Rússia ordena apreensão de ativos do maior banco da Alemanha

Um tribunal de São Petersburgo ordenou que os ativos de vários bancos na Rússia sejam confiscados, incluindo os do Deutsche Bank, o maior banco da Alemanha. A decisão foi revelada por documentos datados de 16 de maio divulgados neste sábado (18/05).

A determinação faz parte de uma ação judicial movida por uma empresa de energia russa, a RusKhimAlians, em resposta à decisão do Deutsche Bank de retirar suas garantias para a construção de uma usina de processamento de gás que seria operada pela companhia.

O contrato para a construção dessa usina havia sido assinado com a empresa industrial Linde e a construtora turca Renaissance Heavy Industries. O Deutsche Bank, por sua vez, era um dos credores garantidores para a construção.

Mas depois que os Estados Unidos e a União Europeia (UE) impuseram sanções à Rússia em resposta à invasão da Ucrânia, o Deutsche Bank e outras instituições retiraram suas garantias. A Linde, por sua vez, informou à RusKhimAlians que interromperia o projeto.

Em reação, a RusKhimAlians, cuja metade pertence à gigante russa do gás Gazprom, processou o banco alemão, justificando que já havia pagado adiantamentos à Linde para que a usina fosse construída.

O que o tribunal decidiu?

O tribunal de São Petersburgo ordenou a apreensão de até 238,6 milhões de euros em títulos, imóveis e contas bancárias do Deutsche Bank, sua subsidiária russa e seu centro de tecnologia. A soma representa apenas parte dos ativos do banco na Rússia.

"Precisaremos ver como essa reivindicação será implementada pelos tribunais russos e avaliar o impacto operacional imediato na Rússia", afirmou o banco em resposta à decisão.

O Deutsche Bank também disse que se considera totalmente protegido por um acordo de compensação existente.

Em um processo separado, o tribunal de São Petersburgo ordenou a apreensão de bens, contas e propriedades pertencentes ao banco italiano UniCredit, que também era fiador do projeto da usina. A corte ainda ordenou que as ações do banco em duas de suas subsidiárias sejam confiscadas.

O UniCredit é o segundo maior banco estrangeiro em atividade na Rússia.

ek (Reuters, AFP, DPA, Interfax)

Quase metade dos cientistas alemães já foi hostilizada

Quase um em cada dois cientistas alemães relata já ter sofrido ataques pessoais. Esse é o resultado de um estudo representativo. Houve muitos ataques especialmente durante a pandemia do coronavírus.

Retratos em roupas de presidiário, insultos, ameaças de morte em redes sociais - durante a pandemia de covid-19, virologistas proeminentes, como Christian Drosten, foram repetidamente assediados e ameaçados. Mas esses não foram casos isolados em uma situação excepcional. Já há algum tempo, pesquisadores de uma ampla gama de disciplinas na Alemanha têm relatado que vêm sofrendo ataques rotineiros.

É isso qe mostra uma pesquisa inédita, realizada pelo Centro Alemão de Pesquisa de Ensino Superior e Estudos Científicos (DZHW) em cooperação com a rede de projetos Kapaz (sigla em alemão para "Capacidades e competências para lidar com o discurso de ódio e a hostilidade contra a ciência"). De acordo com o levantamento, 45% dos pesquisadores alemães já sofreram hostilidade. E, muitas vezes, esses ataques têm motivação política.

A ciência como base para decisões controversas

Segundo o estudo, houve um aumento de ataques durante a pandemia, quando pesquisas cientificas foram debatidas em público. E a tensão foi especialmente forte quando resultados científicos serviram de base para decisões social e politicamente controversas. "A raiva em relação a decisões políticas ou a sensação de que o livre-arbítrio estão sendo limitadas também podem se manifestar em ataques contra pesquisadores”, aponta Clemens Blümel, que liderou a pesquisa como pesquisador do DZHW.

"Os resultados do levantamento com um total de 2.600 pesquisadores mostram que a hostilidade contra os pesquisadores é um problema sério", diz Blümel. "Os ataques nem sempre vêm de fora. Há também hostilidade e comportamento depreciativo dentro da própria comunidade científica."

protesto na pandemia
Virologistas e políticos foram retratados como criminosos em protestos durante a pandemianull Eventpress Hoensch/picture alliance

Ataques digitais

Mas não são apenas os virologistas que costumam ser alvo de ataques. Médicos, biólogos e acadêmicos também relataram sofrer com insultos e ameaças frequentes.

Neste casos, a competência dos pesquisadores é questionada ou os resultados de suas pesquisas são menosprezados e depreciados. Os comentários hostis geralmente são abertamente discriminatórios, racistas e sexistas. As mulheres têm muito mais probabilidade de sofrer ataques do que os homens.

O abuso e as ameaças ocorrem principalmente em redes sociais e canais digitais. Mas, às vezes, os pesquisadores também são atacados na vida cotidiana, na rua ou nos seus locais de trabalho. No entanto, muitas vezes os ataques verbais não passam disso. Danos à propriedade ou até mesmo ataques físicos foram raros até o momento. Entretanto, houve ameaças de agressões físicas em 17% dos casos de hostilidade.

Efeitos

De acordo com a pesquisa, campanhas populistas, discursos de ódio e ameaças de morte fizeram com que alguns pesquisadores evitassem qualquer tipo de publicidade ou deixassem de trabalhar com tópicos controversos.

"O discurso crítico é, obviamente, diferente da hostilidade e das campanhas de descrédito. Entretanto, essas últimas podem levar à autocensura entre os pesquisadores. Na pior das hipóteses, pesquisas sobre tópicos importantes, como as mudanças climáticas, podem ser interrompidas sob grande pressão", diz a pesquisadora Nataliia Sokolovska.

Em alguns casos, os perpetradores atingiram seu objetivo: prejudicaram a reputação ou silenciaram pesquisadores ou ainda impediram a divulgação de pesquisas com resultados que desagradem sua visão de mundo.

Diante desse quadro, os responsáveis pela pesquisa querem desenvolver medidas para melhor proteger os pesquisadores contra ataques. Entre as propostas estão centros de aconselhamento em todo o país para pesquisadores em caso de hostilidade específica, diretrizes para situações de crise e treinamento prático de comunicação.

O estudo mostra que há muito a ser feito, especialmente em termos de comunicação. Nesse contexto, é importante que sejam tomadas decisões muito conscientes sobre o que é comunicado e como. De acordo com Blümel, do DZHWm isso também inclui deixar claro que o processo científico também é caracterizado por imprevistos e incertezas. Os erros também precisam ser comunicados e um "quadro realista da prática científica" precisa ser divulgado em geral, de acordo com Blümel.

 

Os alemães estão se tornando preguiçosos?

O americano médio trabalhou mais de 1.800 horas por ano em 2022, enquanto o alemão médio trabalhou apenas 1.340 horas, de acordo com números da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas a conclusão de que os alemães se tornaram preguiçosos não deve ser tirada desse número, diz o especialista em mercado de trabalho Enzo Weber, do Instituto de Pesquisa de Emprego e profissão (IAB), um think tank da Agência Federal de Emprego alemã. 

"A Alemanha tem uma taxa de emprego feminino muito alta em comparação com os outros países”, diz Weber. Cerca de uma em cada duas mulheres trabalha em tempo parcial. Em termos  matemáticos, isso reduz a média anual de horas de trabalho.

Exemplo: Se dois homens trabalham dez horas em um país, o tempo médio de trabalho é de dez horas (10+10)÷2=10. Se dois homens trabalham dez horas e uma mulher quatro horas, o tempo médio de trabalho é de oito horas (10+10+4)÷3=8.

As alemãs estão trabalhando mais

"Portanto, os números não significam que as pessoas estão trabalhando menos na Alemanha”, diz Weber. "Ao contrário, as pessoas estão trabalhando mais, incluindo as mulheres em meio expediente.” A OCDE também ressalta que os dados só são adequados para comparação internacional até certo ponto.

Os tempos mudaram: o homem com emprego integral e a mulher em casa virou exceção. Na Alemanha, hoje, 77% das mulheres trabalham, o que significa que a proporção de mulheres no mundo do trabalho aumentou significativamente nos últimos trinta anos, mesmo que muitas estejam empregadas em tempo parcial.

Mulher trabalhando em casa com o filho desenhando ao lado
Família e carreira: muitas mulheres trabalham meio período porque também precisam cuidar dos filhosnull Julian Stratenschulte/dpa/picture alliance

O desejo é trabalhar menos

As pesquisas mostram que os alemães gostariam de trabalhar menos. De acordo com um estudo do IAB, quase metade das mulheres que trabalha em tempo integral deseja reduzir suas horas de trabalho em seis horas. Quase 60% dos homens gostariam de trabalhar cerca de 5,5 horas a menos. Essa vontade existe há décadas e não mudou. 

Geração Z: apesar da fama, trabalha 

A chamada Geração Z, pessoas nascidas entre 1995 e 2010, tem reputação ruim quando se trata de trabalho. Segundo a fama:  eles querem o máximo de tempo livre e o salário mais alto possível. Esse é um preconceito muito repetido. Enzo Weber diz que esse fato não se confirma e acrescenta que para a maioria da Geração Z, o sucesso no trabalho é importante. Nesse aspecto, eles não se diferem das gerações anteriores, explica Weber.

"Acho que todos nós queremos o máximo de tempo livre e altos salários. Não se pode dizer nada contra isso. O que encontramos no comportamento dos jovens: nenhum desenvolvimento incomum no desejo de horas de trabalho, nenhum declínio incomum no comprometimento profissional, nenhuma mudança de emprego a mais do que os jovens das outras gerações costumavam fazer.”

A possível semana de X-dias

Nesse meio tempo, o estilo de vida dos alemães também mudou. "A família de um único provedor, da era do milagre econômico, quase não existe mais”, diz Weber. Hoje em dia, ambos os parceiros geralmente trabalham e, portanto, precisam de um certo grau de flexibilidade. "Todos devem ser livres para escolher em que fase da vida trabalham e o quanto”, acredita Weber. "Não precisamos de uma semana de 5 ou 4 dias, mas de uma semana de X dias e de uma flexibilização do trabalho ao longo de toda a vida.” Modelos de trabalho mais flexíveis também podem motivar as pessoas em idade de aposentadoria a continuar trabalhando."

A pandemia do coronavírus mostrou que o trabalho flexível e móvel funciona, diz Weber. Esse desenvolvimento não pode ser revertido. E faz sentido organizar o trabalho de forma que as pessoas fiquem mais satisfeitas com ele.

A negociação no mercado de trabalho mudou

As demandas por jornadas de trabalho mais curtas e flexíveis também são mais fáceis de serem implementadas em tempos de escassez de mão de obra qualificada e devido à experiência adquirida durante a pandemia do Covid-19 do que após a virada do milênio, quando havia desemprego em massa.

Um homem solda em uma fábrica
Nos próximos anos, a escassez de mão de obra qualificada deve se agravar em muitos setores null Patrick Pleul/dpa/picture alliance

Mas como "trabalhar menos” se encaixa na crescente demanda por mão de obra qualificada e no desejo de não sofrer uma perda na qualidade de vida? E também se espera que as tendências demográficas resultem em sete milhões de pessoas a menos no mercado de trabalho alemão até 2035.

A produtividade é um fator-chave

Uma ferramenta para que o número de horas trabalhadas não aumente ou até diminua é aumentar a qualidade do trabalho, ou seja, a produtividade. Enzo Weber é da opinião de que não faz sentido exigir o máximo de horas de trabalho das pessoas. Ele acredita que faz mais sentido aumentar a qualidade do trabalho: por meio de treinamento adicional, investimento em digitalização, IA e reestruturação ecológica da economia.

Weber acredita que uma política de qualificação proativa é importante. Não devemos esperar até que alguém fique para trás com as mudanças estruturais e tentar salvá-lo com uma medida emergencial. Em vez disso, as pessoas devem ser colocadas em uma posição que lhes permita tomar a iniciativa e desempenhar um papel ativo na própria qualificação.

O crescimento da produtividade desacelerou 

No momento, as coisas não estão muito boas no que diz respeito à produtividade. Weber lamenta que a estagnação esteja na ordem do dia. Entre 1997 e 2007, a Alemanha ainda teve um crescimento de produtividade de 1,6%, de acordo com um estudo do McKinsey Global Institute (MGI). No entanto, entre 2012 e 2019, o crescimento caiu pela metade, para 0,8%.

Um corredor de hospital, enfermeiro carrega paciente
A produtividade do trabalho no setor de cuidados só pode ser aumentada de forma limitadanull Marijan Murat/dpa/picture alliance

Um dos motivos é que muitos empregos foram criados em áreas com produtividade mais baixa, como serviços com uso intensivo de mão de obra. Os aumentos de produtividade só são possíveis até certo ponto nos setores de cuidado, educação e saúde.

A produtividade econômica geral também caiu, pois a economia está enfraquecida e muitas empresas estão mantendo seus funcionários devido à falta de trabalhadores qualificados, o que significa que os custos trabalhistas não estão sendo encurtados. Isso reduz a produtividade. De acordo com o Conselho Digital da BDA (Confederação das Associações de Empregadores Alemães), precisa ter mais investimento em desenvolvimento tecnológico, digitalização e transformação ecológica.

Independentemente do desenvolvimento da produtividade, a Alemanha ainda tem muitos trabalhadores potenciais inexplorados. "Isso se aplica não apenas ao emprego de mulheres e ao aumento das horas de trabalho de pessoas que trabalham em tempo parcial, mas também aos muitos migrantes e alemães que não têm qualificações escolares ou profissionais e que, muitas vezes, são privados de muitas oportunidades e de ter uma vida profissional produtiva desde cedo”, alega Marcel Fratzscher, do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW).

Livro de memórias de Angela Merkel será lançado em novembro

As memórias da ex-chanceler federal alemã Angela Merkel serão publicadas em 26 de novembro, anunciou a editora Kiepenheuer & Witsch nesta segunda-feira (13/05).

O livro, intitulado Liberdade. Memórias 1954 – 2021, será lançado em mais de 30 países, informou a editora. O lançamento ocorre quase três anos após o fim do mandato de 16 anos de Merkel.

Em suas memórias, ela faz uma retrospectiva "de sua vida em dois Estados alemães – 35 anos na Alemanha Oriental, 35 anos na Alemanha reunificada", informou a editora.

Merkel nasceu em Hamburgo, no noroeste da Alemanha, em 1954, mas se mudou com sua família para a antiga RDA pouco tempo depois.

Ela escreveu o livro a quatro mãos com Beate Baumann, sua chefe de gabinete e assessora política de longa data.

"O que é liberdade para mim? Essa pergunta me ocupou durante toda a minha vida", disse Merkel em um comunicado após o anúncio.

"Sem democracia não há liberdade, não há Estado constitucional, não há proteção dos direitos humanos", afirmou.

Em um nível pessoal, acrescentou, liberdade significa "não parar de aprender, não ter que ficar parada, mas poder ir além, mesmo depois de deixar a política."

Longe dos holofotes, mas legado sobre Rússia sob críticas 

Merkel vem mantendo um perfil relativamente discreto desde que deixou o cargo. Ela se manteve fora de disputas políticas e de eventos de seu partido de centro-direita, a União Democrata Cristã (CDU).

Eleita a mulher mais poderosa do mundo pela revista Forbes por dez anos consecutivos, Merkel esteve à frente da maior economia da Europa entre 2005 e 2021. Ela foi a primeira e, até o momento, a única mulher a ocupar o cargo de chanceler federal da Alemanha.

No entanto, alguns pontos do legado de Merkel têm enfrentado críticas desde que ela deixou a política, em especial sua abordagem em relação a Moscou e a dependência da Alemanha do gás russo.

bl (dpa, AP, AFP)

Berlim ganha exposição sobre burocracia alemã

Logo na entrada do Museu da Burocracia, em Berlim, os visitantes são conduzidos a uma árvore oca. Ela também é um símbolo dos efeitos da burocracia alemã. Todos os dias, 52 árvores são cortadas apenas para que possa ser impresso o que é produzido pela burocracia, dizem os organizadores do museu.

A Alemanha é notória por sua burocracia. Uma das principais promessas do atual governo alemão foi a de simplificar o emaranhado de leis. Entretanto, muitos são da opinião de que o novo pacote de leis sobre desburocratização, que para ser aprovado pelo Parlamento no final de junho, está muito aquém do que foi prometido: uma redução genuína da burocracia.

Ocupando um espaço de 350 metros quadrados, o museu temporário é um projeto criado pela Iniciativa para a Nova Economia Social de Mercado (INSM, na sigla em alemão).

Túnel formado pela reprodução de uma árvore oca
Árvore oca na entrada do museu lembra as muitas árvores derrubadas para produção de papelnull Julie Gregson

Campanha por menos burocracia

A ideia não é totalmente desprovida de interesse próprio, já que a INSM é uma organização de lobby financiada pelas associações patronais alemãs de indústrias do setor metalúrgico e elétrico. E há muito tempo eles vêm fazendo campanha por menos burocracia na economia alemã.

"Burocracia existe em toda parte. Mas, na Alemanha, ela se tornou a desvantagem número um para quem quer investir no país – antes mesmo dos impostos e dos preços da energia", afirma Thorsten Alsleben, diretor da INSM, acrescentando que, para 58% das empresas, esse é um motivo suficiente para decidir não investir na Alemanha. Alsleben acusa os políticos alemães de sufocarem a inovação e o espírito empreendedor por meio da burocracia excessiva.

A burocracia alemã consome muito tempo, tanto das empresas quanto dos cidadãos. Muitos serviços, como a solicitação de uma carteira de motorista ou de uma carteira de identidade, exigem o comparecimento pessoal nos órgãos responsáveis. Conseguir um agendamento é geralmente uma questão de sorte. De acordo com o museu, os cidadãos gastam em média duas horas e 21 minutos nesses atendimentos. Diz-se que as empresas de pequeno e médio porte gastam cerca de 13 horas por semana com a papelada para autoridades.

Caveira sentada em uma sala de espera
"Bem-vindo à sala de espera, espera, espera": alemães gastam em média mais de duas horas em atendimentos públicosnull Julie Gregson

Em comparação com outros países europeus, a Alemanha é uma retardatária no que diz respeito à digitalização na administração pública. Muitas vezes, aparelhos de fax ainda fazem parte do padrão. No entanto, a Alemanha vem sofrendo uma pressão cada vez maior. Em 2017, a UE aprovou uma lei que obriga as autoridades a digitalizar cerca de 580 serviços até o final de 2022. No início de 2024, apenas 81 estavam totalmente operacionais e 96 estavam parcialmente operacionais.

"É muito fácil atribuir a culpa somente ao federalismo", diz Cornelia Funke, gerente e consultora da agência GFA Public. Outros países federativos, como o Canadá, por exemplo, se saem melhor do que a Alemanha nas classificações de competitividade digital. Apesar do federalismo, a abordagem do Canadá em relação à implementação é descentralizada. "No espaço digital, a qualidade depende muito da existência de uma plataforma que todos conheçam. E não de milhares de ofertas diferentes. Não deveria haver muitos modelos e designs, mas sim algo com valor de reconhecimento; um balcão único de atendimento com um só padrão", afirma Funke.

E ela cita outro motivo para a lentidão da Alemanha. O país teve primeiro uma ordem prussiana; a democracia só veio mais tarde. "Os valores e padrões mais importantes nas administrações de países burocráticos não são tanto a eficiência, o atendimento ao cidadão ou a economia do dinheiro do contribuinte. Muitas vezes, trata-se apenas de implementar leis", acrescenta Funke.

"O Pensador", de Rodin, diante de máquinas de fax
"O Pensador", de Rodin, diante de máquinas de faxnull Julie Gregson

"Às vezes surgem situações absurdas", diz o diretor da INSM, Thorsten Alsleben. "Então, vem o departamento de segurança no trabalho e diz que você precisa de azulejos com nervuras para evitar que os funcionários escorreguem. Mas depois vem a autoridade sanitária e explica que os azulejos lisos são necessários por motivos de higiene."

Regulamentos e leis demais

De acordo com Alsleben, o número de leis e regulamentos está fora de controle na Alemanha. Ele também reclama que há muito poucas pessoas trabalhando nas áreas de política e gestão que têm experiência empresarial. No Museu da Burocracia, os visitantes podem escolher suas leis favoritas e depois colocá-las em um triturador de papel.

A burocracia pode fazer muita gente perder a paciência. Mas talvez também seja um pouco simples demais colocar toda a culpa só nos funcionários públicos. Johanna Sieben, diretora do Creative Bureaucracy Festival, diz que o subfinanciamento e a falta de mão de obra também são um obstáculo à mudança, especialmente em nível local. Em geral, segundo ela, há simplesmente falta de dinheiro para soluções modernas e não burocráticas. O festival é um evento internacional realizado em Berlim com o objetivo de promover mudanças na administração.

No Museu da Burocracia, a propósito, tudo acontece de forma muito desburocratizada e rápida. O museu vai embora tão rápido como chegou. Ele pode ser visitado gratuitamente em Berlim até o dia 25 de junho.

Como a Alemanha planeja pôr fim à falta de moradia

Dirk Dymarski viveu como sem-teto durante duas décadas, morando parte do tempo em abrigos emergenciais ou na rua. A experiência, diz, "não é algo que se possa simplesmente esquecer", mas também mudou sua forma de pensar.

"Viver como morador de rua por 20 anos foi uma lição para mim em vários sentidos, porque eu costumava pensar e agir de maneira discriminatória e estigmatizante", afirmou à DW. "Nos últimos anos, aprendi que qualquer um pode passar por essa situação, da qual é difícil sair."

Dymarski passou a fazer parte do Freistätter Online Zeitung, um jornal local escrito por moradores de rua na pequena cidade de Freistatt, no estado alemão da Baixa Saxônia. Ele também é membro da Selbstvertretung Wohnungsloser Menschen ("Organização para pessoas sem-teto"), voltada para dar voz política aos moradores de rua na Alemanha.   

O maior obstáculo para os sem-teto conseguirem encontrar moradias, segundo Dymarski, é o estigma. "Quando se quer sair da rua e encontrar um lugar economicamente acessível para morar, a primeira pergunta que lhe fazem é 'onde você mora atualmente?'. Se você disser a um locatário que seu local de moradia é em um abrigo, você será rapidamente descartado."

Fim da falta de moradia?

A falta de moradia se agravou nos últimos anos na Alemanha, graças à falta de residências com preços acessíveis.

É difícil estimar o número exato de pessoas nessas condições, mas o governo federal calcula que haja atualmente 375 mil moradores de rua em todo o país. Já o grupo de trabalho federal de assistência aos sem-teto (BAG-W) acredita que sejam cerca de 600 mil, dos quais 50 mil viveriam nas ruas. Esses dados incluem qualquer pessoa que não possua um contrato de aluguel ou uma casa própria. 

As autoridades alemãs são obrigadas por lei a fornecer abrigos aos sem-teto. Apesar disso, muitas dessas pessoas preferem permanecer na rua, uma vez que esses lugares não conseguem garantir sua privacidade ou segurança.

Para combater o problema, o governo federal lançou no final de abril o um plano de ação para lidar com a "tarefa colossal" de pôr fim à falta de moradia até 2030 – sendo este o primeiro governo federal do país a criar uma estratégia com essa finalidade.

A estratégia de 31 pontos divulgada pelo Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Obras inclui propostas como liberar verbas aos estados para a construção de moradias populares, combater a discriminação no setor imobiliário, ajudar as pessoas a obterem planos de saúde e melhorar o acesso aos serviços de aconselhamento.

"Criar mais locais de residência com preços acessíveis é algo que está no centro da luta contra a falta moradia [para pessoas em situação de rua]", afirmou em nota a ministra da Habitação, Klara Geywitz. "A existência dessa diretriz nacional era um desejo explícito da sociedade civil e das muitas pessoas que cuidam dos sem-teto."

"Como estar em uma guerra"

As entidades e associações que lidam com os sem-teto – que foram consultadas durante a elaboração da estratégia – veem com bons olhos o plano de ação do governo, mas o consideram apenas um primeiro passo.

Dymarski e seus colegas elogiaram a atitude respeitosa e bem preparada da ministra Geywitz durante a fase de consultas, mas consideraram o plano bastante vago e incompleto.

Alemanha: como um país tão rico tem tanta gente sem teto?

Outras organizações o avaliam de maneira semelhante. "'Plano de ação' soa como 'agora sim, temos um plano e o colocaremos em prática'. Mas estou em dúvida se isso não seria apenas uma carta de intenções", diz Corinna Müncho, diretora do projeto Housing First em Berlim. "Os que devem pôr em prática o plano – as autoridades estaduais e municipais – ainda não sabem como poderão fazer isso."

A iniciativa Housing First ajuda moradores de rua a encontrarem moradia, partindo da defesa incondicional do princípio de que ter um local para morar é simplesmente um direito. Müncho é testemunha de como viver nas ruas afeta as pessoas.

"Um de nossos apoiados me disse que viver nas ruas é como estar em guerra", contou à DW. "Você está todos os dias no modo de sobrevivência ou de combate. As pessoas estão completamente desprotegidas, constantemente em alerta, não possuem um espaço privado ou onde possam ter qualquer intimidade, sendo privadas de tudo o que seriam necessidades primárias. Isso mexe com sua psique. Seu cérebro se autoreconstrói de modo a poder lidar com tudo isso."

Falta de moradias acessíveis

O plano de ação do governo é algo que as entidades vêm pedindo há muito tempo, explica Lars Schäfer, representante da ajuda aos sem-teto da organização de caridade Diakonie, da Igreja Protestante alemã. "O fato de os políticos estarem olhando para essa questão já é algo positivo", afirmou à DW. "Isso significa que poderemos cobrar do governo as metas que eles próprios estipularam."

Ele, porém, diz que os 31 pontos do planos de ação não são mais do que "uma coleção de medidas já acordadas anteriormente pelo governo, e algumas poucas novidades que não incluem grandes mudanças na lei ou que custam dinheiro – sendo essas as duas alavancas mais importantes".

Funcionária da Cruz Vermelha conversa com moradores de rua em Berlim
"Viver nas ruas é como estar em guerra. Você está todos os dias no modo sobrevivência ou de combate"null Fabrizio Bensch/Reuters

Um exemplo disso seria o primeiro ponto do projeto: um compromisso do governo federal de enviar 18,15 bilhões de euros (R$ 101 bilhões) aos estados para a construção de moradias populares entre 2022 e 2027.

Apartamentos para locação social são desesperadamente necessários, mas esse financiamento já havia sido anunciado há dois anos, sendo que, no ano passado, o governo foi forçado a admitir que somente 22.545 novas unidades foram construídas em 2022; número bem abaixo da meta de 100 mil por ano.

"Isso me faz pensar que, claro, podemos escrever isso ali, mas isso não ajuda realmente porque, ao final, tudo o que está sendo feito não leva a uma queda nos números da falta de moradias", diz Müncho.

Schäfer avalia que há medidas concretas que os governos poderiam adotar, que o plano de ação ignora. Por exemplo, a discriminação por parte dos locatários poderias ser contornada se as autoridades locais estabelecerem cotas para os sem-teto nas novas moradias sociais.

