sobre a malária é clara: o progresso estagnou".

"Corrida armamentista" contra a malária

As razões para essa estagnação, segundo a OMS, são "complexas". Em sua resposta a White, a organização explicou que a África subsaariana, a área mais ameaçada pela malária, está tendo menos financiamento para intervenções e sofre de falta de acesso a cuidados sanitários de qualidade. As ferramentas disponíveis estão comprometidas por "ameaças biológicas", afirmou.

Mulher com roupa típica de países africanos manipula seringa e ampola de vacina
Duas vacinas contra a malária foram aprovadas pela OMS. Mas especialistas dizem que elas não são "balas de prata"null Desire Danga Essigue/REUTERS

Especialistas consultados pela DW disseram ser provável que a estagnação se deva, pelo menos em parte, à capacidade dos mosquitos transmissores da malária de se adaptarem rapidamente e contornarem as intervenções.

"Em todo o mundo, muitos dos mosquitos que espalham a malária se tornaram resistentes ao principal inseticida usado, enquanto em algumas regiões o parasita que causa a malária se tornou resistente aos medicamentos usados para tratar a doença", disse à DW Jackie Cook, codiretora do Centro de Malária da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.

Além disso, um novo mosquito, o Anopheles stephensi, surgiu no leste da África nos últimos 10 anos. Ao contrário de outros vetores da malária, o stephensi é capaz de se espalhar nas cidades, o que representa uma ameaça para as populações que vivem em áreas urbanas densamente povoadas.

"O controle da malária deve ser visto como uma corrida armamentista", disse à DW Umberto D'Alessandro, pesquisador de malária e líder da Unidade do Conselho de Pesquisa Médica de Gâmbia da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. "Tão rápido como os sprays inseticidas, medicamentos ou testes rápidos são desenvolvidos, os mosquitos ou parasitas também se adaptam", disse ele.

Além disso, afirmam os pesquisadores, o financiamento dos estudos sobre malária está em baixa. Em 2022, o ano mais recente disponível no registro, ele atingiu o nível mais baixo nos últimos 15 anos, de acordo com a OMS.

"Em 2007, Bill e Melinda Gates anunciaram que queriam que ela [a malária] fosse eliminada durante a vida deles, o que eu acho extremamente improvável, mas houve um grande impulso para tentar fazer isso", disse Cook. "Obviamente, houve sucessos, mas acho que as pessoas estão começando a perceber que não será uma coisa muito simples."

Sem análise aprofundada

White, pesquisador da malária em Oxford, rejeita a ideia de que a estagnação possa ser explicada de forma conclusiva pela capacidade dos vetores de contornar rapidamente as intervenções.

"Não houve nenhuma análise aprofundada, pelo menos que eu saiba – e eu deveria saber – que realmente explique por que eles estimam que a malária piorou desde 2015", disse White à DW, falando sobre as estimativas de casos de malária da OMS.

Ele disse suspeitar que grande parte da estagnação esteja relacionada a fatores que não estão sob a alçada dos sistemas de saúde, como "guerra, privação e recessão econômica" e coisas, segundo ele, "sobre as quais ninguém quer falar, como corrupção e ineficiências".

Em seu relatório de 2023 sobre a malária no mundo, a OMS atribuiu a estagnação nos 11 países mais afetados ao acesso limitado aos serviços de saúde, aos conflitos em andamento, ao efeito da covid-19 na prestação de serviços, à falta de financiamento e a problemas como a resistência a inseticidas.

As vacinas também estão começando a desempenhar um papel na luta contra a doença. Até o momento, duas vacinas contra a malária, a RTS,S e a R21/Matrix M, foram aprovadas pela OMS. A distribuição da RTS,S já começou, enquanto o lançamento da R21 está programado para o próximo mês. Os especialistas estão otimistas, mas alertam que a vacinação não é uma bala de prata.

Como o cigarro eletrônico mudou a forma como se fuma

Foi em 2003 que surgiu o primeiro cigarro eletrônico como o conhecemos hoje. Inventado pelo farmacêutico chinês Hon Lik, ele era um vaporizador de um líquido contendo nicotina. A inspiração para a invenção de Hon foi o pai fumante, que, mesmo com um câncer agressivo de pulmão, não conseguia parar de fumar.

De lá para cá, a indústria cresceu e o produto adquiriu novas características. Um design mais simples e tecnológico, sabores e cores que chamam a atenção, cheiros atraentes – tudo isso para manter, até onde é possível, o ritual de fumar.

Mais de 20 anos depois de seu surgimento, inúmeros estudos sobre o dispositivo, com diferentes resultados, dividem opiniões.

No Brasil, se depender da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o cigarro eletrônico continuará proibido. Nesta sexta-feira (19/04), o órgão manteve o veto à fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda dos vapes.

Mas, afinal, o que se sabe sobre os cigarros eletrônicos? 

Cigarro eletrônico x convencional

Uma alternativa para o cigarro convencional sem envolver as mais de quatro mil substâncias liberadas pela queima do tabaco e inaladas com a fumaça, a maior causadora de doenças em tabagistas: essa é a proposta do cigarro eletrônico desde sua criação.

Pessoa fumando cigarro eletrônico
Cigarro eletrônico surgiu como alternativa para o cigarro convencional por evitar a queima de tabaconull Nicholas T. Ansell/PA Wire/picture alliance

Trata-se de um aparelho que aquece um líquido que se transforma em vapor e é tragado pelo usuário. O líquido, composto por substâncias como propilenoglicol, glicerina, nicotina ou outros, é colocado num pequeno reservatório que cabe na mão.

O cigarro eletrônico é alimentado por pilhas que ativam uma corrente elétrica na bobina do aparelho quando o usuário aperta o botão do vape. A bobina gera calor que aquece o líquido contido no reservatório, e é esse líquido que é vaporizado.

O principal argumento favorável ao cigarro eletrônico é que ele seria apenas um reservatório de nicotina, ao contrário do cigarro convencional. Essa premissa motivou muitos estudos comparativos – que descobriram que a alternativa não é tão inofensiva quanto se pensava.

De acordo com a psiquiatra e pesquisadora da Unicamp Renata Azevedo, o cigarro eletrônico tem demonstrado ter riscos próprios. "Têm surgido dados novos de dados dos componentes do cigarro eletrônico que não estavam claros no início."

A Organização Pan-Americana da Saúde, escritório regional da OMS no continente americano, considera os cigarros eletrônicos prejudiciais à saúde e alerta para a dependência que eles causam. Segundo a agência, "embora seus efeitos de saúde a longo prazo não sejam totalmente conhecidos, já se sabe que eles liberam substâncias tóxicas que são cancerígenas ou aumentam o risco de doenças cardíacas e pulmonares".

Um exemplo disso é o propilenoglicol, composto que, quando aquecido, pode produzir lesões na cavidade oral. "Ninguém fuma vape há tanto tempo para ter câncer causado por ele. Não dá tempo. O câncer demora anos para se desenvolver. Mas pesquisas laboratoriais apontam que é possível que essas células da lesão tenham risco de desenvolvimento de câncer. É uma lesão pré-cancerígena", explica Azevedo.

Inglaterra aposta na redução de danos

Em abril de 2023, a Inglaterra anunciou que iria distribuir um kit gratuito de vape para um milhão de fumantes como estímulo para pararem de fumar cigarros convencionais. A iniciativa faz parte de um pacote de medidas apresentado pelo governo para reduzir o número de fumantes.

De acordo com o governo britânico, a medida apelidada de Swap to Stop (algo como Trocar para Parar, em tradução livre) faz parte da estratégia de diminuir para 5% o número de fumantes do país até 2030. Segundo o censo britânico de 2022, atualmente 12,7% dos ingleses são fumantes, o que corresponde a 6,4 milhões de pessoas. 

E a preocupação não é para menos. Segundo o estudo Global Burden Study of Disease (Carga Global de Morbidade), que é realizado pela Universidade de Washington, nos EUA, e coleta dados de mortalidade e incapacitação causadas por 107 doenças, o tabagismo é a principal causa de doenças e mortes evitáveis ​​no Reino Unido. Aproximadamente metade dos fumantes morrerão prematuramente, perdendo em média cerca de dez anos de vida.  

Estima-se que o fumo seja responsável por 52% dos casos e 25% das mortes por câncer, 35% dos óbitos por doenças respiratórias e 12% das mortes por doenças circulatórias.

"Os vaporizadores são uma estratégia eficaz [para reduzir danos causados pelo fumo]. Como profissionais de saúde, faz parte do nosso dever destacar a vaporização como algo que pode reduzir danos", disse o diretor médico regional do NHS (National Health Service), o sistema britânico de saúde pública, em documento divulgado pela London Tobacco Alliance, instituição criada por especialistas em saúde pública e autoridades locais para ajudar o governo a cumprir a meta.