Empregar recursos com mais eficiência

Do mesmo modo, o governo federal poderia estipular que uma proporção do recurso enviado aos estados seja utilizado na construção de moradias sociais para moradores de rua.

Para Müncho, não se trata somente de gastar mais dinheiro, mas sim de empregar essas verbas de maneira mais eficiente. "O dinheiro existe. As acomodações de emergência custam montantes incríveis de dinheiro para um padrão muito, muito baixo."

"Estamos falando de custos de mil euros por mês para uma pessoa em Berlim. Nenhum apartamento deveria custar tanto. Isso sequer inclui qualquer serviço de apoio", observou.

No momento, as organizações de caridade relatam que a situação no mercado imobiliário é tão desesperadora que muitas pessoas acabam vivendo nos abrigos públicos durante anos. O novo plano do governo federal é uma tentativa de enfrentar esse problema. Para os ativistas, no entanto, é pouco mais do que uma carta de intenções.

Partido ultradireitista alemão pode ser classificado como organização extremista?

Há anos, um embate entre o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) e o Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV) – serviço de inteligência nacional da Alemanha – tem ocupado regularmente tribunais na Alemanha. Em disputa está a prerrogativa de o BfV poder investigar legalmente o partido por suspeita de atividades anticonstitucionais – ou seja, por extremismo político.

Nesta segunda-feira (13/05), uma corte de jurisdição regional, o Tribunal Administrativo Superior (OVG) em Münster, no oeste da Alemanha, rejeitou recurso da legenda contra a classificação como uma organização "suspeita" de extremismo de direita. Essa designação facilita ao BfV investigar e vigiar membros do partido, além de recrutar informantes de dentro da organização.

Os juízes em Münster afirmaram que a classificação é apropriada e que não viola a Constituição alemã ou leis europeias. No comunicado dos magistrados, consta que o tribunal acredita haver "evidências suficientes de que a AfD persegue objetivos que contrariam a dignidade humana de alguns grupos e a democracia. Esses são fundamentos para suspeitar que pelo menos parte da legenda quer tratar cidadãos alemães com origem migratória como cidadãos de segunda classe."

A AfD criticou a decisão, afirmando que o processo "não esclarece suficientemente os fatos", e que, "obviamente", recorreria novamente da decisão.

Em 2022, a agremiação já tinha perdido recurso contra a designação na cidade de Colônia. A AfD ainda pode interpor um recurso em nível federal no chamado Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht, ou BVerwG) em Leipzig. Nessa instância, porém, a análise se restringiria a avaliar erros formais do processo, e não o mérito ou conteúdo da ação.

Suspeita de extremismo de direita

A AfD contestou uma decisão de 2021 que colocou a legenda sob investigação por suspeita de extremismo de direita. Essa designação veio depois que o BfV, que anteriormente se limitava a considerar a AfD um "caso de interesse", apontou que o partido havia se radicalizado cada vez mais. O rótulo anterior significava que somente informações disponíveis publicamente poderiam ser avaliadas para determinar uma possível ameaça da AfD à democracia alemã.

Naquela época, o serviço de inteligência nacional tinha que se limitar a agir como um cidadão comum interessado nas atividades da AfD: ler artigos em jornais e portais online, assistir a reportagens de TV e vídeos na Internet e ouvir os discursos dos membros da AfD no Parlamento e em congressos do partido. Mas só isso foi suficiente para o BfV reclassificar a AfD como um "caso suspeito".

O partido que faz alemães temerem a volta do nazismo

Essa classificação mais rígida permite que as autoridades usem métodos confidenciais para monitorar o partido e seus membros. Com ela, por exemplo, é possível tentar recrutar membros da AfD e indivíduos associados a ela como informantes confidenciais ou "pessoas de confiança". Em algumas circunstâncias, as telecomunicações também podem ser monitoradas.

É essa vigilância que a AfD tentou derrubar no Tribunal Administrativo Superior. Se a AfD tivesse sido bem-sucedida, restariam poucas opções para o BfV.

No entanto, como o tribunal manteve o monitoramento, o BfV pode tomar a decisão de ir mais longe, seguindo o exemplo de serviços de inteligência regionais dos estados da Turíngia, Saxônia e Saxônia-Anhalt, que classificam os diretórios locais da AfD como "comprovadamente extremistas de direita".

Membros ou diretórios classificados como "extremistas de direita comprovados" podem esperar ser alvo de monitoramento ainda mais severo dos serviços de inteligência.

Em janeiro, a revelação de um encontro entre membros da AfDe neonazistas em Potsdam, no qual foram discutidos para uma deportação em massa de milhões de pessoas com raízes estrangeiras causou escândalo na Alemanha e aumentou a pressão por mais vigilância sobre o partido.

Um banimento da AfD?

Com a perda de seu recurso legal, o partido também poderia esperar um esforço oficial pelo seu banimento.

O BfV já estabeleceu requisitos específicos para uma medida do tipo, segundo os quais deve haver "evidências factuais" que demonstrem que um partido pretende atacar e acabar com a ordem constitucional livre e democrática da Alemanha. Na história alemã do pós-guerra, apenas dois partidos políticos foram banidos pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: O Partido Socialista do Reich (SRP) –de extrema direita –, em 1952, e o Partido Comunista da Alemanha (KPD), em 1956 – ambos no antigo território da Alemanha Ocidental.

"Nesse momento, um processo para banir o partido ainda teria que identificar um elemento que seja ativamente militante, em outras palavras, que aja de acordo com um plano", disse o presidente do BfV do estado da Turíngia, Stephan Kramer, em março. "Para que isso aconteça, não é necessário que nenhum crime tenha sido cometido".

Beatrix von Storch e Jair Bolsonaro
Em 2021, a deputada Beatrix von Storch, da AfD, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaronull Team von Storch/dpa/picture alliance

Fim do fundo partidário para a AfD?

Legalmente, cabe ao Tribunal Constitucional Federal da Alemanha decidir se um partido pode ser banido. Uma solicitação de proibição pode ser apresentada pelo governo federal, pelo Bundestag (câmara baixa do Parlamento) ou pelo Bundesrat (Câmara alta, que representa os 16 estados do país).

Na cidade-estado de Bremen, os diretórios da atual coalizão governamental local – o Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e o partido A Esquerda – estão se preparando para fazer exatamente isso.

No entanto, a maioria dos alemães permanece cética: em fevereiro de 2024, 51% afirmavam ser contra um banimento da AfD, de acordo com uma pesquisa do instituto Infratest-Dimap.

Outra maneira de enfraquecer o partido seria desqualificá-lo para acessar o fundo partidário. Essa é a principal fonte de renda da maioria dos partidos, além das taxas de filiação e doações. Em janeiro, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tomou uma medida similar contra o partido de extrema-direita A Pátrianovo nome adotado pela antiga sigla neonazista Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD) –, uma legenda bem menor que a AfD, mas que é vigiada há décadas pelos serviços de inteligência.

Se isso será possível contra a AfD, no entanto, permanece uma questão sobre a qual os especialistas mostram opiniões divergentes. O mesmo ocorre com a chance de um banimento total bem-sucedido.

Histórico da AfD

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração e membros que se destacam na imprensa por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas e é vigiada de perto por serviços de inteligência da Alemanha como uma ameaça potencial à ordem constitucional do país.

O partido também tem conexões com a extrema-direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

No momento, a AfD tem aparecido em segundo lugar nas pesquisas nacionais, com entre 17% e 19% das intenções de voto. É especialmente forte nos estados do leste, que compunham a antiga Alemanha Oriental comunista. Nos últimos dois anos, políticos da sigla que têm seus redutos nessa área adotaram posições pró-Rússia, anti-sanções e contra ajuda militar ocidental à Ucrânia.

O que torna a ultradireita bem-sucedida no leste alemão?

Prêmio da Paz alemão vai para Alexei Navalny

O Prêmio da Paz de Dresden é concedido desde 2010. Ele marca o bombardeio dessa cidade do leste alemão pelos Aliados, em 13 de fevereiro de 1945, como parte da campanha militar contra a Alemanha nazista, tendo sido criado com o fim de combater a apropriação da data pelos extremistas de direita. Dotado em 10 mil euros, já teve entre seus recipientes o ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev e o regente israelo-argentino Daniel Barenboim.

Em 2024, o Prêmio de Dresden coube ao dissidente russo Alexei Navalny. Um tanto tarde: ele morreu em circunstâncias até hoje não esclarecidas, em 16 de fevereiro, aos 47 anos, cumprindo sentença de 19 anos numa colônia penal no Círculo Ártico.

"A resistência do político de oposição foi e é um exemplo encorajador para todos os defensores dos direitos humanos que continuam suas atividades", justificaram os organizadores a premiação póstuma.

Yulia Navalnaya e Alexei Navalny em Moscou, fevereiro de 2017
Yulia Navalnaya e Alexei Navalny em Moscou, fevereiro de 2017null Sefa Karacan/AA/picture alliance

A viúva Yulia Navalnaya recebeu a distinção neste domingo (12/06), em cerimônia que incluiu uma apresentação da peça Discursos de Alexei Navalny perante o tribunal, pelo Teatro Nacional de Dresden. O discurso laudatório coube ao ex-chefe de Estado alemão Joachim Gauck, o qual, pouco após as notícias da morte do oposicionista, o louvara como "um ícone para todos os russos decentes".

Desta vez, o político apartidário de 84 anos usou uma expressão do esporte alemão: Navalny teria sido um "Angstgegner", um "adversário de dar medo" para o presidente Vladimir Putin. Nenhum outro oposicionista foi tão carismático quanto Navalny; nenhum conseguiu levar dezenas de milhares às ruas; nenhum conseguiu por tantos anos desafiar Moscou, usando métodos não ortodoxos, enfatizou Gauck.

Expondo corrupção e abusos na Rússia de Putin – com humor

Nascido em 1976, em Kharp, Alexei Anatolyevich Navalny começou sua vida profissional como empresário e advogado. Aos 20 e poucos anos de idade, envolveu-se com o partido liberal de esquerda Yabloko, porém foi expulso em 2007, devido a conflitos com a liderança – mas também por seus pontos de vista nacionalistas.

Mais tarde, Navalny esteve atuante num movimento nacionalista, sendo por, esse motivo, controvertido também nos meios oposicionistas. Contudo, ganhou notoriedade mundial por expor, durante anos a fio, a corrupção e os abusos de direitos humanos na Rússia de Putin.

Como blogueiro, atraiu com seu humor milhões de leitores, principalmente jovens russos, mas também fez inimigos poderosos. O Kremlin conseguiu aliená-lo da política – mas mesmo ele reuniu em torno de si um grande número de adeptos por todo o país.

Navalny no tribunal, em 18/10/2022
Navalny no tribunal, em 18/10/2022. Luta contra abusos de poder continuou, mesmo a partir do cárcerenull Alexander Zemlianichenko/AP Photo/picture alliance

O envenenamento de Navalny, em 2020, chamou ainda mais atenção internacional para sua figura. Transportado de avião para Berlim, ele conseguiu sobreviver, e acusou pelo atentado tanto o serviço secreto russo, FSB, quanto Putin, pessoalmente. Uma vez recuperado, retornou a seu país, apesar dos riscos, só para ser imediatamente detido no aeroporto de Moscou e, em seguida, sentenciado a 19 anos de prisão.

Em dezembro de 2023 o paradeiro de Navalny ficou desconhecido por várias semanas. Mais tarde veio à tona que fora transferido para uma colônia penal no norte da Sibéria. Sua teoria era que as autoridades queriam isolá-lo ainda mais, às vésperas das eleições presidenciais de março – em que Putin acabou se reelegendo.

Tribunal como palco para críticas a Putin

Antes de morrer, Alexei Navalny apresentara diversas queixas pela violação constante de seus direitos como prisioneiro. Até o fim, ele aproveitou suas aparições em juízo para expressar crítica mordaz ao regime autoritário de Putin e à guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Poucas semanas após a misteriosa morte do dissidente, o próprio presidente afirmou que houvera preparativos recentes para a uma troca de prisioneiros. Não se sabe por que a troca não ocorreu, ou se a alegação sequer é verdadeira.

Desde a morte de Navalny, Moscou prossegue com a brutal ofensiva contra seus críticos. Recentemente relataram-se apreensões quanto à saúde de um dos companheiros íntimos de Navalny, Vladimir Kara-Murza, de 42 anos.

Em abril de 2023, após acusar a Rússia de crimes de guerra na Ucrânia, num discurso nos Estados Unidos, ele foi condenado a 25 anos de prisão por "alta traição". Em outro paralelo com Navalny, a família e os advogados de Kara-Murza afirmam que o FSB tentou envenená-lo em 2015 e 2017, e desde então ele sofre de problemas de saúde.

Yulia Navalnaya prossegue o trabalho de Alexei

"Navalny repetidamente remexeu nas feridas da ditadura russa, tornando-se o maior perigo para Putin e seu sistema. Por isso se tornou um preso político cuja morte é representativa dos inúmeros indivíduos que se erguem pela liberdade e a democracia na Rússia", constou da declaração da associação Friends of Dresden Deutschland.

A viúva Yulia Navalnaya tem estado cada vez mais no foco da atenção pública. Em 16 de fevereiro, logo em seguida às notícias da morte do dissidente, ela subiu ao palco na Conferência de Segurança de Munique e exigiu que Vladimir fosse responsabilizado.

O presidente russo e seus assessores "arcarão com a culpa pelo que fizeram com nosso país, minha família, meu marido", reivindicou. No começo de junho, o prêmio Liberdade de Expressão da DW será entregue a Yulia Navalnaya.

Falta rede de apoio, dizem mães solo brasileiras na Alemanha

"A mãe solo existe só em função dos filhos, da casa, do trabalho e do dinheiro – é uma loucura", diz Carla, mãe de duas filhas que mora em Berlim há 23 anos. Carla morava na Alemanha há três anos e trabalhava em um restaurante brasileiro quando a gravidez a pegou de surpresa. Dois anos depois, quando engravidou de novo, ela decidiu criar as filhas sozinha.

Segundo dados do Serviço Federal de Estatística (Destatis, na sigla em alemão), na Alemanha, país com cerca de 82 milhões de habitantes, há pelo menos 2,3 milhões mães solo. No Brasil, segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), são cerca de 11 milhões.

Nesse Dia das Mães, a DW conversou com duas mães brasileiras na Alemanha sobre as experiências que viveram criando os filhos sozinhas.

O dia a dia de uma mãe solo

"Você tem que trabalhar e fazer tudo por dois", diz Carla, que tem uma filha de 18 e uma de 20 anos. Apesar do apoio financeiro e estrutural que existe na Alemanha, organizar o dia a dia sendo a única pessoa responsável pelas filhas foi um desafio para ela.

Enquanto as filhas estavam no jardim de infância ou na escola, Carla trabalhava de cuidadora de famílias. Tendo que buscar as filhas à tarde, Carla só podia trabalhar até às 15h, e para compensar, trabalhava também nos finais de semana.

Mesmo assim, ela nunca conseguiu sobreviver com o próprio dinheiro. Desde que é mãe solo, sempre teve a renda completada por benefícios assistenciais do estado. Cerca de 35% de pais ou mães solo na Alemanha dependem de benefícios assistenciais, sendo que mães solo são o grupo mais vulnerável à pobreza.

Como funciona o sistema de auxílio na Alemanha?

Além de benefícios assistenciais para pessoas sem renda ou com renda baixa, o estado paga 250 € (cerca R$ 1.370) de abono de família por mês para cada filho até que a criança complete 18 anos de idade, independentemente do rendimento. O benefício é conhecido como "Kindergeld". Filhos desempregados têm direito ao abono até os 21 anos e, se estiverem estudando, até os 25 anos.

A brasileira Carla Hermann, mãe solo de duas filhas
"Eu sempre dou um jeito para arrumar um dinheirinho para que minhas filhas possam dar uma saidinha, ir a um cineminha. Mas eu, a maior parte do tempo, fico em casa", diz a mãe solo Carla Herrmann, cujo dinheiro é contado no final do mês.null Privat

Os pais também têm direito a três anos de licença materna ou paterna, sendo que, geralmente, apenas o primeiro ano é uma licença remunerada. Os dois anos em que não se recebe compensação financeira podem ser tirados pelos pais até a criança completar oito anos de idade – por exemplo, para acompanhar a escolarização da criança.

Quanto auxílio financeiro uma mãe solo recebe durante a licença materna varia dependendo do emprego – ou seja, quanta remuneração ela recebia antes do nascimento da criança – e do seguro da mãe. Mães solo têm direito a, no máximo, 14 meses de licença remunerada. Durante o período da licença, elas recebem no mínimo 65% de subsídio parental do salário líquido do emprego, e no máximo 1.800 euros mensais.

"Sempre falta no final do mês"

Apesar dos benefícios, o dinheiro sempre foi apertado para Carla. Ela recebe um total de 1.600 € por mês, que equivale mais ou menos ao aluguel de um apartamento de dois ou três quartos em Berlim, onde mora. "Tudo que você recebe é bem contado. Você recebe o mínimo, e você tem que dar um jeito com esse mínimo", diz Carla.

Para pagar as atividades sociais das filhas, ela faz limpezas de casa no seu tempo livre, além do trabalho regular. "Eu sempre dou um jeito para arrumar um dinheirinho para que elas possam dar uma saidinha, ir a um cineminha. Mas eu, na maior parte do tempo, fico em casa", diz ela.

Brasileiros contam como é a licença-paternidade na Alemanha

 

A mãe solo Daniele também afirma que, apesar dos benefícios e auxílios que recebe, "sempre falta no final do mês". Daniele, que é mãe de dois filhos de 13 e 19 anos, recebe o salário do seu trabalho como cuidadora de idosos, abono de família para cada filho e a pensão do pai para a filha menor de idade.

Na Alemanha, só 25% de mães e pais solo recebem a pensão a que têm direito do ex-companheiro ou da ex-companheira. Porém, é possível receber até 395 euros (cerca de R$ 2.161) por mês de compensação do estado se um dos pais não paga a pensão à qual o outro tem direito.

Uma imensa responsabilidade

Daniele se mudou do Rio de Janeiro para a Alemanha há três anos. Ser mãe solo é uma experiência nova para ela, que se separou há poucos meses. Conta que a sua vida "mudou completamente".

Depois da separação, Daniele e os dois filhos tiveram que mudar o padrão de vida por questões financeiras. Hoje, os filhos recebem menos mesada e a família cortou o hábito de comer fora.

Alemanha: o que é ser pobre num país tão rico?

"Meu ex-marido me deixou um aluguel caro para pagar, as duas crianças e a responsabilidade imensa de terminar de educá-los", conta Daniele. Essa responsabilidade exige uma estrutura organizada.

Daniele costuma preparar o almoço para a semana toda para que os filhos possam comer depois da escola. No domingo, ela e os filhos organizam a semana e dividem as tarefas da casa entre si: "Uma passa a roupa, o outro limpa o banheiro, lava a louça ou tira o pó dos móveis", descreve.

"Eu não tinha como ficar doente"

Com todas as responsabilidades do dia a dia, mães solo raramente têm tempo para elas mesmas. Carla afirma que quando as filhas ficavam doentes, ela faltava no trabalho para cuidar delas. "A mãe solo não tem tempo para nada", diz. "Eu me anulei totalmente como mulher. Eu só funcionava em torno das meninas. Isso sobrecarregou bastante."

Isso também porque Carla nunca teve família ou uma rede de apoio por perto. É justamente por isso que, em retrospectiva, Carla acredita que a maternidade no Brasil teria sido mais fácil para ela.

"Eu acho que no Brasil, emocionalmente e em termos de apoio, teria sido menos desgastante, por causa da família. No Brasil, a família ajuda. Se você não tem um pouquinho de arroz, você vai lá com uma xicara e vem um quilo. Aqui não existe isso", imagina. 

"Aqui eu tenho mais tranquilidade"

Daniele também sente falta de ter uma rede de apoio. "No Brasil, eu tinha um círculo grande de pessoas para me ajudar com eles. Aqui eu estou sozinha", ela conta.

Mesmo assim, para Daniele, a maternidade solo na Alemanha é mais fácil do que no Brasil. "Aqui você consegue criar filhos com mais segurança, tranquilidade e saúde, coisas que a gente não tem no Brasil. Meus filhos podem ir para a escola e para o futebol sozinhos, podem chegar mais tarde em casa. E para mim, uma coisa substitui a outra", diz ela.

"Falta ar para respirar"

A maioria das mães solo – como é o caso de Daniele e Carla – são as únicas responsáveis pelos filhos, pelas finanças e pelo lar. Por isso, ambas gostariam que o estado alemão desse mais incentivo financeiro para que mães solo possam contratar uma pessoa para ajudá-las, e assim, ter mais liberdade.

A ONU estima que existem mais de 103 milhões de mães solo no mundo, e pelo menos mais 103 milhões adicionais que não são contadas em estatísticas oficiais. São pelo menos 103 milhões de mulheres no mundo enfrentando a responsabilidade de criar, educar e alimentar os filhos sozinhas.

Carla e Daniele não estão pedindo muito. O que elas querem é um pouco de tempo para elas mesmas. "É preciso ter mais apoio para mães sozinhas, para que elas possam de vez em quando ir fazer uma compra sozinha ou visitar um médico. Dar um pouco de ar para essas mulheres respirarem. É isso que falta", diz Carla.

Racismo e pobreza na Alemanha: dois lados de uma moeda?

Que o racismo é difundido na Alemanha, não se discute. Mas quais são as consequências para os afetados? O Centro Alemão de Pesquisa em Integração e Migração (DeZIM), sediado em Berlim, abordou a questão no estudo intitulado Limites da igualdade: racismo e risco de pobreza.

As sociólogas Zerrin Salikutluk e Klara Podkowik basearam-se em dados do Monitor Nacional para Discriminação e Racismo (NaDiRa), uma consulta representativa recorrente sobre experiências quotidianas de racismo, financiada desde 2020 pelo Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão).

"Nas estatísticas oficiais ou nos relatórios do governo sobre pobreza e riqueza, os dados costumam ser divididos segundo se há origem migratória ou cidadania alemã", explica Salikutluk. "O que até agora não pudemos determinar, é como realmente estão indo aqueles que são afetados pelo racismo."

Discriminação quotidiana na Alemanha

As pesquisadoras identificaram discriminação no sistema educacional, nos mercados de trabalho e imobiliário, e no setor de saúde. Estudos anteriores haviam demonstrado que imigrantes ou seus descendentes em geral são discriminados quando procuram emprego, o que eleva o risco de terem que viver abaixo da linha da pobreza. Na Alemanha, risco de pobreza significa uma renda mensal de menos de 60% da média estatística, que em 2023 era de 1.310 euros (R$ 7.160).

Dos consultados para a pesquisa do DeZIM, 5% dos alemães sem origem migratória, empregados em regime integral, se declararam abaixo da linha da pobreza. No entanto, essa cifra sobe para 20%, em média, entre os participantes negros, muçulmanos ou asiáticos.

Nem mesmo uma alta formação universitária ou treinamento profissional protegem contra um resvalo na pobreza: para quem sofre de discriminação racista, esse risco é de duas a sete vezes maior do que entre os cidadãos alemães sem origens estrangeiras.

Risco de pobreza máximo entre refugiados

A ameaça é especialmente grave para os muçulmanos do sexo masculino, com uma taxa de 33%. A socióloga Salikutluk atribui o fato ao alto número de refugiados com esse perfil que chegaram ao país desde 2013.

Cerca de 20% dos participantes muçulmanos provém da Síria e do Afeganistão, países seriamente afetados por guerras e pobreza, "e já sabemos que refugiados estão sob risco maior de pobreza, devido a seu acesso limitado ao mercado de trabalho".

Contudo, é alvo de discriminação mesmo quem tem origens estrangeiras mas vive na Alemanha há muitos anos, ou nasceu no país, ou tem cidadania alemã. A pesquisadora recorda experimentos em que os mesmos documentos de candidatura para um emprego foram submetidos sob nomes diferentes. O resultado: "indivíduos com um sobrenome que soe turco, por exemplo, têm menos chances de ser convidados para uma entrevista de seleção."

Como reduzir a taxa de pobreza entre os refugiados?

Na opinião de Zerrin Salikutluk, as constatações da enquete evidenciam a necessidade de medidas direcionadas para combater a pobreza e promover igualdade de oportunidades para os grupos desfavorecidos. Um passo nesse sentido seria a Alemanha reconhecer as qualificações educacionais e profissionais adquiridas no exterior.

"Isso ia acelerar a entrada dos refugiados e outros imigrantes no mercado de trabalho alemão e dar acesso a profissões adequadas para os trabalhadores qualificados que adquiriram suas credenciais no exterior", recomenda o estudo.

Para acelerar a integração ao mercado, as sociólogas pleiteiam acesso mais rápido a cursos de idioma e integração. Sua conclusão é que a única forma de reverter a taxa de pobreza entre os refugiados seria garantir que possam financiar sua subsistência com os ganhos do próprio trabalho.

[Arquivo DW] Como se preparar para enchentes extremas?

A tragédia sem precedentes no Rio Grande do Sul se segue às cheias do final do ano de 2023 e aconteceu depois que, segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), metade da chuva prevista para todo o ano de 2024 caiu no estado nos últimos dias.

As enchentes que começaram a se espalhar no estado nos últimos dias de abril são a manifestação mais recente de situações extremas que afetaram diferentes regiões do mundo nos últimos anos.

Além das chuvas no Sul do Brasil, em particular em Santa Catarina, em 2023, enchentes causaram a morte de mais de 40 pessoas no nordeste da China após as chuvas torrenciais causadas pelo tufão Doksuri, que atingiu a capital, Pequim, e o entorno. Na Eslovênia, na Europa central, dois terços do país foram alvo de inundações, deslizamentos e o rompimento de uma barragem após precipitações intensas. Eventos severos também afetaram Áustria, Polônia, Croácia e Eslováquia no ano passado.

O verão no Hemisfério Norte também acabou sendo marcado por tempestades fatais no último ano. No início de julho, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Espanha testemunharam chuvas sem precedentes que causaram enchentes-relâmpago, deixaram vítimas e destruíram infraestruturas em  diversas regiões.

Estratégias de adaptação às mudanças climáticas

Os recordes de inundações em países como Brasil, Alemanha e Paquistão ligados ao agravamento da crise climática nos últimos anos levantam a questão de como países e comunidades podem se adaptar melhor para limitar os danos dos eventos extremos.

Cheias devastadoras no oeste europeu, especialmente no Vale do Ahr, na Alemanha, deixaram pelo menos 200 mortos. Após a tragédia, Lamia Messari-Becker, professora de engenharia civil da ​Universidade de Siegen, especializada em construção e design sustentáveis, disse à DW que era preciso falar sobre a adaptação às mudanças climáticas de forma urgente e concreta. "Agora é a hora dos engenheiros", diz. "Precisamos de ajuda real, ideias, soluções. Não podemos confiar em processos ou procedimentos normais agora. Estamos lidando com uma situação excepcional."

Reconstruindo melhor

Quando se trata de adaptar edifícios para resistir a enchentes, Messari-Becker traça paralelos com a arquitetura resistente a terremotos. Em tais edifícios, a profundidade da fundação, o projeto estrutural e materiais de construção são escolhidos especificamente para serem capazes de lidar com inundações extremas. Muitas casas desabadas nas regiões mais afetadas tinham centenas de anos, construídas em torno de uma estrutura de madeira incapaz de suportar massas de água.

"É exatamente assim que temos que operar aqui, quando estamos lidando com tamanha quantidade de água", ressalta. "Precisamos reforçar os porões para que eles também possam se encher de água, e as pessoas possam chegar rapidamente à segurança. Também são importantes aqui medidas de reforço para paredes externas, para telhados."

Família olha para um vale com casas de estilo enxaimel destruídas
Casas centenárias não foram construídas para suportar a força da enxurradanull Harald Tittel/dpa/picture alliance

Boris Lehmann, professor de engenharia hidráulica da Universidade Técnica de Darmstadt, lembra que medidas como válvulas de retenção em conexões de esgoto, que evitam que as enchentes voltem para as casas, e impermeabilização de janelas e portas nos níveis mais baixos dos edifícios também são essenciais.

"Nossas avaliações de danos mostram que medidas de precaução privadas podem reduzir significativamente os danos causados ​​por enchentes", relata Annegret Thieken, professora que se concentra em pesquisas sobre riscos naturais na Universidade de Potsdam.

Ela também aponta a necessidade de se proteger elementos potencialmente destrutivos, como tanques de combustível usados ​​para aquecer casas. "O óleo combustível pode penetrar profundamente na alvenaria e também danificar prédios vizinhos", explica. "Em casos severos, os danos do óleo podem tornar os edifícios inabitáveis. A proteção contra inundações pode evitar que os tanques de óleo subam dos porões, reduzindo os danos aos edifícios e ao meio ambiente."

Cidades à prova de intempéries

Não é suficiente focar apenas em edifícios. As cidades e outras áreas urbanas precisam pensar em controlar a água antes que ela tenha a chance de inundar os porões, reforçando os reservatórios e represas que podem ajudar a absorver as torrentes repentinas.

As enchentes mostraram que pequenos riachos em vales estreitos, onde a água não tem muito espaço para se espalhar  – como na devastada região de Ahr, ao sul de Bonn – podem se transformar em enxurradas mortais em poucas horas. Nesses lugares, segundo Messari-Becker, represas e diques precisam ser erguidos e expandidos para proteger melhor as cidades de altos níveis de água.

Solidariedade após enchentes devastadoras na Alemanha

Ela alerta, no entanto, que isso não é barato – simplesmente ampliar um dique, por exemplo, pode custar pelo menos 1 milhão de euros (R$ 5,4 milhões) por quilômetro. "E quanto mais estreito é um vale, mais caras são essas medidas", acrescenta. "Para proteger a infraestrutura de maneira eficaz contra esses eventos extremos, o projeto atual de nossos sistemas de gerenciamento de água e engenharia hidráulica não é suficiente – como mostram as atuais calamidades", diz Lehmann.

Trabalhando com a natureza, e não contra ela

Devido à impossibilidade de se reformar e reforçar todas as estruturas urbanas, planejadores e engenheiros afirmam ser necessário encontrar maneiras de trabalhar com o mundo natural, em vez de tentar controlá-lo. Sempre que possível, segundo Messari-Becker, deve-se permitir que os cursos de água fluam como a natureza pretende, sem serem alterados ou retificados. "Isso concentra e acelera ainda mais os volumes de água durante uma enchente", diz.

Em vez de se confinar os rios, os diques devem ser movidos de volta, para abrir espaço para planícies aluviais – espaços verdes abertos que podem servir como reservatórios de transbordamento durante as enchentes. Esses locais foram expandidos ao longo do rio Elba, no leste da Alemanha, após vários eventos de enchentes destrutivas no início dos anos 2000.

Vista do rio Elba com Dresden ao fundo
Planícies aluviais do Elba foram ampliadas em Dresden após enchentes nos anos 2000null Sylvio Dittrich/imago images

Outra abordagem é tornar as áreas urbanas mais permeáveis, para que a água seja mais facilmente absorvida em uma área mais ampla e não se concentre em pontos específicos. De acordo com a Agência Federal do Meio Ambiente da Alemanha, 45% das áreas residenciais e de tráfego da Alemanha já foram cobertas com concreto ou asfalto. Como resultado, a água não consegue penetrar naturalmente no solo, levando a sistemas de esgoto a transbordar e aumentar o risco de inundações.

A cidade de Leichlingen, a sudeste de Düsseldorf, foi atingida por inundações severas várias vezes nos últimos anos. Para aliviar o estresse na gestão da água, eles pretendem fazer uso de um novo modelo de planejamento conhecido como "cidade-esponja".

A ideia é canalizar a água da chuva de telhados, praças e ruas para valas cobertas de grama ao lado das ruas. O excesso de água poderia então ser drenado naturalmente e adicionado ao lençol freático local, reduzindo a carga sobre a infraestrutura de gerenciamento de água. Cisternas de reserva também seriam instaladas para coletar o excesso e poderiam ser usadas para regar os espaços verdes da cidade.

Vista aérea da barragem de Steinbach, em Euskirchen, Alemanha
Cheia até a borda, a barragem de Steinbach, em Euskirchen, ainda está em risconull Sebastien Bozon/Getty Images/AFP

Preparando a população para o pior

Melhorar a infraestrutura e os sistemas de gerenciamento de água não adiantará muito se a população não souber como reagir diante de uma parede de água. É por isso que Lehmann, da Universidade Técnica de Darmstadt, enfatiza a necessidade de uma maior conscientização pública.

"Especialmente no caso de inundações repentinas causadas por condições meteorológicas extremas, não há apenas muita água, também há uma grande quantidade de detritos flutuantes, lixo e outras coisas se movendo com a água", diz, acrescentando que as pessoas que entram nessas águas correm o risco de se afogar e serem esmagadas. Ele afirma que campanhas contínuas de educação são necessárias para ensinar o público como reagir em situações extremas – por exemplo, como escapar de um carro preso em uma corrente.

"'Fuja da água e fique em segurança o mais rápido possível' –  devemos começar a ensinar essas regras de conduta já no ensino fundamental", sublinha. "Em caso de emergência, isso pode salvar vidas."

Em casos extremos, as pessoas terão que reconsiderar onde estão morando. Em vez de reconstruir no mesmo local, alguns podem ser forçados a ir para terras mais altas, longe de zonas de inundação potencialmente perigosas. Algumas áreas podem não ser mais sustentáveis.

"Mas se os investimentos necessários em medidas de proteção forem feitos de forma rápida e eficaz agora, pode não ser tarde demais", diz Messari-Becker.

"Nona" de Beethoven: uma revolução faz 200 anos

Antecipando a estreia de sua Sinfonia nº 9, em 7 de maio de 1824, Ludwig van Beethoven (1770-1827) tinha que se desdobrar em mil. A nova obra era esperada com suspense em Viena, copistas se dedicavam a todo vapor à produção das partes orquestrais manuscritas. O compositor não apenas supervisionava o trabalho deles, mas também se empenhava para contratar um teatro apropriado, músicos e cantores.

"O público costuma ver Beethoven como esse gênio solitário, criando obras grandiosas na mais absoluta solidão. Na verdade, ele trabalhava junto com uma grande equipe", observa a musicóloga Beate Angelika Kraus, do Beethoven Archiv, a seção de pesquisa da casa de nascença do músico em Bonn.

Ao se ocupar da Nona sinfonia para a edição crítica das obras completas, ela se aprofundou nos processos de trabalho na "firma Beethoven": "É preciso pensar em Beethoven também como um empresário que organizava sua vida profissional com uma rede de colaboradores."

Havia diversos assistentes no palco para ajudar a reger o coro e a orquestra. Ao lado do maestro principal, Michael Umlauf, o próprio compositor ditava os andamentos, apesar de estar praticamente surdo desde os 40 anos de idade. Além do spalla (o primeiro violinista da orquestra), um pianista igualmente se encarregava da coordenação. "Na época era comum: quando um coro estava envolvido, se necessário recebia suporte musical a partir do piano", conta Kraus.

Estátua de Ludwig von Beethoven em Bonn
Cidade de Bonn é marcada pela presença de seu filho mais ilustre, Ludwig von Beethovennull Oliver Berg/dpa/picture alliance

Memória do Mundo, "Ode à Liberdade"

O manuscrito autógrafo da Nona é um marco da história da música e, desde 2001, integra o programa Memória do Mundo da Unesco, como contribuição "para o diálogo cultural internacional".

Ela é visionária em diversos aspectos: pela primeira vez, um compositor incluía solistas vocais e um coro numa sinfonia; e ela dura cerca de 70 minutos, o triplo das dimensões usuais na época, abrindo o caminho para obras titânicas como as de Gustav Mahler e Anton Bruckner, e mesmo as óperas de Richard Wagner.

Para o famoso coro final, denominado Ode à Alegria, Beethoven escolheu um poema do também filósofo e dramaturgo Friedrich Schiller (1759-1805), exaltando a paz e a harmonia entre os povos. A versão instrumental foi declarada hino do Conselho Europeu em 1972, e desde 1985 é o hino oficial da União Europeia.

Foi a Sinfonia nº 9, opus 125 que o maestro Leonard Bernstein apresentou no dia do Natal de 1989, na Konzerthaus, para marcar a queda do Muro de Berlim. Na ocasião, a palavra Freude (alegria) no quarto movimento foi substituída por Freiheit (liberdade).

Em 23 de fevereiro de 2022, o dia seguinte à ofensiva russa contra Kiev e Kharkiv que marcou o início da invasão da Ucrânia, a regente ucraniana Oksana Lyniv regeu a Nona. Para ela, o verso de Schiller "Todos os seres humanos se tornam irmãos" é especialmente tocante: "Todos no mundo devem desenvolver essa empatia, já na época ela contagiou o público, que até jogou seus chapéus para o ar."

Regente Oksana Lyniv erguendo bandeira da Ucrânia
Ucraniana Oksana Lyniv regeu a "Nona" um dia após a invasão de seu país pela Rùssianull privat

A Nona como work in progress

A última sinfonia concluída de Beethoven teve um longo período de gestação: os primeiros esboços datam de 1815. Apesar das dimensões dessa "música contemporânea" e do aparato envolvido, durante a vida de seu criador ela foi executada 12 vezes, em diferentes "versões autorizadas".

Assim, o que se escutou em Viena, em maio de 1824 foi uma versão preliminar, diferente da enviada para o editor ou da partitura que o músico dedicaria dois anos mais tarde ao então rei da Prússia, Frederico Guilherme 3º. "A Nona não é, como se costuma pensar, uma obra estática", diz Beate Kraus", "mas, antes, um work in progress."

Como a encomenda para a revolucionária composição partira da Philharmonic Society de Londres, a estreia deveria ter sido na Inglaterra. Contudo, numa carta ao compositor, 30 patronos das artes vienenses apelaram para que ele a apresentasse pela primeira vez em sua cidade.

"Conhecemos esse documento de fevereiro de 1824 há bastante tempo", relata Kraus, "mas hoje o vemos com outros olhos: muitos desses signatários estavam em contato próximo com Beethoven", portanto é possível que o próprio músico estivesse envolvido na iniciativa. Certo é que a carta lhe serviu de bem-vindo pretexto para que a estreia fosse em seu lar eleito, a capital austríaca.

"Nona sinfonia": dedicatória de Beethoven a Frederico Guilherme 3º, rei da Prússia
Dedicatória de Beethoven a Frederico Guilherme 3º, rei da Prússianull akg-images/picture alliance

Compondo o caos e o silêncio

Beethoven costumava apresentar ao público suas últimas criações em concertos denominados "academias". Ao contrário dos hábitos atuais, contudo, "ninguém iria a um concerto que só durasse uma hora, ou que tivesse só a Nona sinfonia no programa", comenta Beate Angelika Kraus, da Beethoven Haus.

Desse modo, os mais de 2 mil espectadores da academia de 7 de maio de 1824, no Wiener Hoftheater, junto ao Portão da Caríntia, escutaram, ainda, três partes da Missa solene, op. 123, e a abertura Die Weihe des Hauses (A consagração da casa), op. 124. Como era praxe, o coro se postava na frente da orquestra, e não no fundo do palco.

O movimento final da Nona abre com sons inexplicavelmente dissonantes da orquestra, abarcando desde o ribombo dos tímpanos até o silvo das flautas. Essa passagem se repete, intensificada, logo antes da primeira – e inédita – intervenção de um cantor. Tem-se especulado se não se trataria de uma tentativa do artista para representar de modo realista o caos sonoro que reinava em sua cabeça.

A deficiência auditiva se manifestara cedo no mestre: sons agudos, como os da flauta, há muito estavam fora do seu alcance. "A isso juntaram-se tinnitus [acufeno] e recruitment. Ou seja: apesar da surdez, sons altos lhe causavam sensação dolorosa", relata Kraus.

Ainda assim, Beethoven fez questão de participar ativamente da estreia da Nona: "É bem possível que ele ainda conseguisse escutar as frequências graves, como dos tímpanos e contrabaixos." O longo aplauso do público, porém, foi para o mestre um emocionante espetáculo silencioso.

Startup alemã lança foguete movido a cera de vela

A startup alemã do setor aeroespacial HyImpulse anunciou ter realizado com sucesso o teste de um foguete impulsionado por parafina de cera de vela, o primeiro lançamento comercial de uma empresa alemã em décadas.

Segundo um porta-voz da empresa, o dispositivo de doze metros de comprimento e estágio único (ou seja, que viaja ao espaço sem descartar nenhuma de suas partes) decolou nesta sexta-feira (03/05) no sul da Austrália, por volta das 2h da manhã do horário de Brasília.

O foguete, que não tem potência suficiente para alcançar uma órbita terrestre, foi projetado para atingir uma altitude de 250 quilômetros e transportar 250 quilos de carga. Para este teste, porém, foi planejada uma altura menor, de 60 quilômetros, de modo que o limite do espaço não foi ultrapassado.

A Hyimpulse utiliza um tipo inovador de propulsão que combina oxigênio líquido com parafina – e isso sem "risco de explosão" e com uma tecnologia mais simples, segura e barata, segundo a empresa, que alega que a construção do veículo é "cerca de 40% mais barata do que os sistemas de propulsão convencionais".

Com o teste, a startup, que está mirando no mercado de lançamento de pequenos satélites, queria coletar dados sobre o funcionamento do propulsor e dos sistemas de controle. As informações serão usadas no desenvolvimento de um segundo modelo de foguete, com 32 metros de comprimento e capacidade para até 600 quilos de carga útil a uma altitude de 500 quilômetros, e cujo voo está planejado para o final de 2025.

"Foguete é como um táxi"

Cofundador da startup de 65 funcionários criada em 2018 e com sede em Neuenstadt am Kocher, no estado de Baden-Württemberg, Christian Schmierer explicou em entrevista ao jornal alemão Tagesspiegel o diferencial do foguete. Segundo ele, os veículos atualmente disponíveis no mercado são como ônibus que descarregam satélites apenas em determinados pontos da órbita terrestre. "Nosso foguete é como um táxi", disse.

Mario Kobald, outro cofundador da startup, celebrou o teste como demonstração da "capacidade da nação espacial Alemanha" e ampliação do "acesso da Europa ao espaço sideral".

Na Europa, várias empresas estão competindo no desenvolvimento de mini foguetes lançadores. Na Alemanha, a Hyimpulse compete com as também neófitas Isar Aerospace de Munique e Rocket Factory Augsburg; na França, com a Maiaspace e Latitude; e na Espanha, com a PLD Space.

ra (AFP, ots)

 

Berlim quer doar mansão de ministro da propaganda nazista

A antiga mansão do ministro da Propaganda da Alemanha nazista Joseph Goebbels é um fardo para a administração pública de Berlim, que já não quer mais arcar altos custos de manutenção do lugar. Por isso, e após diversas tentativas fracassadas de livrar-se do imóvel, o governo agora se declara disposto a doá-lo.

Há anos as autoridades vêm tentando dar um destino à propriedade de um dos mais importantes acólitos de Adolf Hitler, outrora uma luxuosa construção em uma área de 17 hectares às margens do lago Bogensee, cerca de 40 quilômetros ao norte da capital alemã, e hoje uma ruína decadente tomada pelo mato.

"A quem quiser assumir o local, ofereço-o como um presente do estado de Berlim", declarou nesta quinta-feira (02/05) o responsável pelas finanças, Stefan Evers, durante um debate acalorado no Parlamento estadual.

A propriedade, cujo tamanho equivale a mais ou menos um aeroporto e meio de Guarulhos, fica no município de Wandlitz, no estado de Brandemburgo. Assim como o governo federal, porém, nenhum deles está interessado no "presente tão generoso", disse Evers.

Estátua semidestruída de um casal diante de uma casa de teto alto e pontiagudo
A "Villa Bogensee" foi construída a mando de Goebbels em 1939null Jürgen Ritter/IMAGO

A história da Villa Goebbels

Goebbels recebeu o terreno como presente em 1936 e mandou construir a mansão em 1939, bancada com recursos da Universum Film AG, ou UFA, o estúdio cinematográfico mais importante da Alemanha na primeira metade do século 20.

A luxuosa propriedade onde ele viveu com mulher e seis filhos tinha uma sala de cinema privada e amplos quartos com vista para o lago. Ali, Goebbels recebia estrelas do mundo do cinema, personalidades e amantes.

Com a derrocada alemã na Segunda Guerra Mundial e a intensificação dos bombardeios aliados em Berlim, o imóvel ganhou um bunker subterrâneo, de onde Goebbels passou a despachar. No final do conflito, ele regressou a Berlim, onde se suicidou junto com a família, dentro do bunker de Hitler, pouco antes de o local ser tomado por tropas soviéticas.

Após o fim da guerra, com a derrota da Alemanha, o local foi transformado em hospital militar pelos aliados. Depois, no início da década de 1950, as autoridades da antiga Alemanha Oriental ergueram no mesmo terreno um conjunto de imóveis em estilo stalinista para abrigar um centro de formação da juventude do partido comunista. A "Villa Goebbels", que ficava no centro desta universidade comunista, virou creche e supermercado para os estudantes.

Uma escultura em pedra retratando pessoas e, ao fundo, um prédio de arquitetura stalinista
Prédio da antiga universidade da juventude do partido comunista, da época da Alemanha Orientalnull Christian Thiel/imago images

Com a queda do Muro de Berlim, porém, a universidade deixou de existir e a área, gradualmente esvaziada até ser abandonada, voltou a ser propriedade da capital alemã – que, contudo, nunca encontrou uma utilidade para ela.

Desde o ano 2000, a "Villa Goebbels" está desocupada e em mau estado. Propostas de compra, até agora, não prosperaram devido ao receio de Berlim de que o local "caia em mãos erradas" e vire ponto de encontro de nazistas.

Segundo o portal alemão ZDF, os custos estimados para reforma do complexo são de 350 milhões de euros (R$ 1,91 bilhão).

Berlim também cogita demolição

Na falta de um comprador, e diante dos altos custos de manutenção – segundo a imprensa alemã, na casa dos 250 mil euros (R$ 1,36 milhão) –, Berlim está considerando a possibilidade de colocar tudo abaixo e reflorestar a área, que é tombada desde 1999.

Ao portal alemão Tagesschau, Evers disse que a administração pública está aberta a ideias para o imóvel que sejam do "interesse da cidade" e que "façam justiça à complexa importância histórica da zona". Sem mencionar se o governo consideraria propostas de pessoas privadas, ele sinalizou que aguarda propostas do governo federal ou de Brandemburgo, especialmente no que diz respeito ao financiamento.

"Mas se isso não der em nada de novo, como tem acontecido nas últimas décadas, então o estado de Berlim não terá outra opção senão realizar a demolição", afirmou.

ra/md (AFP, AP, ots)

 

Alemanha já consumiu em 4 meses o limite de um ano inteiro

A Alemanha atingiu em quatro meses o limite de consumo sustentável para o ano inteiro. Se o mundo inteiro seguisse o exemplo do país europeu, a humanidade precisaria de três planetas para atender à demanda por recursos de forma sustentável.

O cálculo é da ONG americana de meio ambiente Global Footprint Network, e considera a demanda nacional por recursos e serviços ecológicos perante a capacidade de regeneração do planeta.

Os países que mais esbanjam, como Catar e Luxemburgo, já excederam sua cota em fevereiro. Na ponta oposta do fenômeno estão nações como o Cambodja e Madagascar, que devem ficar muito abaixo dos limites de consumo sustentável.

Na Alemanha, o ritmo de degradação planetária está acelerando. No ano passado, o país estourou sua cota no dia 4 de maio. Neste ano, a marca foi batida um dia mais cedo, em 2 de maio – a diferença se deve ao fato de 2024 ser um ano bissexto, com 366 em vez dos usuais 365 dias.

Chamado à ação urgente

"O Dia da Sobrecarga da Terra na Alemanha é um lembrete para mudar as condições subjacentes em todos os setores agora, de modo que o comportamento sustentável se torne o novo normal", afirma Aylin Lehnert em um comunicado da ONG ambientalista alemã Germanwatch.

Segundo Lehnert, a sobrecarga do planeta é uma dívida que precisa ser freada. "Precisamos de um novo freio da dívida", diz, aludindo à restrição de endividamento do governo alemão que brecou investimentos na transição verde da economia.

A Germanwatch aponta a produção e o consumo de carne na Alemanha como um dos maiores motores da demanda excessiva por recursos planetários. O país destina aproximadamente 60% de suas terras cultiváveis à produção de ração animal, além de importar outras milhares de toneladas do exterior.

Uma mão segura um pacote de carne em uma geladeira num supermercado
Produção e consumo de carne é apontado por ambientalistas como um dos fatores que mais contribui para a sobrecarga da terranull INA FASSBENDER/AFP

Entre 2016 e 2018, o total de importações alemãs levou à destruição de 138 mil hectares de floresta tropical mundo afora, segundo dados da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ).

Boa parte do fardo desse consumismo é carregado pelo Sul Global, que em grande medida vive dentro de limites sustentáveis, mas sofre com a destruição ambiental e os danos provocados pelas mudanças climáticas.

Para a Federação Alemã para Proteção Ambiental e da Natureza (Bund), a Alemanha faz uso irresponsável de seu solo, água e outros recursos naturais.

"Nosso planeta está sobrecarregado. Um país que consome tantos recursos como nós está operando de forma ruim e irresponsável', afirmou nesta terça-feira (30/4) o presidente da Bund, Olaf Bandt.

A ONG ambiental está apelando ao governo alemão para que crie uma lei de proteção ao solo, águas, florestas e madeira.

Mais consumo = mais bem-estar?

Outro estudo divulgado nesta quinta-feira por um think tank berlinense mostra que todo esse consumo excessivo não necessariamente está melhorando as vidas das pessoas.

Compilado pelo Hot or Cool Institute, o "Índice de Felicidade Planetária"combina dados sobre bem-estar, expectativa de vida e pegada de carbono para avaliar quão bem os países estão cuidando de seus cidadãos sem sobrecarregar o planeta.

Suécia e Alemanha, por exemplo, têm níveis muito parecidos de bem-estar geral e expectativa de vida, mas a Suécia conseguiu atingir esse patamar com 16% menos emissões per capita do que a Alemanha e menos da metade da pegada de carbono per capita dos Estados Unidos. Já a Costa Rica tem qualidade de vida semelhante à alemã, mas menos da metade de seu impacto ambiental.

Ainda assim, pelos cálculos da Global Footprint Network, a Suécia estourou sua cota de consumo anual em 21 de abril – antes mesmo da Alemanha –, enquanto a Costa Rica chegará neste patamar em 31 de julho.

Os países mais equilibrados

Além de Suécia e Costa Rica, El Salvador, Nicaragua e Vanuatu, país insular na Oceania, lideram o ranking por exibirem bons índices de qualidade de vida e baixo impacto ambiental.

O índice, que também considera a renda, revela que 10% dos países mais ricos são responsáveis por quase a metade de todas as emissões, mas quase não tiveram ganhos em termos de bem-estar e saúde se comparados a países com níveis baixos de emissão de carbono.

Um bom exemplo disso são as viagens aéreas. Pessoas que voam com frequência emitem muito mais carbono, mas não apresentam ganhos significativos em termos de bem-estar quando comparados aos que voam menos.

Nos Estados Unidos, um estudo de 2020 mostrou que lares mais ricos consomem 25% mais energia que famílias de baixa renda, sendo que ambos tinham níveis iguais de satisfação com a vida.

Diretora administrativa do Hot or Cool Institute, Lewis Akenji urge países a repensar suas prioridades: "Precisamos focar no consumo desperdiçador e na desigualdade, que estão piorando a crise planetária."

 

A crise do sistema educacional na Alemanha

Em alguns dias, tudo ainda está nos conformes para a ministra da Educação da Alemanha. Por exemplo, quando os melhores professores são homenageados, como acontece todos os anos. E Bettina Stark-Watzinger tem a honra especial de fazer um discurso exaltando os vencedores do Prêmio dos Professores Alemães. O professor de matemática, por exemplo, que, de acordo com seus alunos, torna divertida até mesmo a aula mais insuportável. Ou a professora de educação especial que inclui alunos cadeirantes em seu projeto de teatro. Ou o professor que incorpora em suas aulas vídeos produzidos por ele mesmo.

Então, tudo está uma maravilha na Alemanha, terra dos poetas e pensadores? Nem tanto.

Porque nas últimas semanas e meses, um estudo após o outro deixou claro que o sistema educacional alemão precisa urgentemente de um corretivo. Em primeiro lugar, houve o estudo Pisa divulgado em dezembro, no qual os alunos alemães tiveram um desempenho pior do que nunca em matemática e leitura.

Em outro estudo, jovens criticaram um déficit gritante de digitalização nas escolas alemãs e o fato de que elas não os preparam para o mundo do trabalho e para a vida real. Além disso, quase um em cada dois professores (47%) relatou ter testemunhado violência psicológica ou física entre os alunos no chamado Barômetro Escolar Alemão.

"Vemos nos resultados como um retrato de um sistema doente", explica Dagmar Wolf. A ex-professora é diretora de educação da Fundação Robert Bosch, em Stuttgart, que entrevistou mais de 1.600 professores através da internet para o levantamento Barômetro Escolar. Ela disse ainda à DW: "Estamos falando de bullying, estamos falando de vandalismo, e também de brigas físicas, algumas das quais, é claro, vão além do pátio da escola. Recebemos até mesmo relatos de situações em que os pais estavam envolvidos. É uma exceção, mas não é que não ocorra."

Dagmar Wolf
Dagmar Wolf: "Nos últimos dois anos, integramos mais de 200 mil crianças da Ucrânia. E ao menos o mesmo número de crianças de outros países."null Robert Bosch Stiftung/Foto: Michael Fuchs

Violência até em escolas primárias

No passado, também seria impensável que o secretário de Educação de Berlim tivesse que enviar uma carta a 800 escolas para alertá-las sobre um boato no Tiktok, onde uma notícia falsa sobre um "Dia Nacional do Estupro" se tornou viral, dizendo que em 24 de abril a agressão sexual estava permitida. As crises geopolíticas e as guerras também têm um impacto. De acordo com Wolf, os diretores de escolas relatam que também houve um crescimento da violência entre os alunos devido à guerra em Gaza e Israel.