Cigarros Eletrônicos segurados por uma pessoa
Inglaterra distribui cigarros eletrônicos gratuitamente para fumantesnull Andrew Harnik/AP Photo/picture alliance

"A mensagem é muito clara. Temos evidências nacionais e internacionais para apoiar o cigarro eletrônico. Temos um relatório convincente do governo que nos diz que os vapes são mais seguros do que fumar cigarros, e uma revisão conclui que a vaporização é um dos meios mais eficazes de parar de fumar", disse no mesmo documento Irem Patel, codiretor clínico do London Respiratory Network, instituição do NHS de medicina respiratória.

Para Azevedo, os dados disponíveis internacionais em relação à cessação tabágica são muito fracos. "O número de pessoas que para de fumar cigarro é considerável, mas o número de pessoas que deixam de ser tabagistas não. O que acontece é uma migração na forma de um uso de nicotina por outra forma de uso de nicotina."

De acordo com Azevedo, a questão de tratar o vape como um redutor de danos é muito clara: antes dos cigarros eletrônicos se tornarem alternativa ao convencional, é preciso fazer uma análise rigorosa e estudá-lo como terapia. "Se querem que o vape seja interpretado como uma alternativa a parar de fumar, ele tem que tramitar como remédio, como tratamento. Só que isso ainda não aconteceu em lugar nenhum", completa.

Mudança na forma de fumar e perigo para adolescentes

No Brasil, o percentual de adultos fumantes vem apresentando uma expressiva queda ao longo das últimas décadas devido às inúmeras ações desenvolvidas pelo governo, como a proibição do fumo em ambientes fechados, que vale em todo o país desde 2014. Em 1989, 34,8% da população acima de 18 anos era fumante, contra 12,6 % em 2019, ano com os dados mais recentes.

Por outro lado, dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) do IBGE, realizada em 2019, revelam que 16,8% dos adolescentes de 13 a 17 anos já experimentaram cigarros eletrônicos.

"Embora os fabricantes neguem isso, ele tem toda a pegada de adolescente. Ele é bonito, parece um gadget (dispositivo), como os adolescentes gostam. O cheiro e os sabores também são muito atrativos. O ritual sempre foi um ritual de charme, o cigarro ganhou o espaço que ganhou por conta disso. Esses apelos são importantes [para a o sucesso do cigarro eletrônico]", avalia Azevedo.

Cigarros eletrônicos à venda em tabacaria fora do Brasil
Cheiros, sabores, luz e design do cigarro eletrônico atraem os adolescentes null Ismat Jabeen/DW

Esse dado acende o alerta para uma mudança no comportamento dos brasileiros em relação ao tabagismo. Um país que se tornou referência no combate ao fumo, com índices sempre em queda, agora vê um aumento no consumo de um outro tipo de cigarro. 

"As taxas de tabagismo caíram drasticamente nas últimas décadas e há o temor de isso se perder porque quem não era tabagista está se tornando", explica Azevedo.

Adolescentes começam a fumar mais cedo

Um estudo de 2021 do Instituto Nacional do Câncer (INCA) também revelou que os cigarros eletrônicos podem ser uma porta de entrada para o tabagismo. Um movimento que concretiza exatamente o oposto do que se pretendia com o produto quando foi criado.

A pesquisa, que fez uma análise de outros 25 estudos desenvolvidos em diversos países, mostrou que "o uso de cigarros eletrônicos aumentou em quase 3,5 vezes o risco de o indivíduo experimentar o cigarro convencional, e em mais de 4 o risco de passar a utilizar, posteriormente, cigarro convencional", diz Liz Almeida, coordenadora de Prevenção e Vigilância do INCA na época do estudo.

Para Renata Azevedo, a questão financeira pode explicar essa migração. "No Brasil, vape é caro para adolescente, cigarro é mais barato. Então, depois que você desenvolve a dependência, não consegue manter o vape e migra para o cigarro. É o inverso da porta de saída que se tinha imaginado no começo", explica.

Tratamento no SUS

Referência no combate ao tabagismo e na redução de iniciação ao fumo, o Brasil oferece tratamento gratuito para quem quer parar de fumar, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O protocolo consiste em duas frentes de atuação: terapia cognitivo-comportamental e farmacológica.

Tudo começa nos encontros em grupo, que funcionam como sessões de terapia. Recomenda-se a participação em pelo menos quatro reuniões. A partir delas, os pacientes passam por uma avalição para entender o grau de tabagismo e como prosseguir para o tratamento farmacológico.

Essa parte do tratamento tem dois braços. O primeiro deles é a reposição de nicotina, com adesivos. "A gente repõe o equivalente ao que o paciente fuma e vai fazendo uma redução gradual a cada mês ao longo de três meses", explica Azevedo.