Quem pensa que esse é um problema apenas das escolas secundárias está enganado – mesmo nas escolas primárias, ou seja, entre os alunos de 6 a 10 anos, são registrados os primeiros casos de bullying e brigas.

A conclusão: quando se trata de educação, a Alemanha é um país dividido em dois. De um lado, estão as mais de 3 mil escolas de ensino fundamental, com condições e desafios completamente diferentes das escolas frequentadas principalmente por crianças e jovens com histórico de migração e originários de contextos educacionais menos favoráveis. Por outro lado, existe a tarefa hercúlea para todas as escolas da Alemanha: acolher refugiados.

"Nos últimos dois anos, integramos ao sistema educacional mais de 200 mil crianças da Ucrânia. E ao menos o mesmo número de crianças de outros países onde há grandes dificuldades econômicas ou onde há guerra civil ou condições semelhantes à guerra. E isso, obviamente, torna a situação na escola primária muito mais difícil do que era 10 anos atrás", diz Dagmar Wolf, da Fundação Robert Bosch.

Desafios pós-pandemia

Para se ter uma ideia de como a vida cotidiana e o comportamento nas escolas mudaram nos últimos anos, basta conversar com Torsten Müller (nome fictício). Ele é assistente social em uma escola no estado de Renânia do Norte-Vestfália, no noroeste alemão, e ouve todos os dias as necessidades, as preocupações e os problemas dos alunos.

Ele tem a seguinte explicação para o aumento do estresse, da exaustão, da insegurança e da falta de motivação, que o estudo sobre jovens também constatou: "O fator decisivo é, obviamente, o uso do telefone celular, que também mudou a forma como nos comunicamos uns com os outros. Os jovens falam mais uns sobre os outros do que uns com os outros, e surgem mal-entendidos que não aconteciam em situações cara a cara. E ainda estamos lidando com os efeitos posteriores da pandemia do coronavírus, com um aumento significativo de doenças psiquiátricas."

O fechamento das escolas por meses é considerado o maior erro da política alemã contra o coronavírus: enquanto as escolas ficaram fechadas por apenas 56 dias na França, 45 dias na Espanha e 31 dias na Suécia, os alunos na Alemanha tiveram que ficar em casa por mais de 180 dias. Müller afirma que o pavio é muito mais curto para muitos jovens hoje em dia. Eles estão mais propensos a trocar socos ou empurrões do que argumentos. A escola tenta neutralizar isso com o treinamento de anti-violência, e o assistente social e sua equipe ministram esses tipos de curso, que duram três dias.

Stefan Düll
Stefan Düll: "Nâo achamos os profissionais de que precisamos. Demanda cresce, e eles se tornam cada vez mais escassos"null Andreas Gebert/bpv

"Transmitimos conhecimento sobre como surgem as discussões e o que posso fazer como grupo ou como indivíduo para evitar entrar nessa situação. Como funciona o bullying, que todo segundo ou terceiro aluno já vivenciou na própria pele. Em seguida, praticamos exercícios para desenvolver uma estratégia conjunta para combatê-lo."

Necessidade de mais psicólogos na escola

Turmas menores com o mesmo número de professores, um bom sistema de apoio e a expansão do trabalho social e da assistência psicológica nas escolas são a receita de Müller para colocar as escolas da Alemanha de volta nos trilhos.

A receita do presidente da Associação de Professores da Alemanha, Stefan Düll, entretanto, tem uma lista muito maior de ingredientes. "Precisamos de mais pessoas que possam ensinar alemão como língua estrangeira. Precisamos de pessoal de apoio nas áreas de psicologia escolar, assistência escolar e trabalho com jovens. Mas não podemos mais encontrar pessoas tão facilmente, porque as tendências demográficas vão contra a demanda. Ela está ficando cada vez maior, e os trabalhadores qualificados de que precisamos são cada vez mais escassos. A coisa toda não funciona mais assim", diz ele à DW.

Assim, a frustração também está crescendo entre os professores, que cada vez mais precisam mediar conflitos em vez de ensinar. Segundo o Barômetro Escolar, um em cada três professores se sente emocionalmente esgotado em durante vários dias. Com 27%, mais de um quarto dos entrevistados deixaria a profissão de professor – embora a grande maioria dos professores ainda esteja satisfeita com seu trabalho. E o maior desafio agora é considerado o comportamento dos alunos.

É por isso que são necessários mais funcionários para evitar a violência, diz o diretor de uma escola secundária na Baviera, sul da Alemanha. No entanto, se determinados limites forem ultrapassados, somente uma política de tolerância zero poderá ajudar, segundo ele. "Em um determinado momento, isso simplesmente acaba e entramos na esfera do direito penal, com uma denúncia à polícia para que também haja um efeito de dissuasão. Aliás, isso também se aplica a casos de bullying. Muitos diretores de escola também denunciam na polícia casos de cyberbullying."

 

Escândalos da AfD causam divisão na extrema direita europeia

A pouco mais de um mês das eleições para o Parlamento Europeu, em 9 de junho, o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) está fazendo uma promessa aos eleitores: lutar contra "restrições à soberania nacional e a redistribuição de riqueza e bens por meio de regulamentações da União Europeia (UE)". Em seu programa eleitoral, diz que pretende convencer outros partidos europeus a fim de atingir esse objetivo.

Mas depois de todos os escândalos envolvendo a AfD nos últimos meses, está cada vez mais difícil achar uma sigla na Europa que queira formar uma bancada com os ultradireitistas alemães. A lista de polêmicas inclui políticos suspeitos de receber fundos ilegais da Rússia, bem como um assessor acusado de espionagem para o regime autoritário da China.

Sobretudo, a relação com o partido de extrema direita francês Reunião Nacional (RN), liderado por Marine Le Pen, tem sido tensa há meses. Citando fontes internas do partido, o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung reportou que o RN está considerando deixar o "Identidade e Democracia", grupo político de extrema direita dentro do Parlamento Europeu, após as eleições.

A extrema direita europeia e Putin

Os escândalos da AfD preocupam Le Pen e complicam seus planos de se tornar presidente da França. Afinal, vínculos com radicais, com o governo autocrático do presidente russo Vladimir Putin e com um espião chinês não se encaixam em sua estratégia presidencial. Em 2017, ela apareceu orgulhosamente ao lado de Putin e aceitou um empréstimo milionário de um banco com laços estreitos com o Kremlin.

Mas agora a direita francesa está buscando distância desses escândalos. E Le Pen fez questão de deixar isso claro à líder da AfD, Alice Weidel.

Em uma reunião entre as duas neste ano em Paris, a política francesa teria exigido um compromisso por escrito da alemã de nunca permitir que os supostos planos de expulsão de migrantes da Alemanha se tornassem parte do programa do partido.

Na Itália, a extrema direita também não parece querer ser associada à AfD. Em janeiro de 2024, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, declarou que havia "diferenças irreconciliáveis" entre seu partido de extrema direita Irmãos da Itália e a sigla ultradireitista alemã.

Segundo a premiê, essa divergência tem a ver com as relações com a Rússia. Embora a pós-fascista Meloni seja considerada linha dura no que diz respeito à política interna e à migração, em termos de política externa ela é orientada para a aliança transatlântica com os Estados Unidos, ao contrário da AfD.

AfD busca se distanciar de polêmicas

A própria AfD está abalada com seus escândalos. No início da campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, a liderança do partido ordenou que seu principal candidato, Maximilian Krah, não participasse do pleito. A lista de acusações, suspeitas e rumores que cercam o político se tornou longa demais: um assessor dele acabou de ser preso sob suspeita de espionagem para a China.

Segundo relatos da imprensa, Krah foi interrogado pelo FBI em Nova York sobre dinheiro procedente da Rússia. E a promotoria pública em Dresden, no leste da Alemanha, iniciou duas investigações preliminares contra ele por suspeita de pagamentos ilegais da Rússia e da China. Krah rejeita todas as acusações e prometeu cooperar com as autoridades de segurança.

O número dois da lista de candidatos da AfD também está em apuros. Petr Bystron também é suspeito de receber pagamentos ilegais da Rússia. A suspeita é ainda mais séria no caso dele: a imprensa divulgou gravações de áudio nas quais Bystron supostamente reclamava que o dinheiro foi pago em notas altas demais.

À medida que se espalham os escândalos, a liderança do partido é repreendida até dentro de suas próprias fileiras. Sylvia Limmer, atual eurodeputada da AfD, criticou que um político controverso com contatos na China tenha sido indicado como candidato principal: "As evidências eram suficientemente conhecidas", afirmou.

Sem fim à vista para os escândalos

Mas o fim dos escândalos da AfD parece estar longe. O ministro da Justiça alemão, Marco Buschmann, prevê novos casos de espionagem num futuro próximo: "Temos que assumir que haverá mais revelações nos próximos meses", disse ele à emissora de televisão ARD.

Além de Maximilian Krah e Petr Bystron, há outros membros controversos do partido na lista de campanha para as eleições europeias.

O promissor candidato Siegbert Droese, anos atrás, chegou a posar com a mão no coração em frente ao bunker conhecido como Wolfsschanze (toca do lobo), um quartel-general onde Adolf Hitler traçou planos para a guerra o Holocausto. Droese também já fez campanha com um carro da AfD que tinha como placa os símbolos típicos do líder nazista.

O que mudou em um mês de legalização da maconha na Alemanha

Passado um mês da legalização do uso recreativo da maconha para adultos na Alemanha, não dá pra dizer que muita coisa mudou no país. Não surgiram cafés especializados na venda de cannabis, nem hordas de turistas em busca do baseado liberado. Ao contrário do plano original do governo do chanceler federal Olaf Scholz, ainda não há lojas licenciadas nem qualquer outro meio para vender o produto de forma legal.

A nova lei diz que associações sem fins lucrativos serão as responsáveis pelo plantio e comércio de cannabis. Porém, os chamados clubes de cultivo, ou clubes sociais, só começam a atuar em julho. Qualquer pessoa – contanto que maior de 18 anos e residente na Alemanha - que quiser comprar maconha legalmente deverá ser membro de um clube. Mas não será permitido consumir dentro desses espaços.

Também é proibido fumar na rua das 7h às 20h, assim como nas cercanias de parquinhos, quadras de esporte, escolas e áreas militares.

Dar um pulo na vizinha Holanda, conhecida por ter uma postura mais permissiva em relação às drogas (apesar de não haver uma legalização oficial), e voltar com alguns gramas no bolso tampouco é uma opção legal, pois a importação para fins não medicinais é proibida. Portanto, se houve pessoas fumando nas ruas alemãs no primeiro mês da legalização, foi em grande parte devido ao mercado ilegal de fácil acesso e já existente.

O governo decidiu liberar o consumo e o plantio de maconha sob o argumento de que a antiga política de drogas atingiu o seu limite. Apesar da proibição da compra e posse, o consumo da droga triplicou nos últimos 30 anos, de acordo com dados do Centro Alemão para Questões de Dependência. O mercado ilegal está associado ainda a um risco maior para a saúde, já que não se sabe o teor de THC da maconha traficada ou se há aditivos tóxicos ou impurezas que não podem ser avaliados pelo consumidor, alega a entidade.

A nova lei define que todos os adultos poderão manter até 50 gramas de cannabis em casa e carregar até 25 gramas.

Nessa semana, o prefeito de Berlim criticou o fato de a posse e o consumo serem permitidos, mas a venda e compra não. "Isto significa que no período de 1º de abril a julho, o governo federal está deliberadamente a enviar consumidores de cannabis para estruturas criminosas.” Disse Kai Wegner à imprensa alemã.

Evento "Smoke-In" em Berlim.
Evento "Smoke-In" em Berlim. Nova lei retirou a cannabis da lista de narcóticosnull Liesa Johannssen/REUTERS

Cultivo privado

Para além do que as ruas mostram, a maior transformação nesse período aconteceu no mercado de produtos para o plantio da cannabis. A nova lei autoriza a importação de sementes da União Europeia e o cultivo doméstico de três plantas por pessoa. Nesses casos, só é permitido colher para consumo próprio e não para repassar a terceiros, sob o risco de pena de até três anos de prisão.

Pululam na internet as buscas por métodos de plantio, secagem e processo de cura da maconha. Empresas e start-ups têm apostado alto em sistemas personalizados e prontos para o cultivo em casa. A suíça Mabewo, por exemplo, tem anunciado a venda de uma estufa que por fora tem cara de armário e por dentro conta com irrigação, iluminação LED e controle em tempo real que exige esforço e conhecimento mínimos de plantio.

A Seeds 24, empresa austríaca que vende sementes, a Growmark, com sede em Hamburgo, e outros fornecedores afirmam que há longas esperas pela entrega. A loja online Grow Guru comenta: "Todas as nossas lojas e fornecedores estão atualmente sobrecarregados de clientes”.

Dirk Rehahn, dono de duas lojas de cultivo na Alemanha, falou à DW que espera duplicar suas vendas neste ano e que os estoques dos sistemas domésticos de cultivo prontos para o uso estão esgotados. "As pessoas estão perdendo o medo de cultivar cannabis”, disse Rehahn.

Consumo de maconha na Alemanha
Governo alemão argumenta que a política de drogas anterior do país fracassou, criando um mercado negronull /AP Photo/picture alliance

Uso medicinal

A nova lei retirou a cannabis da lista de narcóticos. Dessa forma, está mais fácil para os médicos na Alemanha prescreverem flores secas de maconha ou extratos para seus pacientes.

Antes, era preciso uma receita médica especial para essa finalidade, cuja emissão era controlada pelo governo. A taxa adicional para esta prescrição de narcóticos também foi dispensada.

Como a cannabis ainda não está disponível nos clubes sociais, a única via disponível neste momento ainda é a do mercado ilegal ou sob a forma de medicação.

Clubes sociais

Plantar, compartilhar e cobrar o necessário para cobrir os custos de produção. É com essa premissa que os clubes de cultivo coletivos estão se estruturando na Alemanha. 

Ainda não se sabe até que ponto empresas estrangeiras podem apoiar áreas de cultivo ou investidores podem ganhar dinheiro com clubes canábicos. A lei determina, em linhas gerais, que as associações de cultivo coletivo precisam ser organizações sem fins lucrativos com até 500 membros, e proíbe publicidade e patrocínio.

Apesar da regra, anúncios enormes de clubes sociais estampam outdoors e prédios em áreas movimentadas de cidades como Berlim, em busca de novos membros.

Maconha legalizada na Alemanha: como funciona?

Os clubes de cultivo geralmente cobram uma mensalidade, de acordo com o perfil de consumo dos membros. Alguns estão planejando vender o grama por seis euros - em média

Segundo relatório da Whitney Economics, um serviço de análise focado na indústria da cannabis, serão necessários 50 mil quilos de erva para atender à demanda alemã no primeiro ano após a legalização, o que seria viabilizado por até 3.000 clubes sociais. Atualmente, há cerca de 200 dessas associações, estima a consultoria.

Especialistas acreditam que muitos ativistas e grupos de amigos inicialmente se reunirão para formar um clube social, mas desistirão rapidamente devido à complexidade da operação – e então possivelmente se tornarão os chamados produtores domésticos.

A lei é específica nas orientações de plantio e de venda. Detalha, por exemplo, quais fertilizantes os clubes podem usar e que informações precisam compartilhar com o consumidor: peso, data da colheita, prazo de validade, variedade, porcentagem de THC (tetra-hidrocanabinol) e CBD (canabidiol).

O governo terá acesso ao nome completo dos associados, quanto e quando compraram, além do teor médio de THC consumido. Cada clube deverá ter um membro dedicado à prevenção ao abuso de maconha.

Triagem de casos para anistia

A lei em vigor perdoa as penas de prisão ou multas já impostas por condutas que agora deixaram de ser crime. No entanto, o efeito da medida ainda não foi sentido e vai exigir um esforço adicional nos próximos meses dos tribunais e procuradores.

Haverá o trabalho de filtrar manualmente, da montanha de aproximadamente 100 mil processos criminais contra consumidores de maconha, aqueles que já não são puníveis à luz dos novos regulamentos e aqueles que ainda são.

Loja de cannabis da Holanda
Loja de cannabis da Holanda: modelo alemão não é tão liberal assimnull Robin Utrecht/picture alliance

O ministro da Justiça, Marco Buschmann, afirmou à imprensa alemã que a mudança resultante da lei "significa um aumento pontual na carga de trabalho, mas a longo prazo o peso sobre a polícia e o judiciário será aliviado”, criando espaço para resolver crimes mais relevantes.

Segundo Buschmann, a regra antiga colocou um fardo sobre a polícia, o Ministério Público e o poder Judiciário, que no fim das contas não impediu o consumo. "Em vez disso, os consumidores foram levados para as mãos de traficantes com produtos de qualidade inferior e drogas pesadas.”

Cautela

Há muitas críticas ao plano do governo federal em vários estados, por parte de médicos, advogados e policiais. Estados como a Baviera já impuseram limites para o consumo – nesse caso específico, está proibido consumir maconha em festivais folclóricos e cervejarias.

Entre as críticas, está o fato de que os regulamentos são muito complexos e pouco práticos para a polícia. Não está claro, por exemplo, como os clubes sociais devem ser controlados ou como os usuários serão tratados em caso de infrações de trânsito.

O Centro Alemão para Questões de Dependência tem reforçado a importância de financiar medidas de aconselhamento sobre dependência no contexto da nova lei. A cannabis pode prejudicar o desempenho cerebral, sobretudo a uma idade precoce, com riscos psicossociais e de aprendizado, sublinhou a entidade.

Alemanha usa criatividade para financiar hidrogênio verde

Pode ser apenas um pequeno detalhe. Mas esse pequeno detalhe pode conseguir fazer o que o governo alemão não foi capaz na última década: investir em larga escala em infraestrutura.

Desde 2011, o chamado "freio da dívida" do país impõe limites rígidos ao montante de novos empréstimos que o governo alemão pode fazer por ano. Consagrado na Constituição alemã em resposta à crise da dívida da zona do euro em 2010, o limite para o aumento excessivo da dívida soberana, no entanto, restringiu os investimentos em escolas, pontes e na transição para energia renovável.

A lei é controversa mesmo dentro da coalizão de governo alemão, entre social-democratas, liberais e verdes, embora a aliança de três partidos tenha conseguido que o Parlamento suspendesse temporariamente a regra durante a pandemia de covid-19 e a guerra da Rússia na Ucrânia.

Mas o ministro alemão da Economia, Robert Habeck, acaba de apresentar um esquema para contornar a regra do freio da dívida, que, de outra forma, só poderia ser desfeita com a ajuda da oposição, que se recusa a entrar no jogo.

Na sexta-feira, um novo mecanismo para financiar os cerca de 20 bilhões de euros (R$ 110 bilhões) necessários para a rede de tubulações de hidrogênio da Alemanha passou pelo último obstáculo legislativo na câmara alta do Parlamento alemão, o Bundesrat.

Financiamento inicial

De acordo com a nova regulamentação, o governo pode lançar um investimento semente para um fundo destinado à construção da rede de hidrogênio. A rede em si será operada por um empreendimento privado de empresas que cobrará os usuários da rede de hidrogênio taxas que devem ser, no total, altas o suficiente para cobrir os custos de construção até 2055.

De acordo com especialistas, o plano está em conformidade com o freio da dívida porque o governo espera lucrar com o investimento. O financiamento do esquema deve ser fornecido pelo banco de investimento público alemão KfW e não pelo próprio governo federal.

Robert Habeck
Habeck propõe usar o novo modelo de financiamento também para recuperar rede elétrica alemãnull Michael Kappeler/dpa/picture alliance

O novo fundo inclui uma chamada "conta de amortização", um tipo de conta bancária com opção de saque a descoberto que permite ao governo equilibrar a receita das taxas pagas pelos usuários com os custos da construção da rede.

Jens Südekum, economista da Universidade de Düsseldorf, diz que o novo mecanismo permitirá que o governo subsidie as sobretaxas iniciais de uso da rede, tornando "mais barato para os clientes aderirem". Nos estágios posteriores do financiamento, "as taxas de uso seriam mais altas, visando recuperar os subsídios iniciais", disse ele à DW.

As autoridades do setor receberam bem o novo mecanismo de financiamento, afirmando que ele distribuiria os custos ao longo de décadas e, ao mesmo tempo, evitaria altas taxas de rede de hidrogênio para os clientes.

Quem assume os riscos?

A Alemanha planeja importar grandes volumes do hidrogênio que precisa para transformar setores como a indústria e o transporte ferroviário e aéreo. Os preços, no entanto, dependerão dos custos de produção em países como a Namíbia ou México.

Philip Schnaars, chefe de pesquisa de regulamentação do Instituto de Economia de Energia de Colônia, enfatiza que os preços do hidrogênio acabarão por determinar se o setor adotará o combustível nas próximas décadas. Ele diz que os enormes volumes de hidrogênio necessários e o longo tempo que leva para construir a infraestrutura podem criar incertezas sobre a viabilidade do projeto.

"Estamos falando aqui de um período que vai de agora até 2055. É quase impossível fazer afirmações válidas e sólidas sobre esse período", disse Schnaars à DW.

O risco para a empresa que administra a rede de dutos é enorme porque o governo se reservou o direito de abandonar o fundo de financiamento se o projeto se tornar inviável.

Hidrogênio, a chave para a transição energética

"No cenário em que a rede de hidrogênio não funcionar e acumularmos perdas até 2055, quem cobrirá essas perdas hipotéticas?”, perguntou o economista Südekum, observando que os investidores privados devem cobrir 25% do risco, de acordo com a regulamentação.

Modelo para financiar infraestrutura?

Enquanto isso, Habeck está planejando usar o novo mecanismo de financiamento para modernizar a defasada infraestrutura alemã.

Recentemente, o ministro disse ao semanário alemão Die Zeit que a rede elétrica do país, que é inadequada para a transição da Alemanha para a energia renovável e requer 300 bilhões de euros em investimentos nas próximas décadas, poderia ser financiada de forma semelhante.

Jens Südekum pode imaginar vários usos para esse método de financiamento. "Você poderia usá-lo em grande escala para habitação. O Estado poderia emprestar dinheiro para a construção de casas e, mais tarde, recuperar as perdas com o aluguel que receberá."

Mas o político Michael Kruse, do liberal FDP, partido que integra a coalizão de governo alemã e que defende firmemente o respeito ao freio da dívida, adverte Habeck contra o uso excessivo desses veículos de financiamento.

"Se tivermos a impressão de que esse mecanismo serve de modelo para que nossos parceiros de coalizão contornem o freio da dívida em outras áreas, então combateremos essas tentativas", avisa.

 

Como é ser médico estrangeiro na Alemanha?

A Alemanha vem emergindo como destinação preferencial para médicos migrantes – uma bênção para uma nação afligida por carência aguda de profissionais da saúde. Segundo a Associação Médica Alemã (BÄK), trabalham atualmente no país aproximadamente 60 mil médicos de outras nacionalidades, cerca de 12% da força médica nacional.

A maioria provém de outros países europeus ou do Oriente Médio, sobretudo da Síria. Antes de poder trabalhar num hospital do país, os médicos que vem para a Alemanha precisam se submeter a um procedimento de aprovação rigoroso, a fim de obter a licença profissional. Ele inclui dois exames provando proficiência em geral e conhecimentos da linguagem profissional em alemão.

Para certos observadores, os médicos que desejam trabalhar no país necessitam mais apoio para atravessar esse processo tão exigente, senão o sistema de saúde sairá prejudicado. Jürgen Hoffart, diretor geral da Associação Médica da Renânia-Palatinado, enfatiza: os profissionais não devem ser tratados como mão de obra barata, mas sim integrados ao sistema do modo mais rápido e eficaz possível.

Por que a escassez de médicos na Alemanha?

Organizações internacionais de saúde alertam que a escassez de profissionais de saúde é tão grande, em todo o mundo, que em breve o acesso a um médico próximo de casa pode se tornar um luxo  em muitos países. O gargalo é especialmente agudo em nações de baixa renda, muitas das quais não alcançam a proporção recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de um médico para cada mil habitantes.

Segundo dados federais, a Alemanha dispõe de 4,53 médicos praticantes para mil habitantes, concentrando 30% dos 1,82 milhão de profissionais da Europa. No entanto, a cifra está caindo rapidamente.

Assim como os demais países-membros da União Europeia, em breve a Alemanha apresentará carência de pessoal médico: os que se aposentam não estão sendo substituídos com a rapidez necessária, sobrecarregando sobretudo os profissionais do setor público. A situação é agravada por uma população cada vez mais idosa, que exige maior atenção clínica.

Em 2023, 41% dos generalistas do país tinha mais de 60 anos, assim como 28% dos especialistas. Estima-se que nos próximos anos, entre 5 mil e 8 mil consultórios vão fechar, em especial devido a aposentadorias.

Uma vez que não há suficientes formandos para tomar o lugar dos que se aposentam, recrutar médicos do exterior é a única solução de curto prazo para o sistema de saúde seguir funcionando com o padrão atual.

Como os médicos estrangeiros estão se saindo na Alemanha?

"Na Alemanha, todos os profissionais médicos, inclusive os não nativos, recebem confiança e apreciação", afirma Fabri Beqa, natural do Kosovo, que trabalha no país há mais de 18 anos. "Na minha experiência, médicos estrangeiros são gente motivada, disposta a aprender e encarar os desafios de trabalhar no sistema sanitário de um outro país."

"A infraestrutura de saúde alemã é consideravelmente mais bem financiada do que a de muitos outros países, inclusive o Kosovo, meu país natal. Para um profissional da medicina, isso significa trabalhar com ferramentas mais avançadas e se beneficiar do desenvolvimento profissional de alta qualidade."

Ele frisa que "muitas vezes dos médicos estrangeiros têm que trabalhar em salas de emergência ou em hospitais, onde a carga de trabalho é mais alta, em comparação". No entanto, isso vale a pena, graças a um bom equilíbrio trabalho-vida: "Você ganha bastante e tem tempo suficiente para aproveitar a vida."

Beqa reconhece que, devido à falta do devido apoio estrutural, os estrangeiros precisam empregar mais esforço no desenvolvimento da própria carreira do que seus pares alemães. Por exemplo: estabelecer a própria clínica ou consultório em geral leva bem mais tempo, sobretudo devido a uma lacuna na lei alemã.

"A Alemanha só reconhece o treinamento médico básico, portanto se um especialista quer praticar aqui, ele precisa passar novamente pelo treinamento específico", o que acarreta investir ainda mais anos nos estudos.

Quão séria é a barreira de língua para os médicos estrangeiros?

Hoffart, da Associação Médica da Renânia-Palatinado, relata reclamações esparsas de pacientes que dizem não ter podido entender totalmente seus clínicos estrangeiros.

"Vez por outra eu recebo telefonemas de pacientes com a pergunta: 'Pode me indicar um hospital onde os médicos falem alemão direito?" E por vezes a crítica é justificada: "Tenho repetidamente recebido relatórios médicos muito difíceis de entender, pelo menos em parte", conta Hoffart.

Apesar de os médicos estrangeiros terem que fazer testes de idioma durante o processo de aprovação, estes se concentram no alemão padrão, mas não ajudam a entender dialetos e sotaques locais. Um estudo de 2016 da Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, registrou que um grande número de médicos estrangeiros se debatia com problemas do idioma alemão e uma falta de conhecimento da cultura e do sistema clínico nacional.

Outro estudo, de 2022, da Universidade de Basileia, em dois grandes hospitais universitários da Alemanha, constatou que grande parte dos profissionais, incluindo enfermeiros e clínicos, sofria discriminação relacionada ao idioma, nacionalidade, raça e etnicidade.

Por sua vez, o kosovar Beqa diz não ter observado nenhum problema na integração dos médicos ou com sua capacidade de aprender alemão: "Na minha experiência, a maioria pega o idioma bem rápido. Além disso, mesmo que você fale bem alemão, sempre há pacientes que não falam. Então a barreira de língua não é só um problema para os médicos."

Para Jürgen Hoffart, um modo de resolver os problemas seria mais médicos estabelecidos da Alemanha se ocuparem de seus colegas do exterior e lhes passarem as especificidades do sistema nacional. "Se necessário, eles podem fazer cursos adicionais de idioma e comunicação", sugere o diretor geral.

Acusados de golpismo começam a ser julgados na Alemanha

A Justiça alemã começa a julgar nesta segunda-feira (29/04) os primeiros réus acusados de pertencer a uma rede de extrema direita que planejava tentar derrubar as instituições democráticas alemãs e tomar o poder por meio de um golpe de Estado.

O grupo, que seguia teorias conspiratórias e elaborava planos para uma tomada violenta do poder, foi desbaratado pela polícia em dezembro de 2022. Na ocasião, foram presas mais de duas dezenas de pessoas, entre elas um aristocrata – apontado como a principal liderança do grupo –, ex-militares e uma juíza, entre outros.

O julgamento desta segunda-feira, que ocorre em Stuttgart, envolve nove réus – entre eles um ex-militar e um sargento da ativa das Forças Armadas da Alemanha. Eles são acusados de fazer parte da chamada "ala militar" da rede, que, segundo a denúncia do Ministério Público Federal, seria responsável por lançar atos de violência, incluindo uma invasão armada do Bundestag (Parlamento alemão).

Ainda estão previstos outros dois julgamentos, envolvendo 17 réus. Um deles, previsto para maio em Frankfurt, vai concentrar os réus acusados de fazerem parte da liderança da rede. 

Ideologia e planos do grupo

Em 7 de dezembro de 2022, 3.000 policiais foram mobilizados na Alemanha em uma das maiores operações antiterrorrismo da história moderna do país europeu.

Em poucas horas, os alvos foram revelados para a imprensa: 25 pessoas foram presas por suspeita de filiação a uma organização terrorista e por suspeita de planejar um golpe. Mais três pessoas acabariam presas nos meses seguintes.

Os presos não eram extremistas religiosos ou estrangeiros, em contraste com outras grandes operações policiais anteriores, mas quase todos alemães, vários já idosos e com curso superior. Entre eles estavam aristocratas, dois ex-coronéis do Exército, um ex-investigador de polícia, uma médica, um tenor, um chef de cozinha, uma astróloga, um instrutor de sobrevivência na selva e até uma juíza e ex-deputada. Uma cidadã russa também foi presa. As autoridades também apreenderam mais de 300 armas de fogo e mais de 150 mil munições.

Heinrich 13º, "príncipe" de Reuss após ser preso
Heinrich 13º, "príncipe" de Reuss. após ser preso em dezembro de 2022. Ele foi apontado como o principal líder da redenull Boris Roessler/dpa/picture alliance

Os presos foram acusados de serem membros de uma célula de extrema direita chamada "União Patriótica", com laços estreitos com o movimento Reichsbürger ("Cidadãos do Império Alemão"), que rejeita a moderna democracia alemã. Segundo as autoridades, os membros do grupo acreditavam em um "conglomerado de teorias da conspiração", entre elas a crença de que a Alemanha moderna seria uma construção ilegítima governada por membros de um chamado Deep State (Estado profundo).

Segundo o Ministério Público Federal alemão, a "União Patriótica" planejava realizar um ataque ao Bundestag em Berlim para provocar caos no país e criar condições para uma tomada violenta do poder. Como preparação, o grupo aparentemente organizou exercícios de tiro e chegou a espionar o interior do Bundestag. "Desde agosto de 2021, o pequeno grupo preparava, com um braço armado, a invasão do Bundestag em Berlim, com o objetivo de prender os deputados e derrubar o sistema", apontou a denúncia.

As autoridades também afirmam que o grupo extremista também teria tentado recrutar soldados e policiais e elaborado listas de inimigos, além de tentar formar centenas de células armadas em todo o país.

Pelo plano dos golpistas, a ofensiva seria colocada em marcha num chamado "Dia X" e, caso fosse bem-sucedida, resultaria na nomeação do seu principal líder, um aristocrata chamado Heinrich 13º Reuss, que ostenta o título de "príncipe", como novo chefe de Estado alemão. Os conspiradores então pretendiam negociar um "novo tratado de paz" com as antigas potências aliadas da Segunda Guerra Mundial: EUA, França, Reino Unido e principalmente com a Rússia.

Membros do movimento Reichsbürger e adeptos da teoria QAnon em Berlim
Membros do movimento Reichsbürger e adeptos da teoria QAnon exibem antigas bandeiras imperiais durante um protesto contra medidas anticovid em 2020null SULUPRESS/picture alliance

Segundo as investigações, vários membros da liderança do grupo também são adeptos de teorias conspiratórias do movimento QAnon, que acredita que as principais instituições de governo do mundo são dominadas por uma elite de pedófilos satanistas. Outros membros eram ligados a movimentos antivacinas e participaram de protestos contra restrições governamentais durante a pandemia.

Segundo as autoridades, nenhuma fantasia parecia suficientemente delirante para alguns membros do grupo, que chegaram ao ponto de acreditar que a enchente no Vale do Ahr, no estado alemão Renânia do Norte-Vestfália, em 2021, teria sido na realidade uma tentativa artificial do governo alemão para encobrir o assassinato de centenas crianças aprisionadas em bunkers. Em escutas telefônicas, membros do grupo também foram gravados afirmando que o "Estado sionista" e "judeu" da Alemanha iria desaparecer em breve e que homossexuais seriam "finalmente destruídos".

Julgamento em local simbólico

Os nove réus serão julgados pelo Tribunal Regional Superior de Stuttgart. "Este é um dos maiores processos envolvendo a segurança do Estado na história da República Federal", disse o presidente do tribunal, Andreas Singer.

Os procedimentos judiciais serão realizados num prédio de segurança máxima instalado dentro do complexo penitenciário de Stammheim, num subúrbio de Stuttgart.

O prédio, inaugurado em 2019, fica a poucos metros de outra antiga corte de segurança máxima na qual foi realizada o "Processo de Stammheim ", que julgou entre 1975 e 1977 quatro membros do grupo terrorista anticapitalista de esquerda Fração do Exército Vermelho (RAF), também conhecido como "Grupo Baader-Meinhof" ou "Gangue Baader-Meinhof". No momento, o antigo tribunal está sendo demolido.

Os quatro membros da RAF – Andreas Baader, Ulrike Meinhof, Gudrun Ensslin e Jan-Carl Raspe – ficaram aprisionados em uma ala de segurança máxima localizada no mesmo complexo. Um dos membros do grupo, Meinhof, cometeu suicídio em sua cela antes da conclusão do julgamento. Os três outros cometeram suicídio coletivo na prisão pouco menos de seis meses após serem sentenciados à prisão perpétua depois serem considerados culpados das acusações de homicídio, terrorismo, assalto a banco e roubos.

Andreas Baader e Gudrun Ensslin
Os terroristas de esquerda Andreas Baader e Gudrun Ensslin foram julgados em Stuttgart-Stammheim nos anos 1970null picture alliance/AP Images

Quais são as acusações enfrentadas pelos réus?

O Ministério Público da Alemanha denunciou em dezembro de 2023 um total de 27 pessoas – 22 homens e cinco mulheres – por suspeita de pertenceram à rede terrorista "União Patriótica". Um dos acusados, de 72 anos, morreu em março, reduzindo o número para 26 réus.

Todos são acusados oficialmente de formação de organização terrorista e planejamento de uma ação de alta-traição.

Um dos nove réus do julgamento de Stuttgart, que foi preso em 2023, meses depois da operação policial que desbaratou o grupo, também é acusado de tentativa de homicídio. Segundo as autoridades, ele efetuou disparos com um fuzil semiautomático, causando ferimentos em dois policiais.

Um "príncipe", uma juíza e um ex-militar com laços no Brasil entre os líderes

O acusado que ganhou mais notoriedade após o desbaratamento da rede seria um dos principais líderes do grupo, Heinrich 13º, "príncipe" de Reuss, descendente de uma linhagem aristocrata do estado da Turíngia e que atuava como empresário do ramo imobiliário. Investigações apontaram que Reuss tentou se reunir sem sucesso com representantes do governo russo para obter apoio ao golpe.

Outra acusada de pertencer à liderança do grupo é Birgit Malsack-Winkemann, juíza e ex-deputada do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que exerceu mandato no Bundestag de 2017 a 2021 e teria planejado franquear aos conspiradores acesso a edifícios parlamentares. Ela foi suspensa de suas funções na Justiça de Berlim após a operação policial de 2022.

Birgit Malsack-Winkemann
Birgit Malsack-Winkemann, juíza e ex-deputada acusada de fazer parte do complônull Wolfgang Kumm/dpa/picture alliance

Outro membro da liderança identificado pelas autoridades é Rüdiger von Pescatore, um ex-militar. Entre 1993 e 1996, Pescatore foi comandante de um batalhão de paraquedistas. Ele teria sido expulso das Forças Armadas alemãs devido à venda ilegal de armas dos estoques do antigo exército da Alemanha Oriental. Rüdiger também costumava passar parte do seu tempo no Brasil. Há empresas registradas em seu nome em Santa Catarina e ele atuou como representante comercial de companhias de energia no Brasil.

Segundo os promotores, caso o golpe fosse bem-sucedido, Heinrich 13º assumiria a liderança do Estado alemão, enquanto Rüdiger seria nomeado chefe militar. Já Malsack-Winkemann assumiria a chefia do Ministério da Justiça.

Outros julgamentos

O julgamento que tem início nessa segunda-feira em Stuttgart envolve apenas uma parte dos acusados de pertencer ao grupo. No caso, a chamada "ala militar" da rede golpista. Outros dois julgamentos devem ter início em Frankfurt (maio) e Munique (junho).

O julgamento em Frankfurt vai se centrar na liderança do grupo, num total de nove pessoas. Entre eles estão o "príncipe" Reuss, a juíza Malsack-Winkemann e o ex-militar Pescatore, além do coronel reformado do Exército Maximilian Eder.

Já o processo em Munique envolve oito membros secundários da organização, incluindo doadores.

Por causa da complexidade dos processos – espera-se que acusados em um julgamento testemunhem em outros, por exemplo – , todos os procedimentos judiciais só devem ser concluídos em 2025.  

O que é o movimento Reichsbürger?

Os acusados que começam a ser julgados foram apontados como associados ao Reichsbürger, que se traduz como "Cidadãos do Império Alemão". O movimento, que ganhou notoriedade os últimos anos, nega a legitimidade do moderno Estado da Alemanha. Os adeptos acreditam que o Estado atual não passa de uma construção administrativa artificial e que a Alemanha ainda seria ocupada pelas potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Para eles, as fronteiras de 1937 do Império Alemão ainda existem.

"passaporte" Reichsbürger
Um "passaporte" produzido pelos Reichsbürger. Movimento rejeita documentos da Alemanha moderna null Picture-Alliance/dpa/P. Seeger

Os Reichsbürger também não aceitam a legalidade das autoridades governamentais da Alemanha. Vários se recusam a pagar impostos e declararam seus próprios pequenos "territórios nacionais", que batizam com nomes como "Segundo Império Alemão", "Estado Livre da Prússia" ou "Principado da Germânia". Outro traço em comum é a rejeição da democracia, tendências monarquistas, xenofobia e antissemitismo.

Os membros desses grupos costumam imprimir seus próprios passaportes e carteiras de motorista com antigos símbolos do Império Alemão (1871-1918).

As autoridades de segurança estimam que existam 20.000 Reichsbürger na Alemanha, dos quais cerca de 2.300 são propensos a cometer atos de violência. Em um caso notório da Alemanha, em abril de 2022, quatro seguidores do movimento foram acusados de arquitetar um plano para tentar sequestrar o ministro da Saúde da Alemanha, o social-democrata Karl Lauterbach, por causa de medidas impostas pelo governo contra a pandemia. Armas e munições foram apreendidas na ocasião. O movimento também costuma se mesclar com adeptos de teorias conspiratórias, como o culto QAnon e o meio antivacinas.

Armas apreendidas com Reichsbürger durante uma operação em 2018
Armas apreendidas com Reichsbürger durante uma operação em 2018null Roland Weihrauch/dpa/picture alliance

Alemanha vê aumento de espionagem chinesa e russa

A assessoria de imprensa do Ministério Público Federal da Alemanha está muito ocupada ultimamente. "Prisão por suspeita de atuação como agente de serviço secreto" apontou o título de um comunicado à imprensa divulgado nesta terça-feira (23/04).

Era exatamente o mesmo título usado em um comunicado divulgado no dia anterior. Em ambos os casos, os quatro suspeitos envolvidos - três homens e uma mulher - foram acusados de espionar para a China. Um dos casos chamou a atenção por envolver um assessor de um eurodeputado de ultradireita.

Em 18 de abril, já havia sido a vez de as autoridades alemãs anunciarem a prisão de dois homens, acusados de planejarem ataques a alvos militares na Alemanha a serviço da Rússia. Neste caso, a ação foi anunciada com o título "Prisões por atividades de agente de inteligência e associação à organização terrorista estrangeira ‘República Popular de Donetsk'", em referência ao estado fantoche criado pela Rússia no leste da Ucrânia em 2014 e que foi ilegalmente anexado por Moscou.

Revelações não são uma surpresa

As prisões geraram forte repercussão no meio político e na mídia da Alemanha. "Precisamos finalmente encarar que essa é uma ameaça muito séria e muito real à nossa segurança", disse o deputado federal Konstantin von Notz, do Partido Verde, e que chefia a Comissão Parlamentar de Controle dos Serviços de Inteligência. "Devemos agir de forma rápida e decisiva, tanto nos procedimentos judiciais quanto na descoberta das estruturas e redes."

Thomas Haldenwang, presidente do Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV) - principal agência de inteligência interna da Alemanha, disse em entrevista à DW que isso já está sendo feito: "Nós iniciamos essas investigações - e, quando as evidências ficaram claras, pudemos entregar os casos à polícia e ao Ministério Público".

As recentes revelações sobre espionagem estrangeira na Alemanha não surpreenderam o chefe do BfV. Sua agência já havia alertado em um relatório publicado em 2023 do que a China era capaz. "As ambições globais da China estão sendo perseguidas para obter cada vez mais poder, e é de se esperar que ela intensifique ainda mais suas atividades de espionagem, bem como busque influenciar atores estatais", dizia o documento.

Haldenwang também havia falado sobre a ameaça potencial em um simpósio organizado pelo BfV em Berlim, que ocorreu no dia da prisão de três suspeitos de espionagem. Na ocasião, respondendo a uma pergunta da DW sobre a estratégia de espionagem do país, ele disse: "A China quer ser a potência política, militar e econômica número um do mundo até 2049 - esse objetivo está sendo perseguido continuamente - por meios legais, mas também por meios ilegais".

Alvos: universidades e empresas

A presença de estudantes chineses em universidades alemãs é também um campo fértil para a espionagem. "Essas pessoas são obrigadas a passar informações para o Estado", aponta Haldenwang. A ministra alemã de Educação e Pesquisa, Bettina Stark-Watzinger, também leva a sério esse alerta: "Não devemos ser ingênuos em nossas relações com a China", diz a política liberal, que aponta ainda que é necessária uma „avaliação ainda mais crítica dos riscos e benefícios da cooperação, especialmente na ciência e nas universidades".

Essa também é a opinião do BfV ao analisar a cooperação econômica com a China. A formação de joint ventures e investimento direto chinês na Alemanha têm como consequência a vinda de executivos e outros funcionários da China à Alemanha, aponta Haldenwang, do BfV, que identifica nisso uma porta de entrada potencial para a espionagem: "Os segredos comerciais também podem chegar à China".

 Thomas Haldenwang e a ministra Nancy Faeser
Thomas Haldenwang e a ministra Nancy Faeser null Christoph Soeder/dpa/picture alliance

Um espião no gabinete de um político da AfD?

A prisão de um suspeito de atuar como agente chinês nesta terça-feira, no entanto, envolveu diretamente o campo da política alemã, e não o da ciência ou dos negócios. Jian G. era um colaborador próximo do eurodeputado Maximilian Krah, um membro do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD).

A AfD, que no momento está sendo monitorada em todo o país pelo Departamento Federal para a Proteção da Constituição por suspeita de extremismo, também é rotineiramente de manter laços estreitos com a Rússia.

Entretanto, de acordo com as descobertas dos serviços de inteligência, os motivos da Rússia para espionar a Alemanha são diferentes dos da China. "Devido à guerra conduzida pela Rússia, seria negligente não presumir a capacidade e a disposição de seus serviços de inteligência para conduzir operações complexas na Europa", apontou Haldenwang. No ano passado, serviços de inteligência alemães já haviam revelado outros suspeitos de espionarem para Russia.

O chefe da inteligência doméstica prevê que a espionagem russa continue a aumentar e que ocorram novas tentativas de recrutamento na Alemanha. Logo após o início da guerra da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, a Alemanha expulsou cerca de 40 agentes suspeitos que atuavam na embaixada russa em Berlim.

Desde então, surgiram relatos de tentativas de Moscou de recrutar russos que vivem na Alemanha. "Mas, até agora, essa comunidade tem se mostrado muito resistente", diz Haldenwang. Entretanto, há também casos isolados de pessoas desse círculo que são altamente simpáticas a Putin e à Rússia. "Nesse sentido, pode haver uma reserva de pessoas disponíveis aqui que também estão preparadas para agir em prol dos interesses da Rússia."

Ministra do Interior elogia autoridades de segurança

Após a prisão sem precedentes de seis suspeitos de espionagem em seis dias, a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, fez um balanço positivo: "Nossas autoridades de segurança, sobretudo o Departamento Federal de Proteção à Constituição, reforçaram enormemente as medidas de combate à espionagem. É assim que nos protegemos contra as ameaças híbridas do regime russo, mas também contra a espionagem da China. Os sucessos investigativos atuais demonstram isso".

 

Apesar de seus 300 anos, Immanuel Kant continua atual

Para entender o mundo não é preciso necessariamente viajar por ele. Quem provou isso foi Immanuel Kant (1724-1804). Nesta segunda-feira (22/04), o mundo comemora o 300º aniversário do nascimento deste filósofo alemão que nunca deixou sua terra natal, Königsberg, na Prússia Oriental – hoje Kaliningrado, um exclave russo.

Mas isso não prejudicou sua compreensão sobre o planeta: suas ideias revolucionaram a filosofia e fizeram dele um pioneiro do Iluminismo. Sua obra mais famosa, Crítica da razão pura, é considerada um marco na história da filosofia. Kant continua sendo um dos pensadores mais importantes de todos os tempos.

Muitas de suas conclusões são válidas ainda hoje – época de mudança climática, guerras e crises. O que, por exemplo, poderia levar a uma paz duradoura entre as nações? Kant recomendou em 1795, em seu ensaio À paz perpétua, a criação de uma "liga das nações", como uma federação de Estados republicanos. De acordo com Kant, a ação política deve ser sempre guiada pela lei moral. Seu trabalho tornou-se o modelo para a fundação da Liga das Nações após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a precursora das Nações Unidas.

Além do direito internacional, Kant também desenvolveu uma lei de cidadania mundial. Ao fazer isso, ele rejeita o colonialismo e o imperialismo e formula ideias para o tratamento humano dos refugiados. De acordo com o filósofo, toda pessoa tem o direito de visitação em todos os países, mas não necessariamente o direito de hospitalidade.

Gravura colorida de Emmanuel Kant
Ideias de Kant revolucionaram a filosofia e fizeram dele um pioneiro do Iluminismonull picture-alliance/Leemage/S. Bianchetti

Em favor da razão e dos argumentos

Kant justifica a dignidade humana e os direitos humanos não religiosamente, com Deus, mas filosoficamente, com a razão. Kant acreditava muito nas pessoas em geral. Ele as considerava capazes de assumir responsabilidades – por si mesmas e pelo mundo. Acreditava que a vida pode ser administrada com razão e argumentos e formulou uma regra básica para isso: "Aja de tal maneira que a máxima de sua vontade possa, ao mesmo tempo, ser considerada como o princípio da legislação geral". Ele chamou isso de "imperativo categórico". Hoje, nós o formularíamos da seguinte maneira: você só deve fazer o que for para o melhor de todos.

Em 1781, Kant publica o que é provavelmente sua obra mais importante. Em Crítica da razão pura, ele apresenta as quatro questões fundamentais da filosofia: O que posso saber? O que devo fazer? O que posso esperar? O que é o ser humano? Sua busca por respostas a essas perguntas é conhecida como teoria do conhecimento. Ao contrário de muitos filósofos anteriores a ele, Kant explica em seu tratado que a mente humana não pode responder a perguntas como a existência de Deus, a alma ou o início do mundo.

"Kant não é uma luz do mundo, mas um sistema solar radiante de uma só vez." Que elogio o escritor Jean Paul (1763-1825) fez a seu contemporâneo! Mas outros grandes intelectuais acharam os escritos de Kant difíceis de digerir. O filósofo Moses Mendelssohn reclamou que era preciso "suco nervoso" para lê-los. Ele próprio não conseguia.

Pioneiro do Iluminismo

Os ensinamentos e escritos de Immanuel Kant lançaram as bases para uma nova forma de pensar. Sua frase "Sapere aude" (tenha a coragem de fazer uso de seu próprio entendimento) ficou famosa e fez de Kant um pioneiro do Iluminismo. Esse movimento intelectual que surgiu na Europa no final do século 17, declarou a razão humana e seu uso correto como padrão para todas as ações. Em seus escritos, Kant pedia para que as pessoas se libertassem de quaisquer instruções (como os mandamentos de Deus) e assumissem a responsabilidade por suas próprias ações. Daí que vem também esta famosa citação: "Não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem a você".

Até hoje em dia, ainda circulam muitos boatos e preconceitos sobre Kant. O filósofo alemão e especialista em Kant Otfried Höffe colocou alguns deles à prova em seu novo livro Der Weltbürger aus Königsberg (O cosmopolita de Königsberg, em tradução livre), incluindo a questão de saber se Kant era um "racista eurocêntrico" ou se Kant discriminava as mulheres. Em ambos os casos, sua resposta é: "Sim, mas...".

Gravura de Immanuel Kant
Embora Kant tivesse uma rotina severa, gostava de almoços com amigos, bilhar, jogos de cartas e era tido como um bom paponull Döbler

Devorador de diários de viagem

Kant não era um racista no sentido moderno, pelo contrário: ele condenava o colonialismo e a escravidão. Kant nunca saiu de Königsberg, mas a capital da Prússia Oriental era uma cidade comercial vibrante na época, uma "Veneza do Norte". Além disso, Kant também devorava diários de viagem a outros países.

E finalmente: Kant era um estudioso de salão rabugento e misantropo? Hoje, a ciência também está desfazendo esse preconceito. Embora Kant tivesse uma rotina diária estritamente regulamentada, ele gostava de almoços prolongados com amigos e conhecidos, adorava bilhar e jogos de cartas, ia ao teatro e era considerado uma ótima companhia de conversa nos salões da cidade.

Celebrações por toda parte

Muitos eventos comemoram Kant e seu legado neste ano, inclusive na Alemanha. O Bundeskunsthalle em Bonn, por exemplo, sediará uma grande exposição sobre o filósofo. Uma importante conferência acadêmica será realizada em Berlim em junho, seguida de um congresso internacional em Bonn no segundo semestre, que foi originalmente planejado para Kaliningrado, mas não poderá ser realizado devido à guerra russa de agressão contra a Ucrânia.

O túmulo de Kant adorna a parede traseira da Catedral de Königsberg – marco da cidade até hoje. A igreja gótica foi um dos poucos edifícios históricos a sobreviver aos bombardeios da Segunda Guerra Mundial e à subsequente onda de demolições no Estado soviético. Por mais popular que Kant seja hoje, seus escritos foram apropriados por muitos movimentos políticos. E quem descreve a si mesmo como seu pensador favorito? Isso mesmo – Immanuel Kant!

Estradas sem limite de velocidade viram dilema na Alemanha

"Cidadãos livres exigem passagem livre": com esse slogan o Allgemeine Deutsche Automobilclub (ADAC) protestava em 1973-74 contra o limite de velocidade de 100 quilômetros por hora, imposto nas rodovias federais alemãs devido à crise mundial do petróleo, a fim de economizar gasolina. Embora só tenha vigorado por alguns meses, a medida gerou indignação em todo o país.

Nos 50 anos desde então, diversas tentativas por um limite de velocidade generalizado têm fracassado. Isso, apesar de mais da metade da população – inclusive os sócios do automóvel-clube ADAC – ser a favor. No entanto, os opositores são poderosos e muito ativos: a conservadora União Social-Cristã (CSU), partido da ex-chanceler federal Angela Merkel, chegou a iniciar uma petição em grande escala.

Ao contrário de quase todos os demais países, na Alemanha os motoristas podem trafegar nas autoestradas federais sem qualquer restrição de velocidade, exceto em alguns trechos. Em 70% das grandes rodovias, vigora apenas uma "velocidade recomendada" de 130 km/h. Assim, a corrida louca nas lendárias autobahnen é até mesmo tratada como atração turística pelas locadoras de automóveis esportivos no exterior.

Vista aérea de estrada rural alemã
Com adoção de limite nas "autobahnen", vias rurais pode passar a ser mais utilizadasnull Jan Woitas/picture alliance/dpa

Para que serve um limite de velocidade

Quanto mais devagar um carro roda, menos combustível consome e, portanto, menos substâncias tóxicas emite – como, por exemplo, óxidos de nitrogênio, micropartículas e dióxido de carbono (CO2), corresponsável pela deterioração do clima global.

Um limite de 120 km/h nas rodovias alemãs pouparia o equivalente a 4,6 milhões de toneladas de CO2 por ano, segundo cálculos recentes do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha. Em relação às emissões de 2018, seria uma redução de 2,9%.