O segundo é o uso de bupropiona, uma substância complementar presente em antidepressivos, que diminui a vontade de fumar. "Em sua pesquisa inicial, descobriu-se que os pacientes com depressão que faziam o uso desse fármaco começaram a referir que estavam fumando menos. Foram avaliar e perceberam que pela sua estrutura ela ajuda a diminuir a vontade de fumar e evita o ganho de peso", conta a pesquisadora da Unicamp.

O tratamento está disponível em mais de 4 mil unidades de saúde, segundo o próprio SUS. Para ter acesso, é preciso solicitar informações em centros de saúde locais. Se o protocolo for realizado no local, será agendado um horário. Caso contrário, o paciente será encaminhado para uma unidade que execute o procedimento.

Como os paleoameríndios definiram a atual América Latina

Habitantes da Ásia chegaram pela primeira vez à América em diversas ondas migratórias, a partir do Estreito de Bering, entre 25 mil e 15 mil anos atrás. Os caçadores-coletores se depararam paisagens intocadas por humanos e cheias de plantas e animais desconhecidos.

Migrando através da atual América Latina, os paleoameríndios deixaram rastros de suas vidas, na forma de pinturas em cavernas e rochedos. Estas mostram como eles aprenderam a viver em seus novos habitats. Além disso fornecem aos paleontólogos pistas sobre legados ancestrais para a atual biodiversidade e cultura da região.

A mais antiga arte rupestre da América é encontrada na Serranía de La Lindosa, na Amazônia colombiana. Datando do fim da Era Glacial, cerca de 12.800 anos atrás, ela fornece dados vitais sobre a cultura ameríndia originária.

Para o arqueólogo Francisco Javier Aceituno, da Universidade de Antioquia, Colômbia – que estuda essas cavernas há anos e comparou os desenhos na rocha com os resultados de escavações realizadas nas "casas dos artistas" que pintaram as paredes – trata-se de "fotografias do passado".

Comissão diante de pinturas nas rochas do Parque Natural Nacional de Chibiriquete, na Colômbia
Pinturas nas rochas do Parque Natural Nacional de Chibiriquete, na Colômbianull Leonardo Munoz/Agencia EFE/imago images

Instruções para a vida prática e espiritualidade ancestral

Realizadas sobretudo em ocre vermelho, as cenas da natureza representam diversas espécies animais – algumas consideradas extintas, como preguiças-terrícolas e cavalos nativos, outras domesticadas, como vacas e cães.

Mais do que expressões criativas, especialistas creem que as imagens serviam como ferramentas educacionais para instruir os mais jovens sobre como lidar com as diferentes plantas e animais – não só na Colômbia, mas em toda a América do Sul.

O que a arte busca no xamanismo? | Camarote.21

Indícios encontrados numa caverna da Patagônia, no sul do subcontinente, sugerem que a arte datando de 8.200 anos atrás servia para transmitir informações através de 130 gerações humanas, talvez ajudando-as a sobreviver nos climas em mutação.

Assim como ocorre em outras regiões latino-americanas, grande parte das pinturas da Serranía de La Lindosa tem caráter simbólico, representando um mundo espiritual: "Há cenas de rituais de dança ou ritos xamânicos. Com essas cenas espirituais [os paleoameríndios] tentavam domesticar o mundo natural, controlando as forças da natureza", explica Aceituno.

Para especialistas, essas são as formas mais ancestrais de religião, quando os humanos tentaram formar uma conexão sagrada com o mundo natural. Drogas alucinógenas, muitas das quais são endógenas das Américas, podem também ter desempenhado um papel central na espiritualidade e cerimônias religiosas primitivas.

Estima-se que os paleoameríndios da Califórnia usassem alucinógenos para induzir estados espirituais – análogo às festas de LSD tão difundidas nesse estado americano nos anos 1960, ou o atual uso no Brasil de ayahuasca, ou santo-daime.

Desenhos rupestres nas paredes da Serranía de La Lindosa, Colômbia
Além de expressão criativa, desenhos nas paredes da Serranía de La Lindosa são instruções de vida e expressão místicanull 2022 The Authors

Animais e plantas da Amazônia moderna e cosmovisão mesoamericana

No período de 13 mil a 8 mil anos atrás, a Amazônia se transformou de savana seca e mata semiárida nas florestas tropicais de hoje. O processo envolveu mudanças climáticas velozes, a que as culturas locais tiveram que se adaptar. Durante as escavações na Serranía de La Lindosa, Aceituno e seus colegas puderam indiretamente datar a arte rupestre no início desse período de transformação.