Considerando-se que o limite de velocidade incentivaria a escolher vias de menor porte, tomar rotas mais curtas pelo campo ou a abrir mão de trajetos supérfluos, essa economia poderia alcançar 6,7 milhões de toneladas de CO2, ou 4,2%. Se nas estradas rurais se adotasse o máximo de 80 km/h, então, a redução chegaria até mesmo a 8 milhões de toneladas.

Outra vantagem: haveria menos acidentes, pois carros que rodam mais devagar freiam mais rápido. Contudo, uma redução de cerca de 70% só se daria a partir de um limite de 100 km/h nas rodovias federais.

Menos rapidez significa também menos barulho: um automóvel a 100 km/h é aproximadamente 50% mais silencioso do que um a 130 km/h. Os engarrafamentos seriam, ainda, menos numerosos devido ao menor acúmulo de carros nas ruas simultaneamente. A 100 km/h ou menos, o efeito seria ainda mais marcante.

Quais os argumentos contra a velocidade restrita

Segundo uma consulta da seguradora Allianz, os opositores do limite são sobretudo homens, motoristas que percorrem mais de 50 mil quilômetros por ano e jovens abaixo de 24 anos, alegando temer mais engarrafamentos e viagens mais alongadas. Ainda assim, na prática, 77% já trafegam voluntariamente a menos de 130 km/h na autobahn.

Há ainda discrepâncias sobre até que ponto uma velocidade máxima reduziria de fato os acidentes. Segundo a ADAC, atualmente, na Alemanha, não ocorrem mais acidentes graves nas rodovias federais do que em países onde há limites. Comparando-se o número de mortos por quilômetro rodado, as autoestradas da França, da Itália, da República Tcheca, da Hungria e dos Estados Unidos são realmente mais fatais; porém, em números absolutos, a Alemanha continua sendo campeã, com 317 vítimas por ano.

Ministro alemão do Meio Ambiente, Volker Wissing
Ministro do Meio Ambiente, liberal Volker Wissing, deveria ter acionado plano emergencial após taxas de emissões de CO2 de 2023null Jens Krick/Flashpic/picture alliance

Quem é a favor do limite de velocidade, quem é contra?

Organizações ambientalistas, sindicatos da polícia e associações de ajuda às vítimas de acidentes de trânsito estão entre os que reivindicam um limite de velocidade na Alemanha, também pleiteando um máximo de 80 km/h nas estradas rurais, em vez dos atuais 100 km/h. Segundo estimativas do setor de seguros, tal medida de fato favoreceria a segurança nessas vias.

Entre os partidos políticos, o Verde, o Social-Democrata (SPD) e o A Esquerda defendem uma velocidade limite nas autoestradas federais – além de mais da metade da população ser igualmente a favor.

Em contrapartida, é forte a oposição partindo das conservadoras União Democrata Cristã (CDU) e CSU, assim como da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) e do Partido Liberal Democrático (FDP). Estes argumentam que o custo de um impacto ambiental mínimo seria a forte restrição à mobilidade da população. O FDP, que compõe o governo federal juntamente com verdes e social-democratas, descartou o limite de velocidade no próprio contrato de coalizão.

Os liberais até contrapõem o estudo do Ministério do Meio Ambiente com outro que indica uma redução bem menos significativa das emissões de dióxido de carbono. No entanto, seus autores são professores de economia que questionam a mudança climática de fabricação humana. A pesquisa é criticada tanto pelo ministério encarregado quanto por associações ambientalistas e outras siglas políticas.

Metas climáticas da Alemanha contemplam uma velocidade máxima na autobahn?

A Lei do Clima alemã de 2021, firmada pela então coalizão entre social-democratas e conservadores cristãos, prescreve uma redução das emissões de CO2 de 65% até 2030 e de e de 88% até 2040, em relação aos níveis de 1990.

Ela previa ainda a adoção de um programa emergencial assim que os níveis de emissão de CO2 no setor dos transportes alcançassem níveis que comprometessem o cumprimento das metas climáticas da Alemanha. Embora isso tenha ocorrido em 2023, o ministro dos Transportes, o liberal Volker Wissing, não tomou as medidas cabíveis.

A atual coalizão em Berlim reformou a legislação climática: agora emissões excessivas em um setor como o dos transportes podem ser compensadas por outro – por exemplo, o das energias renováveis. Sobre um limite de velocidade nas autoestradas alemãs, continua não constando nada na Lei do Clima.

1918: Abatido o Barão Vermelho

Nos Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha e Austrália, ele se tornou conhecido como "The Red Baron" (O Barão Vermelho). A companhia aérea Lufthansa aproveitou durante muito tempo a popularidade do piloto, em suas campanhas publicitárias no mercado norte-americano.

O próprio Manfred von Richthofen contou sua carreira de piloto de caças num livro publicado em 1917. A primeira edição do Der rote Kampfflieger (O piloto de combate vermelho) vendeu mais de 250 mil exemplares em um ano, sendo reeditado várias vezes.

Escrita em estilo altamente arrogante, a biografia ajudou a criar o mito de um grande herói de guerra. Como muitos dos filhos da nobreza da época, Richthofen ingressou no corpo de cadetes imperiais aos dez anos de idade. Posteriormente, tornou-se oficial de cavalaria. A carreira de oficial permitiu-lhe continuar praticando sua maior paixão – a caça.

Prazer em matar

Com o início da Primeira Guerra Mundial, as Forças Armadas alemãs intensificaram suas atividades de reconhecimento nos territórios inimigos. Von Richthofen pediu transferência para a recém-criada Força Aérea. Logo passou a participar de vôos de reconhecimento e bombardeios. Ele próprio dizia sentir um verdadeiro prazer em liquidar um inimigo.

No início de 1916, o tenente Richthofen passou a receber a formação de piloto de caça. Ele destacou-se por sua agressividade e, em pouco tempo, derrubara 16 aviões franceses e ingleses, o que lhe rendeu a Medalha de Honra ao Mérito, maior condecoração militar do Império Alemão, e o posto de capitão de esquadra. Tratava seus adversários como animais selvagens, e por vezes derrubava até dois ou três caças por dia.

Avião pequeno e ágil

Richthofen foi também um dos primeiros a pilotar um triplano Fokker, que estreou nas frentes de batalha no outono europeu de 1916. Era um avião de caça pequeno, tendo como principal arma sua agilidade e velocidade de decolagem. Em manobras, era impossível colocá-lo em mira, mas, se seguisse um rumo fixo, tornava-se alvo fácil. Foi isso o que provavelmente acabou com Richthofen.

Em 21 de abril de 1918, pouco antes de completar 26 anos, foi atacado pelas costas pelo piloto canadense Roy Brown, enquanto perseguia sua vítima de número 81. Ao mesmo tempo, infantes australianos dispararam do solo suas metralhadoras contra ele. Richthofen foi atingido por um tiro mortal.

Seu corpo foi enterrado com honras militares num pequeno cemitério de soldados no norte da França. Sua mãe de descreveria a morte do piloto como o martírio de um jovem cheio de ideais e heroísmo. Sete anos mais tarde, o cadáver foi exumado a pedido da família e sepultado em Berlim, novamente com honras militares e grande participação popular.

A Força Aérea alemã perdeu 7.700 pilotos na Primeira Guerra Mundial. Réplicas do triplano Fokker (que Von Richthoffen havia mandado pintar de vermelho para provocar seus adversários) estão expostas na maioria dos museus de tecnologia e aviação do mundo. "Manfred von Richthofen" virou nome de esquadras, quartéis, praças e ruas no país.

 

 

Björn Höcke, um "fascista" alemão no banco dos réus

Um dos principais líderes do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) no leste do país começará a ser julgado nesta quinta-feira (18/09) no Tribunal Distrital de Halle. O crime que o deputado estadual Björn Höcke, líder da AfD no estado da Turíngia, é acusado de ter cometido foi definido como "uso público de um símbolo de uma antiga organização nacional-socialista".

Mais especificamente, a acusação envolve uma aparição em um evento de campanha em maio de 2021 em Merseburg, no estado da Saxônia-Anhalt. Na ocasião, Höcke proferiu a frase "Alles für Deutschland" ("Tudo pela Alemanha") em um discurso para cerca de 250 apoiadores. 

É o mesmo slogan que foi o lema da organização paramilitar nazista Sturmabteilung (Tropas de assalto), conhecido pela sigla SA, cujos membros eram também chamados de "camisas-pardas". Eles se notabilizaram por atos de violência e terrorismo – especialmente contra comunistas e judeus – nas ruas da Alemanha durante a República de Weimar, o curto período democrático que precedeu a ditadura de Adolf Hitler.

Com a queda do autoproclamado Terceiro Reich em 1945, a SA, assim como todas as outras organizações nazistas ou nacional-socialistas, foi banida. Mais tarde, na recém-fundada República Federal da Alemanha (antiga Alemanha Ocidental), toda a propaganda que seguia a ideologia nacional-socialista ou de suas organizações foi proibida. Isso valeu inclusive para o slogan "Tudo pela Alemanha".

E o evento em Merseburg em 2021 não foi a única ocasião na qual Höcke agitou uma multidão com o slogan proibido.

Em 2023, quando já havia sido oficialmente indiciado pelo episódio, ele voltou a incitar apoiadores com o slogan, desta vez fazendo uso de um jogo de palavras. Nessa ocasião, em um evento num restaurante em Gera, na Turíngia, Höcke se referiu com escárnio à acusação. "Porque uma vez encerrei uma campanha eleitoral com uma tríade retórica: 'Tudo pela nossa pátria! Tudo pela Saxônia-Anhalt! Tudo pela...". Na sequência, gesticulando, Höcke incentivou seu público a completar o slogan: "...Alemanha!", gritaram os apoiadores de Höcke. O político permaneceu no palco rindo e exibindo uma expressão alegre.

Se condenado, Höcke poderá ser punido com multa ou até três anos de prisão.

Hitler ao lado de líderes da SA em 1933
Hitler ao lado de líderes da SA em 1933null Keystone/picture alliance

Höcke sabia o significado?

Björn Höcke sabia que tipo de slogan estava usando? Sim, aparentemente. E com certeza na segunda vez, durante seu discurso em Gera, já que ele mesmo menciona a acusação.

Höcke também é professor de história. Ele estudou e lecionou a matéria por muitos anos antes de entrar para a política pela AfD e se tornar um de seus representantes mais conhecidos e radicais.

Höcke também ganhou notoriedade com a intensidade e frequência com a qual costuma se referir direta ou indiretamente à era nazista. Em público, ele já usou outras expressões comumente associadas ao nazismo, como "degeneração" e Lebensraum (espaço vital).

Ele ganhou fama na Alemanha em 2017 quando criticou publicamente o Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, em Berlim, que relembra a matança de seis milhões de judeus europeus pelos nacional-socialistas. Na ocasião, ele provocou condenação generalizada na Alemanha ao se referir ao memorial como um "monumento da vergonha".

Em 2016, num comício da AfD, Höcke também expressou simpatia pela notória negacionista do Holocausto Ursula Haverbeck, apelidada de "vovó nazista" pela mídia alemã, que já foi condenada à prisão em diversas ocasiões por espalhar mentiras sobre o genocídio contra os judeus. Na ocasião, Höcke disse que ela estava sendo perseguida pelo que chamou de um "crime de opinião".

Obsessão pelo nazismo

Em 2017, no mesmo discurso em que atacou o Memorial do Holocausto de Berlim, Höcke criticou a maneira como os alemães lidam com a herança da ditadura nazista. Na ocasião, quando falava para a ala jovem da AfD, a Junge Alternative, ele classificou isso de uma "política de enfrentamento estúpida" que "paralisa" a Alemanha. Na sequência, disse: "Precisamos de uma virada de 180 graus na política de memória".

A fala sobre o memorial chegou a render a abertura de um processo de expulsão contra Höcke na AfD, mas no final a direção do partido decidiu mantê-lo como membro. Em vez de uma expulsão, o que aconteceu desde então é que o partido como um todo se radicalizou na direção de Höcke.

Höcke publicou seus pensamentos em um livro em 2018. Nele, ele argumenta que é errado que "Hitler seja retratado como absolutamente maligno" e que diz que a questão não pode ser vista de uma ótica em "preto e branco".

O livro está repleto de outras declarações radicais. Höcke diz que um novo líder é necessário, que a Alemanha está ameaçada "nacionalmente de morte por meio da substituição da população" – reverberando uma das principais teorias conspiratórias da extrema direita internacional. E ainda pareceu mandar um recado ameaçador para os alemães que não abraçam essas ideias: "Membros gangrenosos não podem ser curados com água de lavanda, como Hegel já sabia".

Em 2019, Höcke abandonou uma entrevista televisiva ao se irritar quando um jornalista mostrou um vídeo que citava uma frase sua. As imagens mostravam um repórter perguntando a alguns membros da própria AfD: "quem disse isso? Höcke ou Hitler em Mein Kampf?". A maior parte dos membros da AfD entrevistados evitou responder, mas um disse acreditar que a frase havia sido dita por Hitler. A frase em questão era: "Quando o ponto de virada for alcançado, nós, alemães, não faremos as coisas pela metade, vamos descartar o entulho da modernidade".

Björn Höcke
Björn Höcke pode ser legalmente chamado de "fascista" na Alemanhanull Britta Pedersen/dpa/picture alliance

"Höcke é um fascista"

As afirmações do livro de Höcke são tão radicais que uma corte alemã as usou como base para sua decisão de que a afirmação "Höcke é um fascista" não é caluniosa, mas se baseia em uma base factual verificável. A decisão foi tomada pelo Tribunal Administrativo de Meiningen, em 26 de setembro de 2019.

Toda essa notoriedade de Höcke, tanto na mídia alemã quanto em debates sobre a AfD, é ainda mais chamativa porque o ultradireitista não ocupa nenhum cargo político de nível nacional e nunca ocupou um. Ele nem mesmo faz parte do diretório nacional da AfD.

No entanto, Höcke, mesmo sendo um mero deputado estadual, passou a ser um tema constante na política alemã, com muitos no país debatendo seus pensamentos, visão de mundo e ações políticas.

Ambições

Mas o motivo é claro: por causa ou apesar de seu radicalismo, Höcke ajudou a dar destaque para a AfD em seu estado, a Turíngia. No momento, o partido lidera as pesquisas eleitorais nesse estado do leste alemão, que vai ser palco de uma eleição em setembro deste ano. Pesquisas mostram a legenda com cerca de 30% de apoio entre o eleitorado do estado, acima de partidos tradicionais e bem acima da média nacional, cujas pesquisas sugerem que o partido conta com entre 17% e 19% do eleitorado em todo o país.

Höcke não esconde sua ambição de se tornar governador da Turíngia, o que tem levantando temores no país de que, pela primeira vez desde 1945, um estado alemão possa ser governado por um "fascista".

O diretório da AfD na Turíngia está desde março de 2022 sob a vigilância do Departamento de Proteção à Constituição da Alemanha (BfV), a agência de inteligência interna do país. O tribunal que aprovou a medida concluiu que existiam indícios suficientes de aspirações anticonstitucionais dentro do partido.

A deputada da AfD Beatrix von Storch foi recebida por Jair Bolsonaro em 2021
A deputada da AfD Beatrix von Storch foi recebida por Jair Bolsonaro em 2021null Team von Storch/dpa/picture alliance

Tentáculos internacionais

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016, com seus antigos membros liberais sendo suplantados por figuras mais reacionárias. Hoje, são especialmente políticos como Höcke que dão o tom da legenda. O partido também tem conexões com a extrema direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

Na semana passada, ao mesmo tempo em que publicava críticas ao ministro brasileiro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o empresário Elon Musk usou sua conta na rede X para trocar publicamente mensagens com ninguém menos do que Björn Höcke.

Respondendo a uma mensagem na qual o alemão – expressando-se em inglês, algo incomum para Höcke – queixava-se do seu processo criminal, Musk perguntou "o que você disse?". Outro usuário respondeu então a Musk que Höcke havia dito "Tudo pela Alemanha". Musk então questionou "Por que isso é ilegal?".

Aproveitando o peso da conta de Musk, que conta com 181 milhões de seguidores, Höcke respondeu, novamente em inglês: "Porque todo patriota na Alemanha é difamado como nazista".

Quando se trata de chamar a atenção, seja nacional ou internacional, Höcke é quase impossível de ser superado no seu partido. Em uma legenda que está sendo cada vez mais classificada como "suspeita de ser de extrema direita" pelas autoridades de segurança alemãs, o diretório estadual da AfD na Turíngia, sob a liderança de Björn Höcke, já até passou dessa fase. Em vez disso, ele é classificado pelas autoridades de segurança como uma organização "confirmada como extremista de direita".

jps (ots)

As ameaças a prefeitos alemães que enfrentam a ultradireita

A Alemanha conta quase 11 mil prefeitos, a maioria dos quais trabalhando em regime não remunerado. E o fato de serem o rosto da política in loco não impede que sofram constantemente agressões graves. Ao ponto de, em 11 de abril, o presidente Frank-Walter Steinmeier convocar mais de 80 líderes municipais honorários para escutar seus problemas e ansiedades.

O chefe de Estado alemão advertiu: "Quando prefeitos e conselheiros municipais não podem mais abordar certos temas sensíveis, quando fecham as próprias contas nas redes sociais ou até renunciam ao cargo ou mandato a fim de proteger sua família de hostilidades, quando indivíduos que gostariam de se candidatar desistem para não ser alvo de ódio, aí quem é democrata não pode simplesmente dar de ombros e aceitar."

Coorganizadora do encontro, a Fundação Köbler encomendou uma consulta representativa ao instituto de pesquisa de opinião Forsa. Ela revelou que 40% dos políticos locais ou pessoas próximas deles já foram ofendidos, ameaçados ou mesmo agredidos fisicamente devido à sua função. Por essas experiências, mais de um quarto dos prefeitos honorários indagados já considerou retirar-se da política, temendo pela própria segurança. Além disso, quase dois terços registram descontentamento e insatisfação crescentes entre os cidadãos de suas comunidades.

Para 35%, nos próximos anos o extremismo de direita será um grande desafio em sua cidade. Quase um quinto relata sobre o avanço de tendências antidemocráticas – no Leste essa proporção chega a um quarto. Esse resultado preocupa sobretudo em face das três eleições estaduais no território da antiga Alemanha comunista, em setembro.

Deutschland Bundespräsident Steinmeier
Presidente Frank-Walter Steinmeier alerta: "Quando prefeitos até renunciam ao cargo para proteger suas famílias, aí quem é democrata não pode simplesmente dar de ombros e aceitar."null Bundespräsidialamt/dpa/picture alliance

Das ofensas ao assassinato

Em fevereiro, o social-democrata Michael Müller vivenciou de perto esse risco, em sua cidade natal, Waltershausen, no estado da Turíngia, quando alguém incendiou seu carro, e o fogo se espalhou para a fachada da casa. O político comunal havia fornecido abrigo a uma família com duas crianças, que felizmente pôde se salvar. Segundo a perícia, tratou-se uma tentativa de assassinato intencional, que agora está sob investigação policial.

Müller não acredita que foi acaso ele ter convocado, dias antes, uma manifestação contra o extremismo de direita. Tais agressões o preocupam seriamente, pois "muitos se perguntam se 'vale a pena sacrificar o meu tempo livre por essa sociedade que, em contrapartida, me ameaça?'" Ele teme que em algum momento "vai haver cada vez menos gente que sacrifica seu lazer e trabalha como conselheiro municipal, comunal, prefeito honorário": "Aí eles vão preferir fazer algo divertido com a família."

Uma pesquisa representativa realizada no âmbito da iniciativa Rede de Competência contra o Ódio na Rede confirma uma tendência semelhante nos debates dentro do espaço digital: quanto mais eles se brutalizam, mais internautas se retiram da discussão online.

A prefeita de Colônia, Henriette Reker, escapou por pouco da morte em 2015: um dia antes da eleição, um radical de direita fanático a esfaqueou na garganta. Andreas Hollstein, prefeito da cidadezinha de Altena, na Renânia do Norte-Vestfália, foi também apunhalado na garganta dois anos mais tarde, por um inimigo dos refugiados.

O assassinato do governador de Kassel Walter Lübcke, por um neonazista, abalou grande parte do país em 2019. Pouco a pouco chega ao grande público o que sofrem alguns políticos locais no exercício de seu cargo: forcas postadas em frente de casa, cadáveres de animais na caixa de correio, cartas de ódio em que se afirma saber onde os filhos estudam.

Refugiados em posto de acolhimento do estado alemão de Brandemburgo
Muitos na Alemanha, sobretudo no Leste, não admitem a presença de refugiados e migrantesnull Patrick Pleul/dpa/picture alliance

O motor da democracia não pode engasgar

Para aguentar, só estando tão convicta do próprio trabalho político quanto a prefeita da cidade de Zossen, em Brandemburgo, Wiebke Şahin-Schwarzweller. Já durante sua campanha eleitoral, em 2019, ela sofria ameaças: "Também o meu marido, que é de descendência turca, foi alvo de calúnias voltadas contra mim."

Porém a deputada liberal se defende, e tornou-se um dos políticos que desde 2018 o presidente Steinmeier consulta sobre o assunto. Pois, ao contrário das figuras de ponta, os representantes comunais não são devidamente protegidos por limusines blindadas, guarda-costas nem leis.

Por isso lutam para estar pelo menos bem conectados em rede e informados, a fim de poder se defender. Um dos endereços é o portal Stark im Amt (Fortes no cargo), que oferece suporte a políticos locais. Promotores, policiais e autoridades estão sensibilizados sobre o assunto.

Em março de 2022, o governo federal alemão apresentou dez medidas de um plano de ação contra o extremismo de direita, entre as quais consta a proteção de mandatários. Para tal, em meados de 2024 será criada uma nova central federal para os políticos comunais sob ameaça.

O responsável pela implementação é Marcus Kober, do Fórum Alemão para Prevenção Criminal (DFK), que explica: "Um primeiro passo muito importante é combater a sensação de estar sozinho para lidar com a situação." O segundo é esclarecer se se trata de um delito, qual órgão é responsável, e identificar as ofertas num sistema de assistência que hoje é bastante desenvolvido.

Kober está convicto de que os representantes comunais precisam urgentemente de proteção, pois são quem responde por todas as decisões nos níveis estadual ou federal. Para ele, trata-se do motor essencial do sistema democrático: quando ele engasga, a democracia está em perigo.

Há um ano, Alemanha encerrava sua era nuclear

Há um ano, as últimas três usinas nucleares que ainda estavam em operação em território alemão foram desconectadas da rede, marcando o fim da era nuclear no país, mais de seis décadas após a inauguração do primeiro reator. O encerramento das operações em 15 de março de 2023 marcou uma vitória decisiva de uma campanha de décadas de ativismo ambiental contra essa forma de produção de energia.

À época, políticos de esquerda e centro-esquerda celebraram, enquanto liberais e conservadores descreveram o fechamento das últimas usinas como um "dia sombrio" para a Alemanha.

Um ano depois, as previsões mais pessimistas envolvendo "apagões" ou aumento do uso de carvão não se confirmaram, e especialistas apontam que a transição foi mais suave do que se esperava. A matriz energética alemã nos últimos meses passou a ser mais limpa e os preços para o consumidor caíram, mas por outro lado o país passou a importar mais energia do exterior – e parte dela continua sendo nuclear.

Emissões diminuíram e parcela de renováveis aumentou

O fim da era nuclear alimentou o temor que a emissão de CO2 de fontes sujas como o carvão aumentaria na Alemanha para compensar o fechamento das últimas usinas. Mas isso não se concretizou.

De acordo com o governo alemão, a participação das energias renováveis no consumo, incluindo importações, aumentou significativamente desde o fim da era nuclear. No período de 1º de abril de 2022 a 15 de abril de 2023, quando as usinas nucleares ainda estavam em funcionamento, essa participação foi de 48,7%. No período de 16 de abril de 2023 a 31 de março de 2024, subiu para 58,3%.

As emissões de CO2 no setor de energia alemão também caíram 24%, disseram ativistas do grupo ambiental Greenpeace. Apesar da eliminação da energia nuclear na Alemanha, a produção de eletricidade a partir de linhito (-29%), carvão mineral (-47%) e gás (-5%) também caíram significativamente.

Por outro lado, o consumo de eletricidade no país também caiu em cerca de 2%, em grande parte por causa da estagnação da economia.

Preços caíram

Uma das profecias mais sombrias envolvendo o fechamento das usinas envolvia o temor de uma disparada dos preços de energia para os consumidores. No entanto, isso não se materializou. Pelo contrário, os preços caíram no último ano, embora continuem mais altos do que antes da disparada provocada pela invasão russa da Ucrânia e cortes no suprimento de gás que vinham do leste europeu.

Segundo o site de comparação de tarifas Verivox, os preços médios para os consumidores caíram 17%. Enquanto uma família com um consumo de eletricidade de 4.000 quilowatts-hora pagava 1.703 euros pela eletricidade em abril de 2023, atualmente esse valor é de 1.412 euros.

Segundo o governo alemão – uma coalizão que conta com o Partido Verde, adversário histórico da energia nuclear –, se as usinas atômicas ainda estivessem na ativa, os preços teriam sido mais altos, já que a operação delas era mais custosa que fontes renováveis.

Produção caiu e importação aumentou

No final de 2022, as três últimas usinas nucleares forneciam apenas 6% do consumo total de eletricidade da Alemanha.

De acordo com o Instituto Fraunhofer para Sistemas de Energia Solar ISE, a Alemanha produziu 476 terawatts-hora de eletricidade nos doze meses anteriores ao fechamento. No ano seguinte ao encerramento das operações das usinas das usinas  – ou seja, no período entre 16 de abril de 2023 e 15 de abril de 2024 – foram gerados 425 terawatts-hora na Alemanha.

Paralelamente, a Alemanha passou a importar mais energia de outros países europeus. Em 2023, a Alemanha importou mais eletricidade do que exportou pela primeira vez desde 2006. No total, foram 11,8 bilhões de quilowatts-hora, ou 2% do consumo bruto de eletricidade.

No entanto, esse aumento da importação não está todo atrelado ao fechamento das usinas, segundo especialistas. Nesse ponto, o mercado europeu de energia desempenha um papel crucial. Não é que a Alemanha não tinha capacidade para produzir toda a energia que precisa, mas porque era mais barato importar eletricidade de países vizinhos. E uma boa parte dessa eletricidade veio de novas fontes renováveis – de hidrelétricas da Suíça e de outras fontes renováveis da Noruega e Dinamarca.

"As importações de eletricidade são um sinal de um mercado da UE em funcionamento", disse Carolin Dähling, da concessionária de energia elétrica alemã Green Planet Energy, ligada ao Greenpeace.

No entanto, uma parte dessa eletricidade, especialmente a que vem da França, continua sendo gerada por usinas nucleares, já que o mercado não faz distinção entre fontes, mas sim entre preços, e, no verão, o excedente da energia atômica francesa costuma ser financeiramente mais competitivo. Ao todo, 24% da energia importada em 2023 veio de fontes nucleares. No entanto, o governo alemão e ativistas destacam que isso representa apenas 3,6% do consumo total na Alemanha, e que na realidade a participação da energia nuclear na oferta de eletricidade no país vem caindo ano a ano, passando de 7,27% para 3,01% nos últimos dois anos.

A usina de Isar 2, umas das últimas que foram fechadas na Alemanha
A usina de Isar 2, umas das últimas que foram fechadas na Alemanhanull Wolfgang Maria Weber/IMAGO

Fornecimento seguro

Um ano depois, o ministro federal de Economia e Proteção Climática da Alemanha, o verde Robert Habeck disse que as previsões pessimistas após o fechamento das usinas não se concretizaram.

"Podemos ver hoje que o fornecimento de energia ainda é seguro, os preços da eletricidade caíram após o abandono da energia nuclear e que as emissões de CO2 também estão caindo", disse Habeck, que também ocupa o posto de vice-chanceler federal da Alemanha, no domingo.

"Se algumas pessoas ainda estão se concentrando em um retorno à energia nuclear, devem se dar conta de que a energia nuclear não é competitiva internacionalmente e os custos dos projetos atuais estão explodindo", enfatizou Habeck. "É melhor, portanto, não questionar constantemente algo com o qual o país já concordou, mas se concentrar na solução dos problemas atuais", disse o político verde.

Décadas de disputa

Dificilmente algum tema polarizou o público, especialmente na Alemanha Ocidental, por tantas décadas quanto a energia nuclear. O dia 17 de junho de 1961 marcou o início da era nuclear alemã, quando a usina de Kahl, na Baviera, forneceu eletricidade à rede pública pela primeira vez. Passaram-se 22.596 dias entre a inauguração da primeira usina e o fechamento das últimas – e foram muitos os debates acalorados.

Pouco mais de 20 anos atrás, 19 reatores de usinas nucleares alemãs forneciam até um terço da eletricidade do país. Especialmente na antiga Alemanha Ocidental, antes da Reunificação, a oposição à energia nuclear levou centenas de milhares de jovens às ruas nas décadas de 1970 e 1980.

Então, em 1986, a catástrofe do reator de Tchernobil, na então União Soviética, pareceu confirmar as advertências sobre os perigos da energia nuclear. Em 2002, na Alemanha, o então ministro do Meio Ambiente, Jürgen Trittin, do Partido Verde, aprovou o primeiro cronograma de abandono da energia nuclear. O plano foi inicialmente postergado e minimizado por governos posteriores, mas o desastre da usina em Fukushima, no Japão, em 2011, finalmente selou o destino das usinas nucleares alemãs. A então chanceler Angela Merkel (CDU) usou o episódio para decretar o fim da energia nuclear na Alemanha.

Protesto antinuclear em 1986
Protesto antinuclear em 1986null Sven Simon/imago images

No final de 2022, as três últimas usinas nucleares forneciam apenas 6% do consumo total de eletricidade da Alemanha. Originalmente, o fechamento final estava previsto inicialmente para o final de dezembro de 2022. Mas ele foi posteriormente adiado por pouco mais de três meses por causa dos efeitos da guerra na Ucrânia. Mas, conforme o 15 de abril de 2024, se aproximava, o governo alemão, formado por uma coalizão de social-democratas, verdes e liberais, não sinalizou a possibilidade de novos adiamentos.

À época, as usinas nucleares Isar 2, na Baviera, Neckarwestheim, em Baden-Württemberg, e Emsland, na Baixa Saxônia, eram as últimas em funcionamento na Alemanha. A primeira usina a ser desligada foi Emsland, construída em 1988. Depois, foi a vez de Isar 2, desconectada, depois de mais de 30 anos de operação. A última usina a confirmar o desligamento foi Neckarwestheim, depois de 45 anos de funcionamento.

A decisão foi no sentido contrário de outros países, como Estados Unidos, China, França e Grã-Bretanha, que contam com a energia nuclear para substituir os combustíveis fósseis que aquecem o planeta. Até o Japão temvoltado atrás em seus planos de eliminar gradualmente a energia nuclear.

jps (DW, AFP, epd, ots)

Comissão recomenda legalização do aborto na Alemanha

Na Alemanha, a interrupção da gravidez é basicamente proibida e classificada como crime, segundo o Parágrafo 218 do Código Penal. No entanto, mesmo proibida, não é passível de punição se realizada nos primeiros três meses e se a gestante tiver antes requerido um aconselhamento. O aborto é também expressamente permitido após um estupro, ou se há perigo para a vida ou a saúde física ou psíquica da mulher.

A atual situação legal foi estabelecida 30 anos atrás, após longos e acirrados debates. Agora, a coalizão governamental de Berlim, formada pelos partidos Social-Democrata (SPD), Verde e Liberal Democrático (FDP), propôs-se retomar o tema para liberalizar o aborto na Alemanha.

Nesta segunda-feira (15/04), uma comissão convocada pelo governo federal recomendou que a ilegalidade básica da interrupção na fase inicial da gestação seja eliminada por não ser sustentável do ponto de vista jurídico. "O legislador deve aqui agir e tornar o aborto legal e não punível."

O limite para o aborto seria o início da vida autônoma do feto, por volta da 22ª semana após o começo da última menstruação. A partir daí, o aborto seguiria ilegal, excetuados casos de estupro ou riscos de saúde para a grávida.

Segundo a comissão, a atual regra do Código Penal Alemão não resiste a uma análise pela ótica constitucional, do Direito internacional e do Direito europeu.

A política social-democrata Katja Mast definiu assim a diferença em relação a hoje, quando um aborto precoce ainda é um crime: "Acho que a regulamentação da interrupção da gravidez não tem lugar no Código Penal, pois, do meu ponto de vista, é uma estigmatização das mulheres."

Político democrata-cristão alemão Friedrich Merz fala a repórter
Democrata-cristão alemão Friedrich Merz: Berlim estaria introduzindo "um grande conflito social neste país" com a reforma da lei do abortonull Dirk Thiele/DW

Críticas da Igreja Católica

Representantes da Igreja Católica da Alemanha reagiram com duras críticas à proposta da comissão. A Conferência dos Bispos da Alemanha criticou especialmente a comissão considerar que uma criança só adquire o direito pleno à vida ao nascer.

O presidente da Conferência dos Bispos Católicos, dom Georg Bätzing, disse haver uma relativização da dignidade fundamental inerente a todo ser humano, incluindo o que está por nascer. Ele enfatizou "considerar errada tal restrição ou rebaixamento do direito fundamental à vida".

Resistência das alas conservadoras – e da AfD

Confirmando quão polarizado o assunto é, as Igrejas e associações da Alemanha reagiram de formas bem diversas. O bispo da família católico Heiner Koch preferiria manter a regulamentação atual, pois ela "contempla tanto a aflição e angústia da mãe quanto a proteção da criança não nascida". O Comitê Central dos Católicos Alemães critica que o embrião na fase inicial da gravidez tenha menos direito a ser protegido.

Em contrapartida, a associação Pro Familia saúda as recomendações, reivindicando a descriminalização total da interrupção da gestação e a abolição do aconselhamento obrigatório.

Na política, como seria de esperar, a resistência parte do lado conservador. Friedrich Merz, líder da maior legenda de oposição, a União Democrata Cristã (CDU), adverte o governo contra "introduzir um grande conflito social neste país" através de uma reforma.

Numa entrevista a um jornal local, Dorothee Bär, da sigla-irmã bávara União Social Cristã (CSU), manifestou-se "perplexa que a proteção à vida da criança não nascida aparentemente não tenha mais relevância". A ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) igualmente evoca a proteção da vida pré-parto como argumento contra a liberalização.

Mulher porta cartaz "A maternidade será desejada ou não será"
Manifestação no Rio, 28/09/2023: interrupção da gravidez também movimenta sociedade brasileiranull Buda Mendes/Getty Images

Avanços nas leis sobre aborto na Alemanha

Por sua vez, o Partido Verde defende que o governo elabore um projeto de lei a partir das recomendações da comissão e o submeta em breve à apreciação do Bundestag (Parlamento).

Caso a coalizão adote esse curso, os conservadores cristãos e a AfD juntarão provavelmente forças na votação. Isso representa um problema para a CDU/CSU, que de resto mantém uma "parede corta-fogo" em relação à legenda em parte extremista, evitando colaborar com ela.

A CDU/CSU se encontraria diante de um dilema semelhante, caso ela – ou a AfD, ou ambas – recorra ao Tribunal Constitucional Federal contra tal projeto de lei. Uma resolução parlamentar liberal sobre o direito de aborto já foi derrubada por essa corte na década de 1990, resultando nas regras atualmente em vigor, como solução de consenso. Também hoje uma queixa dessa ordem teria boas chances de sucesso.

O governo alemão já implementou ou está levando adiante outras mudanças relacionadas ao aborto. Uma delas foi a eliminação do Parágrafo 219a, segundo o qual eram passíveis de punição os médicos que informassem publicamente sobre interrupção de gravidez.

A proibição por lei do assim chamado "assédio de calçada" está igualmente sendo examinada no Bundestag. No futuro serão classificados como atentado à ordem pública os protestos agressivos de opositores do aborto nas proximidades de postos de aconselhamento, hospitais ou consultórios médicos que pratiquem a intervenção.

"Meu corpo é minha escolha" projetado sobre a Torre Eiffel
Direito das mulheres em Paris: "Meu corpo é minha escolha" projetado sobre a Torre Eiffelnull Mohamad Salaheldin Abdelg Alsayed/Anadolu/picture alliance

Polarização em escala internacional

O exemplo dos Estados Unidos mostra como o tema é polarizador, também no resto do mundo: uma sentença de 2022 do Supremo Tribunal recolocou a legislação sobre o aborto na alçada estadual. Desde então, alguns estados de governo conservador voltaram a restringir radicalmente a intervenção.

Recentemente o Supremo Tribunal do Arizona até mesmo restabeleceu uma lei de 1864 – época da Guerra Civil, quando as mulheres sequer tinham direito de voto. Assim, a interrupção da gravidez fica praticamente proibida no estado, e quem a pratique, sujeito a até cinco anos de prisão.

Na campanha presidencial de 2024, contudo, nem mesmo o republicano Donald Trump se compromete a proibir o aborto em âmbito nacional, caso vença. Uma consulta realizada em março pela Reuters/Ipsos indica que para 57% dos americanos a intervenção deve ser legal, na maioria dos casos ou sempre.

Opositores do aborto protestam em Washington
Opositores do aborto protestam em Washingtonnull OLIVIER DOULIERY/AFP

A legislação em torno do aborto também é tema delicado em outros países ocidentais. Na Polônia, a liberal Plataforma Cívica do primeiro-ministro Donald Tusk venceu as eleições legislativas com a promessa de liberalizar as rígidas leis nacionais. No entanto o plano esbarra na resistência do parceiro de coalizão conservador-cristão Terceiro Caminho.

Na Irlanda, outra nação de forte cunho católico, um referendo decidiu em 2018 pela legalização, com três quartos de maioria – para muitos um resultado surpreendentemente sólido, numa sociedade cujo histórico é marcadamente conservador.

Desde março, a situação é especialmente liberal na França, onde a total impunidade para o aborto ganhou status constitucional, chegando-se a falar de uma "liberdade de interromper a gestação" garantida. O ex-arcebispo de Paris Michel Aupetit reagiu com indignação, afirmando no X (ex-Twitter) que "a lei impele a consciência a matar". O país teria alcançado um nadir, "se transformou num Estado totalitário".

Perante esse contexto, é de se esperar que na Alemanha a questão ainda será objeto de polêmicas acaloradas, caso o governo federal siga as recomendações da comissão que indicou.

O que diz a nova lei de autodeterminação de gênero da Alemanha

O Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) aprovou nesta sexta-feira (12/04) a chamada Lei de Autodeterminação de Gênero, que permitirá a uma pessoa modificar seu nome e seu sexo no registro civil com uma simples declaração de vontade.

A aprovação elimina a exigência de um laudo pericial, como vinha ocorrendo até agora. A partir de 1º de novembro, as mudanças poderão ser realizadas através de um simples procedimento nos cartórios do registro civil do país. 

A lei é voltada para pessoas transexuais, intersexuais e não binárias. Segundo a nova legislação, transexuais são pessoas que não se identificam com o sexo com o qual foram registradas no nascimento. Intersexuais são pessoas que tem características físicas que as impedem de serem claramente identificadas como "(apenas) masculinas ou (apenas) femininas". Não binário é uma autodesignação para pessoas que não se identificam nem como homens nem como mulheres.

Como era

Pela lei anterior, de 1980, quem deseja alterar o sexo registrado deveria apresentar dois laudos psicológicos diferentes e aguardar decisão judicial. Muitas pessoas trans já reclamaram que esse processo é burocrático, oneroso e também discriminatório, por incluir perguntas de caráter íntimo.

O Tribunal Federal Constitucional (suprema corte alemã) já havia determinado que vários trechos da lei de 1980 eram inconstitucionais.

Como fica

Com a nova lei, qualquer cidadão maior de idade pode dirigir-se a um cartório do registro civil e solicitar a alteração. Há tempo para reflexão, pois só depois de três meses é que a mudança passa a valer. O registro poderá ser novamente alterado após um ano.

Os menores de idade poderão modificar o sexo registrado com o consentimento dos pais a partir dos 14 anos, enquanto abaixo dessa idade serão os pais que poderão fazer a alteração se a considerarem conveniente.

A reforma também previne que o sexo anterior de uma pessoa seja revelado contra a vontade dela, sob pena de multa. No entanto, o governo diz que há exceções para impedir que a lei seja usada por pessoas que querem escapar de processos criminais alterando seu nome e sexo.

Questão de dignidade

Defensores dos direitos dos transsexuais afirmavam que a lei ainda em vigor resultava em humilhações, com as pessoas forçadas a serem submetidas a avaliações psicológicas e questionamentos íntimos.

"Como pessoas trans, vez após vez vivemos a experiência de que nossa dignidade é um tema de negociação", afirmou nesta sexta a parlamentar do Partido Verde Nyke Slawik, uma mulher trans que realizou as mudanças de gênero e nome sob a lei atual.

"É difícil colocar em palavras o que essa lei significa para os aguardaram durante anos para que ela fosse aprovada", afirmou Kalle Hümpfner do grupo de defesa dos diretor LGBTQ+ Bundesverband Trans.

Debates acalorados e desinformação

A votação no Bundestag foi disputada e, por vezes, emocional. Ao final, a lei foi aprovada por 374 votos a 251, com o apoio dos partidos da coalizão de governo – o Partido Social-Democrata (SPD), do chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz; o Partido Liberal Democrático (FDP) e os Verdes – e pelo A Esquerda.

Votaram contra os conservadores da União Democrata Cristã (CDU) e da União Social Cristã (CSU), assim como os membros do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) e da aliança populista de esquerda BSW, liderada por Sahra Wagenknecht.

Os conservadores disseram temer que a nova lei possa permitir que no futuro as pessoas mudem de gênero de maneira arbitrária. O parlamentar da AfD Martin Reichardt classificou a legislação como um "absurdo ideológico" levado adiante por "extremistas trans". 

O comissário do governo alemão para temas LGBTQ+, Sven Lehmann, afirmou que a lei ainda em vigor "viola a dignidade humana". Ele considera que a nova proposta é relativamente simples e bastante popular, "apesar de um debate acalorado e de campanhas de desinformação".

Após passar pelo Bundestag, a nova lei não precisará ser submetida à aprovação no Bundesrat (câmara alta do Parlamento).

rc (DW, DPA)
 

Aplicativo alemão alerta usuários sobre impurezas em drogas

"Acho que o que aprendemos é que a retenção de informações sobre as drogas está, na verdade, causando danos, porque as pessoas vão consumir drogas do mesmo jeito", diz Philipp Kreicarek, de 35 anos, criador do KnowDrugs, aplicativo que fornece informações sobre os últimos resultados de análises de pureza de drogas, substâncias psicoativas e também dá dicas sobre o uso mais seguro.

Kreicarek se formou na faculdade de serviço social e trabalhou em um serviço de aconselhamento sobre drogas, concentrando-se na redução de danos em casas noturnas e festas. Naquela época, os frequentadores de raves e clubes noturnos recebiam informações sobre pílulas potencialmente perigosas em postos de informações ou consultando sites específicos.

Ele percebeu que muitos simplesmente não estavam cientes de certos riscos. Por exemplo, as drogas para raves, como as pílulas de ecstasy, agora estão altamente concentradas. Às vezes, é provável que contenham até três ou quatro doses em um único comprimido, ou até mesmo uma substância totalmente diferente. Kreicarek pensou, então, que uma melhor maneira de alcançar as pessoas poderia ser por meio de um aplicativo.

"Acho que certos tipos de overdose podem ser evitados com informações honestas", afirma à DW. "Em geral, acho que o conhecimento sobre substâncias psicoativas permite que as pessoas tomem decisões informadas e sigam práticas de uso mais seguras, o que ajudará a reduzir os danos."

KnowDrugs pode ser baixado de forma gratuita, e os usuários não são obrigados a enviar nenhum dado pessoal. Atualmente, ele tem cerca de 80 mil usuários ativos mensais, 87% dos quais estão na Alemanha, principalmente em Berlim. Também é popular em Budapeste, Varsóvia, Londres e Paris.

Kreicarek trabalha em estreita colaboração com centros de aconselhamento sobre dependência e com o novo serviço Drug-Checking Berlin, que o notifica se houver um aviso sobre uma droga específica ou um lote de comprimidos. Essa informação é então emitida para os usuários do aplicativo por meio de uma notificação push.

Pessoas dançando em casa noturna em meio a luzes coloridas
Kreicarek gostaria que houvesse testes de pureza nas próprias ravesnull Sophia Kembowski/dpa/picture alliance

No início deste ano, circularam rumores de que o opioide altamente potente fentanil havia sido encontrado em drogas usadas em raves em Berlim – temores que o Drug-Checking Berlin conseguiu dissipar. O fentanil não foi encontrado em mais de mil amostras analisadas na capital alemã, embora tenha sido detectado em amostras de heroína confiscadas pela polícia em outras partes da Alemanha.

Kreicarek diz que gostaria de ver o serviço de teste de drogas expandido para incluir a verificação de pureza no local em casas noturnas e festivais. "As pessoas que podem obter drogas dentro de uma boate não estão sendo alcançadas neste momento", lamenta.

Patrocínio do governo

A análise de drogas nem sempre foi tão simples. Em 1995, a Eve & Rave, uma associação que promove a cultura rave, introduziu o teste de pureza de drogas nos local das festas em Berlim.

Seus membros foram então acusados pela promotoria pública de posse de drogas ilegais. Embora nenhum deles tenha sido realmente condenado, foi preciso esperar até 2016 para que a administração de Berlim colocasse em prática seu próprio projeto de teste de drogas.

Após anos de disputas legais e pressão de especialistas e ativistas, Berlim lançou em junho de 2023 seu primeiro serviço gratuito e anônimo de teste de pureza de drogas, financiado pela secretaria de Saúde da capital alemã.

Agora, toda terça-feira, as pessoas podem levar pílulas, comprimidos, líquidos e pós para teste em três centros de aconselhamento. Após uma breve consulta, durante a qual são discutidos hábitos de consumo e práticas de uso mais seguras, uma amostra é coletada para análise química, e os resultados são anunciados por telefone ou pessoalmente alguns dias depois.

De junho a dezembro do ano passado, 1.286 pessoas solicitaram o serviço de teste de drogas, mas 566 (44%) delas tiveram de ser recusadas. Um total de 1.092 amostras foram analisadas em 2023, das quais 494 (45,2%) continham concentrações perigosamente altas de agentes psicoativos, estavam contaminadas com substâncias tóxicas ou eram falsas. Em alguns casos, por exemplo, descobriu-se que o pó ou os cristais vendidos como MDMA, ou ecstasy, eram na verdade de cetamina. Ambos são psicodélicos, mas seus efeitos podem variar.

Os serviços de análise de drogas levam a uma redução na quantidade de drogas consumidas e a um risco menor de overdoses, de acordo com um estudo de 2021 realizado pela The Loop, organização sem fins lucrativos do Reino Unido que oferece teste de drogas na comunidade e em eventos. O estudo também constatou que substâncias de baixa qualidade ou mal rotuladas tinham maior probabilidade de serem jogadas fora ou consumidas com mais cautela, e que os usuários de drogas tinham menor probabilidade de misturar substâncias.

Vasos com plantas de maconha
Desde 1º de abril, alemães podem ter até três plantas de maconha em casanull Emmanuele Contini/NurPhoto/picture alliance

O serviço de análise de drogas de Berlim está sendo avaliado atualmente por um instituto do hospital universitário Charité, e seu relatório deverá ser disponibilizado no final deste ano.

"Já se pode dizer que a análise de drogas atingiu vários usuários que nunca tiveram contato com o sistema de apoio à dependência antes", diz Harrach. "Isso se aplica a 84% dos usuários a partir de 2023."

Todas as drogas devem ser descriminalizadas?

A Alemanha tornou-se recentemente o mais recente país da UE a legalizar a posse e o consumo de cannabis. A nova lei, que entrou em vigor em 1º de abril, permite que os adultos cultivem até três plantas de cannabis em suas próprias casas e armazenem até 50 gramas de maconha.

Mas muitos ativistas acham que isso deve ser apenas o começo. Philine Edbauer, cofundadora da iniciativa My Brain My Choice (MBMC), acredita que o uso e a posse de drogas deveriam ser descriminalizados.

Edbauer argumenta que o estado atual das pesquisas científicas tem pouco a ver com a percepção do público sobre os perigos das drogas ou com o que ela chama de "a promoção do medo de muitos políticos".

Ela exalta aplicativos como o KnowDrugs e acredita que o serviço de análise de drogas em Berlim ajuda a tornar o uso recreativo de drogas mais seguro, ao mesmo tempo em que conecta as pessoas com profissionais de saúde que podem lhes dar conselhos que podem salvar vidas.

"Isso é muito valioso", elogia Edbauer. "Tornar os serviços de saúde realmente acessíveis e reduzir o estigma de buscar ajuda ou apenas fazer perguntas."

"A realidade é que as pessoas usam drogas de qualquer maneira", acrescenta. "A moralidade está desempenhando um papel importante demais na regulamentação das drogas, em vez de se ouvir os cientistas ou deixar de lado a punição no comércio de drogas e adotar estratégias que realmente funcionem."

 

Um balanço sobre a lei alemã de cadeia de suprimentos

Extrair grãos do cacau com facões e carregar sacos pesados durante a colheita é o que meninos e meninas em idade escolar de Gana e outros lugares não deveriam estar fazendo. Mas uma investigação da emissora americana CBS e da suíça SRF revelou que a fabricante de chocolates Mars e a empresa suíça Lindt & Sprüngli poderiam estar envolvidas em casos de trabalho infantil no país africano. Estudos sugerem que cerca de 700 mil crianças continuam trabalhando na indústria do cacau em Gana.

Grandes empresas alemãs também estão sendo criticadas. Fornecedores dos supermercados Edeka e Rewe supostamente violaram direitos ambientais e humanos, afirma a organização não governamental Oxfam. De acordo com investigações das emissoras públicas NDR e WDR e do jornal Süddeutsche Zeitung, um fornecedor da BMW também é suspeito de poluição ambiental.

Tudo isso seriam violações à Lei da Cadeia de Suprimentos, que está em vigor na Alemanha desde o início de 2023. O objetivo da norma é garantir que as matérias-primas importadas de países do Sul Global não tenham sido obtidas por meio de violações de direitos humanos, trabalho infantil e destruição ambiental.

Quando questionada pela DW, a ministra alemã do Desenvolvimento, Svenja Schulze, fez uma avaliação inicial positiva da norma. A Lei da Cadeia de Suprimentos da Alemanha já trouxe conquistas, diz: "Estamos ouvindo de muitos países parceiros que os sindicatos estão sendo levados mais a sério, que escritórios de denúncias estão sendo criados e que há um movimento nas condições de trabalho locais."

Como funciona a lei

As empresas alemãs com pelo menos mil funcionários devem verificar se seus produtos e serviços atendem aos requisitos rigorosos da lei. O Ministério Federal do Trabalho e Assuntos Sociais, que é responsável pela norma, afirma que o objetivo é incentivar as empresas a cumprir as "obrigações de devida diligência". "Essas obrigações se aplicam às suas próprias operações comerciais, às ações de um parceiro contratual e às ações de outros fornecedores (indiretos). Isso significa que a responsabilidade das empresas não termina mais nos portões de suas próprias fábricas, mas se estende por toda a cadeia de suprimentos."

Em particular, a proteção deve ser fornecida contra trabalho infantil e forçado, grilagem de terras, destruição ambiental e salários injustos. O ministro do Trabalho alemão, Hubertus Heil, também lutou por essa lei durante muito tempo. A Alemanha é neste momento uma pioneira, disse ele quando questionado pela DW em uma coletiva de imprensa. Apesar de todas as críticas de algumas empresas, há também companhias engajadas "porque não querem ser criticadas".

O ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, e a ministra alemã do Desenvolvimento, Svenja Schulze, observam costureira trabalhando em um local com diversas outras costureiras.
O ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, e a ministra alemã do Desenvolvimento, Svenja Schulze, em uma fábrica têxtil em Gana em 2023 null Christophe Gateau/dpa/picture alliance

Na Alemanha, uma autoridade federal é responsável pelo monitoramento da Lei da Cadeia de Suprimentos. O Escritório Federal de Economia e Controle de Exportação (BAFA), que também monitora os subsídios e as exportações de armas. Embora tenha havido inspeções iniciais e reclamações sobre violações da lei, ainda não foram aplicadas multas ou penalidades.

Críticas de empresas e da sociedade civil

Para muitas organizações não governamentais, as exigências da lei não são suficientes. As organizações empresariais, por outro lado, reclamam do excesso de burocracia e do custo para recolher toda a documentação.

Em resposta a uma consulta da DW, o presidente da Federação das Indústrias Alemãs (BDI), Siegfried Russwurm, afirmou por escrito: "Muitos efeitos negativos e não intencionais e altos encargos burocráticos estão evidentes na implementação da Lei da Cadeia de Suprimentos."

A organização ambiental e de direitos humanos Germanwatch elogiou de forma geral a norma em uma entrevista à DW. No entanto, seu assessor Finn Schufft também disse: "Ainda há pontos fracos. Entre outras coisas, o fato de que as empresas não podem ser responsabilizadas no âmbito civil."

Ninja Charbonneau, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), define a norma como um "marco", mas gostaria que os direitos das crianças tivessem sido incluídos de forma mais explícita. E "no longo prazo, seria bom se todas as empresas fossem incluídas".

Ruína de edifício desabado, com muitas pessoas em volta observando tratores trabalharem nos destroços
Norma em parte reagiu ao desastre do Rana Plaza em Bangladesh em 2013, que matou mais de 1.100 funcionários de uma fábrica têxtilnull Abir Abdullah/dpa/picture alliance

A lei alemã se insere em um contexto mais amplo de iniciativas normativas de países importadores de matérias-primas para ter maior controle sobre as condições ambientais e trabalhistas em que elas foram obtidas. Um exemplo é a lei antidesmatamento da União Europeia (UE), que proíbe a importação de produtos oriundos e áreas de mata recém-derrubadas, inclusive no Brasil, mas que também sofre críticas sobre sua implementação.