Para o arqueólogo, contudo, a descoberta mais fascinante foi a presença de culturas humanas na região, ao longo de mais de 12 mil anos, que teriam influenciado fortemente a biodiversidade amazônica durante a transição climática.

A arte rupestre local indica, por exemplo, que os humanos manipulavam espécies vegetais 9 mil anos atrás, o que poderia explicar a inusitada riqueza atual de plantas úteis, como alimento e remédio. Drogas como quinino e cocaína se originam lá, o que vale à Amazônia o apelido de "maior armário de remédios do mundo".

Cabana em meio à selva amazônica do Equador
Biodiversidade e costumes amazônicos podem ser ainda legado dos paleoameríndios de 25 mil anos atrásnull DW

Para Aceituno, os paleoameríndios "alcançaram um equilíbrio na gestão de recursos naturais": "Plantas e animais eram mais do que comida, eram também vistos como seres vivos a ser respeitados. Usava-se o princípio da preservação: 'Não posso esgotar meus recursos, meu alimento'."

Notável é também o legado paleolítico nos grupos étnicos vivendo na América Latina contemporânea: "Os atuais grupos indígenas da região herdaram algumas tradições e modos de explorar a floresta, e a cosmovisão mesoamericana", explica Aceituno. Exemplos dessa visão do mundo herdada seriam a cerimônia do Dia dos Mortos e a crença de que tudo no universo faz parte de uma dualidade.

Não há provas concretas de que as comunidades indígenas de hoje sejam descendentes diretas dos paleoameríndios "num sentido biológico", ressalva o pesquisador. Porém os atuais progressos no exame de DNA antigo poderão ajudar a traçar o histórico dos grupos locais e, com a ajuda da arte rupestre, identificar como suas culturas se propagaram pela América do Sul.

Micróbios da Antártida resistem em clima similar ao de Marte

Um tapete microbiano da Antártica sobreviveu a condições ambientais similares à de Marte e, embora o experimento tenha durado apenas algumas semanas, os microrganismos não apenas sobreviveram, mas mantiveram "alguma atividade biológica", um pré-requisito para se adaptarem e prosperarem em ambientes hostis como o do planeta vermelho.

O experimento foi realizado por uma equipe de pesquisadores da Universidade Autônoma de Madri (UAM) e do Centro de Astrobiologia, da Espanha, com a ajuda de uma câmara de simulação que recria as condições climáticas e o ciclo dia/noite de Marte.

Durante quinze dias, a equipe expôs esteiras de cianobactérias da Antártida ao ambiente extremo do planeta, imitando aspectos como pressão, superfície e temperatura ambiente, composição gasosa e radiação, e o ciclo de umidade e hidratação do planeta.

Simulador

Assim, o simulador imitou a pressão em Marte, que é de cerca de sete milibares – entre cem e mil vezes menor do que na Terra –, as temperaturas – que oscilam até 70 ºC entre o dia e a noite –, as diferenças entre o inverno e o verão e as variações nos polos em relação a outras áreas.

Além disso, foram reproduzidos o ciclo de umidade e hidratação do planeta vermelho, que causa os processos de congelamento, derretimento, evaporação, condensação e sublimação desse planeta e que permitiu que os microrganismos antárticos sobrevivessem nesse ambiente extremo.

Os resultados do experimento mostram que a maioria dos inúmeros microrganismos dessa comunidade complexa não apenas sobrevive às condições extremas às quais foi exposta, mas também mantém alguma atividade biológica, uma boa indicação de que esse consórcio microbiano poderia se adaptar e se sustentar ao longo do tempo.

Os pesquisadores acreditam que foi a associação das diferentes bactérias que compõem o tapete microbiano que permitiu a sobrevivência dos microrganismos. Embora os resultados não sejam conclusivos, os pesquisadores acreditam que eles oferecem boas perspectivas.

"Talvez isso indique que consórcios microbianos de ambientes extremos na Terra, como as esteiras de cianobactérias da Antártica, possam ser mantidos e talvez prosperar em ambientes extraterrestres extremamente hostis, como Marte", diz o pesquisador da UAM e coautor do experimento, Antonio Quesada.

No entanto, ele enfatiza, "não propomos que essas comunidades possam existir atualmente em Marte, já que nosso experimento durou apenas duas semanas, o que, embora seja um período de crescimento anual próximo ao habitual nos lugares mais extremos da Antártida, é curto, e outros aspectos devem ser considerados, como o acesso a nutrientes ou a dispersão e sobrevivência dessas estruturas na superfície marciana a longo prazo".

md (EFE, ots)