UE deve adotar norma semelhante 

Uma lei europeia sobre a cadeia de suprimentos deve receber luz verde na UE em abril. Ela é semelhante à lei alemã, mas é mais rígida em alguns aspectos. Por exemplo, ela será aplicada a empresas a partir de 500 funcionários. Na Alemanha, o corte ainda é de mil funcionários. Além disso, as empresas que violarem as futuras exigências da UE poderão ser processadas por danos.

No entanto, ainda levará alguns anos até que todos os obstáculos burocráticos sejam superados e a lei da UE entre em vigor. O ministro alemão do Trabalho, Hubertus Heil, disse que a lei alemã continuará a ser aplicada até lá. E acrescentou: "Sem a solução alemã, não teria havido o ímpeto para a solução europeia".

Ultradireita alemã faz vista grossa para condenados em suas fileiras

Ataques físicos como chutes na barriga e atropelamento, violência verbal, incitação ao ódio e ao estupro: essas são algumas das manchas no currículo de diversos políticos com mandato pelo partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), conforme revelado pela agência de jornalismo investigativo Correctiv.

De 48 políticos analisados, 28 foram condenados pelo menos na primeira instância. Isso significa que eles podem ou puderam recorrer da decisão.

Apesar das condenações, 14 ainda representam a AfD no Bundestag (a câmara baixa do Parlamento alemão) ou nos parlamentos estaduais e em instâncias municipais.

Do ponto de vista legal, eles não têm que temer nenhum impedimento nesse sentido: o direito de se eleger para cargos públicos só é revogado na Alemanha em casos mais graves, como homicídio ou estupro.

Segundo o Correctiv, não há casos semelhantes aos da AfD em outros partidos: nem entre os social-democratas, verdes ou esquerdistas, tampouco entre os liberais ou conservadores.

"Campanha de difamação contra a AfD"

Membro do Bundestag e dirigente da AfD, Martin Reichardt reagiu à reportagem desqualificando o site como um "portal de mentiras" que espalha "campanhas para difamar e denegrir a AfD".

Reichardt chegou a ser investigado pela polícia criminal de Erfurt em 2023 após se referir ao presidente Frank-Walter Steinmeier como "um dos piores polemistas e agitadores da história alemã", mas o Ministério Público acabou arquivando o caso.

Políticos de outros partidos, porém, veem no levantamento mais um sinal do perigo que a AfD representa.

"Pessoalmente, eu os considero inadequados para o exercício de um cargo público", afirma Thorsten Frei, líder da bancada conservadora no Bundestag, citando risco às instituições da democracia parlamentar.

Uma mulher branca sorridente de cabelos escuros
A ex-deputada do Bundestag Birgit Malsack-Winkelmann (foto de arquivo) está presa preventivamente desde dezembro de 2022 sob suspeita de integrar uma organização terroristanull Metodi Popow/IMAGO

A pressão sobre a AfD vem aumentando há meses, principalmente desde a revelação, também pelo Correctiv, de que líderes da sigla participaram de uma reunião onde teria sido discutida a deportação de pessoas da Alemanha, inclusive imigrantes naturalizados alemães. Desde então, centenas de milhares têm saído às ruas por toda a Alemanha para protestar contra o extremismo de direita.

Elos com a propaganda russa

No início de abril, o governo da República Tcheca anunciou ter descoberto uma rede de propaganda que também teria conexões com a AfD. Por meio do portal "Voice of Europe", a Rússia teria tentado prejudicar a Ucrânia e influenciar a política da União Europeia – o que incluiu, segundo alguns veículos da imprensa alemã, pagamentos a políticos do partido dispostos a cooperar.

Até agora, porém, esses escândalos não tiveram praticamente nenhuma consequência para a AfD. O partido, que em parte já é acompanhado de perto pelas autoridades alemãs de inteligência, rejeita todas as acusações e tem subido o tom contra a imprensa, instituições democráticas e outros partidos.

Na verdade, a AfD tem dobrado a aposta: em convenções regionais recentes do partido, membros particularmente radicais foram fortalecidos.

Até mesmo a juventude partidária, que é conhecida pelo seu radicalismo e slogans inconstitucionais e racistas, deixou de ser uma questão polêmica dentro da sigla e passou a desfrutar de amplo apoio interno.

Um homem em meio a uma multidão segurando uma bandeira da ala jovem da AfD
Militantes da ala jovem da AfD: entidade está sob observação dos serviços de proteção da Constituiçãonull Alex Talash/dpa/picture alliance

Mesmo os mais radicais estão se tornando mainstream

A solidariedade interna aos nomes mais radicais do partido e a postura condescendente diante de escândalos políticos são apontadas por observadores como consequências da radicalização contínua da AfD como um todo.

Muitos de seus membros mais moderados foram pressionados internamente e deixaram a legenda. Os mais radicais, como o líder estadual da Turíngia Björn Höcke, agora têm influência praticamente irrestrita.

Björn Höcke, um homem branco e grisalho de olhos azuis
Björn Höcke, presidente estadual da AfD na Turíngia, já marchou em protestos ao lado de neonazistasnull imago images

E as pesquisas parecem chancelar Höcke, mostrando a AfD na Turíngia e em outros estados do leste alemão com mais de 30% das intenções de voto.

O garoto propaganda da AfD na Turíngia, porém, também está no radar da Justiça alemã: em abril, ele terá que comparecer a um tribunal para se explicar uma segunda vez por ter brandido um slogan proibido dos nazistas da SA, a milícia paramilitar de Adolf Hilter, durante um evento em dezembro de 2023. Höcke teria dado a deixa ao público, incitando-os a completar a frase: "Tudo pela… [Alemanha]." Höcke nega.

O partido que faz alemães temerem a volta do nazismo

 

Alemanha sofre pressão na Justiça para cortar ajuda a Israel

Meses de protestos de ruas não convenceram autoridades do governo alemão a mudar sua posição em relação ao apoio militar a Israel, e os organizadores de atos em defesa do povo palestino passaram a recorrer à Justiça na esperança de obter mais sucesso.

Na semana passada, advogados em Berlim protocolaram uma "ação urgente" em nome dos palestinos contra o governo alemão em um tribunal do país, de acordo com uma declaração do European Legal Support Center, uma organização sem fins lucrativos alinhada ao movimento de apoio aos palestinos.

A ação alega que "armas alemãs estão sendo usadas para cometer graves violações do direito internacional, como o crime de genocídio e crimes de guerra". Os autores pedem que a Justiça ordene a interrupção da exportação de armas alemães para Israel.

Na sexta-feira passada, a porta-voz adjunta do governo federal alemão, Christiane Hoffmann, disse aos repórteres que responderia em outro momento à ação judicial.

O processo está relacionado as acusações criminais apresentadas em nome dos palestinos em fevereiro contra membros específicos do alto escalão do governo alemão, incluindo o chanceler federal, Olaf Scholz, a ministra do Exterior, Annalena Baerbock, e o ministro da Economia, Robert Habeck, cujas pastas têm a maior responsabilidade na aprovação das licenças de exportação de armas.

Alguns países, como o Canadá e a Holanda, tomaram medidas para rever seu apoio militar a Israel desde o início da guerra na Faixa de Gaza

"Armas de guerra" x "equipamentos militares"

A iniciativa judicial mais recente mira o governo alemão como um todo, e argumenta especificamente contra as "armas de guerra". As leis alemãs sobre licenças de exportação as distinguem de "outros equipamentos militares". As "armas de guerra" incluem tanques e jatos, e sua exportação precisa cumprir requisitos mais exigentes.

"Outros equipamentos militares", como definido pela terminologia, podem incluir itens como capacetes, coletes à prova de balas, suprimentos médicos e recursos de treinamento.

Em duas décadas, de 2003 a 2023, o governo alemão aprovou quase 3,3 bilhões de euros em licenças de exportação de armas para Israel, de acordo com a Forensis, uma organização sem fins lucrativos com sede em Berlim. Mais da metade desse valor foi listado como "armas de guerra", incluindo itens de grande porte, como submarinos.

A Forensis está alinhada aos autores da ação, mas seu relatório baseia-se em dados abertos do governo alemão e de outras fontes públicas, como o Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (Sipri). Em um relatório recente do Sipri, a Alemanha foi listada como o segundo maior fornecedor de armas de Israel, atrás dos Estados Unidos, entre 2019 e 2023. Os dois países são responsáveis por quase todas as importações de armas de Israel. Em 2022 e 2023, a divisão entre os dois foi de quase 50-50.

Mas no último período de cinco anos, o relatório da Forensis afirma que o valor das "exportações reais" de "armas de guerra" alemãs para Israel é "confidencial" ou "não divulgado", para "evitar a 'identificação de empresas relevantes' e 'proteger segredos comerciais e empresariais'", citando um relatório do governo alemão de 2020.

O governo alemão aprovou quase todas as licenças de exportação para Israel desde 2003. Em 2023, o valor total das licenças de exportação de armas aprovadas foi cerca de dez vezes maior do que o do ano anterior e excedeu a média de 20 anos.

Valor total é apenas parte da história

Navios, veículos blindados, artefatos explosivos e peças de tanques e aeronaves estão entre os itens de exportação que a Alemanha aprovou para Israel durante o período de duas décadas, e são exemplos de "armas de guerra" no alvo do processo movido pelos apoiadores dos palestinos.

Os autores da ação alegam que esses tipos de licenças continuaram a ser emitidas sem interrupção após o ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro, que provocou a retaliação sem precedentes de Israel na Faixa de Gaza e é o foco das alegações de genocídio e outros crimes de guerra.

Embora as autoridades alemãs, até o momento, disseram pouco sobre o assunto, a defesa do governo na Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia, nesta semana, dá uma ideia de como a Alemanha deve se defender nos processos que tramitam nos seus tribunais nacionais.

Embora os processos sejam separados, tanto a Nicarágua, em nível internacional, quanto os autores pró-palestinos, em nível nacional, querem que o apoio da Alemanha a Israel e que as exportações de armas, em particular, parem, e acusam Berlim de um suposto apoio a genocídio e de violação do direito internacional.

Uma mulher e um homen, em vestes formais, sentados em uma bancada de tribunal. Na mesa em frente deles, uma placa com a palavra Allemagne.
A Alemanha se defendeu contra as acusações da Nicarágua na CIJ, em Haia, nesta terça-feira null Dursun Aydemir/Anadolu/picture alliance

As autoridades alemãs não contestam os números gerais de exportação, embora discordem da forma como foram caracterizados. Os advogados que representam a Alemanha na CIJ retrataram a ação da Nicarágua como "sem base factual ou de direito".

"O quadro apresentado pela Nicarágua é, na melhor das hipóteses, impreciso e, na pior, uma deturpação deliberada da situação real", disse Christian Tams, professor de direito internacional da Universidade de Glasgow, ao painel de juízes da CIJ na terça-feira.

Ele apresentou dados detalhados que mostram uma redução gradual das aprovações de exportação desde o início da campanha de Israel em Gaza. Ele também indicou que o que foi aprovado e entregue não eram armas de guerra, mas que só poderiam ser usadas para treinamento e apoio.

Os "laços estreitos" entre a Alemanha e Israel, disse Tams, são "baseados em uma estrutura legal robusta que avalia os pedidos de licença de exportação caso a caso e que garante a conformidade com a lei nacional e as obrigações internacionais da Alemanha".

Protesto interno de servidores

O relatório da Forensis parece apoiar essas alegações, pelo menos em parte, e mostra mais aprovação de licenças de exportação para "outros equipamentos militares" do que para "armas de guerra", especialmente em 2023 – embora os números confidenciais e não divulgados sobre as "exportações reais" de armas de guerra não estejam contabilizados.

Para decidir se os processos contra a Alemanha têm mérito, os tribunais provavelmente terão que analisar esses números com muita precisão, para determinar se a diferenciação da Alemanha entre os tipos de apoio militar retrata com exatidão sua capacidade real de contribuir com supostos crimes de guerra. É improvável que haja decisões definitivas tão cedo, embora um julgamento inicial sobre a questão da CIJ possa ocorrer dentro de semanas.

Até lá, o governo alemão poderá ter que enfrentar uma revolta interna. Antes do processo na CIJ, centenas de funcionários públicos alemães supostamente enviaram uma carta anônima de protesto, de acordo com reportagens da mídia alemã de esquerda e da rede Al Jazeera em inglês.

"Israel está cometendo crimes em Gaza que estão em clara contradição com o direito internacional e, portanto, com a Lei Básica", diz a declaração, referindo-se à Constituição da Alemanha. "Portanto, é nosso dever, como servidores federais, criticar essa política do governo federal e lembrá-lo de que o governo federal deve aderir estritamente à Constituição e ao direito internacional".

A DW não pôde verificar de forma independente a veracidade da carta. Um porta-voz do Ministério da Economia disse que "geralmente não comentamos cartas abertas". Um porta-voz do Ministério do Exterior confirmou que foi recebida uma comunicação alegando ser de membros do serviço público alemão.

Não foram fornecidos mais detalhes, a não ser uma reiteração da rejeição do governo alemão às acusações de que seu apoio a Israel viola a lei nacional ou internacional.

Mulheres são sub-representadas nas Forças Armadas alemãs

"Formação de parada, ouçam meu comando", ordena Inka von Puttkamer durante uma cerimônia militar na base naval em Kiel. Ela é a nova comandante do 3º Esquadrão de Caça-minas, se tornando, assim, a primeira mulher a chefiar uma unidade de combate da Marinha alemã.

Todas as carreiras na Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha) estão abertas às mulheres desde 2001. Essa foi a resposta do país a uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça (TEJ) um ano antes. "Muita coisa aconteceu desde então", disse Maja Apelt, socióloga militar da Universidade de Potsdam. De fato, há muito mais mulheres servindo na Bundeswehr hoje do que décadas atrás. Enquanto em 1985 havia apenas 117 mulheres, proporção insignificante do pessoal militar, essa parcela tem aumentado constantemente desde então.

Em dezembro de 2023, mais de 24 mil mulheres estavam servindo no Exército alemão. Além disso, hoje há dentro das Forças Armadas um comissariado militar para igualdade de oportunidades. "Muita coisa aconteceu no aspecto formal", acrescenta Apelt.

No entanto, como um todo, a proporção de mulheres na Bundeswehr ainda é baixa. Apenas cerca de 13% dos militares são mulheres. A maioria delas – mais de 8 mil – serve no serviço médico. Se essas mulheres forem excluídas, a proporção cai para menos de 9%. E, no entanto, o governo alemão só recentemente estabeleceu a meta de atingir uma cota de 20%.

Defasagem internacional

Isso colocaria a Alemanha à frente de parte da comunidade internacional. No entanto, o país ainda está atrasado em relação a outras nações desenvolvidas. Nos EUA, por exemplo, quase 20% das mulheres já servem militarmente. Mesmo no Marine Corps (Corpo de Fuzileiros Navais), ramo particularmente exigente das Forças Armadas, há quase 10% de mulheres. Na Europa, a Noruega lidera, com 15,7% de militares do sexo feminino. Se considerarmos apenas os recrutas, o número chega a 36%. Na França, a proporção de mulheres é de 16,5%.

A Alemanha ainda está muito longe desses números. Em seu relatório anual, Eva Högl, comissária do Parlamento alemão para as Forças Armadas, enfatiza a importância das mulheres na tropa. "Elas aumentam a qualidade do serviço com sua experiência e habilidades, como mostram os estudos: equipes mistas são sempre as melhores e mais eficientes".

"Além disso, as mulheres nas Forças Armadas também garantem que as preocupações e os anseios das mulheres sejam levados em conta nas áreas de conflito", acrescenta a socióloga Maja Apelt.

Mulher soldado segurando rifle em fileira durante evento militar
Apenas cerca de 13% dos militares são mulheres na Alemanhanull Sean Gallup/Getty Images

Mulheres em posições de liderança

O relatório da comissária Eva Högl aponta também que são poucas as mulheres em posição de comando nas Forças Armadas alemãs. "As mulheres ainda estão significativamente sub-representadas em cargos de liderança, mesmo no serviço médico, onde a proporção de mulheres tem sido muito alta há anos. Mesmo as poucas mulheres que apresentam carreiras exemplares – mais recentemente a primeira mulher comandante de batalhão do Exército ou a primeira mulher comandante de submarino da Marinha – não conseguem esconder esse fato". Nas Forças Armadas alemãs há atualmente apenas três mulheres que se tornaram generais – todas elas são médicas.

Esse pode ter sido um dos motivos dos resultados de uma pesquisa recente, publicada pelo Centro de História Militar e Ciências Sociais da Bundeswehr. De acordo com o levantamento, apenas 36% das mulheres jovens entre 16 e 29 anos acham que a Bundeswehr é um empregador atraente, enquanto 56% dos rapazes têm essa opinião.

A Bundeswehr reflete a sociedade

Outros problemas que podem tornar o Bundeswehr pouco atraente para as mulheres são a incompatibilidade entre carreira e família e casos de assédio sexual. Em 2022, houve mais de 350 incidentes registrados de supostas ofensas contra a autodeterminação sexual. Uma investigação interna mostrou que 80% das pessoas afetadas eram mulheres.

Maja Apelt reconhece uma dimensão social maior nesse fato. A Bundeswehr é o reflexo de um meio no qual os homens dominam. "E quase nenhuma outra profissão está tão intimamente associada à masculinidade quanto a profissão militar".

No entanto, Apelt diz que as mulheres de sucesso nas Forças Armadas são fundamentais para dar o exemplo e abrir caminho. "Modelos são importantes", enfatiza Apelt, especialmente em posições de liderança.

Inka von Puttkamer, a primeira mulher a chefiar uma unidade de combate naval, também se vê como um modelo a ser seguido. No entanto, ela também enfatiza que isso não deve mais ser algo especial na Marinha atual. "Acho difícil que o fato de ser mulher seja sempre enfatizado. A Bundeswehr oferece a meu marido e a mim a oportunidade de ocupar posições de liderança e de poder combinar isso com a vida familiar. Sem dúvida, isso é estressante e exige muita organização e planejamento antecipado. Mas é possível."

 

CIJ inicia audiência sobre ação da Nicarágua contra Alemanha

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede na cidade holandesa de Haia, inicia nesta segunda-feira (08/04) dois dias de audiências para analisar um processo movido pela Nicarágua que acusa a Alemanha de cumplicidade com o que chama de genocídio do povo palestino cometido pelas forças de Israel na Faixa de Gaza. A Nicarágua apresentará seus argumentos nesta segunda-feira e a Alemanha, na terça-feira. 

A ação se baseia na Convenção sobre Genocídio, uma das muitas leis internacionais criadas em resposta ao pior genocídio do século 20. Sob os auspícios da recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), o tratado de 1948 visa tornar realidade o "nunca mais", um conceito que surgiu do extermínio sistemático pela Alemanha de 6 milhões de judeus e milhões de outras pessoas durante o Holocausto.

Ao estabelecer uma estrutura legal para o termo genocídio, a convenção espera evitar que outros ocorram – embora vários crimes de guerra em grande escala tenham ocorrido em todo o mundo nas décadas seguintes à assinatura do pacto.

Alemanha e Israel são dois dos mais de 150 países signatários da convenção. Ser signatário significa ter a responsabilidade legal de defender as disposições da convenção – que fala não só em não cometer genocídio, mas também em prevenir e punir esse crime. É permitido ainda acusar formalmente outro país em caso de violações.

E foi isso que a Nicarágua – também signatária – fez contra a Alemanha em 1º de março, argumentando que isso acontece de duas formas: por meio da ajuda militar e financeira da Alemanha aos israelenses, e por ter parado de financiar a agência da ONU para os refugiados palestinos (UNRWA).

A ação alega que Berlim, com seu apoio constante a Israel, "não cumpriu sua obrigação de impedir o genocídio" e, portanto, "contribuiu para o cometimento de genocídio em violação à convenção" de 1948 e a outros elementos do direito internacional.

A Nicarágua pede que o tribunal implemente "medidas provisórias" contra a Alemanha, como exigir a suspensão de seu apoio a Israel, "em particular sua assistência militar, incluindo equipamentos militares, na medida em que essa ajuda possa ser usada na violação da Convenção sobre Genocídio".

Por que as acusações de genocídio

Após os ataques terroristas do grupo fundamentalista islâmico Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023 – que, segundo as autoridades israelenses, mataram cerca de 1.200 pessoas, sendo pelo menos 850 civis –,  Israel iniciou uma campanha de bombardeios contra Gaza.

O número de palestinos mortos já passa de 32 mil, ou mais de 1,5% da população do enclave, de acordo com as autoridades de saúde locais. Organizações de ajuda humanitária afirmam que o número de vítimas pode ser muito maior.

A ONU e grupos de direitos humanos vêm acusando as forças israelenses de ataques indiscriminados contra civis em Gaza. Até mesmo aliados ferrenhos de Israel, como os Estados Unidos, consideraram o número de mortes de civis alto demais.

Mas as ações de Israel podem ser classificadas de genocídio? Em uma decisão de janeiro no âmbito de um processo aberto pela África do Sul contra Israel, a CIJ considerou que "pelo menos alguns dos atos e omissões alegados pela África do Sul como tendo sido cometidos por Israel em Gaza parecem poder ser enquadrados nas disposições da Convenção [sobre Genocídio]".

Mais tarde, em 28 de março, a Corte acrescentou outras disposições, inclusive pedindo a Israel que informe ao tribunal como está cumprindo suas obrigações com a lei internacional.

O governo israelense vem rejeitando as acusações de genocídio. A Alemanha, por sua vez, defende abertamente a posição de Israel e também nega ter cometido qualquer crime ela própria.

"Valorizamos a CIJ e, é claro, participaremos dos procedimentos e nos defenderemos", afirmou Christian Wagner, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores alemão, após o processo aberto na Corte. "Mas vamos deixar bem claro que, obviamente, rejeitamos essa acusação feita contra nós pela Nicarágua."

O potencial impacto do processo

O processo da Nicarágua tem como base a ação sul-africana e pode testar um argumento legal de que a decisão de janeiro aciona certas obrigações de Estados terceiros, como a Alemanha.

"Há um grau considerável de ambiguidade em torno dessas questões. Contudo, o caso da Nicarágua quanto ao mérito enfrenta sérios obstáculos", afirma Michael Becker, professor assistente de direito internacional dos direitos humanos no Trinity College Dublin.

Um desafio para a Nicarágua é acusar Israel de genocídio sem envolver diretamente Israel no caso. Para obter uma decisão contra Berlim, "provavelmente será importante para a Nicarágua estabelecer que algumas das obrigações da Alemanha não dependem do fato de Israel ter violado o direito internacional, mas são acionadas por um risco grave", diz Becker.

Embora todo signatário do tratado tenha o mesmo direito de comparecer perante o tribunal de justiça, a Nicarágua enfrenta um obstáculo maior no tribunal da opinião pública.

"A Nicarágua é claramente uma ditadura", afirma Sophia Hoffmann, acadêmica de relações internacionais da Universidade de Erfurt, na Alemanha. "Diferente da África do Sul, que não só é uma democracia, como tem uma narrativa positiva incrivelmente bem-sucedida por trás dela."

Em outras palavras, a África do Sul tem mais credibilidade no cenário internacional, dado o desmantelamento de seu próprio regime de apartheid e a transição para a democracia na década de 1990.

Usando um dado como exemplo, o mais recente Índice de Democracia da Economist Intelligence classifica a África do Sul em 47º lugar – uma "democracia falha", semelhante à dos Estados Unidos e a de Israel. Já a Nicarágua figura em 143º lugar, próxima a regimes "autoritários" e apenas uma posição à frente da Rússia.

Ainda assim, "é claro que há também uma reivindicação muito legítima e importante a ser feita", diz Hoffmann. "As regras são para todos", e a Alemanha "está sendo um pouco dúbia no que diz respeito a apoiar a lei internacional de um lado, observar o que está acontecendo na Ucrânia e fazer vista grossa em relação a importantes aliados políticos".

"Armas alemãs contribuem para a morte de civis"

A Alemanha não é o único aliado de Israel, mas é um dos mais fortes. Depois dos EUA, foi o maior fornecedor de armas para Israel entre 2019 e 2023, respondendo por 30% das importações, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), que pesquisa conflitos. Após 7 de outubro, o governo alemão ainda autorizou entregas adicionais.

"A ideia de que armas alemãs estão contribuindo para a morte de muitos, muitos civis – milhares de civis, mulheres, crianças – é uma ideia horrível", afirma Hoffmann.

Antes de abrir seu processo, a Nicarágua enviou notas diplomáticas à Alemanha e a outros países ocidentais que apoiam Israel ou que haviam retirado o financiamento à UNRWA, devido a alegações israelenses pouco fundamentadas de que alguns funcionários da agência da ONU estariam envolvidos nos ataques de 7 de outubro.

A campanha diplomática da Nicarágua pode ter tido algum efeito, já que alguns países suspenderam a venda de armas ou restauraram o financiamento em um cenário de piora das condições em Gaza. A Alemanha, no entanto, manteve o curso. O financiamento à UNRWA foi retomado somente no início de abril, mas sem incluir Gaza, enquanto uma investigação sobre as alegações de Israel segue em andamento. 

"Razão de Estado" sob pressão

A CIJ não tem o poder de exigir o cumprimento de suas decisões, mas estas podem aumentar a pressão política e pública sobre um governo.

Independentemente das consequências tangíveis, a Alemanha está enfrentando um dilema existencial. Sua identidade pós-guerra está enraizada na defesa dos princípios universais do direito internacional, que foi motivada em grande parte por seus próprios crimes históricos. E com base nisso surge seu apoio específico a Israel – apesar do crescente distanciamento do Estado judaico em relação a muitos judeus em todo o mundo.

O apoio alemão a Israel é expresso na chamada Staatsräson do país, ou "razão de Estado", um conceito político ambíguo que torna certas políticas estatais inatacáveis. A Agência Federal de Educação Cívica da Alemanha entende o conceito mais em um contexto autoritário ou monárquico do que em um contexto democrático.

Entre outros problemas, o apoio da Alemanha a Israel por ter cometido genocídio de judeus no passado corre o risco de confundir o Estado com o povo, o que poderia ser por si próprio antissemita de acordo com a polêmica definição de antissemitismo adotada pela Aliança Internacional de Memória do Holocausto (IHRA) que a Alemanha usa em vários níveis governamentais.

O caso se encaixa em uma crítica internacional mais ampla às restrições internas da Alemanha à liberdade de expressão acadêmica e cultural, o que levou muitos no país a serem "vítimas ou alvos de repressão contra essa definição muito ampla e abrangente de antissemitismo", diz Hoffmann.

O tribunal reservou dois dias para ouvir o caso da Nicarágua contra a Alemanha, em 8 e 9 de abril, com cada país tendo um dia para apresentar seus argumentos oralmente. Uma decisão poderá ser tomada dentro de semanas.

"O direito internacional se beneficiaria de um esclarecimento com relação às ações que um Estado deve tomar para cumprir essas obrigações", diz Becker, professor de direito internacional. "As reivindicações da Nicarágua contra a Alemanha apresentam um caso concreto no qual essas questões podem ser potencialmente examinadas."